quarta-feira, agosto 03, 2022

Velhice e solidão ou convívio no habitar I – versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 825

Ligação direta (clicar no link seguinte) para aceder à listagem interativa de 800 Artigos editados na Infohabitar – edição de janeiro de 2022 com links revistos em junho de 2022 (38 temas e mais de 100 autores):

https://docs.google.com/document/d/1WzJ3LfAmy4a7FRWMw5jFYJ9tjsuR4ll8/edit?usp=sharing&ouid=105588198309185023560&rtpof=true&sd=true


Velhice e solidão ou convívio no habitar I – versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 825

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 825


Edição: quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Devido à grande extensão do tema/artigo este é dividido em duas partes, editadas nesta e na próxima semanas.



Artigo XIV da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”



Caros leitores da Infohabitar,


Com o presente artigo damos continuidade à série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma abordagem global e bibliográfica dos amplos, sensíveis e urgentes aspetos associados às necessidades, aos gostos e às potencialidades sociais e urbanas de uma reflexão prática sobre os espaços residenciais dedicados a pessoas idosas e fragilizadas, desejavelmente integrados em quadros intergeracionais, ativamente urbanos e dinamizados e convivializados pelas cooperativas que estão, desde há dezenas de anos, dedicadas à promoção de habitação de interesse social com expressiva qualidade e frequentemente associada a um amplo leque de variadas e vitais atividades vicinais e urbanas – as Cooperativas associadas à Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

Lembra-se, como sempre, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com).

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores,     


Lisboa, em 3 de agosto de 2022

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


Nota introdutória à temática do Programa de Habitação Adaptável Intergeracional – Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C)

Considerando-se o atual quadro demográfico e habitacional muito crítico, no que se refere ao crescimento do número das pessoas idosas e muito idosas, a viverem sozinhas e com frequentes necessidades de apoio, a actual diversificação dos modos de vida e dos desejos habitacionais, e a quase-ausência de oferta habitacional e urbana adequada a tais necessidades e desejos, foi ponderada o que se julga ser a oportunidade do estudo e da caracterização de um Programa de Habitação Adaptável Intergeracional (PHAI), adequado a tais necessidades e a uma proposta residencial naturalmente convivial, eficazmente gerida e participada e financeiramente sustentável, resultando daqui a proposta de uma Cooperativa a Custos Controlados (3C).

O PHAI3C visa o estudo e a proposta de soluções urbanas e residenciais vocacionadas para a convivência intergeracional, adaptáveis a diversos modos de vida, adequadas para pessoas com eventuais fragilidade físicas e mentais, mas sem qualquer tipo de estigma institucional e de idadismo, funcionalmente mistas e com presença urbana estimulante. O PHAI3C irá procurar identificar e caracterizar tipos de soluções adequadas e sensíveis a uma integração habitacional e intergeracional dos mais frágeis num quadro urbano claramente positivo e em soluções edificadas que possam dar resposta, também, a outras novas e urgentes necessidades habitacionais (ex., jovens e pessoas sós), num quadro residencial marcado por uma gestão participada e eficaz, pela convivialidade espontânea e social e financeiramente sustentável.

Trata-se, tal como se aponta no título do artigo, de uma “versão de trabalho e base bibliográfica” e, portanto, de um artigo cujos conteúdos serão, ainda, substancialmente revistos até se atingir uma versão estabilizada da temática referida no título; no entanto, em virtude da metodologia usada, que se considera bastante sólida, marcada pelo recurso a abundantes referências de fontes, devidamente apontadas e sistematicamente comentadas no sentido da respetiva aplicação ao PHAI3C, e tendo-se em conta a utilidade de se poder colocar à discussão os muitos aspetos registados no sentido da sua possível aplicação prática no PHAI3C, considerou-se ser interessante a divulgação desta temática/problemática nesta fase de “versão de trabalho”, que, no entanto, foi já razoavelmente clarificada – como exemplo do posterior tratamento para passagem a uma versão mais estável teremos, provavelmente, referências bibliográficas mais reduzidas e boa parte delas em português, assim como comentários mais desenvolvidos; mas mesmo este desenvolvimento irá sendo influenciado pelo(s) caminho(s) concreto(s) tomado(s) pelos diversos temas e artigos que integram, desde já, a estrutura pensada para o designado documento-base do PHAI3C, que surgirá, em boa parte, da ligação razoavelmente sequencial entre os diversos temas abordados em variados artigos.

Ainda um outro aspeto que se sublinha marcar, desde o início, o teor do referido documento-base do PHAI3C (a partir do qual serão gerados vários documentos específicos: mais de enquadramento e mais práticos) é o sentido teórico-prático que privilegia uma abordagem mais integrada e exemplificada da temática global da habitação intergeracional adaptável e cooperativa, apontando-se exemplos e ideias concretas logo desde as partes mais de enquadramento da abordagem da temática como as que se desenvolvem neste artigo.

Notas introdutórias ao novo e presente conjunto de artigos sobre habitação intergeracional

O presente artigo inclui-se numa série editorial dedicada a uma reflexão temática exploratória, que integra a fase preliminar e “de trabalho”, dedicada à preparação e estruturação de um amplo processo de investigação teórico-prático, intitulado Programa de Habitação Adaptável Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C); programa/estudo este que está a ser desenvolvido, pelo autor destes artigos, no Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e que integra o Programa de Investigação e Inovação (P2I) do LNEC, sublinhando-se que as opiniões expressas nestes artigos são, apenas, dos seus autores – o autor dos artigos e promotor do PHAI3C e os numerosos autores citados no texto.

Neste sentido salienta-se o papel visado para o presente artigo e para aqueles que o precederam e os que lhe darão continuidade, no sentido de se proporcionar uma divulgação que possa resultar numa desejável e construtiva discussão alargada sobre as muito urgentes e exigentes matérias da habitação mais adequada para idosos e pessoas fragilizadas, visando-se, não apenas as suas necessidades e gostos específicos, mas também o papel e a valia que têm numa sociedade ativa e integrada.

Nesta perspetiva e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho da referida investigação, salienta-se que a forma e a extensão do texto que é apresentado no artigo reflete uma assumida apresentação comentada, minimamente estruturada, de opiniões e resultados de múltiplas pesquisas, de muitos autores, escolhidos pela sua perspetiva temática focada e por corresponderem a estudos razoavelmente recentes; forma esta que fica patente no significativo número de citações – salientadas em itálico –, algumas delas longas e incluídas na língua original.

Julga-se que não se poderia atuar de forma diversa quando se pretende, como é o caso, chegar, cuidadosamente, a resultados teórico-práticos funcionais e aplicáveis na prática, e não apenas a uma reflexão pessoal sobre uma matéria bem complexa como é a habitação intergeracional adaptável desenvolvida por uma cooperativa a custos controlados e em parte dedicada a pessoas fragilizadas.

Solicita-se a compreensão dos leitores para lapsos e problemas de edição que, sem dúvida, acontecem no texto que se segue, mas a opção era prolongar, excessivamente, o período de elaboração de um texto que, afinal, se pretende seja essencialmente prático; as próximas edições serão complementarmente revistas e melhoradas.


Velhice e solidão ou convívio no habitar I – versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 825

António Baptista Coelho

António Baptista Coelho  – com base direta nos textos, ideias e opiniões dos autores referidos ao longo dos documentos que integram a listagem bibliográfica registada no final do artigo.



Resumo

Nesta primeira parte do artigo referido à temática da velhice e, ou da velhice e convívio no habitar, desenvolvem-se primeiro alguns aspetos relativos ao respetivo quadro físico aplicado e, em seguida, a matéria da diferença entre uma solidão imposta e uma seclusão opcional e acompanhada por um convívio natural.

No que se refere ao quadro físico de um habitar que se deseja adequado e estimulante de um convívio natural, apontam-se aspetos ligados a uma agradável opção entre solidão e convívio iniciada no espaço público envolvente, passa-se, em seguida, para o favorecimento de condições naturais de convívio residencial, aborda-se o privilegiar de espaços e ambientes residenciais que favoreçam o convívio espontâneo e, finalmente, comenta-se o que se deseja que seja uma agradável opção entre privacidade e convívio doméstico.

Na segunda parte do artigo, dedicada à diferenciação entre uma solidão imposta e uma seclusão opcional e acompanhada por um convívio natural, aborda-se, em primeiro lugar, o que se julga ser uma situação atual muito marcada por uma solidão imposta (não desejada), avança-se, em seguida, para uma comparação entre o prazer de viver só e o convívio desejado e aponta-se, finalmente, o que se deseja possa ser a construção de um quadro social e físico « de companhia » (que favoreça um sentimento de « companhia » natural).


Introdução

Avança-se, em seguida, neste item, para algumas considerações, bastante gerais, sobre as questões que, por si próprias, obrigam a um desenvolvimento especializado e muito cuidadoso.

Referimo-nos à problemática de uma velhice habitacional marcada pela solidão e por um encerramento, quase sem saída, nos nossos mundos pessoais, ou, alternativamente, pontuada e dinamizada por um convívio natural e sempre totalmente voluntário.

E não podemos esquecer que esta problemática acaba por se constituir numa espécie de antecâmara antecipadora dos críticos problemas de demência que afetam a velhice humana. Evidentemente que não haverá aqui uma relação de causa e efeito direta, nem esta matéria pode ser abordada por um leigo em medicina e gerontologia, como é o caso presente, mas parece evidente poder haver grandes diferenças no bem-estar e na saúde global de um idoso que vive isolado e sozinho, praticamente em continuidade, e num espaço por vezes pouco adequado, e outro idoso que viva na sua habitação, ainda que pequena, mas próximo de outras pessoas e alguns amigos, num ambiente intergeracional que suscite um convívio natural, sempre que desejado, e que proporcione uma companhia securizadora e envolvente, para além de atividades físicas e mentais que ocupem o tempo e exercitem o corpo e o espírito.

Nesta perspetiva e sempre com o cuidado prévio de sublinhar sermos leigos em gerontologia, apontam-se e comentam-se, brevemente, em seguida, algumas reflexões de diversos autores que trataram esta matéria da velhice residencial em solidão ou em convívio.

1. O quadro físico

a) A agradável opção entre solidão e convívio inicia-se no espaço público

Importa ter presente que a opção entre solidão e convívio natural em intervenções que irão ter habitantes idosos e fragilizados se inicia no respetivo espaço público e de vizinhança, pois, naturalmente, quaisquer soluções do tipo condomínio constituem a negação de tal possibilidade, gerando-se « guetos » ainda que eventualmente luxuosos ; e no mesmo sentido qualquer intervenção desse tipo que não seja intergeracional, cuidadosamente multifuncional e localizada num local urbano bem vitalizado, potencialmente convivial e com boas acessibilidades tenderá também para a negativa segregação dos seus residentes.

E isto não pode prejudicar a desejável existência de espaços exteriores privativos e comuns e um essencial sentido de privacidade e agradável e pontual seclusão sempre que desejado ; há que conceber para integrar tais condições aparentemente pouco harmonizadas, mas que são mutuamente dinamizadoras.

De certa forma L. Pugalis, no seu artigo intitulado Cultural animation and economic vitality: identifying the links and regeneration potential through the lens of the urban street scene sintetiza parte desta matéria, tal como se cita em seguida, sublinhando a importância dos conteúdos culturais e da animação em espaços públicos qualificados e flexíveis: (1)

Position the cultural animation of spaces as a central strand of place quality enhancement schemes deigned to enhance economic vitality. Programming of spaces is vital to ensuring on-going appeal. A hallmark cultural event can be used to kick start cultural vibrancyin a public space. This should be followed by a period of intensive event programming, which can be gradually reduced as a sense of shared ownership of place takes root. … (pg. 14)

Promote rather than preclude vibrancy by designing open spaces that are flexible. Open in the sense that they are physically, socially, economically and symbolically accessible.

Allow activities such as cafes to flow into public spaces, subject to legislative requirements. Give priority to the pedestrian and explore the diversion of motor vehicles and removal of traffic where possible (pg. 15)


b) Favorecer condições naturais de convívio residencial

Quando envelhecemos é essencial a manutenção e o estabelecimento de relações perenes de convívio, que poderão estar associadas a bases socioculturais ou de atividade comuns, pois desta forma haverá sempre temas comuns de discussão diária.

Esta matéria é, naturalmente, controversa pois, de certa forma, é pouco harmonizável com a sempre desejável integração e diversificação social nas mesmas « comunidades » urbanas e residenciais, mas considera-se que, por um lado se está já aqui a considerar uma integração de vários grupos socioculturais por « consensos » de interação social motivados pela pertença à mesma entidade ou a entidades similares, em termos de relações de trabalho, ou por partilha dos mesmos interesses ou de interesses idênticos em termos de atividades desenvolvidas, seja como primeiras atividades, seja como segundas atividades, passatempos e determinados gostos e mesmo objetivos de vida ; num leque que se considera já muito amplo de de potenciais « zonas comuns » de interesse, que serão sempre facilitadores e dinamizadores das relações sociais na vizinhança próxima residencial.

E muitos exemplos poderiam aqui ser, naturalmente, apontados, desde grupos de pessoas apaixonadas pelo passeio a pé, por atividades artísticas ou por uma bibliofilia ativa, até grupos socialmente diversificados mas ligados, ao longo demuitos anos da chamada « vida ativa »m a uma mesma entidade empregradora, como se passa com espaços residenciais para idosos ligados a universidades, como é o caso da « Vila Conviver » no Brasil, (2) provavelmente inspirada por diversos casos do género já concretizados e em vias de concretização nos EUA ; mas sublinha-se que não se considera adequado e até salutar em termos do convívio e ambiente social proporcionado, que se restrinjam tais iniciativas a determinados grupos socioprofissionais específicos, ou, pelo menos, considera-se que havendo tais iniciativas elas não deverão merecer apoio público.


c) Privilegiar espaços e ambientes residenciais que favoreçam o convívio espontâneo

Um outro caminho privilegiado para a dinamização natural do convívio num dado conjunto residencial consiste numa organização e programação espacial, que, (i) por um lado possua espaços comuns que favoreçam a máxima privacidade e autonomia nos seus usos e nas acessibilidades aos espaços privados e que, (ii) por outro lado, conte com espaços e, eventualmente, equipamentos que sejam extremamente motivadores de um convívio espontâneo, seja pelas suas caraterísticas específicas de localização, dimensionamentos e de conteúdos funcionais, seja pelas suas condições extremamente apetecíveis em termos de conforto ambiental e relação com o meio natural.

Nestas matérias parece estar provado que os espaços do tipo  biblioteca ou sala/zona de leitura criam, realmente, ambientes propícios não só para o trabalho e a concentração individuais, mas também para um convívio caloroso e próximo entre amigos ou, até, apenas pessoas que se conhecem casualmente, mas que têm interesses ou gostos razoavelmente comuns. Neste sentido e podendo aliar a tais condições a, hoje incontornável, faceta das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), que muito ganha com algum apoio prático, estrategicamente concentrado, e a previsão de um espaço, eventualmente multifuncional, para ações de formação e informação, será de propiciar condições deste tipo nas novas intervenções residenciais intergeracionais, por exemplo, um pouco na linha do que é referido por Julie Pfitzinger no seu texto intitulado This Library Creates Community for Older Residents, onde a certa altura se defende que na West Tisbury Library, special programs bring warmth to cold days e que se trata de um espaço «onde os crescidos continuam a crescer », tal como se cita: (3) (negrito nosso)

The West Tisbury Library offers a robust assortment of special events and programs for all ages throughout the year, but is particularly valued for its comprehensive library [bilbioteca tematicamente abrangente e mesmo funcionando em espaços comuns “abrangentes”] -  services during the winter and its draw as a vibrant gathering place for older adults.

Esta questão de uma desejável abrangência funcional e ambiental dos espaços comuns desenvolvidos no âmbito do PHAI3C é muito interessante, considerando-se, desde já, que ela não poderá prejudicar o sentido agradável e atraentemente específico de um leque de espaços e subespaços a prever, que nunca deverão poder « diluir-se » num crítico « contínuo » de zonas « de enquadramento » até visualmente agradáveis, mas pouco mais do que isso e que acabarão por ser inúteis e até bloqueadoras do convívio, porque funcional e ambientalmente sem coesão e quase sem sentido, tal como também refere Julie Pfitzinger: (negrito nosso)

In 2015, the library conducted a survey to tap into the needs of those who used the library; 75 percent of respondents were 51 and older. In 2017, the West Tisbury Library released  a strategic plan which included a vision for the library as “a community center where life-long learning happens in a blended environment of quiet and collaborative space allowing self-discovery and connections between people.” (pg. 2)

Nesta última citação, do referido texto de Julie Pfitzinger, há que salientar dois importantes aspetos no que se refere ao desenvolvimento de um espaço do tipo « biblioteca/sala de leitura e formação » em espaços residenciais intergeracionais:

(i) Um deles essencialmente institucional, relativo ao assumir de um tal espaço como verdadeiro « centro comunitário » com uso público diversificado e importância num amplo conjunto de vizinhanças próximas ; condição bem interessante em termos de resiliência, utilidade pública da intervenção e seu papel integrador e socializador de uma ampla comunidade vicinal, extravasando muito o conjunto de residências do PHAI3C.

(ii) e o outro aspeto referindo-se, tal como é acima apontado na citação, ao grande interesse que terá para a promoção do convívio espontâneo esta criação, bem sustentada em termos de gestão local, de um ambiente misto de espaço silencioso e colaborativo que permite a autodescoberta, mas também variadas conexões entre as pessoas, através das múltiplas atividades aí albergadas.

Mas para tal. uma gestão eficaz e sensível de um tal espaço funcionalmente abrangente é vital, não devendo ser deixado, apenas, à boa-vontade e ao voluntarismos dos seus potenciais utentes e devendo estar estrategicamente associado à gestão local do respetivo conjunto residencial.

E salientam-se, em seguida, a título de exemplo, alguns importantes aspetos de pormenor sobre o que pode ser organizado nos espaços comuns de uma dada comunidade, citados, ainda, do referido documento de Julie Pfitzinger intituladoThis Library Creates Community for Older Residents ; porque afinal também aqui ao nível da gestão geral e da programação de atividades é muitas vezes o bom pormenor que conta como vitalizador do respetivo agrupamento residencial e urbano: (negrito nosso)

“Rather than offer a dry series of presentations, we wanted to feature programs that were really of interest,” said Kramer, adding that a series of free workshops on Balance with Chi Kung, Yoga and Breath was created, and ongoing hand massage sessions were introduced. (pg. 1)

Many times, when we offer various programs, we serve homemade soup, bread and fruit,” she said. “We are really building community and inviting nourishing talks about shared concerns.”

Guests can also participate in creative classes, including painting and paper making. 

 “What we offer has been defined by who is participating,” This Library Is About Books and More. (pg. 2)

To further enhance the comfortable atmosphere of the light-filled library, coffee and biscotti (made at a local bakery) are available at minimal cost. (pg. 3)

Comenta-se, aqui, que « a vida com livros » sempre foi muito mais do que arrumar, manter e proporcionar a consulta organizada dos livros ; e muitos escritores tentam explicar a riqueza e a potencialidade de uma tal proximidade e mesmo « convivência » entre homens e livros/documentos, para lá do especial sentido caloroso e envolvente que sempre está associado a tais ambientes, propiciando excelentes sítios de convivialidade.

As TIC, incluindo nelas os grandes ecrãs de vídeo acrescentaram, sem dúvida, « profundidade » e relacionamento global estratégico a estes locais de agradável recolhimento convivial, que podemos e devemos explorar, designadamente, quando estamos a desenvolver espaços residenciais adequados a um uso potencialmente intenso e prolongado, como é o caso do PHAI3C.

Numa agradável e mutuamente estimulante antítese a estes espaços mais recatados ou protegidos e de uso sempre relativamente privatizado ou convivial deverão existir, em intervenções do PHAI3C, outros espaços marcadamente conviviais e controladamente bem abertos a um uso diversificado e/ou a um uso público, sendo aqui muito interessante, por exemplo, quer a figura de um espaço multifuncional bem localizado, quer a figura de um equipamento comercial convivial, do tipo « café » ou « café-restaurante », desejavelmente muito bem colocado e relacionado em termos da respetiva vizinhança urbana (ex., esquina com esplanada) e que deveria caraterizar-se por uma clara autonomização e viabilização funcional relativamente à intervenção do PHAI3C onde fisicamente se integra, constituindo-se, assim, como elemento direto de integração social da nova intervenção residencial na respetiva envolvente urbana.

Uma tal diversidade irá promover mais uso e mais estimulado, assim como uma essencial e contínua escolha entre o que apetece fazer em cada altura, apurada entre um essencial amplo leque de ambientes e ações potenciais ; numa opção diária bem distinta das infelizmente frequentes « não escolhas » de idosos entre estar sozinho ou « acompanhado » por outros idosos bem conhecidos e a ver programas de TV escolhidos porque constituindo uma espécie de « interlúdios » massificantes, e até sem a qualidade estética que tinham alguns dos velhos interlúdios televisionados.


d) Uma agradável opção entre privacidade e convívio doméstico

Estas matérias do equilíbrio entre privacidade e convívio têm ou deveriam ter, também, reflexos nos próprios ambientes domésticos privados disponibilizados em intervenções integradas por idosos e fragilizados, ainda que tais espaços possam ter espacialidade limitada, designadamente, em termos de tipologia/número de quartos.

E uma tal opção liga-se à necessidade absoluto de se poder continuar a ter uma vida privada e bem individualizada, em termos de apropriação dos respeticvos espaços privados, sem se prejudicar a possibilidade de poder continuar a receber/conviver nestes espaços.

E estas matérias têm aspetos globais a considerar, que são esses mesmos de harmonização entre « microespaços » ou « microzonas » mais privados e mais conviviais, promovendo-se a respetiva vivência sem prejuizos mútuos não controláveis (ex., proteção visual do espaço doméstico a partir da entrada, separação entre zona de dormir e zona de convívio, adequada ventilação e iluminação das diversas zonas) e têm também aspetos específicos ligados ao usos de tais espaços por idosos e fragilizados ; ligados a exigências de eventual instalação de equipamentos de apoio à acessibilidade e à movimentação e a exigências globais de mais espaço para manobra e movimentação e, muito provavelmente, de mais espaços de arrumação e ergonomicamente desenvolvidos.

E atente-se à importância da consideração de tais condições organizacionais, espaciais, funcionais e ambientais em unidades habitacionais espacialmente pouco desafogadas em termos gerais.

Marcelo Tramontano e, neste caso específico, Varlete Benevente têm tratado a relação entre os comportamentos dos habitantes e os atuais espaços habitacionais, tal como se cita em seguida: (4) (negrito nosso)

Já foi dito que o número de atividades realizadas no interior doméstico tem aumentado bastante, por diversas razões, alterando o uso dos cômodos tradicionais, o que sugere, por si só, que a estanqueidade funcional herdada de modelos pretéritos – "quarto para dormir", "cozinha para cozinhar", "banheiro para higiene", etc. – precisa ser urgentemente revista. Talvez não faça mais muito sentido seguirmos classificando os cômodos da casa em lugares de curta ou de longa permanência, e isso quer dizer que sua orientação solar, e, com certeza, seu dimensionamento e sua relação com os demais espaços também precisam referenciar-se em mais critérios. Tudo indica que, cedo ou tarde, deveremos começar a imaginar novos espaços domésticos, onde nossos entrevistados, que são, afinal, uma amostra da população do país, possam, por exemplo, morar melhor. (pg. 8)

A proposta de uma nova classificação dos subespaços domésticos menos monofuncional e muito mais associada a aspetos ambientais, relacionais e de apropriação poderá constituir um bom caminho no sentido de se harmonizar a privacidade e a relativa convivialidade nos espaços domésticos privados do PHAI3C, proporcionando-se, assim, uma alternativa suplementar de convívio bem controlada por cada residente, o que é de sobremaneira válido na referida e importante diversificação de tipos de ações e tipos de espaços possíveis na globalidade da intervenção.

2. Da solidão imposta a uma seclusão opcional e acompanhada por um convívio natural


a) A situação atual muito marcada por uma solidão imposta (não desejada) 

Como sabemos, a sociedade atual está marcada pelo individualismo e pela ampla disponibilidade de meios que proporcionam a nossa autonomia em termos informativos e de comunicação, condição esta que nos facilita uma vida autonomizada e que acaba por agudizar a situação tendencial de um isolamento crítico e crescente dos mais idosos, situação esta que tem vindo a acompanhar, desde há algumas dezenas de anos, a redução da família alargada em co-habitação  -e considera-se não apenas a redução do número de filhos por casal, mas também a redução da vida em conjunto com pais, irmãos, tios e mesmo amigos e empregados. 

E é interessante referir, aqui, a propósito, o bem recente e vivo interesse por uma opção de vivência habitacional e urbana em comunidade, designada por cohousing, opção esta nascida no Norte da Europa, naturalmente, na tradição da vivência cooperativa em pequenos bairros com « casas comuns » que marcou desde os anos de 1960, e que por aí assume, mesmo, frequentemente, contornos verdadeiramente comunitários (ex., limpeza rotativa dos espaços comuns, algumas refeições feitas em comum, etc.), numa perspetiva que acaba por lembrar bem a referida « família alargada ». 

Um artigo de Janet Adamy e Paul Overberg, no The Wall Sreet Journal, salienta esta realidade crítica de um envelhecimento que cada vez mais acontece sozinho – em termos de ausência de agregado familiar mais direto e também em termos de isolamento social –  e embora a realidade referida, pelos referidos autores, seja a norteamerica ela reflete bem o que aontece na Europa e um pouco por todo o resto do mundo, dito mais desenvolvido, tal como se cita em seguida a partir do referio artigo: (5) (negrito e sublinhado nossos)

Baby boomers are aging alone more than any other generation in American history, and their loneliness is a looming public health threat, reports the Wall Street Journal

About one in 11 Americans age 50 and older has no spouse, partner, or living child, comprising roughly eight million people. Research has found a physical cost to loneliness, and as close an association with early death as smoking up to 15 cigarettes a day or consuming more than six alcoholic drinks on a daily basis.

 "If we want to achieve health for our population, especially vulnerable people, we have to address loneliness," argues former Centers for Medicare and Medicaid Services administrator Donald Berwick.

Meanwhile, Brigham Young University researchers found a link between greater social connection and a 50 percent lower risk of early mortality. Research implies that isolated people face a higher risk of depression and cognitive decline and that social relationships can affect blood pressure, immune functioning, and whether people take their medications. Partial remedies may be found in support networks, especially after health episodes. 

Nesta matéria considera-se como extremamente importante a provada relação entre a interação social, o convívio, e uma muito significativa redução da mortalidade antecipada ; o que parece que deveria converter esta questão em assunto urgente de saúde pública – evidenciando a grande importância de um cuidadoso e afirmado fator cooperativo no âmbito do PHAI3C.

Isto porque é realmente diferente conhecer com quem vamos morar numa altura em que o projeto está a ser feito, numa altura onde haverá, assim, pelo menos, uma cuidada e esclarecida informação sobre o mesmo projeto, podendo até, desejavelmente, haver algumas influências por parte dos futuros moradores ; um conhecimento mútuo entre futuros vizinhos que, depois, ao longo do processo de conclusão do projeto e desenvolvimento da obra, se irá naturalmente desenvolvendo, abrindo « portas » para uma posterior e natural convivência quando da ocupação do novo conjunto residencial. Foi assim que a ampla experiência das cooperativas da FENACHE se desenvolveu e sedimentou em termos de « saber fazer » e por isso será essa a melhor participação possível para os conjuntos do PHAI3C.

b) Entre o prazer de viver só e o convívio desejado

Importa, no entanto, ter bem presente a grande diferença que existe entre uma solidão imposta e sem-saída e o real prazer de se viver só ; matéria esta que tudo tem a ver com as reflexões que estão aqui a ser feitas no que se refere à harmonização entre convívio e relativa privacidade nos espaços comuns habitacionais e, mesmo, a uma harmonização entre a privacidade e uma relativa convivialidade nos espaços privados habitacionais ; proporcionando-se, assim, praticamente, quatro subníveis de relacionamento e isolamento em intervenções residenciais, como as do PHAI3C, numa perspectiva na qual muito influencia, positivamente, a respetiva e essencial intergeracionalidade .

Esta matéria é abordada num interessante artigo de Joana Emídio Marques, no Observador, significativamente intitulado Viver só - Os prazeres e as compensações de viver só, artigo onde se regista o livro de Eric Kinenberg, com o título Going Solo: The Extraordinary Rise And Surprising Appeal Of Living Alone,  e que em seguida é amplamente citado e minimamente comentado: (6) (negrito e sublinhado nossos)

Se durante séculos e séculos os mitos populares, a literatura, as artes ensinavam que viver sozinho era moralmente errado e causa de grandes sofrimentos e ostracismo social (especialmente quando se tratava de mulheres), hoje esta forma de vida tornou-se comum, … 

Em 2011, estimava-se que 277 milhões de pessoas vivessem sozinhas, em especial nos países mais ricos como a Suécia, a Noruega, o Japão o Reino Unido e os EUA, onde quase metade das casas ocupadas têm apenas um habitante, como demonstra um estudo do Euromonitor International, publicado no The Guardian.

… aqueles que optam pela “vida a um” preferem falar dos prazeres e das compensações de ter um tempo e uma casa só para si. (pg.2)

O livro Going Solo: The Extraordinary Rise And Surprising Appeal Of Living Alone, da autoria de Eric Kinenberg, ou as ilustrações de Yaoyao Ma Van (que se tornaram virais na internet) demonstram que, ao contrário daquilo que nos educaram para pensar e sentir está errado: a tendência humana parece ser para viver sozinho e não em comunidade ... (pg. 3)

É frequente as pessoas preferirem ficar no seu espaço a irem viver com familiares. Eric Kinenberg explica mesmo que são precisamente as pessoas que já passaram por períodos a viver dentro de um casamento ou a partilhar casa com amigos, colegas e namorados que mais valorizam a experiência de serem como “freiras com um convento só para si”, como lhe chama o escritor irlandês Colm Tóibín, que descreve aqui, os prazeres de dispor de um espaço só seu sem ter que obedecer às ordens e sensibilidades de ninguém. (pag.4)

Sobre estas matérias, onde claramente não se partilha a ideia de uma tendência humana para viver sozinho, tendência esta que no limite até inviabilizaria ou tornaria muito limitado o interessa da habitação intergearcional, talvez que o reforço da identidade e da apropriação da unidade habitacional possa apoiar, quer, naturalmente, numa vivência diversificada e autonomizada  do espaço privado da habitação, seja num, paralelo, reforço convivial bem premeditado e opcional que é possível nos respetivos e bem próximos espaços comuns residenciais ; e em tudo isto não se tem qualquer dúvida de que, mesmo na habitação em geral, e naturalmente por maioria de razão em espaços residenciais intergeracionais e equipados, importará, urgentemente, reforçar as melhores condições possíveis de privacidade e apropriação doméstica, mesmo individual e até mesmo no âmbito dos dois membros de uma casal – condições estas que ganham importância à medida que se envelhece e se adquirem variados hábitos e gostos específicos.

Segundo o artigo de Joana Emídio Marques, atrás referido, é no segmento entre os 18 e os 34 anos que mais gente está a optar pelo estilo “happy solo” que é, claramente, bem distinto do velho conceito, com conotação tendencialmente negativa,  do solteirão/solteirona, tal como se cita em seguida:

Segundo Eric Kinenberg, estamos a viver apenas os anos iniciais destas novas formas de organização social e por isso muita da discussão ainda assenta na ideia do sofrimento e do isolamento de quem vive só. As famílias preocupam-se, os amigos pressionam, ficamos aflitos quando os mais velhos ficam sós nas suas casas e raramente aceitamos o seu desejo e direito a viverem no seu espaço. (pg. 8)

Uma vez asseguradas as suas necessidades básicas os indivíduos tendem a procurar lugares onde tenham mais espaço. É uma questão também biológica: quanto menos espaço disponível, mais facilmente se desenvolvem doenças, agressividades, tensões, violências físicas e psicológicas.  (pg. 9)

Esta ideia de que o que importa na nossa relação com os outros é a qualidade e não a quantidade do tempo que passamos com eles é cada vez mais uma evidência. Estelle Vargas corrobora esta ideia:

“O que é mau é viver sem possibilidade de relação com os outros. Se as pessoas pudessem escolher viver sozinhas, com uma vida íntima gratificante, um círculo de amizades presente, não pensariam duas vezes, viveriam sozinhas. Outra coisa é viver sozinho por imposição dos eventos e não por vontade própria

O mesmo estudo referido no The Guardian aponta ainda para outros aspetos positivos da vida de solteiro/a: quem vive só participa mais ativamente na vida pública e comunitária, gasta mais dinheiro, habita preferencialmente nos centros da cidade e não nos subúrbios, usa menos automóveis e gasta menos energia. (pg. 10)

A leitura, o trabalho, o desporto, ter uma vida ocupada e desafios fazem com que haja menos espaço para a melancolia, para a angústia de chegar a uma casa silenciosa ou as crises existenciais dos domingos aofim de tarde. (pg. 12)

De entre os aspetos negativos está claro a questão financeira: morar sem partilhar despesas é mais difícil. Implica ter casas mais baratas e mais pequenas, mobiliário mais simples, resolver sem ajuda os momentos difíceis como quando se está triste, doente, angustiado. (pg. 14)

Parece, assim que um dos « segredos » da boa aplicação entre privacidade e convívio residencial seja numa adequada espaciosidade dos espaços privados e dos principais espaços de comunidade, bem como num estratégico dimensionamento dos espaços comuns de circulação, que deverão proporcionar um bom afastamento interpessoal – recomendações, estas, que anteciparam os recentes cuidados de saúde ligados à distância interpessoal ; e dá para concluir que intervenções do PHAI3C que não cumpram estes cuidados dificilmente serão viáveis, condição esta que torna pouco generalizável a conversão de espaços existentes a usos desse tipo.

E talvez que um outro « segredo » da boa aplicação entre privacidade e convívio residencial esteja num « viver sozinho mas bem acompanhado ou em companhia»; estrategicamente acompanhado ; viver, eventualmente, sozinho, mas sempre em vizinhança, tal como se propõe no âmbito do PHAI3C, e constituindo mesmo um dos traços caraterizadores deste programa.

Talvez que tal segredo esteja numa sensível aplicação da designada « idiorritmia », uma noção associável a uma vivência individual vivida numa variedade de situações coletivas e através de um conjunto de experiências afetivas, subtilmente marcadas/rítmicas e capacitantes  – tal como defendia Roland Barthes , num conjunto de conferência no Collège de France em 1976-77 ; a idiorritmia refere-se, tradicionalmente,  a uma procura e prática de um ritmo próprio de vida e pode constituir um meio termo entre formas críticas de solidão e formas ultra-integradas de habitação coletiva, numa harmonização optimizada entre afastamento e interação. E talvez que um equilibrado associativismo, sensível, nada intrusivo, útil, enriquecedor, base de diversidade, seja também uma forma de aprendermos melhor a nos conhecermos e a vivermos autónomos, acaba, assim, por haver uma influência mútua e positiva entre o « retiro em si próprio » e a interação com os outros – « forma particular da vida monástica, em que os monges, apesar de formarem uma comunidade, vivem de forma autónoma, disponde liberdade na organização das suas tarefas. » (Infopédia – Porto Editora)

Mas em tudo isto há que ter grandes cuidados pois que existirão situações-limite ligadas a condições de isolamento crítico ou de « convívio » compulsivo que poderão influenciar quadros agressivos, designados por Agressões Residente a Residente e apontadas por William Benbow, no seu estudo intitulado Resident-to-Resident Aggression (RRA): (7) (negrito nosso)

Resident Aggression and Dementia Facility Design Evidence is growing that resident-to-resident aggression (RRA) is widespread in dementia units and that environmental factors can be manipulated to mitigate this aggression

William (Bill) Benbow regista nesse estudo um conjunto amplo de aspetos de caraterização espacial e ambiental que considera como frequente espoletas das referidas Agressões Residente a Residente (retirados de diversas fontes bibliográficas), apontando-lhes soluções de mitigação; já em seguida e numa « tradução livre » apontam-se, sinteticamente, esses aspetos desenvolvidos por William Benbow, embora desde já se sublinhe que não pretendermos, evidentemente, avançar em matérias tão especializadas como estas, mas apenas utilizá-las para sublinhar aspetos essenciais na conceção arquitetónica residencial para idosos e fragilizados, designadamente, em termos de espaciosidade, estruturação e pormenorização:

  • Excesso de ocupação : conflitos entre pessoas que partilham quarto ; grupos demasiado grandes (ex., unidades para mais de 24 residentes).

  • Intrusão do espaço pessoal : por exemplo as pessoas com demência precisam de cerca de quatro vezes mais espaço.

  • Invasão da privacidade : conversas, manusear bens pessoais ; quartos mal pritatizados.

  • Espaços para deambular : espaços reduzidos ; espaços inseguros ; saídas visíveis ; má organização.

  • Território pessoal : cadeira favorita, mesa, « coisas » ; mobiliário e decoração com pouca qualidade.

  • Competição por recursos partilhados : vivência comunitária ; supervisão limitada.

  • Ruído : gritos, ruídos vários e insistentes ; TV e rádio com nível de som alto.

  • Aborrecimento : deficit de atividades.

  • Depressão (ennui) : conceção e pormenorização institucionais.

  • Ambiente interior : calor ; frio ; espaços cheios ; cheiros.

  • Má iluminação : sombras ; manchas de luz ; contrastes cromáticos reduzidos ; brilhos.


c) Construir um quadro social e físico « de companhia » (que favoreça um sentimento de « companhia » natural)

Relativamente ao defendido e desejável desenvolvimento de um quadro social e físico capaz de favorecer um sentimento de « companhia » natural, no âmbito de conjuntos residenciais e urbanos intergeracionais cita-se extensamente e comenta-se, brevemente, em seguida, o excelente estudo de Claudia Wood e Jo Salter, intitulado  Building companionship: how better design can combat loneliness in later life. (8) (nota : das citações foram retiradas as notas específicas do texto citado ; negrito e sublinhado nossos)

Nota : o grande interesse do referido estudo de Claudia Wood e Jo Salter,leva a uma recomendação para a sua integração em qualquer arquivo de consulta sobre estas matérias.

Evidence suggests loneliness is a large and growing problem among older people, and particularly so for the older old (i.e. over 80s). Risk factors associated with a greater sense of loneliness include poor health, living alone, being widowed, and having limited social, civic and cultural networks. All of these risks tend to increase with age. As such, people over 80 are almost twice as likely to report feeling lonely most of the time compared to their younger counterparts (14.8% of 16-64s report this, compared to 29.2% over the over 80s). (pg. 1) 

However, schemes which have sought to tackle loneliness on a small scale have consistently shown a positive impact and associated cost savings in reducing falls and hospitalisations, to the tune of around £3 saved for every £1 invested in reducing loneliness. ..

Older people living in specialist age-specific housing (such as retirement housing and extra care assisted living developments) tend to report being less lonely than their peers

However, the evidence also points to the importance of shared and communal space and facilities to encourage social engagement, as well the design of retirement housing which promotes mobility and better health (enabling older people to leave their homes and socialise in a safer way) and less time spent on maintenance (allowing more time for socialising and leisure). (pg. 2)

No mesmo estudo de Claudia Wood e Jo Salter aponta-se um conjunto de objetivos dedicados a uma melhor conceção de espaços residenciais muito habitados por idosos e pessoas sozinhas ; portanto objetivos muito dedicados ao desenvolvimento de condições prévias que reduzam os problemas ligados à solidão e que, em seguida, se citam: (negrito nosso)

  • Apply a “city for all ages” … including sufficient age-appropriate housing, communal space and transport to enable older people to remain socially, physically and mentally active

  • Create older people’s “social agents” to encourage active citizenship among older people to encourage people to socialise and engage in activities

  • Recognise the health and care costs associated with loneliness and isolation …  

  • Bring local businesses on board to create opportunities for older people to meet and socialise – in particular retail, hospitality and leisure

  • Ensure the Digital Inclusion Strategy and local schemes recognise the internet as a social vehicle and gateway

  • Encourage local authorities and housing schemes to develop a social media presence for older people to develop social networks

  • Help ensure demand for retirement housing is met – by helping older people to access retirement housing, loneliness and isolation might also be reduced

  • Ensure retirement housing developments have the right design and ethos to create sociable communities, based on the evidence of good practice. (pg. 3)

Concluding thoughts - …: 

  • Appropriate housing can make a real difference to an older person’s physical and mental health, and to their sense of loneliness and isolation.

  • Those older people living in age-specific housing (retirement housing and extra-care settings) report feeling substantially less lonely and more socially active than their counterparts in private housing… 

  • There is latent demand for retirement housing which is not being met with current levels of supply.

Entre outros aspetos interessantes e a reter no estudo que está a ser citado sublinha-se o conceito de « cidade para todas as idades », que amplia e integra os conceitos ligados a uma cidade mais amiga dos idosos e das crianças, colocando-os, assim, bem conjugados na ideia de uma cidade e de uma vizinhança para todos, mas, naturalmente, « afinada » para uma melhor adequação às pessoas naturalmente mais frágeis e exigentes no uso do espaço público.

Parece ser aqui oportuno incluir que a adequada previsão de condições habitacionais e de vizinhança estimulantes para uma vivência ativa e participante de pessoas que vivem sós, e focando específica e positivamente o bom apoio e a cuidada integração de atividades e ambientes ao gosto de um muito amplo leque etário e cultural (desde jovens adultos a « muito idosos »), poderá constituir uma condição determinante de uma afirmada ativação de relações de intergeracionalidade motivadoras de um ambiente social local naturalmente rico e convivial ; pois afinal poderão ser essas pessoas, que vivem sozinhas, elementos protagonistas da dinamização de um natural sentido de grupo na respetiva vizinhança. 

No mesmo estudo, de Claudia Wood e Jo Salter, que está a ser referido salienta-se que existem diversos grupos sociais mais sensíveis à solidão e que há aspetos de exclusão social que afetam o bem-estar e podem tornar mais críticas as condições de solidão; tal como se cita em seguida: (negrito nosso)

Loneliness is relatively common in later life, but certain groups of older people appear to be more affected than others ..: 

  • The oldest old [que são cada vez mais numerosos]

  • Older women [também muito numerosas]

  • People who live alone [também muito numerosos]

  • People who are bereaved, separated or divorced

  • People living in residential care

  • People with poor health, reduced mobility, cognitive impairment, and sensory impairment 

  • Older people from ethnic minorities, or for whom English is not a first language20

  • LGBT older people.(pg 8)

On the other hand, the ‘very old’ may well be feeling the impact of poor health or limited mobility, and the risk of bereavement, or living in residential or nursing care increases. Whatever the precise reasons, it is clear that loneliness (and the risk factors associated with increased loneliness) increase with age. (pg. 6)

An Age UK meta-review also highlighted the connection between social exclusion and the likelihood of feeling lonely, as they found that ‘overall exclusion was a significant predictor of wellbeing and loneliness.’ 

The charity pointed to evidence from ELSA 2002 and 2008 surveys, which found social exclusion to be characterised by the following seven domains:

  • social relationships;

  • cultural; 

  • civic activities and access to information;

  • local amenities; 

  • decent housing and public transport; 

  • common consumer goods;

  • financial products. (pg. 8)

The link between loneliness and poor health is well understood. There is a substantial body of evidence which shows that people who say they feel lonely are more likely to suffer from high blood pressure and depression, and are more than twice as likely to develop Alzheimer’s disease in later life, compared to those with stronger social relationships. Each of these have the effect of cutting short life expectancy for older people who experience loneliness – and researchers have estimated that this risk is comparable to smoking 15 cigarettes a day. Put simply, loneliness causes older people to get sicker, and die quicker.(pg. 9)

Considera-se, aqui, muito importante salientar a referida relação direta entre solidão e más condições de saúde, uma relação múltipla, tal como se pode concluir do estudo que está a ser citado, e que afetará, naturalmente, de forma mais crítica os habitantes com menores recursos financeiros, com menores recursos socioculturais e, naturalmente, aqueles mais isolados ou « separados » das respetivas famílias e quadros de amizade e vizinhança . 

Desta conclusão retira-se, evidentemente, a importância que tem, para o bem-estar e a saúde global dos habitantes, a existência de adequadas relações intergeracionais e interculturais, ligadas a uma vizinhança residencial diariamente vivida, bem como a importância acrescida de tais condições quando o habitante é financeira e socialmente frágil ; um quadro residencial que aponta diretamente para o desenvolvimento de intervenções do PHAI3C – habitação e vizinhança multifuncional, intergeracional e ativamente participada pelos seus habitantes e vizinhos.

Ainda no mesmo estudo de Claudia Wood e Jo Salter aponta-se « o que torna a vida boa para os idosos », matéria esta marcada pelo convívio natural, pelo sentido de pertença, por variadas atividades de lazer e estimulantes e pela participação social; e os autores salientam e citam um relatório da Joseph Rowntree Foundation, entidade incontornável nestas temáticas: (negrito nosso)

A report by the Joseph Rowntree Foundation exploring what makes ‘a good life in old age’ identified the following as significant:

  • social relationships with family, friends and neighbours

  • a sense of belonging within a wider community

  • leisure pursuits and activities which offered pleasure and stimulation

  • retaining interest in the world and in people around them

  • being part of social life.

Interestingly, the report found that ‘although family was a primary source of comfort and support, friends were the mainstay of most people’s daily lives’. While analysis has shown that ‘having friends is a more important factor in warding off loneliness than frequent contact with these friends,’ which could have implications for the role of internet and social media use for older people (discussed below). (pg. 11)

E, finalmente, Claudia Wood e Jo Salter referem a importância de aspetos de « desenho » do espaço residencial, seja em elementos globais seja em aspetos ligados a atividades e interesses específicos; tal como se cita em seguida: (negrito nosso)

            The way in which specialist older people’s housing units are designed, including the                     provision of facilities, the presence of communal areas, and the incorporation of new                 technology, may all help to promote social inclusion. (pg. 16)

There is a multitude of evidence to demonstrate that social activities are valued by older people in their housing.

As the evidence mentioned above suggests, schemes which more effectively tackle loneliness are those which encourage companionship around a shared interest or activity 

Another key success factor is having older people directly involved in the organisation of the activity in question, taking charge of what was on offer. The resident-led approach to a varied and rich activity programme can, therefore, be a crucial factor in tackling loneliness in age-specific housing schemes. (pg. 18)

Concluindo, Claudia Wood e Jo Salter, que uma adequada previsão de habitação apoiada (sheltered housing) é também fator de poupança no Sistema Nacional de Saúde: (negrito nosso)

Furthermore, due to reduced GP visits by residents, the study concluded that ‘on average, each private sheltered housing resident is saving the NHS £14.40 per year (rising to £32.40 for those over 75) in costs to primary care practices in visits to GPs alone’. These direct cost savings would not include the additional savings likely to be achieved through tackling loneliness and poor mental health which can be associated with poor physical health and losing one’s mobility. In this sense, a ‘virtuous circle’ is created – one where people stay healthier because they are less lonely and more socially active; and where they stay socially active for longer because they remain healthier for longer. (pg. 19)

E os referidos autores sintetizam, ainda, num parágrafo o que julgamos poder conter boa parte da essência do PHAI3C: (negrito nosso)

Overall, therefore, age-specific housing for older people can best help remedy loneliness when a right mix of “people and place” is struck: including the right location and links to transport for those who like to socialise outside of their housing scheme, and facilities and activities for those who prefer to remain on-site to build their social networks; but also ensuring “socialisers” are there (alongside staff) to facilitate and encourage others to engage in activities and make new friends. This might well be achieved by ensuring housing schemes have something to offer both the younger and older old, drawing sociable people to housing schemes as well as those actively seeking an improved social life. (pg. 20)

Tudo o que aqui acabou de ser apontado em termos de atividades e ambientes que poderão e deverão integrar intervenções residenciais concebidas muito «à medida » de pessoas fragilizadas e idosas, mas num quadro que combata, ativamente, a sua solidão específica e de relacionamento social e vicinal, está muito ligado à configuração de soluções residenciais e intergeracionais, participadas pelos seus residentes e bem integradas e dialogantes nas suas respetivas vizinhanças urbanas, tal como se considera no âmbito do PHAI3C.

De certa forma mais do que uma « nova » solução residencial para pessoas fragilizadas o PHAI3C será uma « nova » solução habitacional e urbana, aberta, praticamente, a todos os grupos etários, mas com cuidados específicos de adequação e integração intergeracional e etária.


Notas bibliográficas

(1) Pugalis, L. (2009) 'Cultural animation and economic vitality: identifying the links and regeneration potential through the lens of the urban street scene', Journal of Urban Regeneration and Renewal, 3 (1), pp. 7-19.

(2) Vila Conviver: novo conceito de moradia para quem tem mais de 50 anos, ligada à Associação de Docentes da Universidade Estadual de Campinas 8/3/2018.  

(3) Julie Pfitzinger - This Library Creates Community for Older Residents – At the West Tisbury Library, special programs bring warmth to cold days - https://www.nextavenue.org/library-creates-community-connection-older . Next Avenue – Where grown-ups keep growing, 2018-02-20.

(4) Tramontano, Marcelo; Benevente, Varlete - Comportamentos & espaços de morar nd aspirations. Segunda E-Pesquisa NOMADS.USP, São Carlos.

(5) Americans, More Than Ever, Are Aging Alone [E MORRENDO].Argentum Daily, News for senior living professionals, 12 dez 2018. http://news.content.smithbucklin.com/argentum/121218.html#1035084.

The Loneliest Generation: Americans, More Than Ever, Are Aging Alone - Loneliness undermines health and is linked to early mortality —and baby boomers are especially feeling the effects – The Wall Sreet Journal, Dec. 11, 2018 , por Janet Adamy and Paul Overberg - Janet.Adamy@wsj.com, Biography@janetadamy, Dec. 11, 2018 10:12 a.m. 

(6) Joana Emídio Marques - Os prazeres e as compensações de viver só . Observador, Estilo de Vida, 22/10/2017, 13:15  11.187  95.

(7) William Benbow - RRA, Rresident-to-Resident Aggression, Canadian Nursing Home, Vol.27, No.2, June/July 2016.

(8) Claudia Wood; Jo Salter - Building companionship: how better design can combat loneliness in later life. DEMOS, MacCarthy & Stone, Dorset, Abril 2016.



Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações. 

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.


Velhice e solidão ou convívio no habitar I – versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 825

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 825

Edição: quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Artigo XIV da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”

Infohabitar – a revista da GHabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa


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Revista da GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).


 

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