As sociedades envelhecem, mas somos humanos
Artigo de Celeste Ramos e Baptista CoelhoUmagens de A. B. Coelho
Até aqui a Sociedade tem institucionalizado a maioria dos problemas ligados à terceira idade sobretudo no que respeita ao alojamento, à saúde e ao encontro, ou tem deixado cair essa realidade no esquecimento, considerando-o um problema resguardado dentro das fronteiras de cada país e de cada cidade.
A declaração de 1999 como o Ano Internacional do Idoso fez desencadear o interesse por este tão "moderno" problema sobretudo nas sociedades em que aumentou extraordinariamente a esperança de vida do cidadão, sobretudo nos países mais ricos e evoluídos.
De entre os cerca de 10 milhões de portugueses, 2 milhões têm mais de 65 anos correspondendo a 17% da população e considerados "os grandes esquecidos", sendo que de entre eles 1 milhão aufere menos do que 300 euros mensais; mas já foram apresentados valores muito diferentes, pelo que esta discrepância informativa esconde que há vários milhares de velhos cujos rendimentos estão muito abaixo do ordenado mínimo, que em Portugal representa cerca de um quinto do ordenado mínimo médio da UE.
Em 2000 o índice de envelhecimento ultrapassou pela primeira vez os 100 idosos por cada 100 jovens entre os 0 e 14 anos, e em 2004 existiam quase 108,7 idosos por cada 100 jovens.
Só em Lisboa existem cerca de 35 mil velhos a viver sozinhos, e de acordo com as projecções para 2050, Portugal será o 4.º país mais velho da Europa dos 25, tendo sido também já considerado um dos três países mais pobres da União Europeia.
Valores mundiais revelavam, há cerca de uma dezena de anos, que apenas 5% da população mundial aufere 75 % da riqueza mundial global e Portugal encontrar-se-á nessa média, apesar de estar na 23.ª posição de uma escala dos 27 países considerados desenvolvidos, de acordo com inquéritos realizados por empresas internacionais especializadas e credíveis, já que com a comunicação global os países parecem aproximar-se mais e, igualmente, comparar-se também nas suas riquezas e misérias.
O presidente da república cessante deu relevo à temática do envelhecimento e da pobreza, por exemplo, em Novembro 2005, no decurso das Jornadas sobre Envelhecimento e Autonomia, promovidas pela Santa.Casa.da.Misericórdia.de.Lisboa, e no Congresso de Gerontologia, também em Novembro de 2005, entre os múltiplos temas apresentados, destacaram-se os respeitantes à arquitectura na cidade, ao impacto do envelhecimento na sociedade e na qualidade de vida e a questão da integração dos mais velhos no actual quadro da União Europeia.
Sabemos que a nossa sociedade, bem ou mal, vai respondendo a muitos dos problemas inerentes à terceira idade, mas estão cada vez mais longe de ser satisfatórias tais respostas, porque o envelhecimento e o empobrecimento avançam mais depressa, e ainda porque há que, no "fim da linha da vida", procurar ser feliz sem se "esperar sentado" até que chegue esse fim, e não há sociedade que possa divorciar-se desse problema sob pena de se ter chegado à situação de uma espécie de “nova escravatura do século XXI."
Sempre os governantes portugueses se mostraram incapazes de solucionar, em tempo, os problemas mais prementes da nossa sociedade. E é agora em pleno século XXI que aos problemas anteriores nunca resolvidos, ou mal resolvidos, se acrescenta o da 3.ª idade e todo o tipo de situações que acarreta e a que a cidade não consegue responder porque nem nunca se reorganizou com as migrações das década de 70 e de 80/90, nem as populações encontraram forma de se instalarem homogeneamente pelas cidades do interior, que foram esquecidas pelo desenvolvimento, mesmo depois da integração na UE, em que se recebia por dia um milhão de contos, que foram utilizados para construção de vias-rápidas que não levaram as populações para o interior, mas apenas facilitaram a sua deslocação mais rápida para o litoral onde se amontoa 70% dos portugueses que, antes, tão bem distribuídos estavam por todo o território, mesmo no local mais montanhoso e inacessível; tão inacessível que o desenvolvimento nunca lá chegou e agora “envelhece e apodrece”, porque os que teimaram lá ficar, até aos anos 80, já envelheceram sem serem renovados.
As cidades e as povoações envelhecem com os cidadão e com a sua juventude se revitalizam. Mas, por exemplo, os quase últimos locais de emprego nas Beiras fecharam desde 2003 a 2005; e assim, que novos e acrescidos problemas de envelhecimento da população irão ser criados e reforçados?
É impressionante dizer que uma das mais importantes cidades de interior como é Bragança tem, actualmente, cerca de 70% de velhos, porque nada se renovou em termos de instalação de sistemas de dinâmica das economias para que as famílias aí se pudessem desmultiplicar, em vez de abandonarem o local de nascimento, restando só os que aí foram envelhecendo.
O povo português anónimo é em geral amável e solidário, e se não fosse assim, o quadro social vigente relativo aos crescentes problemas da terceira idade, atingiria dimensões de catástrofe.
O país envelhece em todos os sentidos, nos monumentos patrimoniais e na habitação antiga que não são restaurados, nas economias que não são renovadas e revitalizadas nos locais onde se nasce e se habita, no planeamento urbano que não acompanha os fenómenos socioeconómicos, caminhando-se para o drástico envelhecimento em todos os aspectos de destruição de paisagens urbanas e rurais, bem como mesmo para a erosão social e, principalmente, para a erosão das próprias ideias, que não se renovam para resolver os grandes problemas de uma sociedade em que as populações quase nunca são chamadas a participar na solução dos problemas que lhes dizem respeito.
Ideias de desenvolvimento de novas formas de actuação sociocultural, habilitando os idosos a serem auto-suficientes em muitas situações, e, mais do que auto-suficientes, a participarem numa grande diversidade de acções socialmente válidas e úteis para eles próprios e para outros grupos socioculturais, que podem sem dúvida obter nas experiências de vida e profissionais dos idosos um apoio inestimável; desde que contando, gratuitamente, com locais físicos municipais ou mesmo particulares e desactivados, para se organizarem e desenvolverem tais acções, pois "terceira idade" deverá, urgentemente, significar também a definição que se lhe quiser dar, em termos de direitos, deveres e, essencialmente, oportunidades de ser útil, de participar. E isto é o que é mais necessário ao país em geral, à população em geral e aos velhos, em particular: oportunidade para viver e ser útil.
E talvez que as universidades de Braga, Viseu, Aveiro, Vila Real, Covilhã e Évora, por exemplo, possam constituir-se não apenas em pólos de saberes, mas também de criação de novas oportunidades de fixação e de repovoamento humano e económico dessas regiões de que são capital, e assim se promova uma nova imigração, que retire, a longo prazo, população de locais saturados e desqualificados, ajudando a povoar, novamente, o interior hoje tão envelhecido, pois o equilíbrio da população e de cada célula familiar conduz ao desenvolvimento e equilíbrio global de cada local.
O problema dos velhos, sobretudo de mãos dadas com o da pobreza e em parte também com o do analfabetismo e o da crítica carência formativa e cultural, é da maior acuidade e requer soluções rápidas, além de outras estruturais, porque se prepara a velhice nas idades de maturidade, porque se prepara a qualidade de vida em geral com os cuidados tidos desde o nascimento, porque se prepara a evolução social com a atitude de alguns, poucos, que são semente de mudança social.
Mas o facto é que não têm os responsáveis, a qualquer nível central e regional, dado uma resposta exaustiva a uma situação tão grave e urgente, limitando-se, com frequência a uma atitude marcada pelo "faz-se o que se pode", como se o poder tivesse, igualmente, envelhecido e desmoronado e ficado sem qualquer ideia de como fixar e dinamizar populações, que sejam agentes e motores de desenvolvimento, nem que seja, por exemplo, confinado apenas ao turismo de todo o ano e à produção dos bens da terra e de artefactos locais e regionais; o que já seria meio caminho andado para a auto-sustentabilidade da actividade económica, desmultiplicadora de muitas outras que lhe tendem a suceder.
Parece que a filosofia não foi apenas sequestrada pela economia e gestão que rege o actual mundo ocidental e o desinteligente e irracional economicismo nacional que, essencialmente, "esconde" os grandes dramas humanos. Parece que a filosofia foi sequestrada também pela impotência e desistência, dada a grandeza da acumulação dos problemas aos quais se foi virando costas nestas curtas décadas de democracia. E curiosamente os meios de comunicação social também se cansaram de expor que problemas haverá por aí e a que portas batem, como se não se passasse nada.
Não se passa nada! Mas passa-se, tal como nos foi dito em Évora, por uma técnica de Serviço Social, numa sessão do Grupo Habitar, que nos disse que há muitos casos de idosos praticamente abandonados pelas respectivas famílias e a viverem, muitas vezes, em condições sub-humanas; abandonados pela família e esquecidos pela sociedade.
E enquanto isto se passa os países europeus “desenvolvidos” estão a aumentar o tempo de trabalho da população activa, num recuo das regalias anteriormente conquistadas (menos tempo de trabalho e mais tempo livre - grande slogan dos anos 80); um recuo que nos países do sul, mais pobres, tem o sabor a um sonho nunca concretizado.
Mas, entre nós, muito mais urgente e crítico do que pensar em sonhos de reformas douradas, hoje provavelmente impossíveis, é dar resposta imediata e adequada a essas situações de abandono, que não podem ser admitidas. É portanto urgente um programa especial dirigido para a eliminação dessas situações e, em segunda linha, um programa especial que vise a maximização do aproveitamento da experiência e da vitalidade dos cidadãos seniores em tantos campos em que podem ser úteis à sociedade, à cidade e a si próprios.
Não é apenas uma questão de bom senso e de boa gestão de recursos humanos, é também uma questão de ética e de justiça social e, acima de tudo, é, na prática, uma questão de sobrevivência, pois uma sociedade que não toma conta dos seus mais frágeis e uma sociedade que não aproveita a experiência onde ela está, em quantidade e com tempo de ser útil, é uma sociedade suicidária.
O homem moderno, o sapiens-sapiens, dominou o mundo, sabe-se hoje, quando passou a contar com a experiência acumulada e complementar dos seus mais velhos, quando estes começaram a tomar conta das crianças e a ensiná-las, provavelmente, enquanto os jovens adultos caçavam e procriavam; a arte nascida nas grutas e depois na cerâmica e na decoração dos utensílios, também não é uma actividade de grupos apressados e sem histórias, e a arte é o fulgor da invenção e da criatividade; e acima de tudo o tomar conta dos mais velhos e o dialogar com eles é um sinal de afectividade, de emoção e de verdadeira humanidade. E sendo assim, o caminho que devemos seguir está claramente traçado.
Este artigo foi elaborado pelos autores entre as seguintes datas
Lisboa, Bairro.de.Santo.Amaro, 21 de Novembro de 2005
Lisboa, Encarnação/Olivais.Norte, 26 de Fevereiro de 2006
Maria Celeste d’Oliveira.Ramos
António Baptista Coelho
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