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Cidade e habitação de interesse social: reflexões gerais e práticas – Infohabitar # 921
Infohabitar, Ano XX, n.º 921
Edição: quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
EDITORIAL
Caros leitores em poucas palavras,
porque a presente edição acabou por ficar um pouco longa, estamos prestes a
concluir mais um ano editorial, considerando-se que a presente edição sobre a
bem atual temática da importância de se fazer “cidade e habitação de interesse
social”, vai contribuir significativamente para o remate das edições do GHabitar
aqui na nossa Infohabitar e no ano de 2024.
Outras edições aqui acontecerão até
o final do ano, mas provavelmente com um carácter distinto, menos de conteúdo e
mais ligado a reflexões, igualmente importantes, sobre o trabalho editorial
realizado e previsto aqui na Infohabitar e, mais globalmente, no âmbito do
GHabitar.
Lembra-se que o GHabitar tem novos
Corpos Sociais e avançará em 2025 com uma nova e renovada dinâmica, na qual a
Infohabitar e as suas edições semanais terá, sem dúvida, um importante e também
redinamizado papel, mantendo-se a estrutura editorial atual, mas marcada por
uma renovada estrutura editorial que será aqui devidamente divulgada.
Saudações calorosas e já
“pré-Natalícias”,
do Editor da Infohabitar
António Baptista Coelho
Fig. 00: Pormenor do novo bairro cooperativo de Habitação a Custos Controlados do Vale
Formoso de Cima, promovido por um conjunto de 23 cooperativas de Habitação Económica, em
Lisboa, 800 fogos e equipamentos que fazem cidade e habitação de interesse
social, cuja última fase
está em conclusão, e que se salienta pela global e evidente qualidade vivencial
e arquitectónica, bem marcada nos seus pequenos quarteirões interiormente
pedonais, teve projeto urbano realizado pelos arquitectos António Piano e
Eduardo Campelo; ao nível dos quarteirões houve um conjunto de diversas
intervenções de outras equipas de Arquitectura, devidamente harmonizadas, entre
2008 a 2024; entre a imagem da esquerda e a da direita, do mesmo interior de quarteirão, passaram 18 anos!
Cidade e habitação de interesse social: reflexões gerais e práticas – Infohabitar # 921
António
Baptista Coelho (texto e imagens)
Nota prévia ao artigo:
O conteúdo do presente artigo foi quase integralmente divulgado no I
Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído - SBQP 2009 e
IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de
Edifícios, que teve lugar em São Carlos, São Paulo, de 18 a 20 de Novembro de
2009, neste caso com o título “Cidade e habitação de interesse social”.
O artigo, na sua primeira versão, encontra-se, portanto, editado
nos respetivos Anais do Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no
Ambiente Construído IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na
Construção de Edifícios | 18 a 20 de Novembro de 2009 | São Carlos, SP |
PPG-AU EESC USP
Considerando-se o interesse que o artigo tem despertado e também a
vontade que tenho de revisitar e desenvolver o conceito de “Cidade e Habitação
de Interesse Social”, em próximos artigos da Infohabitar, considerei adequada
esta nova versão revista do referido artigo; uma ideia que começou por ser direcionada para uma
simples nova edição, mas que acabou por se tornar numa edição revista e
razoavelmente alterada.
Chama-se, portanto, a atenção dos leitores, quer para algumas
diferenças entre as duas versões do artigo, sendo a presente versão um pouco
mais longa, quer para o objectivo de se ter procurado manter ao máximo o
conteúdo da versão original e já editada.
Esta opção de se fazerem muito poucas alterações à primeira versão
do artigo, que foi elaborado já em 2009, teve a ver com a circunstância de a
crise na habitação e no imobiliário ter chegado nessa altura e,
consequentemente tudo se ter mantido nessas áreas sem grandes alterações no que
se refere à respetiva caraterização geral das promoções habitacionais e
tendo-se, essencialmente, presente a circunstância de se ter promovido muito
pouca habitação de interesse social, desde então, em Portugal e não só;
condição esta que foi agudizando, sublinha-se, ao longo de cerca de 15 ANOS, a respetiva carência habitacional de baixo
custo e interesse social; situação que hoje em dia tem como consequência a
necessidade de produção rápida de muita habitação desse tipo, com os riscos
qualitativos diversificados que sempre tais urgências acarretam, quando entre
nós se planeiam e começam a desenvolver, e ainda bem, muitos milhares de
habitações de interesse social.
Esta excelente e bem-vinda vontade política de produção em poucos
anos de algumas dezenas de milhares de habitações de interesse social, parece
dar plena atualidade à presente reflexão sobre a importância de se fazer, de
forma bem integrada e sustentada, “cidade e habitação (realmente) de interesse
social”, com qualidade promocional, urbanística, projetual e arquitectónica,
construtiva e de adequada e posterior manutenção e gestão; garantindo-se que a
verdadeira “alavanca” social da oferta habitacional de interesse social possa
cumprir-se o mais possível plenamente e influenciando, assim, positivamente e
ao longo de gerações, as pessoas e as famílias carenciadas de “casa e de
cidade”; numa dinâmica adequada e construída com base nas melhores experiências
habitacionais municipais, cooperativas e privadas do passado recente, mas tendo
sempre presente, cautelosamente, o risco do retorno do pesadelo social ligado
aos “bairros sociais” de má memória – memória essa aliás ainda com
consequências, infelizmente, bem vivas, como se provou há poucas semanas.
António Baptista Coelho, C20 e Encarnação, Dezembro de 2024
Resumo
Neste texto sublinha-se a importância de
se fazer habitação de interesse social com qualidade de desenho e em pequena
escala para que tais intervenções sejam, realmente, de interesse social para os
seus habitantes, e, simultaneamente, construtoras de uma cidade coesa,
agradável, e, portanto, uma cidade com verdadeiro interesse social, seja por
tudo aquilo que pode motivar, desde a múltipla integração de atividades, ao
convívio e à promoção da cultura, seja por tudo aquilo que também pode e deve
favorecer em termos de promoção e harmonia social .
Neste sentido e numa primeira parte do
texto desenvolve-se um conjunto de reflexões sobre o que caracteriza e pode
caraterizar o habitar de hoje, e sobre o que pode ser a cidade das vizinhanças
e das micro-vizinhanças, considerada muito adequada à ideia de favorecimento da
socialização e mesmo de atratividade vivencial e de apoio à natural
solidariedade vicinal no sentido da referida construção de uma cidade com
verdadeiro interesse social.
Depois faz-se um relato muito sintético
dos principais períodos de desenvolvimento da habitação de interesse social
portuguesa e desenvolve-se o que se considera terem sido os principais e mais
recentes aspectos qualitativos dessa promoção habitacional, durante o que se
considera ter sido o excelente período promocional entre cerca de 1980 e 2005/7
(cerca de um quarto de século); salientando-se que tais aspectos, sendo
genéricos, poderão ter uma aplicabilidade também bastante generalizada.
Finalmente, na conclusão do texto, reafirma-se o desígnio de se fazer cidade e
habitação com verdadeiro interesse social, numa positiva reconformação do bem
conhecido objectivo de se fazer cidade com habitação, sempre defendido pelo
grande e saudoso amigo Arquitecto Duarte Nuno Simões.
Cidade e habitação de interesse social: reflexões gerais e práticas – Infohabitar # 921
António
Baptista Coelho (texto e imagens)
Índice
I. Sobre o habitar a
cidade e a casa hoje em dia
II. Cidade de
interesse social
a) Breve enquadramento sobre o habitar de hoje
b) Breve prospectiva sobre habitar a cidade e a casa hoje em dia
III. Uma cidade de
vizinhanças, de micro-vizinhanças e de ruas
a) Sobre os
problemas de descontinuidade e desintegração da cidade atual e os respetivos
caminhos de melhoria
b) Uma textura
urbana mais “fina”, mais viva e mais contínua
IV. Três objectivos
aliados: cidade mais viva, habitada e desenhada
V. Sobre o
protagonismo urbano e a importância dos bons exemplos da habitação de interesse
social
a) Sobre a
importância urbana da habitação de interesse social
b) A experiência da
habitação de interesse social portuguesa (HISP)
VI. Linhas de acção
desenvolvidas e a favorecer na HISP
a) Relação mútua,
efectiva e afectiva, entre interior e exterior residencial
b) Integração social
e adequação aos habitantes
c) Diversidade
tipológica e a pequena escala urbana das intervenções residenciais
d) Diversidade de
promoções e gestão local
e) Apoio a novas
formas de habitar
f) Adequação à
cidade e à paisagem e o preenchimento urbano
g) Desenho
pormenorizado da habitação
h) Qualidade do
desenho de arquitectura
VII. Reflexões
complementares sobre o fazer cidade e habitação de interesse social
Notas bibliográficas
I.
Sobre o habitar a cidade e a casa hoje em dia
Estudar a habitação é estudar a cidade e
o modo como fazer cidade viva pois, como diz Manuel Correia Fernandes, “o modo
mais natural de fazer cidade é (fazê-la) com habitação” e a “cidade sem
habitação não faz sentido ...” (1).
Esta afirmação tem que ser considerada
como muito mais do que algo óbvio pois há que interiorizá-la relativamente a
partes de cidades vivas bem habitadas e caracterizadas, daquelas que muito
contribuem para um dia-a-dia agradável e estimulante, enquanto, e por oposição,
é oportuno pensar um pouco nos tantos sítios onde não existem tais
características arquitectonicamente positivas e onde tantas pessoas vivem.
O que se irá tentar fazer neste texto é
sublinhar que a integração urbana, em intervenções facilmente assimiladas
devido á sua pequena dimensão e qualidade arquitectónica, é fundamental para a
habitação de interesse social e que a diversidade das misturas socioculturais,
associadas em boa parte a tais intervenções e à opção de manutenção dos
moradores originais nos seus sítios de habitar é igualmente fundamental, neste
caso, para a boa vitalidade das diversas partes da cidade. Trata-se, assim, de
fazer habitação de interesse social com qualidade de desenho e em pequena
escala para que tais intervenções sejam, realmente, de interesse social para os
seus habitantes, e, simultaneamente, de fazer tais intervenções para que a
cidade mantenha ou recupere, também, o seu interesse social.
Neste sentido e numa primeira parte do
texto desenvolve-se um conjunto de reflexões sobre o que caracteriza o habitar
de hoje, sobre o que pode ser a cidade das vizinhanças e das micro-vizinhanças,
e, naturalmente, sobre o reafirmar da aliança entre os objectivos de uma cidade
mais viva e melhor habitada, objectivos para os quais se salienta, uma vez
mais, a importância da boa integração da habitação de interesse social e da
ampla mistura sociocultural, feita em cada sítio e, de certas e cuidadosas maneiras,
em todos os sítios.
Numa segunda parte do texto faz-se um
relato muito sintético dos principais períodos de desenvolvimento da habitação
de interesse social portuguesa e desenvolve-se, um pouco mais, o que se
considera terem sido os principais e mais recentes aspectos qualitativos, de
ordem genérica que caracterizaram essa linha de promoção habitacional, em
Portugal, aspectos estes que importa favorecer, afinal, porque tudo têm a ver
com os referidos objectivos de fazer conjuntos habitacionais bem integrados na
cidade e vitalizadores da mesma cidade; e, naturalmente, há que ter em conta
que tais aspectos, sendo genéricos, poderão ter uma aplicabilidade também
bastante generalizada, desde que havendo bases socioculturais com
significativas áreas comuns.
Desde já se sublinha que tais aspectos
positivos não são, ainda, infelizmente, regra, havendo casos de retrocessos
críticos, mas considera-se que hoje em dia há, em Portugal, um leque muito
amplo de excelentes exemplos que nos permitem ter a ideia do como fazer cidade
viva com habitação de interesse social, assim como há muitos casos em que o
conhecimento acumulado permite identificar as raízes dos problemas críticos que
aí subsistem. A existência desse amplo leque de soluções é também um aspecto
que se julga poder constituir uma experiência muito rica em termos de
cuidadosos estudos comparativos, necessariamente circunscritos em termos
temáticos, com outros processos de promoção utilizados, por exemplo, noutros
sectores de promoção e mesmo noutros países, sendo naturalmente de privilegiar
aqueles que partilham uma mesma e intensa base cultural.
Finalmente, na conclusão do texto não se
pretende mais do que reafirmar o desígnio, considerado essencial, de se fazer
cidade e habitação com verdadeiro interesse social, e aqui não resisto a
referir que há alguns anos atrás se afirmava, com frequência, no meio técnico,
a ideia do “fazer cidade com habitação”, muito defendida pelo saudoso amigo
Arq. Duarte Nuno Simões, julgando interessante e pertinente esta “pequena”
reconformação temática do objectivo de se fazer cidade com habitação,
procurando-se, globalmente, o interesse social.
E neste (re)fazer do habitar e da cidade
habitada com verdadeiro interesse social não é possível deixar de salientar,
aqui, a importância incontornável e o exemplo de um homem, o Arq. Nuno Teotónio
Pereira, que ao longo de uma longa vida e de uma grande obra, sempre seguiu e
aprofundou essa ideia, quer em muitos projectos, quer em muitos escritos, quer
numa acção cívica e política sempre presente e estimulante.
II. Cidade de
interesse social
Breve enquadramento sobre o habitar de hoje e as suas carências
Vamos então falar um pouco sobre como
habitar melhor a cidade e sobre como a habitação de interesse social pode
participar neste urgente desafio, utilizando, nesta reflexão, como elementos
práticos de consideração, o que se julga terem sido as características das duas
últimas dezenas de anos dessa forma de promoção de habitação e de cidade em
Portugal
Em Portugal e, provavelmente, em boa
parte da Europa, é importante considerar que a população estabilizou mas as
necessidades habitacionais têm crescido, pela acumulação das ainda críticas
faltas quantitativas de habitação condigna com novas e críticas carências
qualitativas em termos de um habitar verdadeiramente mais adequado e
estimulante de uma agradável vida diária.
Entre estas novas carências ou linhas de
aprofundamento da novas soluções de habitação de interesse social destacam-se
as ligadas:
• ao crítico envelhecimento da população,
designadamente, em centros e bairros históricos, com aspectos que tanto se
ligam à actuação em habitações existentes, como na introdução de novas soluções
de habitar;
• ao apoio a formas específicas de viver
o interior doméstico e a convivência no edifício ou conjunto multifamiliar –
formas estas frequentemente ligadas a bases socioculturais específicas;
• ao actual e significativo crescimento
do número de pessoas que vivem sós, devido quer a uma mutação frequente e,
muitas vezes, brusca na composição dos agregados, quer à autonomização precoce
do habitar com autonomia (jovens vivendo sozinhos ou em casais);
• e ao crescimento do número de pessoas
isoladas que habitam diferentes casas, que tendem a habitar casas mais
espaçosas e/ou com mais compartimentos e que usam a cidade com intensidade,
diversidade e de uma forma disseminada e dinâmica.
As velhas carências quantitativas ainda
subsistem, mesmo que de forma localizada, e aqui é fundamental lembrar o
recente aparecimento de novas pequenas bolsas de barracas, a subsistência de
algumas zonas de casas abarracadas com dimensão ainda significativa, a
existência de muitos casos de casas abarracadas ou com péssimas condições de
habitabilidade em zonas rurais e em centros históricos, e, finalmente, a
existência de muitas pessoas e famílias a habitarem precariamente quartos e
partes de casas.
É assim necessário avançar em medidas
urbanas e habitacionais que utilizem, integradamente, os caminhos da
reabilitação e da construção nova ao serviço desse avolumar e diversificar de
carências, exigências e perfis de procura.
Breve prospectiva sobre habitar a cidade e a casa hoje em dia
Os modos de vida mudaram e
diversificaram-se, as exigências regulamentares cresceram e mesmo a capacidade
de reivindicação e de exigência também cresceu. É portanto importante avançar
em medidas urbanas e habitacionais que utilizem os caminhos da reabilitação e
da construção nova ao serviço desse avolumar e diversificar de carências,
exigências e perfis de procura.
Para tal é importante flexibilizar a
oferta de soluções urbanas e residenciais e assumir cada vez mais a habitação
como vários espaços de habitar: no interior também como lugar de trabalho e de
recreio, que responda a um amplo leque de necessidades e desejos através da
adaptabilidade e da redução das hierarquias funcionais domésticas; e no
exterior urbano por uma afirmação de vizinhanças clara e atraentemente
estruturadas na unidade de uma cidade que se deve sentir como agradavelmente
habitada e habitável.
No interior do espaço privado do habitar
é fundamental assumir cada vez mais a habitação como vários
espaços/ambientes/cenários do habitar, e considerar a habitação e o habitar
muito para além do simples espaço de alojamento “mínimo”, marcado pelas conhecidas
exigências fundamentais de higiene, saúde fisiológica, segurança e
espacialidade funcional, mas também como lugar e lugares estimulantes de
trabalho não doméstico e de variadas opções de recreio, caracterizando-se a
habitação como espaço que deve responder a um muito amplo e variável leque de
necessidades e desejos, simultâneos e sequenciais, conhecidos e potenciais,
havendo que aprofundar, assim, os aspectos de adaptabilidade e de
redução/anulação das hierarquias funcionais domésticas, assim como as pontes
múltiplas com os espaços comuns e públicos, e também os aspectos de apoio a
diversos modos de vida, desde os mais jovens e conviviais aos mais recatados e
assistidos, como poderá acontecer no caso dos idosos.
No espaço público do habitar, nas ruas e
pracetas citadinas, é essencial a sua devolução à estima e ao intenso uso
públicos, pois, como defende Jan Gehl (2), enquanto, antigamente, uma
casa cheia de gente era uma pequena cidade, hoje em dia os que vivem sós, ou em
pequenos grupos, precisam, realmente, da vida urbana para viverem com
diversidade e estímulo. É, portanto, crucial que o habitar invada as vizinhanças
urbanas e a própria cidade central, embora com o cuidado de que tal invasão se
faça no pleno respeito cívico dos modos de viver e dos gostos residenciais e
urbanos de todos, num respeito mútuo marcado, necessariamente, por uma
apropriação contida, pela opção por características de imagem urbana
expressivamente dignas e sóbrias e pelo reforço de aspectos e elementos urbanos
que, habitualmente, são garantes de uma satisfação pública unânime, como é o
caso, por exemplo, da existência de um estratégico equipamento e de um forte e
bem disseminado verde urbano.
Entre o interior doméstico e o exterior
público do habitar sempre houve, e urge voltar hoje em dia a existir, uma
componente de “terceiros espaços” acolhedores, úteis e estrategicamente
diversificados e situados, por exemplo, em esquinas, passagens, galerias,
alpendres e esplanadas, onde se possa habitar, habitualmente, com à-vontade e
intensidade.
Estes “terceiros espaços” e espaços
intermediários do habitar são, por exemplo, os pequenos cafés e restaurantes
estrategicamente situados em esquinas e passagens, que se tornam verdadeiros
prolongamentos das nossas casas, e também todo um leque de outros equipamentos
de proximidade e de acessibilidade que tornam a cidade circunvizinha mais
habitável e amigável, que podem prestar serviços específicos, mas onde seja
também possível o estar e o convívio espontâneo, quando se leva a roupa a
engomar, quando se acompanha o filho à escola, quando se vai ao ginásio, etc.,
etc.
Trata-se, como aponta e defende Ray
Oldenburg (3), desse “grande e bom lugar” que é o café da esquina, a
livraria, o bar, etc.; o inspirado “terceiro sítio”, ponderado por Oldenburg e
que é um sítio bem real, porque é aquele que existe para além do sítio de
trabalho e do sítio doméstico, e que é, talvez, um sítio verdadeiramente comum,
nem público nem privado. E, como sabemos, muitos conjuntos residenciais não têm
tais “terceiros sítios” ali bem próximos, como tem de ser para serem “terceiros
sítios” vivos e verdadeiramente complementares do habitar doméstico e do
habitar público.
Em toda esta matéria, que exige urgente e
cuidadoso estudo, fica, assim, a esperança de que habitar a vizinhança de
proximidade, o pequeno bairro e a cidade possa ser bastante mais do que habitar
a casa/o apartamento de cada um de uma
forma mais ou menos isolada, num isolamento tirano e tornado crítico, não pelas
novas tecnologias, porque estas podem e devem criar laços complementares, mas
por uma forma de estar na sociedade em que parece que praticamente só o indivíduo
conta, o indivíduo isolado, enquanto e por outro lado existem cada vez mais
indivíduos que vivem isolados por não terem outra possibilidade de vivência e
muitas vezes estes indivíduos são muito sensíveis nas suas características
vivenciais, por exemplo o caso de idosos, doentes e que vivem sozinhos e por
vezes em condições muito complicadas até em termos de simples acessibilidade a
um espaço público ele próprio também muito pouco amigável.
Realmente e com frequência não há
vizinhanças nem espaços públicos amigáveis, nem espaços de transição conviviais;
há, apenas, apartamentos onde vivemos isolados, e um exterior agreste e avesso
ao uso e a uma adequada e motivadora apropriação.
E é fundamental sublinhar a importância
que tem a construção de uma vizinhança urbana de proximidade efectiva, afectiva e bem marcada e estruturada no apoio a
uma vida melhor de pessoas com os mais diversos tipos de desvantagens sociais e
até mesmo de problemas de movimentação e de percepção, pois, afinal o que se
proporciona é a ampla expansão do sítio e do quadro físico e social do respectivo
habitar, anulando-se esse crítico isolamento e proporcionando-se uma vital
diversificação de exemplos de vida.
Fig. 02: (2006) Coop. Águas Férreas, B.
da Bouça, Porto, Arqs. Siza Vieira e António Madureira – reabilitação e
completação junto a linha de metro ligeiro, que vitaliza o centro da cidade e o
próprio bairro; e há sempre a qualidade do desenho, como tributo a cada
habitante e à cidade.
III.
Uma cidade de vizinhanças, de micro-vizinhanças e de ruas
Sobre os problemas de descontinuidade e desintegração da cidade atual e os respetivos caminhos de melhoria
Lembrando-se as frequentes e críticas
ausências de vitalidade urbana e de qualidade habitacional, defende-se a
resolução destes dois problemas, de forma integrada, melhorando as condições de
habitar de muitos, com a introdução estratégica de pequenos conjuntos de habitação
de interesse social e realojamento que melhorem, também, as respectivas zonas
urbanas, seja em termos de mistura social, seja de equipamentos aí em falta,
seja de imagem urbana local. Desta forma pode dar-se a volta ao frequente problema
urbano e social provocado pela introdução de habitação "social", transformando-se
estas intervenções em oportunidades de regeneração micro-urbana integrada cujo
êxito depende, essencialmente, de um bom projecto de arquitectura.
Neste sentido também apontam as
conclusões de um grande estudo espanhol sobre a habitação social, onde se dá
grande importância às “propostas (habitacionais) que melhor se adaptam à sua
localização na cidade, às suas características de morfologia urbana e que
introduzem melhorias nas respectivas envolventes”.(4)
Há no entanto que salientar que esta
possibilidade não é compatível: quer com novos conjuntos com elevados números
de habitações, quer com a ausência de cuidados sociais e de gestão de
proximidade, quer com a ausência de misturas funcionais dinamizadoras do uso do
espaço público, quer com edifícios e fogos mal desenhados e criticamente
desgarrados dos modos de vida locais e dos sítios específicos de implantação.
A experiência comprova que mesmo com
números reduzidos de habitações e com limites de custo é possível melhorar a
paisagem urbana, tendo-se em conta que o que não se deve fazer, em cada sítio,
é quase só habitação, ou quase só realojamento, ou quase só lojas, ou quase só
equipamento, pois a cidade viva, a das misturas, é tudo isso e joga-se num espaço público que tem de ser intensamente
usado como espaço de estar e não apenas como passagem; pois, afinal, e tal como
escreveu o Arq.º Adson Lima, “assim como uma família torna-se o no que ela é
nos espaços de uma casa, uma comunidade inteira forja-se nos espaços comuns de
uma cidade.” (5)
A vitalidade e a amabilidade urbana que
desejamos exigem vizinhanças coesas, agradáveis e bem caracterizadas, numa
total negação das infelizmente frequentes vizinhanças anónimas, agrestes e marcadas
por uma crítica falta de qualidade de desenho. Afinal, e tal como escreveu José
Saramago numa crónica recente é fundamental que as partes de cidade se
caracterizem pela "sua originalidade, a sua fisionomia própria", e
não por prédios sem imaginação, copiados uns dos outros e que em poucos anos
envelheceram.” (6) Sobre uma destas partes de cidades ou vizinhanças
citadinas, neste caso lisboeta, o “Pátio do Padeiro”, escreveu José Saramago,
que “ao menos, tinha a sua originalidade, a sua fisionomia própria, embora suja
e mal cheirosa”, e o escritor escreve no passado porque antes tinha esclarecido
o leitor sobre o desaparecimento do Pátio do Padeiro, para no seu lugar serem
“levantados prédios sem imaginação, copiados uns dos outros e que em poucos
anos envelheceram.”
Visa-se, assim, uma cidade de vizinhanças
amigáveis, coesas, diversificadas e bem caracterizadas em termos formais, associadas
a uma estimulante diversidade de soluções habitacionais que sirvam necessidades
e gostos específicos, bem como diversos objectivos urbanos. Visa-se afinal uma
cidade de vizinhanças bem marcadas pela escala “micro”, expressivamente
habitável com prazer e calma, e veículo de atraentes imagens de cidade, porque
agradavelmente segmentadas, contínuas, diversificadas, amigáveis e lúdicas.
O mau exemplo nesta matéria é globalmente
dado por espaços públicos enormes, complexos e descontínuos, enquanto o bom
exemplo, mais generalizável, é o da rua urbana com continuidade, que constitui excelente
cenário de integração dos equipamentos colectivos, e que oferece aos diferentes
tipos de habitar e de gostos de habitar um espaço público comum, lugar de consensos possíveis e do convívio
desejável.
Mas atenção que para tal há que devolver
o protagonismo à rua, e esta matéria é bem sintetizada por Mansilla e Tuñon,
que salientam que “os habitantes da cidade devem recuperar o protagonismo,
convertendo a rua em algo mais do que uma passagem: um sítio onde se possa
estar e compartilhar” (7).
Uma textura urbana mais “fina”, mais viva e mais contínua
Quais os problemas mais importantes na
cidade actual? Provavelmente os mais críticos são a falta de vitalidade urbana
e as desmotivantes condições de qualidade habitacional que afectam, ainda, e de
diversas formas, muitas pessoas e famílias.
A ideia-chave aqui proposta é ser
possível melhorar as condições de habitar de muitos, através de habitação de
interesse social, melhorando também a cidade onde se vive, numa resolução dupla
de problemas que foram e são críticos; e os exemplos que acompanham esta
reflexão, todos de habitação de interesse social, parecem ajudar à confirmação
dessa possibilidade.
Mesmo com um número reduzido de fogos e
com limites de custo é possível enriquecer a paisagem urbana. O que não se deve
realmente fazer, em cada sítio, é quase só habitação, ou quase só lojas, ou
quase só equipamento, pois a cidade é tudo isso, a cidade viva é tudo isso, e
assim deve ser, por regra, em quase todos os seus sítios.
E para além disto as soluções de habitar
e de fazer cidade devem poder ser marcadas por diversas ideias de vida, e,
globalmente, devem poder constituir-se em suportes de positivas apropriações pessoais
e familiares, numa total negação das infelizmente ainda tão frequentes
vizinhanças anónimas e despidas de afecto, onde, infelizmente, tantas vezes,
estas características se aliam a uma crítica falta de qualidade de desenho.
E assim e cada vez mais o habitar tem de
(voltar a) ser entendido e vivido, verdadeiramente, numa perspectiva ampla,
como entidade viva, que contribua para a vida individual, familiar, da
vizinhança, do bairro e da cidade. E portanto, quando pensamos em vizinhanças
urbanas vivas e caracterizadas, que são, talvez, as boas células de uma cidade
coesa e saudável, elas devem integrar, além das habitações, pequenos
equipamentos adequados ao serviço das diversas necessidades dos habitantes, mas
também ao estímulo do convívio natural e mesmo de uma verdadeira extensão do
habitar para além das paredes da casa de cada um.
E em “última instância” nesta defesa de
uma escala residencial “micro”, poderemos ter conjuntos edificados e edifícios
multifamiliares que se constituam, verdadeiramente, em “habitação coletiva”, no
sentido de agregar habitações plenamente privadas e autónomas com espaços
comuns bem desenvolvidos e multifuncionais, que propiciem o convívio natural
nesta microvizinhança e que suportem um conjunto bem útil e diversificado de
equipamentos e serviços de uso comum, seja de apoio pessoal e domiciliar,
facilitando a vida diária, seja de aprofundamento multifacetado de uma vida
comum enriquecida, seja por instalações que dificilmente podemos ter em termos
privados, seja por outras dimensões de socialização e de recreio/lazer que
desta forma poderão ficar muito mais facilitadas; e este tipo de solução será
tão adequada a promoções residenciais intergeracionais como a necessidades e
gostos de habitar de pessoas isoladas e de pequenos agregados familiares, sendo
essencial que ela possa vir a ser disponibilizada totalmente como “habitação de
interesse social”, desde que evidentemente cumprindo as devidas limitações
regulamentares.
Visa-se, assim, uma cidade de vizinhanças
que sejam cuidadosa e positivamente caracterizadas em termos formais, e uma
cidade de cuidadosas, mas afirmadas, misturas funcionais e de imagens, também
associadas a uma estimulante diversidade de soluções habitacionais, que
correspondam, simultaneamente, a necessidades e gostos específicos, e também a
diversos objectivos urbanos. E uma cidade de vizinhanças marcadas pela escala
“micro”, pois é esta a escala formal e vivencial de uma verdadeira vizinhança,
portanto dominável/abarcável, apropriável e, assim, expressivamente habitável
com prazer e calma, no mais adequado sentido de habitar, que é marcar,
sobriamente, o espaço que se vive.
E numa cidade assim habitada há que
acolher uma grande diversidade de soluções habitacionais, desde a unidade ou
célula residencial minimizada, em espaço individual, mas apoiada por um
conjunto de espaços e serviços comuns, à habitação corrente, integrada num
multifamiliar, ao pequeno fogo diversamente integrado na continuidade urbana,
num leque praticamente sem-fim de soluções residenciais e citadinas, que além
de corresponderem a necessidades específicas possam enriquecer as texturas
vitais e de imagens da cidade.
Para além desta oferta de diversos tipos
de habitar tem de ser aprofundada, com urgência, a capacidade agregadora e
dinamizadora do estar no exterior, pois é este verdadeiro habitar/marcar o
exterior que o torna chamativo e habitável, pois só quando usamos, apropriamos,
e só quando usamos intensamente, conhecemos e consideramos nossos os espaços
onde vivemos.
Neste estimulante jogo de misturas de
diversos tipos de edifícios habitacionais e de serviços, e de espaços urbanos
amigáveis seria grave esquecer o sentido lúdico, de verdadeiro jogo, que deve
marcar habitações e espaços urbanos, sendo a sua pedonalização em espaços mais
segmentados e diversificados a condição directa para uma sua maior
amigabilidade e sentido estimulante e mesmo recreativo, pois aí circula-se por
exemplo a pé e mesmo em automóvel, mas muito devagar, e ao fazê-lo vamo-nos
ligando funcional e afectivamente aos sítios que percorremos, numa constante e
motivadora descoberta, enquanto ajudamos a criar aí boas condições de
segurança; numa situação bem distinta da que acontece no urbanismo que se
“vive”, ou melhor, onde se sobrevive, a 50 e até a 90 km/hora.
Nesta matéria há sempre que salientar que
quanto maiores e tendencialmente menos definidos forem os espaços públicos,
mais complexos e difíceis se tornam para a sua desejável vitalização num quadro
de adequado tratamento e manutenção, ficando assim sublinhada a importância de
se privilegiar uma cidade feita de microvizinhanças.
Naturalmente, o contrário de um desses
espaços menos definido ou, como se costuma dizer, em mancha de óleo, é a rua
urbana com continuidade, pois para além de ser um elemento que delimita e
configura o espaço urbano, constitui o melhor cenário de integração para todos
os equipamentos colectivos, e oferece aos diferentes tipos de habitar e de
gostos de habitar um espaço público comum, lugar do consenso possível, elo de
continuidade urbana, sítio de conciliação entre o lazer e o trabalho e espaço
de ligação entre vizinhanças.
Desta forma a unidade oferecida pelas
diferentes funções da rua pode ajudar a harmonizar as diversas vontades de
convívio, que são expressas por muitas pessoas, desde aquelas que pretendem
fortes laços de convívio, entre vizinhos, nos próprios edifícios habitacionais,
até às outras que pretendem uma extrema condição de privacidade e anonimato no
edifício urbano; e esta é uma função essencial a considerar numa cidade que se
deseja que tenha verdadeiro interesse social. Mas atenção às realidades actuais
pois, como bem sabemos, a rua tem tido ultimamente muitas das suas funções
menorizadas, com relevo para as do convívio, e são assim bem oportunas as
perguntas feitas por Kennedy Smith nos seus estudos sobre a atual
desvitalização urbana; questões para as quais urge encontrar respostas e
soluções que têm naturalmente de passar pela habitação diversificada, pela
vitalização urbana e pela qualidade arquitectónica.
E nesta matéria Mansilla e Tuñon, tal
como acima se apontou e registou, respondem a uma natural e sequencial proposta
de recuperação das funções completas da rua, defendendo que “os habitantes da
cidade devem recuperar o protagonismo, convertendo a rua em algo mais do que
uma passagem, um sítio onde se possa estar e compartilhar”; e cá está,
novamente, a importância de se usar realmente o exterior urbano.
Figura 03: (2005) habitação de interesse
social perto do Largo do Conde Barão, Lisboa, Arq.os Castro Caldas e Nuno
Távora – a reintrodução de nova habitação e, eventualmente, de novos grupos
sociais nos centros históricos, feita ao longo da rua, usando-se a rua e
vitalizando-se a rua.
IV. Três objectivos
aliados: cidade mais viva, habitada e desenhada
Partindo-se desta complementaridade entre
casas e ruas, fica evidente que a introdução ou a reintrodução de habitação e
designadamente de habitação económica tem de ser aliada a uma ampla e profunda (re)qualificação
urbana, aprofundando-se valores de proximidade, bem ligados a uma cidade mais
amigável e segura – porque mais sensual e lúdica e também porque muito mais
próxima, visível e naturalmente acompanhada.
Afinal e citando-se Herman Hertzberger (8),
“o conceito da rua de convivência está baseado na ideia de que os moradores têm
algo em comum, que têm expectativas mútuas… este sentimento , no entanto,
parece estar a desaparecer das nossas vidas; e será que baixámos os braços? ...
Casas e ruas são complementares! A qualidade de uma depende da qualidade da
outra … Dar igual atenção à casa e à rua significa tratar a rua não apenas como
espaço residual …, mas sim como elemento fundamentalmente complementar.”
Considerando-se tal complementaridade
entre casas e ruas, fica evidente que a introdução ou a reintrodução de
habitação tem de ser aliada a uma ampla, profunda e pormenorizada
(re)qualificação urbana, ganhando-se, assim, simultânea e estrategicamente, mais
e melhores espaços de habitar e de cidade; e salienta-se que num grande estudo
espanhol sobre a habitação de interesse social
(9) foi muito destacada a importância das “propostas que melhor se adaptam à sua
localização na cidade, às suas características de morfologia urbana e que
introduzem melhorias nas respectivas envolventes”, num aprofundamento dos
valores de proximidade, que tudo tem a ver com uma cidade mais amigável e mesmo
entusiasmante.
A introdução ou a reintrodução de
habitação deve ser, assim, aliada à vitalização e qualificação urbana
pormenorizadas, ganhando-se, simultaneamente, melhores espaços de habitar e de
cidade – um habitar mais vivo e uma cidade mais habitada.
Actuar desta forma exige, tal como já se
apontou, uma arquitectura urbana pormenorizada, caracterizada por uma pequena
escala civicamente enriquecedora e muito humana, sem repetições de soluções e
com intervenções feitas para cada sítio e marcadas pela qualidade
arquitectónica; num processo que exige enquadramento específico, pois o
principal segredo de uma habitação de interesse social é, realmente, a
qualidade real do projecto, uma qualidade que tem de ser exigida, verificada e
direccionada para melhores habitações e paisagens urbanas.
As limitações tantas vezes utilizadas
para justificar o uso e abuso de soluções doentiamente repetidas e correntes,
não têm qualquer justificação, quando confrontadas com o resultado social e
formal de bons projectos de arquitectura urbana e doméstica, e lembremos as
palavras de Saramago, que foram atrás citadas, onde o escritor se refere a
“prédios sem imaginação, copiados uns dos outros e que em poucos anos
envelheceram.”
Nesta matéria, na sociedade de hoje,
evidentemente, nunca se poderá confiar, por exemplo, apenas nas boas intenções
de um dado promotor e na eventual talento de um dado promotor e mesmo de um
dado projectista; sendo fundamental
introduzir processos de avaliação da qualidade de arquitectura ligados à
melhoria da qualidade habitacional e urbana das nossas povoações e cidades, e
da nossa paisagem em geral, com relevo natural para a paisagem urbana. Numa
avaliação da qualidade cuja prática nunca poderá resultar de tábuas rasas, pois
podemos e devemos aprender com a experiência.
Outro aspecto a ter em conta na avaliação
dessa qualidade arquitectónica, necessariamente, residencial e urbana, é a
ideia de que é melhor a cidade que vai até à casa e melhor a casa que vai até à
cidade. E sendo esta a
ideia que está subjacente a quase todo o presente texto, comenta-se que “a
cidade que vai até à casa” tem de ser um continuidade urbana atraente,
acolhedora de vida, agradável e convivial, enquanto “a casa que vai até à
cidade” tem de ser um espaço que equilibra o seu fundamental sentido doméstico
e individual com uma estimulante perspectiva gregária, com uma apropriação
identificadora dessa casa na cidade e com uma clara, ainda que bem controlável,
abertura desse mundo doméstico à cena urbana, ainda que “apenas” por certas
vistas e relações específicas.
Nesta matéria de uma cidade melhor
habitada há ainda que sublinhar, novamente, o papel estratégico das vizinhanças
e microvizinhanças, diversificadas e caracterizadoras, espaços que intermedeiam e partilham
privacidades e comunidades, e espaços que importa privilegiar e transformar em
verdadeiros espaços do habitar, e portanto de uma permanência frequente,
intensa e agradável, seja em termos de conforto ambiental (ex, sossego,
insolação, sombra, ventilação), seja em aspectos de funcionalidade, seja,
naturalmente, no que se refere a uma afirmada qualidade de desenho.
Uma qualidade do desenho onde há que
sublinhar a importância do trabalho tipológico, no qual, em vez de se optar por modelos
mais ou menos correntes de edifícios, há que seguir uma linha marcada pela
mistura cuidadosa e ponderada de vários tipos de soluções de acessibilidade, de
fogos, de conjuntos de fogos e mesmo de quarteirões, e sempre numa adequada e
dupla perspectiva de espaços edificados e exteriores.
Neste trabalho tipológico têm grande
interesse as lições de arquitectura de Herman Hertzberger (10), pois
nelas é traçada uma linha de concepção dos espaços residenciais extremamente
ligada à pormenorização coerente e fundamentada da “unidade” que é possível
desenvolver entre a habitação, o edifício e a rua/zona de proximidade,
privilegiando-se a humanização do habitar e reforçando-se aspectos
verdadeiramente “construtores” de diversificados ambientes simultaneamente
domésticos e urbanos, designadamente, através da utilização dos seguintes tipos
de elementos: soleiras e espaços de acesso aos fogos; vistas estratégicas sobre
o exterior e sobre o interior; espaços comuns desenvolvidos como zonas
intermediárias e eventualmente naturalizadas ou de algum recreio; edifícios
integrando uma estimulante variedade de acessos privados e/ou geminados; e
espaços do tipo “rua de convivência”, considerados e pormenorizados como
verdadeiras “salas de estar comunitárias” e vitalizadas pelos acessos directos
a habitações bem identificadas.
Há, portanto, um amplo léxico de
elementos de composição do habitar que devem ser os verdadeiros protagonistas
da composição de variadíssimas tipologias residenciais e urbanas com o fundamental e duplo objectivo de
se aprofundar a diversidade, mas também a coesão e a coerência dos meios
urbanos, levando-se a casa à cidade a cidade à casa.
Finalmente, nesta relação entre casa e
cidade, há que dar a devida importância à presença da natureza e
especificamente do verde urbano pois este verde, designadamente, através das árvores urbanas, é
essencial para a saúde global do habitante é vital factor de bem-estar urbano,
e constitui importante elemento amenizador da cidade, “trazendo-a” para uma
escala mais humana, que é, de certa, forma mais agradável, apropriável e mesmo
doméstica/habitada; e não tenhamos dúvidas que, tal como defende Kenneth Frampton,
apenas o verde urbano poderá redimir muitas das ruas que hoje se caracterizam
por ambientes insuportáveis. (11)
Figura 04: (2006) Funchal, Imopro, Arq.ª Carla Baptista e Arq. Freddy Ferreira César, 350 habitações – mais um exemplo de como fazer habitação e cidade de interesse social, numa intervenção estratégica e cuidadosamente densificada, bem habitada, viva e desenhada.
V.
Sobre o protagonismo urbano e a importância dos bons exemplos da habitação de
interesse social
Sobre a importância urbana da habitação de interesse social
A cidade fez-se ao longo de milénios,
através de muitas e variadas iniciativas em termos de construções e
especificamente de habitações, mas desde finais do século XIX e início do XX,
com destaque para a segunda metade deste último século, têm sido as iniciativas
de promoção de habitação de interesse social, quase sempre projectadas por
arquitectos, aquelas que mais têm contribuído para a tentativa de ir moldando
vizinhanças, bairros e mesmo pequenas cidades, numa perspectiva que sempre
visou melhorar profundamente a qualidade de vida residencial e urbana de muitas
pessoas, muitas delas vivendo antes em condições sub-humanas, e desenvolver
novos ou renovados modelos urbanos, mais ligados às novas formas de vida, às
novas exigências domésticas e urbanas e, sinteticamente, aos novos tempos
marcados pelo progresso, que se julgava sem-fim, e por uma absurda velocidade
até no viver.
A ideia que aqui se quer sublinhar é que,
para além dos caminhos da reabilitação urbana que são hoje vitais para a
qualidade de vida nas nossas cidades, é no levantamento, na visita, na análise
e no estudo das muitas soluções de habitação de interesse social, que foram
projectadas por arquitectos, ao longo de cerca de 100 anos, que poderemos ir
encontrando os melhores caminhos para a qualidade de vida urbana actual, mais adequados porque mais aplicáveis e
relativamente replicáveis em escalas quantitativas que variam de país para
país, mas que caracterizam ainda uma carência global extremamente crítica.
Complementa-se esta ideia com o sublinhar
que mesmo na área da reabilitação urbana é de enorme utilidade o estudo da
aplicação de soluções de vizinhanças de habitação de interesse social, seja na
essencial revitalização dos centros históricos com novas pequenas intervenções
de construção nova bem desenhadas, seja no “velho” estudo das fundamentais
condições básicas de habitabilidade, que sempre caracterizaram a promoção de
habitação de interesse social e que hoje em dia têm uma renovada aplicação no
contexto dos centros históricos – um estudo das “velhas” formas de habitar
que poderá também retroagir com as novas formas de se usar casa e cidade. E
salienta-se ser esta uma linha de estudos que se deverá dirigir, sempre, quer
aos aspectos do enriquecimento cultural da cidade, quer aos aspectos da sua
melhor apropriação pelos habitantes.
E é também importante aprofundar o estudo
das condições básicas de habitabilidade numa sua renovada aplicação em centros
históricos, sendo que tal estudo pode retroagir, quer na reponderação de tais
aspectos dimensionais e de equipamento na nova construção, quer no eventual reaproveitamento de
“velhas” formas de habitar casa, vizinhança e cidade, mais apropriáveis e com
imagens mais estimulantes.
A experiência da habitação de interesse social portuguesa (HISP)
Falei de aspectos essenciais numa cidade
com interesse social. Passo agora a uma reflexão global e sintética sobre a
desejável caracterização de uma habitação com interesse social, tendo por base
a experiência portuguesa.
Centrando-nos agora na habitação de
interesse social portuguesa, ela percorreu já um caminho de cerca de 90 anos e
chegou-se a um conjunto de ideias, que parecem ser claras, sobre um amplo
conjunto de aspectos positivos, a repetir/reinterpretar, e negativos, a
erradicar totalmente; e seria bem importante haver a sabedoria de ainda se
ouvir, atentamente muitos projectistas que foram protagonista desse caminho.
Não é aqui o sítio de se fazer história
da habitação de interesse social portuguesa, mas inovação sem bases históricas
não faz qualquer sentido e por isso se junta, em seguida, uma pequeníssima
síntese dessa história de 90 anos:
i. Quase no início do século XX a acção pioneira da Câmara Municipal do
Porto, e a promoção do grande Bairro Social do Arco Cego em Lisboa, ainda hoje
tipologicamente inovador, com quase 400 habitações, entre 1918 e 1930.
ii. De 1947 a 1972, um estimável período de cerca de 25
anos de funcionamento das Habitações Económicas – Federação de Caixas de
Previdência (HE-FCP), em boa parte acumuláveis, em simultâneo, com cerca de 15
anos de actividade do Gabinete Técnico de Habitação (GTH) da Câmara Municipal
de Lisboa.
Sobre este período muito haveria a dizer
de positivo, seja a nível técnico e de divulgação, seja na respectiva produção
arquitectónica e residencial, apontando-se, apenas a título de exemplo, as
excelentes “células” de “habitação social” do exemplar Bairro de Alvalade em
Lisboa, cujas soluções foram aliás positivamente replicadas noutras cidades.
Na promoção enquadrada pelo GTH houve
realizações exemplares como foi o caso do pequeno bairro da Encarnação/Olivais
Norte, em Lisboa.
E neste período salienta-se os
significativos aspectos de urbanidade e integração física e social do habitar
conseguidos em Alvalade e Olivais Norte.
iii. De 1972 a 1979/1981, um período de cerca de 10 anos de
funcionamento do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), marcado por alguns
problemas, mas também por obras com grande interesse, designadamente, na área
da relação entre o desenho de arquitectura e a satisfação dos habitantes, como
acontece nas intervenções do Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL).
iv. Entre 1983 e 2007 os cerca de 23 anos de apoio financeiro e
técnico do Instituto Nacional de Habitação (INH), e depois do seu sucessor
IHRU, a três tipos de entidades: municipais, cooperativas e privadas. Um
período de grande riqueza tipológica, sobre o qual são realizadas, em seguida,
variadas reflexões; e afinal é neste período que se encontra a mais recente
habitação de interesse social portuguesa.
A relação do LNEC com a habitação de
interesse social acompanha esta história, iniciando-se com o apoio construtivo
aos primeiros bairros sociais lisboetas e ao grande bairro de Alvalade, entre
1948 e 1959, neste caso em cooperação com as Habitações Económicas da Federação
das Caixas de Previdência, depois em articulação técnica com o FFH e
finalmente, desde 1983, com o Instituto Nacional de Habitação, numa parceria
técnica e científica que foi extensa e intensamente aprofundada ao longo dos
excelentes 23 anos de actividade do INH e que é hoje continuada com o Instituto
da Habitação e da Reabilitação Urbana.
A qualidade do habitar foi estudada no
LNEC por Ruy Gomes e Nuno Portas, entre 1960 e 1970, em trabalhos pioneiros nos
temas abordados e nas formas de análise multidisciplinar aplicadas, depois por
Reis Cabrita e finalmente por uma equipa que actualmente coordeno. O Núcleo de
Arquitectura e Urbanismo (NAU) iniciou a sua actividade, oficialmente em 1969,
está portanto prestes a completar 40 anos, e foi desde então responsável pelo
desenvolvimento de cerca de 400 estudos na área da habitação, da arquitectura e
do urbanismo, dos quais mais de 50 foram editados para divulgação alargada e
estão hoje disponíveis na Livraria do LNEC. E o próprio Grupo Habitar, que teve
sede no NAU – e agora com sede na Federação Nacional de Cooperativas de
Habitação Económica - , foi criado em 2004, para estudar as matérias do habitar
numa perspectiva multidisciplinar e integrada, e surgiu também na sequência de
todas estas actividades, contando já o GH com mais de 40 eventos realizados
e com um, blog/revista que se aproxima dos 300 artigos editados e disponíveis
na www (atualmente, em 2024/5, são cerca de 60 eventos, cinco Congressos
Internacionais CIHEL com cerca de 600 artigos apresentados, e mais de 900
artigos na Infohabitar)
O conhecimento aprofundado da recente
habitação de interesse social portuguesa é crucial e deve-se em boa parte, às
18 edições anuais do Prémio INH, de 1989 a 2006, e aos Prémios promovidos pelo
IHRU em 2007 e 2008, seguindo idêntica metodologia. (12)
Os conjuntos habitacionais analisados no
âmbito do Prémio constituem cerca de um terço de toda a promoção de habitação
de interesse social financiada, correspondendo a cerca de 600 intervenções
municipais, cooperativas e privadas.
Mas o Prémio não se limitou às visitas
pois promoveu também cerca 600 reuniões de análise e discussão
multidisciplinar, em cada local, entre o Júri e os promotores, construtores e
projectistas de cada conjunto; e por isto se considera que o Prémio assegurou,
nos últimos 20 anos, um verdadeiro observatório da habitação feita em Portugal
com apoio do Estado - um observatório
informal cuja dinâmica e multidisciplinaridade influenciou a criação do Grupo
Habitar – Hoje GHabitar APPQH – consultável em estudo editado pelo próprio INH.
(13)
O conhecimento desta fase da habitação de
interesse social portuguesa foi aprofundado em estudos específicos,
registando-se três grandes análises multidisciplinares a conjuntos
habitacionais já habitados há alguns anos, realizadas no LNEC, por iniciativa
do INH, abrangendo a arquitectura urbana, a construção e a satisfação
residencial dos moradores e cobrindo um período de cerca de 15 anos (estudados
42 conjuntos com 3.224 habitações, realizados entre 1985 e 2000); e sublinha-se
que um primeiro e percursor estudo desse tipo foi desenvolvido no LNEC, logo em
1963, ainda bem antes da criação do Núcleo de Arquitectura, mas já sob a
orientação de Nuno Portas (14)
É oportuno registar que na altura em que
no LNEC iniciámos esta última linha de estudos de pós-ocupação começámos,
também, uma excelente e intensa cooperação científica com os colegas da FAUUSP
que estavam também a avançar muito nestas temáticas o que permitiu um
utilíssimo diálogo técnico; e salienta-se que a amiga Sheila Ornstein
acompanhou mesmo uma destas nossas acções.
De todas estas acções fica a noção de que
a maioridade da habitação de interesse social portuguesa foi sendo atingida, ao
longo do último quarto de século, maioridade que se caracteriza pela
diversidade, pequena dimensão, qualidade geral e integração das intervenções;
mas que exige aprofundamento na adequação a velhos e novos modos de vida e na
aliança com a reabilitação urbana; e que deve implicar a total negação dos
erros de monotonia de desenho, concentração social e descontinuidade urbana.
VI.
Linhas de acção desenvolvidas e a favorecer
na HISP
Algumas linhas de qualificação da
habitação de interesse social foram privilegiadas ou surgiram como casos de
referência nos últimos vinte anos, em Portugal, sublinhando-se, em seguida,
oito temas, que, tal como se verá, muito têm a ver com um bom projecto de
Arquitectura e com a perspectiva, que aqui se defende, de habitar uma cidade
viva, aspectos estes que muito ultrapassam as fronteiras do nosso país:
a) Relação mútua, efectiva e afectiva, entre interior e exterior
residencial
b) Integração social e adequação aos habitantes
c) Diversidade tipológica e a pequena escala urbana das
intervenções residenciais
d) Diversidade de promoções e gestão local
e) Apoio a novas formas de habitar
f) Adequação à cidade e à paisagem e o preenchimento urbano
g) Desenho pormenorizado da habitação
h) Qualidade do desenho de arquitectura
Relação mútua, efectiva e afectiva, entre interior e exterior residencial
O primeiro aspecto é a relação mútua,
efectiva e afectiva, entre interior e exterior residencial, um tema que esteve
na base das preocupações iniciais do INH, há cerca 25 anos, no combate ao
crítico inacabamento dos espaços exteriores, e uma característica que marcou as
melhores soluções dos últimos decénios. Esta aliança joga-se frequentemente em
estimulantes soluções de transição (limiar) interior/exterior e deve
privilegiar uma concepção integrada da arquitectura dos edifícios e dos espaços
exteriores, e a introdução estratégica e afirmada do verde urbano pois as
pessoas, as cidades e o ambiente precisam urgentemente desse verde.
Numa fase de aprofundamento desta relação
deveremos passar para uma “concepção integrada da arquitectura dos edifícios e
dos espaços exteriores”, na qual terá de ter o seu lugar a ligação entre a
Arquitectura e a Arquitectura Paisagista, ainda rara em habitação de interesse
social, mas muito importante e muito exigente, também por parte da intervenção
paisagística.
Figura 05: (1988) Madalena, Funchal,
Coop. Coohafal, Arq. Guilherme Barreiros Salvador, 100 habitações – e um
exemplo de como é possível fazer um conjunto onde interiores e exteriores
constituem uma unidade de uso e neste caso de recreio (acontecia um aniversário).
Integração social e adequação aos habitantes
Quanto ao segundo aspecto, ligado à
integração social do habitar e à sua adequação aos habitantes, avançou-se
bastante na crucial mistura social, na introdução de pequenos grupos, na
diversificação de soluções habitacionais, na sua integração global e na relação
com a intervenção social e a gestão de proximidade, mas há que avaliar na
prática muito do que se fez, tirar daí ensinamentos que vão das tipologias aos
processos de gestão utilizados e acabar de vez com as repetições, ainda que
pontuais, de erros de concentração, de discriminação, de isolamento e de
mistura despropositada na localização dos conjuntos e das intervenções.
A adequação aos habitantes e aos seus
usos locais é um tema que sempre esteve na ordem do dia, só que, por vezes há
críticos esquecimentos associados a esta matéria, ou então há um reduzido ou
insuficiente conhecimento sobre como actuar para se proporcionar uma melhor
adequação habitacional (do conjunto e da habitação).
Nesta matéria uma situação recorrente é a
expressiva inadequação entre habitação e habitantes: por manifesta ausência de
relações entre usos e hábitos e espaços domésticos e comuns, por diferenças
claras entre esses usos e hábitos e as relações que são oferecidas entre
interiores e exteriores, por fragmentação de vizinhanças sociais preexistentes
e por um claro caminho de perda de identidade e de capacidade de apropriação da
habitação e do espaço de vizinhança e por inadequação entre formas e intensidades
de uso dos espaços públicos envolventes (produzindo-se atritos entre pessoas e
grupos que usam esses espaços de forma diferenciada); e em tudo isto a urgente
(re)humanização do habitar deve servir o habitante e, simultaneamente, servir a
cidade, com identidade e dignidade.
Ainda nesta temática e considerando, por
exemplo, modos de habitar mais específicos de minorias étnicas, este foi um
tema que ganhou gradualmente maior importância e que continua muito discutido,
sendo que há excelentes exemplos onde se terá atingido realmente uma grande
adequação, mas é fundamental poder avaliá-los e aprender com eles.
Figura 06: (2007) habitação para famílias da etnia cigana, Cooperativa NHC, Loures, São João da Talha, Arqos Luís Monteiro e Antero de Sousa; 22 habitações – procurou-se aqui realizar integração física e social com a cidade ao mesmo tempo que se afeiçoava um espaço público, embora recatado, para os usos das famílias ciganas, uma adequação que também se procurou no desenho das habitações (ex., espaços frontais para arrumos)
Importância da diversidade tipológica, da pequena escala e da coerência urbana das intervenções residenciais
O terceiro aspecto sublinha a importância
da diversidade tipológica e da pequena escala urbana das intervenções
residenciais e foi provavelmente o tema mais importante do último quarto de
século de habitação apoiada pelo Estado em Portugal.
E note-se, a título de exemplo
significativo, que a média do número de habitações em cada um dos 42 conjuntos
que , tal como se referiu atrás, foram pormenorizadamente estudados em três
análises retrospectivas (Avaliação Pós-Ocupação), é de 76 habitações por
conjunto.
Quanto à associada características de
diversidade tipológica ela resultou da prática de três modalidades de promoção
– municipal, cooperativa e privada – que actuaram com base local.
E se a estas características juntarmos o
privilegiar de pequenas intervenções residenciais bem integradas na cidade viva
e na paisagem natural, temos provavelmente o maior contributo deste quarto de
século para a história da habitação de interesse social portuguesa, pois esta
diversidade e pequena escala:
• favorecem a participação dos
habitantes, a identidade local, o desenvolvimento comunitário, e a gestão
local;
• favorecem o equilíbrio ecológico de
cada conjunto e a introdução do verde urbano;
• privilegiam o peão e favorecem uma rede
de espaços públicos conviviais;
• proporcionam diversidade de soluções de
edifícios habitacionais e mistos;
• favorecem o desenvolvimento de pequenos
conjuntos urbanos, capazes de funcionarem como elementos urbanos positivos e
mesmo de requalificação local;
• facilitam o desenvolvimento de
conjuntos residenciais sem qualquer estigma de pobreza e de falta de
atractividade;
• e estimulam o desenho cuidadoso e
pormenorizado de toda a intervenção.
A diversificação tipológica residencial,
tema que por si só bem mereceria aqui todo um aprofundado desenvolvimento, não
tem condicionantes significativas nos controlos de custo,
mas sim de qualidade arquitectónica das
intervenções, pois este trabalho tipológico deve favorecer uma mistura
cuidadosa e ponderada de vários tipos de soluções de acessibilidade, de fogos,
de conjuntos de fogos e mesmo de quarteirões, numa opção que exige de facto uma
boa concepção de arquitectura, que utilize um leque tipológico amplo que mexa
com interior e exterior, com vizinhanças e continuidades urbanas, e aqui o
quarteirão tem uma grande importância.
E, assim, é possível variar as
características urbanas e residenciais das tipologias: (i) seja pela
humanização das soluções multifamiliares; (ii) seja por uma “viagem contrária”
no unifamiliar, jogando aqui com uma forte unidade formal.
Esta diversificação tipológica é também
estratégica na oferta de soluções adequadas a uma grande diversidade de
condições locais e de gostos ou hábitos residenciais. E atenção que, aqui,
estamos no ponto estratégico de uma fundamentada inovação que faça associar as
habitações muito mais às vizinhanças urbanas e residenciais do que a edifícios,
tantas vezes “pesos-mortos”, e que até, por vezes, levantam complexos problemas
de gestão, com frequentes e negativas consequências em termos da vivência local
dos conjuntos (deficiente manutenção e reduzida satisfação).
E, finalmente, há que sublinhar que em
todo este trabalho tipológico é essencial ter em conta que a tipologia “serve
de refúgio para melhor trabalhar o tecido urbano de forma cirúrgica” e que com
este objectivo a Arquitectura residencial não se deve “fundir no ambiente como
um camaleão”, deve sim “encontrar soluções pertinentes para cada situação”:
afirmou-o o Arq.º Alain Malherbe num excelente estudo belga sobre a nova
habitação para o século XXI.(15)
Figura 07: (2005) Matosinhos, 2005, Monte Espinho, Arqª Paula Petiz, 108 habitações – é sempre surpreendente a importância da diversidade tipológica residencial, cuidadosa, bem pormenorizada e, naturalmente bem desenhada, servindo a pequena escala, a coerência e animação do espaço público e a adequação aos modos de vida ; são como unifamiliares agrupados gerando pequenas ruas de vizinhança.
Diversidade de promoções residenciais e excelente gestão local
O quarto aspecto sublinha a relação entre
a diversidade de soluções e tipologias e diversidade dos respectivos
promotores, uma condição que é muito positiva nas misturas sociais
disponibilizadas – embora haja aqui que ter muito cuidado com estas mesmas misturas
pois elas podem funcionar ao contrário, não integrando, mas tornando a vida
muito difícil às famílias que teriam, de certa maneira, a função social de
ajudar na acção de integração.
Esta diversidade de promotores encontra
na promoção cooperativa um aliado capaz de assegurar excelentes condições
iniciais de enquadramento participativo das intervenções, depois prolongadas
por muito eficazes acções de gestão de proximidade; e os exemplos estão aí para
serem seguidos, e é crucial para muitos habitantes e para a cidade poder
replicar, urgentemente, tais exemplos numa escala muito mais ampla e em
intervenções mais frequentes e disseminadas; situações estas muito adequadas à
iniciativa cooperativa.
E quando se passa da escala da intimidade
residencial para a da cidade da pequena escala é fundamental garantir um máximo
de condições de estabilidade de convívios e de civilidades e aqui a aliança com
entidades verdadeiramente cooperativas fará, sem dúvida, a diferença, tanto
porque são entidades habituadas a concertar gostos, desejos e exigências
residenciais e urbanas, como porque está provado que cooperar promove a vida
urbana local e a positiva convizinhança.
Figura 08: (1991) Faro, Cooperativa
Coobital, Arq. José Lopes da Costa e Arq. Pais. José Brito, 115 habitações – é
na diversidade de promoções, associada às respectivas capacidades para
integração natural de vários grupos socioculturais e para assegurar uma gestão
urbana de proximidade eficaz, que se joga boa parte do êxito das intervenções
residenciais de interesse social; e nestas matérias a iniciativa cooperativa é
exemplar
Apoio adequado a novas formas de habitar consistentes e motivadoras
O quinto aspecto evidencia o surgimento
de novas formas de habitar, quer pela reconversão de velhos edifícios a outros
usos que não os originais, quer pelo desenvolvimento de novas soluções
habitacionais:
• desde as habitações correntes, dos mais
diversos tipos formais e associativos, aquelas que possam ser facilmente
servidas por apoios habitacionais e de saúde;
• às soluções residenciais em que se
integram diversos menus de serviços comuns;
• às soluções residenciais em cuja
vivência se misturem, com a máxima naturalidade, pessoas sem quaisquer
necessidades em termos de apoios habitacionais e vivenciais, mas que desejem um
tipo de vida diária potencialmente mais gregário, e pessoas que tenham
necessidades em termos desses apoios;
• até soluções residenciais marcadas por
exigências específicas e críticas em termos de apoios habitacionais e
vivenciais;
• e, naturalmente, soluções de grande
ligação entre actividades residenciais e outras de grande apoio de saúde e
hospitalar.
Uma variabilidade que, mais uma vez
encontra na grande diversidade de relações entre habitações e vizinhanças o seu
principal motivo de variação e de composição. Uma variabilidade que vai dos
multifamiliares aos unifamiliares, passando pelas fundamentais soluções de
transição tipológica e pelas afirmadas soluções colectivas, umas e outras
elementos extremamente úteis e dúcteis na construção de uma cidade que, de
certa forma, cresça numa densidade convivial e decresça naquela densidade que
nos faz mal: a do ruído, da confusão, do excesso de veículos, e da ausência de
identidade, apropriação e espaços de acalmia.
Figura 09: (2007) Câmara Municipal de
Oeiras, Carnaxide, habitação apoiada para pessoas acamadas e idosos, Arq.os
Cristina Veríssimo, Diogo Burnay e Patrícia Ribeiro, 45 unidades habitacionais
– é tempo da habitação de interesse social se dedicar, também, e de forma
efectiva a novas formas de habitar consistentes e motivadoras, como acontece
neste recente exemplo que associa zonas de convívio e de serviços comuns (piso
térreo), quartos com zonas de estar para pessoas acamadas (1.º andar) e
pequenos apartamentos com um quarto (do 2.º ao 4º andares). Uma solução de verdadeira microvizinhança verdadeiramente pioneira da oferta de habitação intergeracional em Portugal.
Adequação da nova habitação à cidade e à paisagem e preenchimento urbano valorizador das preexistências
O sexto aspecto refere-se a um
significativo e muito interessante conjunto de intervenções residenciais bem
desenhadas, bem integradas na cidade e caracterizadas pela escala humana, que
cooperam, activamente, na (re)estruturação da sua zona de intervenção e que
dialogam bem com a fundamental continuidade urbana e com a paisagem; e aqui
estamos, naturalmente, no “ponto central” do fazer cidade viva com habitação.
No último decénio foi surgindo uma
vertente promocional ligada ao “construir no construído” – conceito este sobre
o qual Francisco de Gracia (16) desenvolveu um excelente estudo – , e ao
preenchimento urbano através de um significativo e muito interessante conjunto
de intervenções de realojamento bem desenhadas, muito bem integradas na cidade
e caracterizadas pela escala humana, que cooperam, activamente, na
(re)estruturação a sua zona de intervenção, que dialogam bem com a fundamental
continuidade urbana e com a paisagem, que foram sendo estrategicamente
associadas a preocupações de sustentabilidade ambiental, e que são agentes
preciosos para o crescimento “pontual” de uma (re)densificação associada à
(re)vitalização urbana.
Procura-se, assim, uma densificação
estratégica, com uma nova arquitectura amigável e cívica, através de um desenho
bem integrado com as paisagens urbanas e naturais preexistentes, que favoreça a
criação de vizinhanças conviviais e bem embebidas nas respectivas envolventes,
proporcionando integração física e social (o estatuto de velhos habitantes),
numa opção que joga forte na ampliação do habitar para o espaço exterior
circunvizinho; de certa forma esquecendo-se tudo aquilo que se liga a espaços
menos apropriados ou apropriáveis, num focar da atenção nos mundos domésticos e
públicos que estejam verdadeiramente disponíveis para a vida privada e urbana.
Figura 10: (2007) Câmara Municipal do
Porto, Fontainhas, Arq.os Helder Ribeiro e Amândio Cupido, 21 habitações – cada
vez mais as novas intervenções residenciais devem integrar-se harmonicamente na
cidade e na paisagem, valorizando-as e preenchendo, requalificando e dando
coesão a espaços anteriormente abandonados ou degradados, enquanto se
proporciona uma integração “de grão fino”, e portanto facilitada, dos novos
habitantes; neste caso, numa zona central e tradicional do Porto, 21 novas
habitações bem desenhadas e disseminadas por vários edifícios ajudaram a fazer
cidade e habitação de interesse social.
Desenho pormenorizado da habitação
O sétimo aspecto tem a ver com um
conjunto significativo de excelentes soluções-base de fogos, em termos de zonas
funcionais e de adaptabilidade a diversos modos de habitar, onde se equilibram
espaciosidades conviviais entre sala e cozinha e onde, por vezes, se criam
espaços domésticos bem caracterizados. E tudo isto num difícil equilíbrio com
as áreas controladas, um equilíbrio que, mais uma vez, faz evidenciar os bons
projectos de Arquitectura.
Sobre a questão das áreas há caminhos a
fazer no sentido de se favorecerem melhores condições, mais funcionais, mais
humanizadas, mais integradas e mais versáteis; e melhores espaços não são,
necessariamente, maiores espaços, pois podem enriquecer-se com condições
especiais de caracterização ambiental, escala humana e atractividade.
Julga-se, no entanto, haver ainda um
caminho longo e muito rico a desenvolver nesta linha temática, sublinhando-se
que as melhores realizações em termos de espaços interiores e exteriores, foram
aquelas caracterizadas por um desenho pormenorizado do habitar doméstico, comum
e público.
Figura 11: (2002) Câmara Municipal de
Matosinhos, Telheiro, Arq.º Manuel Correia Fernandes, 44 habitações –
naturalmente que no fazer habitação e cidade com interesse social, portanto com
adequação a quem habita e valia urbana, é essencial desenhar pormenorizadamente
o habitar interior, exterior e de relação; e aqui encontramos mais uma daquelas
verdades que parecem ser óbvias, mas que exigem constante atenção, pois muito
se ganha ou se perde na pormenorização e o bom desenho é aquele que resulta de
uma prolongada retroacção entre pormenor e aspectos mais gerais ou
estruturadores, e este pequeno “bairro” do Telheiro, do Prof. e membro do Grupo
Habitar Manuel Correia Fernandes é um “tratado” de bom e sóbrio desenho.
Qualidade do desenho de arquitectura das novas intervenções residenciais e urbanas
Finalmente, o oitavo aspecto sublinha a
relevância da habitação de interesse social na arquitectura contemporânea, –
uma frase que é o título de um excelente artigo do historiador Jesus López Diaz
(17). Afinal, a habitação de interesse social foi, desde sempre,
trabalho de arquitectos.
Trata-se de um facto conhecido, mas
parece que tem sido pouco interiorizado pela própria sociedade, quer em termos
da importância que tem no enriquecimento do nosso património urbano, quer no
âmbito da aproximação à satisfação das necessidades e desejos de uma grande
diversidade de grupos socioculturais.
Nesta matéria tem de ficar claro que
viver numa obra de boa arquitectura residencial é realmente uma experiência
muito positiva, pois, tal como disse há poucos anos o presidente do Royal
Institute of British Architects (na altura o Arq. George Ferguson): “uma escola
melhor desenhada leva a um melhor ensino, e uma casa e um escritório melhor
desenhados resultam em pessoas mais felizes” (18).
Todos estaremos, porventura, de acordo
que, se assim for, e considerando, especificamente, conjuntos habitacionais
dedicados a pessoas socialmente desfavorecidas, fica claro que a promoção de
habitação de interesse social, apoiada pelo Estado, pode e deve assumir um
papel de relevo como ferramenta de apoio ao desenvolvimento pessoal, familiar e
social dos habitantes e das respectivas vizinhanças e comunidades locais numa
cidade redimida da falta de desenho e de outras qualidades que se vivem
realmente, mas que tanto andaram e andam esquecidas.
Sobre o papel do desenho de Arquitectura
numa cidade mais habitada e mais viva muito há a penar e a referir, mas
sublinham-se, sinteticamente, alguns caminhos -chave na melhoria da qualidade
residencial e, simultaneamente, na construção de uma cidade com maior qualidade
arquitectónica:
• O primeiro caminho põe em relevo a
ligação que existe entre as matérias da escala humana e da densificação, e da
integração urbana e paisagística.
• O segundo caminho vai recuperar as
matérias associadas ao desenvolvimento de vizinhanças de proximidade efectivas
e afectivas.
• O terceiro caminho refere-se ao
interesse de se desenvolverem relações directas entre escala humana e elementos
arquitectónicos residenciais.
• O quarto caminho é associar grande
número de fogos num espaço urbano muito contido e com grande escala física, mas
marcado pela escala humana.
• O quinto caminho, sublinha a
importância da conjugação entre habitação e outras actividades citadinas, pois
a cidade densificada de que se gosta e que se vive com prazer é a cidade das
actividades que não são só o habitar, e só assim a densidade pode ser uma
qualidade ligada à vida.
• O sexto caminho tem a ver com a relação
estreita que deve ser estabelecida entre aspectos de humanização e densificação
e preocupações de dignidade e atractividade da imagem urbana.
• O sétimo caminho refere-se à
necessidade urgente de aprender a fazer habitação urbana densificada e
qualificada, designadamente por uma forte humanização, e esta matéria liga-se à
crucial reabilitação e regeneração urbana e ao estudo de novas e velhas
soluções tipológicas de edifícios, fogos e equipamentos urbanos; e sublinha-se
que projectar habitação com densidades elevadas exige uma muito elevada
qualificação arquitectónica.
• Um oitavo caminho liga-se ao entender a
actividade do desenho de Arquitectura residencial mais numa perspectiva de
intervenção no existente, de preenchimento e de coesão, essencialmente ligada a
acções de reabilitação e, mais pontualmente de nova intervenção, num processo
de grande pormenor urbano.
• E, finalmente, um nono caminho liga-se
a que, em todos estes caminhos de “desenho”, importa ter em conta a questão
regulamentar e normativa, que é fundamental para evitar erros, mas que “não
deve inviabilizar a emergência de novas soluções tipológicas relacionadas com a
problemática actual do habitat, mas em vez disso suscitá-las” – escreveu-o
Albert Dupagne (19), que mais à frente ainda sublinha que importa
“compreender o existente, perspectivando o futuro, mas sem se cair numa
normalização excessiva.”
Figura
12: (1995) Cooperativa Massarelos, Porto, Arq.ºs Francisco Barata e Manuel
Fernandes Sá, 95 habitações – sobre a importância do bom desenho de
Arquitectura no fazer cidade e habitação com interesse social muito já foi
sendo dito neste texto e aqui e a propósito deste excelente conjunto em
Massarelos, apenas se acrescenta que nada nestes cuidados tem a ver com maior
custo, antes pelo contrário, por exemplo neste conjunto o bom desenho
associou-se a uma equilibrada e muito cuidada repetição dos vãos de janela; e
já agora repete-se a afirmação da importância da (re)invenção tipológica e da
adequação a cada sítio específico, fundamentais para esse bom desenho e
essenciais nesta intervenção.
VII. Reflexões complementares sobre o
fazer cidade e habitação de interesse social
A melhor habitação de interesse social
portuguesa foi concretizada nas últimas dezenas de anos e caracteriza-se por
uma estimulante diversidade de soluções, pelas evidentes vantagens físicas e
sociais da pequena dimensão e da máxima integração das intervenções, e por
importantes temas de projecto e de promoção/gestão global que importa
aprofundar,
como são os aspectos de maior adequação aos velhos e novos modos de vida e de
aliança entre habitar e regeneração urbana, aspectos estes que tudo têm a ver
com um sentido global de uma promoção habitacional e urbana mais amigável e
humanizada, arquitectonicamente bem desenhada e gerida em continuidade e com
grande sensibilidade por entidades próximas aos habitantes.
E aqui é de elementar justiça e de
oportuno sentido prático salientar o grande interesse social atingido,
globalmente, pela promoção cooperativa realizada no âmbito da Federação
Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE), salientando-se nesta
promoção os grandes conjuntos urbanos e residenciais com excelente qualidade
vivencial e excelente qualidade arquitectónica que foram realizados nas zonas
metropolitanas de Matosinhos, Gondomar, Porto, Aveiro, Alverca, Lisboa, Oeiras,
Évora, Beja, Faro, Câmara de Lobos e Funchal, entre outras localizações –
conjuntos estes que, hoje em dia, estão melhor do que quando inaugurados, e
estão disponíveis para serem visitados.
Nesta caracterização da recente habitação
de interesse social portuguesa é também importante assumir a responsabilidade
de não voltar a errar através da concentração e homogeneização social e de
soluções patologicamente repetidas e segregadas da vital continuidade urbana.
Trata-se assim de reforçar os aspectos positivos e humanizadores atrás
referidos e de erradicar as reincidentes soluções desumanas, porque massivas e
social e fisicamente desintegradas.
Há que salientar que se não tivesse sido
a promoção de habitação de interesse social, com apoio público e estatal, não
teria havido, praticamente, qualquer investigação prática em termos de novas,
renovadas e reaproveitadas soluções de habitar, isto porque, evidentemente, o
mercado tende a repetir modelos experimentados e considerados como de êxito,
uma circunstância que terá naturalmente interesse, mas que se refere a um
caminho essencialmente comercial e com uma saída que é muito limitada
considerando-se a urgência da resposta a um enorme leque de necessidades e de
desejos habitacionais e urbanos; e diga-se que o mercado é, até, muito cego
relativamente a eventuais modelos com interesse, mas menos frequentes e
conhecidos.
Há também que sublinhar que mesmo na
promoção pública é fundamental acarinhar um caminho de registo comentado e
comparado do que se fez em habitação e cidade, pois a própria natureza da
criação arquitectónica tende a isolar e a diversificar, constante e continuamente
a geração de “novas” soluções habitacionais e urbanas, cuidando-se pouco da
necessária retroacção em termos de soluções de adequação a modos de vida,
desejos habitacionais e urbanos e influências mais próximas e mais alargadas
dessas soluções de habitar nos seus bairros e cidades. E há que considerar que
a bem conhecida criatividade arquitectónica ajuda a este cíclico e negativo
“esquecimento” das melhores soluções.
A este título Robert Stern (20), citando
de Le Corbusier, escreveu que não acredita "que toda a arquitectura que
fala à alma seja produto do trabalho de indivíduos. Um homem aqui, outro ali,
percebe, compreende, decide e actua, criando. E como resultado uma solução
emerge permitindo a outros homens...encontrar o seu verdadeiro caminho". E, um pouco mais à frente, já com as
suas próprias palavras, Stern afirma que "a arquitectura não pode
desenvolver-se enquanto os arquitectos acreditarem que se encontram frente a
uma tabula rasa, enquanto eles acreditarem que o edifício individual é
essencialmente o resultado do talento individual e da personalidade individual.
A arquitectura é uma síntese de valores tradicionais e de circunstâncias
imediatas".
Há, assim, que estudar e reinterpretar o
que foi feito em termos de habitação de interesse social, atendendo-se aos seus
reflexos nas várias gerações de habitantes e na evolução dos respectivos
tecidos urbanos próprios e de integração, e isso é já hoje bem possível pois
temos uma perspectiva temporal de cerca de 100 anos. E muito se engana quem
imagina que esta linha de actuação tem pouco interesse por já haver casas a
mais, pois isso é talvez o que menos importa, face à fundamental adequação que
o habitar deve proporcionar aos mais diversos desejos habitacionais e à
reconstrução de tantas continuidades urbanas hoje inexistentes ou criticamente
deficientes. Diria mesmo que é fundamental investir agora, fortemente, seja nas
faltas quantitativas que ainda existem e que até estarão, hoje em dia, em
muitos casos, optimisticamente contabilizadas, seja nas faltas qualitativas que
caracterizam ainda muitas soluções habitacionais que não se centram no homem e
na sua felicidade.
Figura 13: (1984) FFH e INH, Beja,
Unidade Residencial João Barreiro, Arq.º Raúl Hestnes Ferreira e Arq. Manuel
Miranda, 48 habitações – relativamente a este conjunto, que é exemplo fundador
da nova habitação de interesse social portuguesa, apenas se sublinha que aqui
também se fez mais um pouco de vizinhança e de cidade com interesse social.
Sublinha-se, finalmente, que os caminhos
do presente e do futuro na habitação de interesse social, e especificamente da
que é realizada em Portugal, se ligam a uma arquitectura das vizinhanças e das
continuidades urbanas, centrada nos agrupamentos e quarteirões, em soluções que
não têm condicionantes significativas em termos de custos, mas que têm, sim,
claras exigências de qualidade arquitectónica, que dependem de um amplo
aprofundamento tipológico que tem de garantir uma cidade coesa, variada e,
consequentemente, estimulante.
Reforça-se a ideia que, frequentemente,
nesta linha de intervenção, da habitação e da cidade com interesse social, uma
pequena, estratégica e bem desenhada operação de introdução “cirúrgica” de
“meia dúzia” de habitações agregada, por exemplo, a um pequeno equipamento
colectivo, em falta no local, resultará, por regra, num efeito social e urbano
muito multiplicado nas suas dimensões humana, social e citadina; e se considerarmos esta noção, que,
naturalmente, funde acções de intervenção nova e de reabilitação, tal como será
cada vez mais frequente nas nossas cidades centrais e periféricas, então
teremos um claro e muito acrescentado valor neste tipo de acções, enquanto
teremos sempre um crítico desperdício de recursos nas acções incompletas,
defeituosas e mal desenhadas.
Nesta perspectiva salienta-se que os melhores exemplos de
habitação de interesse social se ligam a uma arquitectura de vizinhanças e de
continuidades urbanas, composta por pequenos agrupamentos de edifícios bem
caracterizados e marcados pela harmonização entre qualidade arquitectónica e
satisfação dos moradores. E nesta matéria há que dar aos aspectos
regulamentares que condicionam este tipo de promoção a sua importância real que
é muito menor do que a que se tem de atribuir a uma verdadeira qualificação
arquitectónica destas intervenções, é há que acompanhar e avaliar,
posteriormente, os resultados obtidos naquela relação entre desenho e
satisfação. E, evidentemente, não podemos voltar: aos projectos-tipo sem
qualidade e doentiamente repetidos, às soluções isoladas e segregadas da vital
continuidade urbana, à concentração excessiva de realojamento, às misturas
sociais disparatadas, e à total inadequação entre projectos e modos de habitar.
Nestes caminhos, como em outros, é
primordial utilizarmos todo o conhecimento teórico-prático gradualmente
adquirido nos mais de 100 anos de história da HIS, anulando-se todas as
periódicas e oportunistas “tábuas-rasas” sem qualquer sentido social,
arquitectónico e financeiro e valorizando-se, adequadamente, os casos de
referência identificados;
e salienta-se que, embora todas estas reflexões tenham uma aplicabilidade
directa à realidade portuguesa, considera-se, no entanto, e sublinha-se esta
consideração, que muitos dos aspectos aqui apontados como caminhos numa cidade
e numa habitação com verdadeiro interesse social têm uma aplicabilidade
indirecta muito ampla e generalizável, designadamente, quando se visam bases culturais
e sociais lusófonas.
Figura 14: (2008) um caso de reabilitação para melhorar as condições de quem já habitava centros históricos e para introduzir novos moradores, na Rua de São Pedro em Viana do Castelo, reabilitação promovida por Maria Cândida da Costa, com projecto e coordenação do arquitecto José Loureiro – é um exemplo de uma intervenção onde se proporcionaram condições de salubridade e conforto em todas as habitações, salvaguardando-se os valores patrimoniais que caracterizam esta construção
Há que privilegiar, assim, soluções
residenciais e urbanas que possam contribuir, quer para uma cidade melhor
habitada, mais misturada e integrada de diferentes pessoas e actividades, e
mais amigável, quer para uma habitação que sendo adequada e multifacetada seja
também um pouco de cidade atraente e caracterizada e uma habitação viva, que se
estenda pelos exteriores e pelos outros espaços de uma cidade vitalizada. Aproximando-nos, afinal, do que é
defendido por Aldo van Eyck, citado por Hertzberger (21): “fazer de cada
casa e de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa é uma cidade em
miniatura e uma cidade é uma casa enorme”; e sublinha-se que esta ideia de
criação de muitos lugares bem interligados é fundamental para se conseguir uma
cidade coesa e humanizada.
Talvez que o tema comum numa cidade mais
viva e numa habitação com verdadeiro interesse social, e, portanto mais urbana
e coesa, mas que não perca o sentido básico do abrigo, do sossego, da
apropriação, e da convivialidade entre vários grupos socioculturais, seja uma
caracterização humanizada do habitar, um habitar à pequena escala, um habitar das vizinhanças bem
conjugadas, um habitar que tanto embebe a escala humana e bem amigável desse
sossego, dessa protecção e dessa apropriação, como está disponível, mercê de
simples e diversificadas associações, para participar activamente na construção
das escalas maiores, mas sempre desejavelmente humanizadas, das vizinhanças
mais alargadas, dos bairros e das outras partes de cidade.
E humanizar implica pensar bem para lá
dos aspectos quantitativos, uma afirmação que não conhece fronteiras
geográficas nem mesmo culturais, pois, tal como salientam Benevolo e Albretch (22),
“os desafios a enfrentar no mundo de hoje não dizem apenas respeito às
quantidades e aos números, mas também, – e sobretudo – à complexidade e à
subtileza.” Uma complexidade e uma subtileza essenciais para fazermos e
refazermos casas e cidades com interesse social pois, como escreveu Kazuo
Shinohara, “na nossa enorme sociedade actual há pouca diferença entre fazer 100
casas ou 200 casas, no entanto a quantidade que é difícil apurar é o número de
casas que são feitas e que atingem um significado social.”(23)
Importante nota suplementar sobre a essencial revisita aos conjuntos urbanos e residenciais de interesse social considerados meritórios através de atribuição de prémios e menções, passados pelo menos 5 anos após a primeira ocupação e periodicamente a partir dessa data.
Seria interessante e muito útil revisitar muitos dos bons exemplos de habitação de interesse social realizados desde o 25 de Abril - considerados bons exemplos através de apreciações objectivas ligadas a Prémios e Menções, por exemplo do Prémio INH e IHRU e outras - para ajuizar da sua sustentabilidade como boas soluções urbanas e habitacionais, designadamente, no âmbito da adequação e satisfação dos respetivos habitantes e de quem habita nas respetivas envolventes; tais estudos práticos foram já realizados em Portugal e no Brasil, por exemplo, havendo processos bem estruturados e "rodados" que podem ser aplicados com relativa facilidade e em tempo útil, permitindo daí extrair vitais conclusões para o futuro próximo. Nesta perspetiva a GHabitar tem prevista e já pré-preparado um leque de análises, sendo desde já interessante referir que até entre os exemplos aqui ilustrados haverá situações cuja vivência ao longo de alguns anos resultou menos bem, enquanto outros há, aqui ilustrados e muitos outros que aqui poderiam ter sido ilustrados, que, ao fim de cerca de 20 anos estão melhor do que quando recém-habitados - mais vivos e atraentes e bem mantidos.
Notas bibliográficas
1 Manuel Correia FERNANDES, “Anos 80 As Cooperativas
de Habitação e o Desenho da Cidade, a Senhora da Hora em Matosinhos“ in
Encontros AAP Habitação, 1.º Encontro: fazer cidade com habitação, Lisboa, Sede
Nacional da AAP, 8 de Maio de 1998, p. 1.
2 Jan GEHL, “A Changing Street Life in a
Changing Society“ in http://repositories.cdlib.org/ced/places/vol6/iss1/JanGehl/, consultado em 13.02.2009.
3 Ray Oldenburg, The Great Good Place :
Cafes, coffee shops, bookstores, bars, hair salons and other hangouts at the
heart of a community, 1999 (1989) Nova Iorque, Marlowe & Company, 1999. 336 p.
4 Josep Maria montaner e Zaida Muxí martìnez
(dir.), Habitar el presente, Vivienda en España: sociedad, ciudad, tecnologia y
recursos, Madrid, Ministerio de Vivienda, 2006, p. 32.
5 Adson Cristiano Bozzi Ramatis LIMA,
“Habitare e habitus — um ensaio sobre a dimensão ontológica do ato de habitar“,
in http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp450.asp, consultado em 30.09.2008.
6 José Saramago, “Pátio do Padeiro”,
crónica integrada em “o caderno de Saramago”, Diário de Notícias, 04.08.2009 e http://caderno.josesaramago.org
7 Mansilla + Tuñon, “Acceso a la Calle Artistas por la Calle Don Quijote –
Madrid, 2003”, Jornal Arquitectos, n.º 216, 2004, pp. 84-87.
8 Herman Hertzberger, Lições de
Arquitetura, São Paulo, Martins Fontes, 1996 (1991), pp. 54, 63 e 64.
9 Josep Maria MONTANER e Zaida Muxí MARTÌNEZ
(dir.), Habitar el presente, Vivienda en España: sociedad, ciudad, tecnologia y
recursos, Madrid, Ministerio de Vivienda, 2006, p. 32.
10 Herman HERTZBERGER, Lições de
Arquitetura, São Paulo, Martins Fontes, 1996 (1991).
11 Ana Vaz Milheiro e Isabel Salema,
“Entrevista com o crítico de arquitectura Kenneth Frampton - «Há um forte
sentimento pela paisagem”, jornal Público, 11 Julho 1998 – nesta entrevista
Frampton disse: “Penso que, de um modo geral,
a paisagem se tornou muito importante e, se pensarmos neste
desenvolvimento fora de Lisboa, a única coisa que o vai tornar humano ,
suportável, é o verde. Grandes partes das ruas americanas têm um ambiente
insuportável! O que é que o pode redimir? Só a paisagem pode fazer alguma
coisa.”
12 A metodologia seguida nestes prémios
pode ser conhecida por consulta aos 20 catálogos respectivos, editados pelo INH
- Instituto Nacional de Habitação, entre 1989 e 2006 e actualmente editados
pelo IHRU - Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (2007 e 2008), e no
livro de minha autoria intitulado Instituto Nacional de Habitação, 1984 – 2004:
20 anos a promover a construção de habitação social, editado pelo INH, em 2006,
e disponível por solicitação ao IHRU.
13 António Baptista COELHO, Instituto
Nacional de Habitação, 1984 – 2004: 20 anos a promover a construção de
habitação social, Lisboa, INH, LNEC, 2006(disponível por consulta ao IHRU).
14 Nuno PORTAS,
“Desenho e apropriação do espaço da habitação”, Arquitectura
15 Alain MALHERBE, “Typologies”, in Le logement à láube du XXIème siécle –
quelques perspectives et enjeux pour demain, Stavelot, Diréction Générale
Amenagement du Territoire Logement Patrimoine, 2000, p. 65.
16 Francisco de GRACIA, Construir en lo
Construido, Madrid, Editorial Nerea, 1992
17 Jesus López DIAZ, “La relevância de la
vivienda social en el origen de la arquitectura contemporânea“, Espacio,
Tiempo y Forma, Serie VII, H.ª del Arte, t. 16, Universidad Nacional de
Educación a Distancia , 2003, pp. 179-197.
18 Rita Jordão SILVA, «Inauguração da nova
galeria do Victoria and Albert Museum» in jornal Público, 29.11.2004.
19 Albert DUPAGNE, “Le logement durable”, in Le
logement à láube du XXIème siécle – quelques perspectives et enjeux pour demain,
Stavelot, Diréction Générale Amenagement du Territoire Logement Patrimoine,
2000, p. 108.
20 Peter ARNELL; Ted Bickford (Ed.), Robert
A. M. Stern Buildings and Projects 65-1980, p.10
21 Herman HERTZBERGER, Lições de
Arquitetura, São Paulo, Martins Fontes, 1996 (1991),p.193.
22 Leonardo BENEVOLO e Benno ALBRETCH, As
Origens da Arquitectura, Lisboa, Edições 70, 2002, p.9.
23 Kazuo SHINOHARA, Now, “modern next“, in Contemporary japanese
houses, 1985-2005, Tóquio, TOTO Shuppan 2005, p. 435.
Notas
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Cidade e
habitação de interesse social: reflexões gerais e práticas – Infohabitar # 921
Infohabitar, Ano XX, n.º 921
Edição: quarta-feira, 4 de dezembro de
2024
Infohabitar
Editor: António
Baptista Coelho, Arquitecto (ESBAL), doutor em Arquitectura (FAUP),
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo (LNEC)
Edição: Olivais
Norte, Encarnação, Lisboa; e Casa das Vinte,
Casais de Baixo, Azambuja.
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à Edição: José Baptista Coelho – Lisboa
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