quarta-feira, agosto 27, 2025

Governança e Qualidade: O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing

Infohabitar, ano XXI, n.º 946

Edição: quarta-feira 27 de agosto de 2025

  

Editorial

Tal como foi referido há uma semana, começamos hoje a editar uma série de artigos realizados por novos autores ainda não editados aqui na Infohabitar e ligados à recente revitalização do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – antigo Grupo Habitar, uma associação técnica e científica sem fins lucrativos que tem estado a redinamizar a sua ação com diversas atividades por todo o País e que serão, brevemente, aqui divulgadas.

Deste modo temos o gosto muito especial de passar, em seguida, ao texto que nos foi enviado pelo colega Ivo Oliveira, a quem saudamos de forma muito cordial, texto este intitulado Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial e que constitui a sua Comunicação apresentada no 16ª Congresso dos Arquitetos | Qualidade e Sustentabilidade: Construir o [nosso] futuro e na respetiva Sessão Paralela 6 | Colaborar pelo compromisso com a qualidade da casa comum, que foi realizada em 4 de março de 2023, no Auditório do Teatro Micaelense, Centro Cultural e de Congressos, Ponta Delgada, São Miguel, Açores.

O texto é editado na sua versão completa, apresentada no referido Congresso; aproveitando-se, finalmente, a oportunidade para dar as boas-vindas ao colega Ivo Oliveira ao grupo dos autores Infohabitar e, naturalmente, para lhe agradecer esta importante contribuição.

Aproveita-se para fazer uma nota prática importante, relativamente à RENOVADA disponibilização na margem direita da edição da Infohabitar de uma listagem ilustrada dos artigos mais lidos e respetivos links


António Baptista Coelho

Editor da infohabitar


Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

Ivo Oliveira

A presente comunicação responde ao desafio lançado pela Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitectos, de aprofundamento de um dos temas discutidos na Assembleia Regional Norte Extraordinária, realizada a 2 de dezembro de 2023 em Vila Real, na qual foram apreciados os temas propostos para discussão no 16º Congresso dos Arquitetos.

Desenvolve-se um olhar orientado para os territórios vulneráveis do ponto de vista ambiental e social, caracterizam-se as frágeis condições de exercício da profissão em contexto de entidades empresariais privadas e municipal. Identificam-se contradições que são indissociáveis da crise demográfica, da forma como nos movemos e fixamos no território e do retardar de uma resposta clara aos desafios do presente. Tentar-se-á revisitar anteriores formas de organização e associação, defendendo a sua atualidade.

O exercício da profissão nos territórios mais frágeis enfrenta sérias dificuldades. As dinâmicas económicas e demográficas explicam volumes de encomenda reduzidos, e a possibilidade de, a partir destes territórios, se projetar para os grandes centros urbanos, na prática, não se tem verificado. A falta de recursos humanos, o afastamento de entidades centrais fundamentais à aprovação de projetos e planos, bem como das empresas que asseguram especialidades em trabalhos de maior complexidade técnica reduz a competitividade, mesmo quando se projeta para o seu território próximo.  Por agora, a diluição da distância proporcionada pelas infraestruturas físicas e digitais, na conceção, no licenciamento ou na obra, não anulou de forma significativa estes desequilíbrios.  É neste quadro que se movem as entidades privadas prestadoras de serviços de arquitetura implantadas nos territórios mais frágeis e é ele que explica a dificuldade que têm em se robustecer.

As fragilidades estendem-se aos gabinetes técnicos municipais, no insuficiente número de técnicos, na sua instabilidade e, talvez, na sua menor autonomia face aos eleitos. Proporcionalmente, o esforço exigido a um pequeno município para assegurar o quotidiano da gestão urbanística é superior ao que é exigido aos municípios das áreas mais populosas e dinâmicas. Perante os escassos recursos internos, ganha relevância e reforçado impacto a contratação externa de serviços de arquitetura e urbanismo.

No caso dos Planos Diretores Municipais, a dependência da contratação de serviços externos tem consequências claras. Ela impede uma gestão mais variável da encomenda e dificulta o estabelecimento de um vínculo forte entre a equipa projetista e o território. Em 1985 num artigo com o título “O PDM Vale a Pena”, Nuno Portas afirma que "o modelo de contratação externa do Plano tende a falhar porque confirma uma separação entre quem concebe e quem executa” (1).

Com a mais recente geração de instrumentos de ordenamento, a separação entre conceção e execução não abrandará. A realização dos PDM bem como dos Planos de Pormenor, dos Planos de Urbanização, das Unidades de Execução e dos Contratos de Execução que, de acordo com a Lei dos Solos de 2014, viabilizam a reclassificação de Solo Rústico em Solo Urbano (2), exige recursos que os municípios não têm. Adicionalmente, a curto prazo, poderá ser necessário rever os planos tendo em vista a sua adaptação a diretivas estabelecidas no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. Continuará crescente a necessidade de contratação externa, e com ela, inevitavelmente, a conceção continuará fragmentada e a execução dos planos difícil de acompanhar.

A contratação externa de serviços destinados aos territórios mais frágeis tem impacto nas políticas de reforço da coesão e resiliência territorial. Os dados da contratação pública confirmam que parte significativa do investimento nestes territórios, gera rendimento e capacidade técnica em entidades prestadoras de serviços de arquitetura e urbanismo localizadas nos grandes centros urbanos (3).  A complexidade do caderno de encargos e a relevância dos fatores prazo e preço são particularmente favoráveis às equipas projetistas localizadas nos grandes centros. Compromete-se assim uma prolongada e consistente aproximação de quem concebe ao lugar, confirma-se o afastamento entre o território para o qual se concebe e o local de conceção.

Em “Auto-sustentabilidade das políticas locais e de coesão territorial” Helena Curto e Álvaro Dias (4) confirmam que o endividamento líquido municipal per capita é maior nos municípios em crise demográfica. Endividamento que se acentua com o aumento da parcela de investimento municipal destinada às infraestruturas e equipamentos. Ao esforço de construir junta-se o esforço da reabilitação, da manutenção e do funcionamento destes equipamentos em contexto de crise energética, de imperativa descarbonização e de escassez de recursos humanos. Paradoxalmente, apesar do crescente endividamento municipal per capita, identificam-se em muitos dos mais frágeis municípios, valores positivos de crescimento económico. Conclui-se que a produção de riqueza está cada vez menos dependente dos recursos humanos locais. Na extração de lítio, na floresta intensiva, na agroindústria, na agropecuária ou nos parques de energia, sejam eles hídricos, eólicos ou fotovoltaicos ocupa-se o solo, mas não se ocupam os lugares. Ganham protagonismo investimentos extrativistas de elevado impacto ambiental, que exigem pouco capital humano local e que, de novo, alimentam circuitos tecnológicos, produtivos e económicos sediados nos grandes polos urbanos. As novas atividades alimentam dinâmicas económicas de geografias mais distantes, não alteram dinâmicas demográficas e não interferem num conjunto edificado que é frágil. 

Sobre a redução das assimetrias, sobre a relação entre o investimento e a redução das desigualdades Elsa Pacheco e António Costa afirmam que “a eficácia das sucessivas renovações da rede rodoviária em áreas de menor densidade de ocupação, baseadas na ideia da promoção do desenvolvimento e da redução das assimetrias, só se confirma quando se fazem acompanhar de imaginação e inovação dirigida para o aproveitamento das oportunidades criadas” (5). Exige-se, então, imaginação e inovação aos que nestes territórios são responsáveis pelo planeamento territorial. Esforço difícil, por acontecer num contexto de crise ambiental e demográfica e de aumento das competências atribuídas aos municípios. Como se pode, nos territórios mais frágeis, reforçar práticas de arquitetura e planeamento que considerem os objetivos de desenvolvimento sustentável fixados pelas Nações Unidas?

Qual o patamar e a organização capaz de contribuir para a consolidação de um pensamento territorial estratégico robusto e resiliente aos ciclos políticos, que resista aos impulsos reféns de práticas expansionistas e capaz de pensar prolongadamente e estrategicamente os territórios mais frágeis, sejam eles urbanos, rurais, metropolitanos, insulares, do litoral, dos grandes sistemas hidrográficos, da raia ou a mistura de muitos destes?

Perante atividades económicas e desafios ambientais que escapam aos limites dos municípios, importa olhar para níveis intermédios vinculados a sistemas territoriais claros. No patamar das NUTs III, correspondente às Comunidades Intermunicipais (CIM), por exemplo do Cávado, do Ave, do Tâmega e Sousa, da Lezíria do Tejo, do Douro, identificam-se sistemas paisagísticos e territoriais cuja leitura partilhada tem um potencial agregador. Nas CIM é possível encontrar uma plataforma comum aos municípios sem que se perca legitimidade política. A sua crescente exemplaridade na gestão de infraestruturas e equipamentos pode ser acompanhada por experiências de um planeamento, desejavelmente, estratégico e flexível.  Trata-se, portanto, de instalar capacidade técnica em espaços que associam municípios, “a concentração de serviços num centro de poder, seja ele eleito ou delegado, pode começar pela concentração de aspetos relativos ao planeamento estratégico, aspetos que se perdem de vista se tratados apenas nos limites de cada município” (6).

Em 1975 Nuno Portas considerava “prioritário montar serviços locais de planeamento e gestão urbanística (municipais nas principais cidades, intermunicipais nas áreas metropolitanos, provinciais ou regionais para conjuntos de municípios que não tenham a possibilidade de manter esses serviços), mas com a condição de se manterem estreitamente articulados com os responsáveis políticos e administrativos da área e, na base, com organizações ‘autónomas’ das populações”. Em 1980 a lei nº10 procedeu à criação de Gabinetes de Apoio Técnico (GAT) com dependência transitória do Ministro da Administração Interna, enquanto não fosse possível formalizar outro modo de integração de carácter descentralizado, nomeadamente a sua inserção em associações ou federações de municípios, competindo ao Ministério suportar custos de instalação e as despesas com o pessoal, devendo os municípios participar. Embora a extinção dos GAT se inicia com a publicação da portaria n.º 304/94, fundamentada no reconhecimento de que estava consolidado o corpo técnico municipal, só em 2007, na sequência do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado, se procede à extinção definitiva dos GAT.

Não se sabe se em 2007 o corpo técnico dos municípios estava efetivamente consolidado, mas sabe-se que hoje, em muitos municípios, ele está fragilizado.  É neste contexto que interessa olhar para possibilidades que reforcem a robustez técnica, que interessa recuperar a figura dos GAT. Contribuindo para a criação de espaços nos quais se poderá pensar estrategicamente o território, espaços que reforçam a fixação de um corpo técnico qualificado e que respondem ao problema já identificado por Nuno Portas em 1985 “a contratação fora é um incentivo à concentração de técnicos em Lisboa e no Porto, a encomenda concentrada em poucas entidades produz processos de tipificação e desadequação”. Referindo-se aos Planos de Ordenamento Nuno Portas afirmava que “um Plano deve ser um fato à medida do município, não têm de ser todos iguais”, à medida de cada lugar, do seu território, dos seus recursos técnicos ou materiais, das suas antigas e novas fileiras produtivas, do seu edificado, dos seus sistemas ecológicos e ambientais e claro, à medida da capacidade existente para o executar, de preferência, coletivamente.

Trata-se, portanto, de recuperar e reinventar um espaço no qual é possível iniciar uma resposta coletiva e intermunicipal à fixação de população, à capacitação dos técnicos, à reabilitação dos espaços urbanos e rurais. Trata-se de possibilitar um espaço que promova uma construção partilhada e uma negociação comum dos investimentos e das suas mais valias, que recorra ao conceito de perequação aplicado ao território, que aprofunde o conceito de serviços de ecossistema.

Tem 20 anos a lei que extinguiu definitivamente os GAT e tem também 20 anos a lei que criou as CIM, ambas são de 2003. Porque não está consolidada uma prática de planeamento agregadora e robusta, porque continuamos muito longe de experiências que noutros países transferiram para as comunidades intermunicipais o planeamento estratégico e orientaram para a comunidade local os gabinetes municipais, importa regressar e reinventar os GAT.

Importa retomar, com acrescida ambição, uma estrutura orientada para princípios de planeamento que emanam das especificidades de cada lugar, uma estrutura comprometida com a transição, que derrube limites municipais, ensaiando a presença dos GAT no interior das CIM.

Nuno Portas afirmou em 98 que com os Gabinetes de Apoio Técnico e com os Gabinetes Técnicos Locais se produziram equipas de projeto situadas à margem dos grandes polos de desenvolvimento, cito: “foi através deles que se contruiu uma rede nacional de prestação de serviços de arquitetura e engenharia nas regiões periféricas, com uma arquitetura experimentalista e de oportunidade” (7).

Acredita-se que, no curto prazo, em Gabinetes de Apoio Técnico robustos, a funcionar nas Comunidades Intermunicipais, poderemos acolher, enquadrar, agregar, dar visibilidade e robustez às experiências que ao longo dos últimos três dias nos foram apresentadas.

Caros colegas, relembre-se Nuno Portas.

 

Notas:

(1) PORTAS Nuno (1985) “O PDM vale a pena?”. Cadernos Municipais (34), 31-34.

(2) O Decreto Regulamentar nº15/2015 estabelece os critérios de classificação e reclassificação de solo de acordo com a Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo Lei n.º 31/2014

(3) Os dados estatísticos relativos à contratação pública, o Plano Estratégico para o Sector da Arquitetura no Norte de Portugal 2018-2038 e o Observatório da Profissão: conhecer o presente para desenhar o futuro, revelam a concentração das entidades prestadoras de serviços de arquitetura e da encomenda nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto.

(4) CURTO Helena; DIAS Álvaro (2011) “Auto sustentabilidade das políticas locais e de coesão territorial. Análise das principais alterações no sistema de perequação financeira”. RPER (28), 39–55.

(5) COSTA António; PACHECO Elsa (2016) A Ilusão da redução das assimetrias regionais a partir das alterações da rede rodoviária em Portugal. Revista Transporte y Território (15), 183-196.

(6) PORTAS Nuno (1987) “A instituição Metropolitana. Cadernos Municipais (40/41), 55-60.

(7) PORTAS Nuno (1998) “L’Emergenza del progetto urbano”. Urbanística (110).


 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

(iv) Oportunamente haverá novidades no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial enfoque na habitação de baixo custo.

 

Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

 

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

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Infohabitar, ano XXI, n.º 946

Edição: quarta-feira 27 de agosto de 2025

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo pelo LNEC.

abc.infohabitar@gmail.com

 Os aspetos técnicos do lançamento da Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

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