Infohabitar, Ano X, n.º 482
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Nota introdutória: este artigo corresponde à contribuição do autor para uma das intervenções do LNEC, realizadas no âmbito da recente "Semana da Reabilitação Urbana Lisboa 2014", na tarde de 24 de março de 2014, no MUDE - Museu do Design e da Moda - em Lisboa.
Espaço público e identidade urbana
Qualificação do espaço público como fator de identidade e apropriação coletiva do espaço construído
Construir no construído
Requalificamos
o espaço público para que este seja mais e melhor habitado e pensamos num
re-habitar da cidade no sentido de a podermos ter mais viva e estimulante.
Há
que privilegiar “o construir no construído”, na excelente e ampla perspectiva
defendida por Francisco de Gracia (1), que se baseia numa reconstrução da
coesão urbana marcada pela escala e uso humanos, pelo desenvolvimento de
adequados estímulos visuais e funcionais e por uma cuidadosa e vitalizada
densificação; estando todos estes aspetos integrados num objetivo de verdadeira
reabilitação da paisagem urbana local, que há que preservar e reconstruir,
designadamente, nos seus aspetos orgânicos e ligados ao respetivo caráter do
lugar.
Isto obriga a um projecto
arquitectonicamente bem fundamentado em cada lugar, e bem qualificado, numa
metodologia que foi já praticada, entre nós, em ações de referência que é
essencial divulgar e visitar/viver local e demoradamente.
Sobre a cidade do pormenor e do vagar
Nesta matéria o arqº Yves Lyon, faz
uma síntese, quando refere que “depois do período dos grandes projectos há que
assumir a arquitectura como abertura ao mundo ... numa clara abertura à vida,
bem distinta de clausuras disciplinares”; defendendo “uma nova actividade de
arquitecto feita da atenção para com os lugares” e que privilegie “não mais a
criação de objectos isolados, mas sim a integração, a conjugação e o
desenvolvimento de ligações entre sítios, entre pessoas e entre exigências e
necessidades.”
Uma recriação marcada pela escala e
uso humanos, seja na requalificação do próprio espaço exterior público, seja na
relação que nele se deverá desenvolver com os vãos dos edifícios contíguos,
refazendo-se um exterior público religado à “presença ampliada do homem”, como
escreve Rudolf Arnheim (2), e um exterior público renovado, libertado da
opressão do veículo motorizado, e que, assim sendo, pode e deve ser estratégica
e agradavelmente pontuado por verdadeiros recantos domésticos, como por exemplo
acontece em centros históricos e em novos bairros bem desenhados como, por
exemplo, Alvalade e Olivais Norte em Lisboa.
Assim se melhora a imagem urbana para
promover o uso intenso do exterior, condição que proporciona melhor fruição
dessa imagem urbana, num círculo virtuoso de melhor imagem e mais e melhor uso,
e numa atenção às suas sequências, pormenores e recantos de estar, que, por sua
vez é dinamizadora de melhores relações de identificação com cada local e de
melhores condições de segurança pública no seu uso.
Mas evidentemente que nas ações de
requalificação o espaço público não podemos desenvolver uma segregação
simplista do automóvel privado, pois como escreveu Spiro Kostof (3), “o mais
importante aspecto do apoio ao peão ... liga-se ao desenho de vizinhanças
residenciais ... através de um novo tipo de rua .. cuja principal função não é
a circulação e o estacionamento automóvel, mas sim o andar a pé e o recreio.
E este caminho, bem marcado numa
importante exposição aqui neste museu ... e que parece estar a ser ... seguido
pela CML ... é essencial numa urgente recuperação da cidade para o cidadão,
passo essencial de uma requalificação do espaço público, que o reabilite como
espaço privilegiado e protector dos mais idosos e dos mais jovens.
Escreveu António Pinto Ribeiro (4),
sobre esta matéria, que “seria desejável que a cidade voltasse a ter como medidas
de planeamento o peão e o utente do transporte público. Tal corresponderia,
segundo penso, a uma ligação mais epidérmica com o espaço, à possibilidade de
se instalar durabilidade” (e talvez verdadeira sustentabilidade) “no tempo de
gozo da cidade”; .... acabei de citar.
Fig.
02
Cidade passeada, cidade habitada
E
o peão precisa de verdadeiras cenas habitadas, precisa de emoção e de
conteúdos, não apenas funcionais e o peão gosta de sentir que passeia em zonas
vivas e nestas matérias provavelmente o habitar do dia-a-dia ganhará com
algumas técnicas ligadas ao turismo, enquanto o turismo pode ganhar muito com
alguma da qualidade espontânea e com o sentir e participar (d)a vida de
comunidades residenciais positivamente caraterizadas e activas, e exemplo disto
encontra-se já em vários “centros históricos” vivos como o de Guimarães.
Precisamos de passear fisicamente e
mentalmente, viajando, pausada e agradavelmente, por uma cidade desaparecida,
mas que esteja viva, é esse o objectivo que devemos ter em mente, e para isso é
fundamental associar, sistematicamente, a resolução dos problemas de carências
habitacionais aos da falta de qualidade e vitalidade urbanas,
Afinal não basta ordenar o espaço para
se criar um ambiente interessante e motivador; o habitante também necessita de
emoção na relação afectiva com o espaço urbano e o uso a pé do espaço público é
ação de grande proximidade e, portanto, muito diretamente estimulada pela
qualidade do desenho urbano.
Vizinhanças amigáveis,
vizinhanças amáveis
Importa
salientar que, hoje em dia, não parece haver ainda um conhecimento devidamente
sedimentado, publicitado e, essencialmente, consensualizado (no que for
possível) sobre a qualidade urbana que é possível ter, por exemplo, numa
praceta ou rua residencial, verdadeiramente amigável, apropriável, digna a
atraente.
Os
conhecimentos e as preocupações continuam a estar, aqui, dirigidos para os
aspectos funcionais do tráfego de veículos. Estamos agora apenas a começar a
ultrapassar a medo uma tal estrita e fictícia funcionalidade numa perspectiva
de simples defesa da segurança pedonal, falta-nos todo um caminho de
humanização de conteúdos funcionais e de imagens;
E
não é possível deixar de referir que este caminho de projeto deve ser
compatibilizado com a disponibilização de novas tipologias residenciais
adequadas para pessoas sós e pequenas famílias, numa ação que contribui,
estrategicamente, para a vitalização da cidade com novos habitantes e
habitantes muito disponíveis para participar nessa vitalização, até porque
serão pessoas que irão encontrar nesse meio urbano “concentrado” condições
adequadas para a manutenção ou a redescoberta do interesse, da riqueza e da
vitalidade e funcionalidade na vida diária citadina.
Cultura e urbanidade
Neste
processo de reflexão e de projeto importa aplicar ferramentas facilitadoras das
intervenções e nesta matéria devemos ter presente que a revitalização urbana, a
dinamização da cultura e da arte, e a criação de uma cidade mais cívica, humana
e ambientalmente sustentável, são aspectos que mutuamente se conjugam e se
influenciam.
Aliança entre intervenções no exterior urbano e nos edifícios
Em
tudo isto importa salientar que grande parte do segredo de uma cidade viva e
sensível relativamente aos seus habitantes, está num tecido urbano com continuidades
afirmadas, que acolham bem e atraentemente uma diferenciação formal e funcional
equilibrada, em continuidades urbanísticas não especializadas e que levem a
cidade até à porta de muitas casas, enquanto também proporciona recantos
“domésticos” em zonas citadinas mais animadas.
E
esta grande unidade dos espaços urbanos e residenciais constitui-se num
fundamental ligante de apropriação, sendo que nesta unidade formal e funcional
fica evidente o protagonismo do espaço público.
Um
protagonismo que é essencial veículo de diversas qualidades da urbanidade,
entre as quais é hoje em dia bem oportuno evidenciar a criação de espaços com
usos mistos; sejam exteriores, sejam edifícios, sejam unidades com partes
interiores e exteriores.
Do estímulo e da surpresa na cidade
Mas
todo este caminho não é possível sem intervenções marcadas pela qualidade
arquitectónica e que tenham em devida conta adequadas condições estímulo,
surpresa, considerando mesmo um certo sentido lúdico (...) , pois o espaço
urbano para além de nos acolher e proteger, também nos deve estimular e
surpreender, pela positiva naturalmente, e nesta perspetiva o adequado manejar
da imagem urbana é essencial e nele a intervenção no espaço público é sempre
determinante.
E,
tal como referiu a colega Marilice Costi, num dos primeiros artigos do
Infohabitar em Junho de 2005: “Uma cidade precisa surpreender, mostrar sua
história, entregar-se a quem passa por ela e dar-lhe o seu sabor. Ela precisa
apaixonar a qualquer um, provocar sensações, proporcionar vivências. Ser lugar
para seus moradores e um novo lugar para quem chega.”
Notas:
(1) Francisco de Gracia,
Construir en lo construido – la arquitectura como modificación. Madrid,
Editorial Nerea, 1992.
(2) Rudolf Arnheim, “A dinâmica
da forma arquitectónica”, trad. Wanda Ramos, 1987 (1977), p.70.
(3) Spiro Kostof, “The City Assembled – The elements
of urban form through history”, 2004 (1992), pp.240 a 242
(4) António Pinto Ribeiro,
“Abrigos: condições das cidades e energia das culturas”, 2004, p. 18.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De
acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Editor:
António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano X, nº 482
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
Espaço
público e identidade urbanaQualificação do espaço público como fator de identidade e apropriação coletiva do espaço construído
Edição: José
Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
2 comentários :
Habiendo conocido Lisboa recién en el mes de noviembre pasado me resulta de mucho interés leer este artículo porque argumenta y expone muy acertadamente sobre la calidad de los espacios urbanos. También por el modo en que destaca las posibilidades de la arquitectura de favorecer la identidad de los ciudadanos mediante intervenciones criteriosas que intensifiquen la vivencia de la ciudad. Agradecido por el aporte.
Julio Arroyo
Argentina
Ideias atuais para a vida urbana, com prioridade do peão, em continuidade com a envolvente. Protagonismo do espaço publico pedonal. Obrigada pela partilha. Ana Veronica
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