segunda-feira, agosto 05, 2013

449 - Os espaços antes das entradas comuns na habitação- Infohabitar 449


Infohabitar, Ano IX, n.º 449
Artigo XXXV da Série habitar e viver melhor
Os espaços antes das entradas comuns na habitação

António Baptista Coelho

Considerando a boa vivência do edifício multifamiliar vamos agora tratar, especificamente, de cada um dos seus principais espaços comuns, considerando não só como eles são e se espera que sejam, habitualmente, mas também imaginando como eles poderiam ser em termos de uma concepção arquitetónica que tire partido máximo do seu elevado potencial de funcionalidade, representatividade, identidade, apropriação e apoio ao convívio natural entre vizinhos e visitantes; e desde já se aponta que nesta reflexão será muito importante a tentativa de não esquecer soluções anteriormente usadas e os seus respetivos resultados em termos de satisfação residencial.
Sendo esta uma introdução que irá acompanhar, sistematicamente, as reflexões desenvolvidos sobre os vários espaços e principais equipamentos comuns dos edifícios multifamiliares, será tentada, sistematicamente, um afeiçoar das suas considerações ao espaço ou equipamento visado.
Relativamente à entrada comum no edifício multifamiliar ou num pólo de receção de um agregado de edifícios unifamiliares e aos respetivos espaços e elementos exteriores públicos ou comuns importa ter em conta um conjunto de aspetos que são, em seguida, informalmente apontados.
É importante que uma entrada comum nos dê as boas vindas, através de um arranjo agradável e envolvente, que nos abrigue da chuva e do sol excessivo, que se caracterize por aspectos que não se encontram em outras entradas comuns, é a entrada que todos desejamos.
O espaço que antecipa a entrada pode ter um conteúdo essencialmente funcional, ligado ao apoio à entrada, em termos de contato com as habitações, proteção das intempéries, apoio ao serviço de correio, e apoio ao próprio processo de entrada (ex., uso de chaves, pousar volumes); mas pode e deve ter, paralelamente, uma “utilidade” evidenciada em termos de identificação do edifício, expressão da sua imagem pública no sentido de alguma “explicação” do seu funcionamento geral e clarificação da sua relação funcional com a envolvente pública ou comum directa (espaço comum eventualmente existente, relação com a respetiva rua ou a praceta, articulação com as respetivas soluções de estacionamento automóvel, etc.).


Fig. 01: o Edifício na Carvalhosa, Porto, Arqs Arménio Losa e Cassiano Barbosa.

E nesta perspetiva essencialmente funcional  o espaço “antes da porta de entrada” deverá ser caraterizado por adequadas condições de acessibilidade – no apoio a condicionados na mobilidade, mas também no apoio a transportes volumosos e pesados (ex., rampas, pavimentos aderentes, etc.) –, de iluminação artificial devidamente consideradas em termos de estratégia de iluminação (ex., célula fotoelétrica que liga a luz quando está escuro, ou de acordo com um dado relógio), e de visibilidade de segurança sobre a envolvente próxima e em “meia distância”, proporcionando-se, assim, seja uma entrada segura e calma no edifício, seja idênticas condições quando da saída do mesmo.
Naturalmente que, em muitas regiões do mundo, há ainda que ter em conta especificamente as condições de vedação, de controlo do acesso e mesmo de vigilância da circulação na contiguidade do edifício, uma condição que aqui se considera ser “paralela” às restantes ou delas razoavelmente independente, até porque quando as condições de segurança pública são adequadas este cuidado não fará especial sentido, sendo mesmo negativo em termos dos seus reflexos da urbanidade e da agradabilidade de uso nos espaços públicos contíguos.
Mas estas condições essencialmente funcionais não esgotam, naturalmente, a reflexão sobre “o espaço antes da porta de entrada” no edifício multifamiliar ou numa afirmada agregação de edifícios unifamiliares havendo aspetos de integração urbana pormenorizada e de vizinhança, identidade e representatividade que importa abordar, sob diversas facetas; uma forma estratégica de considerar um texto que se pretende seja útil a quem concebe arquitetura residencial.
Devemos assim refletir sobre uma outra matéria, de cariz mais pessoal, mas igualmente importante para o objectivo de um habitar amplamente mais satisfatório. Tal matéria refere-se a que a entrada do edifício constitui, provavelmente, para muitos de nós, uma etapa fundamental na sequência de espaços urbanos e domésticos que habitamos todos os dias e, sobre este aspecto, lembramos Rob Krier quando este escreve que “no caminho da rua para o interior do edifício passamos por gradações do que podemos designar como «o público». Imediatamente, a posição da entrada e a importância arquitectónica que lhe é atribuída exprimem o papel e a função do Edifício..." (1)



Fig. 02: o Bloco das Águas Livres, Lisboa: Arqs Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral.

E na relativa ausência de estudos que fundamentem a afirmação da importância da entrada comum, cabe aqui chamar a atenção para a necessidade de se dar muito mais atenção a este elemento de composição do espaço do habitar, havendo muito a aprender com tantos excelentes exemplos que aí estão para serem vistos, facilmente, ao longo das ruas de muitas cidades.
Nestas matérias Alexander defende (2) a criação de uma transição gradual entre a rua e a porta de entrada, transição esta que deve ser servida por aspectos específicos de iluminação natural e artificial, protecção acústica, sequências de níveis, limiares bem marcados e vistas sequenciais de penetração e saída, vistas estas que disponibilizem diversos tipos de visões fugazes, estratégicas, gerais, etc. E o mesmo autor sublinha, depois, a importância que tem a criação de uma entrada acolhedora, preenchida por elementos que propiciem sentimentos de "boas vindas", como assentos confortáveis, pontos de vista interessantes e úteis, tons de cor domésticos e até outros elementos habitualmente associados ao interior das nossas casas. (3)
Mas há ainda um outro aspecto a ter em conta nestas matérias, pois devemos ter bem presente que uma entrada de edifício bem concebida e atraente é também um elemento muito importante e qualificador para a vizinhança urbana em que se integra, e esta qualificação pode fazer-se, por exemplo, por uma afirmada sobriedade.
Não sendo este, especificamente, o tema que aqui nos move, importa reflectir que uma entrada que nos influencie positivamente, pelos seus aspectos formais e funcionais, será, provavelmente, uma entrada que assumirá, também, uma excelente presença e função urbanas. Mas, no entanto, tais aspectos de presença e de função urbanas poderão eles próprios ter reflexos específicos na concepção de entradas de edifícios e, tendo-os, e se os tiverem através de soluções que resultem realmente bem, então, poderemos considerar que haverá motivos complementares para que os habitantes desse edifício fiquem mais agradados com o “seu” edifício e a “sua” entrada, que, assim, naturalmente, é também uma entrada da cidade, pois pertença da cidade e das suas continuidades.



Fig.03: um bloco em banda nos Olivais Norte: Arqs Nuno Teotónio Pereira e António Pinto de Freitas.

No que se refere à relação entre entrada de edifício e espaço urbano de vizinhança salientam-se dois aspectos de concepção apontados por Alexander: (4)
·       A entrada deve ser visível quando nos aproximamos do edifício ou existir uma indicação clara e condigna da sua localização.
·       A entrada deve ser formalmente realçada, e considerando-se que a aproximação mais frequente é feita paralelamente ao edifício e, portanto, em ângulos de visão habitualmente muito apertados.

A entrada ou átrio comum deve ter, sempre, uma "contrapartida" exterior, pelo menos, parcialmente protegida das intempéries, zona esta que poderá, naturalmente, variar, entre um pequeno espaço coberto sob uma pala e um recinto específico e equipado.
Ainda nesta matéria da aproximação ao edifício e, naturalmente, das acções de partida do edifício, considera-se que os respectivos espaços exteriores deverão ser, sempre que possível, especificamente caracterizados e pormenorizados, apontando-se, em seguida, algumas opiniões de Dubuisson e La Salle nesta matéria: (5)
·       "As entradas consideradas como pontos fortes e partes privilegiadas de junção entre zonas habitacionais interiores e espaços exteriores, também cumprirão o princípio de continuidade. Serão concebidas como «crescimentos» facilitando os encontros entre os habitantes. Para esse efeito o espaço aberto exterior será definido por taludes ou muretes, dispondo-se bancos e vegetação."
·       "O tratamento do pavimento é um dos principais elementos da composição das entradas dos edifícios, afirmando a presença de um acontecimento ao mesmo tempo que define um local de encontro, ele materializa uma potencial penetração dos passeantes."
·       "A sinalética específica poderá exprimir-se de variados modos, através da denominação dos edifícios nos pavimentos exteriores que prolongam exteriormente as entradas e nas paredes verticais contíguas".


Fig. 04: Pormenor de uma das Torres Prémio Valmor nos Olivais Norte: Arqs Arqs Nuno Teotónio Pereira, António Pinto de Freitas e Nuno Portas.


Falta referir que o “espaço antes da porta de entrada” pode ser praticamente “nulo”, correspondendo a uma secção” não formalmente definida de um passeio – mas nesta caso tem de haver espaço funcional no passeio para as suas diversas funções – ou pode constituir como que um amplo pátio, mais ou menos ajardinado, com acesso por uma porta ou cancela específica e cujo uso seja reservado aos habitantes e visitantes do edifício, sendo a vista desta espaço perfeitamente aberta a partir do espaço público contíguo, ou sensível e cuidadosamente reservada dessa relação visual.
E entre tais extremos pode haver um amplo leque de situações intermediárias, entre as quais será sempre interessante a solução em que na vizinhança das entradas há espaços de uso público, bem equipados em termos de bancos para sentar e outro mobiliário urbano, elementos representativos seja da rua ou praceta públicas, seja dos “seus” diversos edifícios, verde urbano e iluminação artificial, proporcionando-se um aproximar naturalmente convivial à entrada mais íntima no edifício, como que um “piscar de olhos” à vivência públiva e comum e uma conjugação “suave” (gradual), mas firme, entre espaços públicos e espaços comuns de uso reservado.
E uma entrada e/ou “um espaço antes da entrada” com as caraterísticas aqui apontadas não implica um gasto especial de espaço e uma despesa fora do vulgar, implica, sim, um projecto do edificado e micro-urbano muito cuidado, e tanto mais cuidado quanto maior for a exigência de economia.
Notas bibliográficas:
(1) Rob Krier, "Elements of Architecture", p. 61.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 494 e 495.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 623 e 624.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 485 a 487.
(5) S. Dubuisson, X. De La Salle, in "Espaces Exterieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme",  J. P. Muret (Coord.), p. 65.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


INFOHABITAR Ano IX, nº449 

Os espaços antes das entradas comuns na habitação 
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
Edição de José Baptista Coelho
Grupo Habitar (GH) e LNEC - Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)

LNEC e Infohabitar - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

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