quinta-feira, setembro 22, 2005

41 - As grandes cidades e a origem das cidades – I - Infohabitar 41

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As grandes cidades e a origem das cidades – I




O homem foi moldando o espaço às suas necessidades, e tudo bem enquanto o homem não teve o poder necessário para de subverter a ordem natural e paisagística. Aí começaram os problemas graves, hoje tão evidentes e tão críticos.
Para não nos sentirmos, hoje, no início do século XXI, excessivamente culpados, da fealdade e do caos urbano que nos rodeia, importa ter presente que a realidade da “super-urbanização” com a criação de metrópoles gigantescas e a referida e terrível subversão das paisagens é um fenómeno que aconteceu, de certa forma, há “instantes” na história do homem moderno.
Provavelmente uma das primeiras (pequenas) cidades foi Jericó (com cerca de 1000 habitantes em 2,5 hectares), que se situou/situa na actual Palestina, tendo surgido há cerca de 12.000 anos (ainda hoje existe uma cidade com esse nome, julga-se que sensivelmente no mesmo local), e as grandes metrópoles actuais, que são verdadeiras regiões/países, das quais é exemplo muito significativo São Paulo – com os seus 10 milhões de habitantes e 16 milhões na região metropolitana –, eram apenas grandes cidades em meados do século XX. São Paulo tinha no início do século XX um pouco mais de 130.000 habitantes e cerca de três milhões no início da década de 60 do mesmo século.
E em tudo isto também é esclarecedor constatar que, embora o fogo tenha sido dominado há cerca de 500.000 anos (meio milhão de anos num planeta com cerca de 4.500 milhões de anos), o homem moderno (o tal sapiens-sapiens) tem, “apenas”, uma história máxima de cerca de 150.000 anos e uma história cultural mais consistente entre cerca de 30.000 e 50.000 anos (mas os primeiros hominídeos viveram há cerca de cinco milhões de anos).



O pensamento simbólico e a arte parece surgir (só) há cerca de 30.000 anos – quando a esperança de vida passa de cerca de 15 para 30 anos e os humanos “se tornam mais sábios” (artigo de Maggie Fox no Público) pois começam a tomar conta e a dar valor aos mais velhos e mais fracos – a importância da afectividade, da solidariedade e da experiência.
E é assim que o desenvolvimento do pensamento simbólico e da arte antecipa, afinal, a própria invenção, primeiro, dos pequenos espaços urbanos constituídos por orgânicos aglomerados de casas, sem ruas, e depois do sistema de casas ligado e separado por ruas e outros espaços de invenção do sentido cívico, de que é exemplo a tal pequena cidade de Jericó há cerca de 12.000 anos, que terá sido antecedida por muitos pequenos povoados cuja localização se revela, naturalmente, muito difícil.
A ideia que neste pequeno texto se quer deixar é que não sabemos nem, verdadeiramente, podemos saber lidar com o tecido urbano das super-cidades e da super-urbanização, pois não temos experiência prévia de tais situações. A história da vida urbana é, realmente, muito curta e não temos possibilidade de actuar segundo a experiência adquirida nas grandes cidades, pois aqui estamos a entrar constantemente em novos territórios.
Podemos, sim, avançar, positivamente, com ideias fortes, ideias claras e positivas sobre valores acima de qualquer dúvida, como é a defesa e a valorização, sem tréguas, da paisagem natural e do património urbano e rural.
Naturalmente, há que continuar a moldar o espaço deste planeta às necessidades humanas, mas necessidades estas que devem também ser, cada vez mais, exigentes e esclarecidas; às vezes certas necessidades não serão provavelmente verdadeiras necessidades, mas sim resultados de circunstâncias e situações. A este nível, por exemplo, a questão da maior ou menor necessidade do veículo privado na cidade é algo que merece reflexão muito séria, pois provavelmente tal presença faz cada vez menos sentido; mas tal reflexão tem de ser obrigatoriamente articulada com outros aspectos e exigências de qualidade de vida, caso contrário corre-se o risco de o doente poder até morrer do remédio – o péssimo resultado para a sustentabilidade urbana que resultou do desenvolvimento de amplas zonas pedonais como sucedeu em São Paulo é exemplo vivo e constatável de uma importante faceta desta problemática.
Como acima se disse, o homem foi moldando o espaço às suas necessidades, e tudo bem durante os mais de dez mil anos em que não teve o poder necessário para, com a desculpa de tal adequação, contribuir criticamente para a subversão da ordem natural, paisagística e cultural, com um sentido amplo.
A qualidade de vida das populações era provavelmente uma preocupação pouco presente, quando a vida corria lentamente e as transformações espaciais urbanas e habitacionais sucediam com cadências extremamente lentas, de certa forma de acordo com o ritmo de vida lento que aconteceu até provavelmente meados do século XX; basta pensar um pouco sobre aquelas fotografias que vemos dos anos 40 e 50 em Portugal e também atentarmos nos filmes da época.
A partir de certa altura tudo adquiriu uma rapidez por vezes agressiva e explosiva, pensando na expansão urbana, e quando tal aconteceu não havia critérios “à altura” para racionalizar tal explosão dobrando-a no respeito pela salvaguarda da qualidade de vida das populações; provavelmente nem as populações tinham a noção de que deveriam poder ter essa qualidade de vida.
E aqui há também que considerar o que é isso de “qualidade de vida”. Será que é algo por todos assumido da mesma forma? E se acontecer, como parece provável, que haja diversas formas de entender e viver essa qualidade de vida, não haverá aspectos que devam e possam ser intensamente divulgados como fundamentais e potencialmente generalizáveis? As tais ideias fortes, claras e positivas sobre valores acima de qualquer dúvida, como é a defesa e a valorização, sem tréguas, da paisagem natural e do património urbano e rural.
E para se avançar desta forma não podemos ser excessivamente optimistas e confiar inteiramente na boa vontade, na racionalidade, na ponderação, na sensatez e na imparcialidade dos actores envolvidos nas decisões sobre essas temáticas.
Lisboa, Encarnação, 22 de Setembro de 2005

António Baptista Coelho

1 comentário :

Anónimo disse...

Sobre o excelente artigo de hoje onde se afirma haver muita inadaptação à vida nas megalópoles e não podermos "ser excessivamente optimistas e confiar inteiramente na boa vontade, na racionalidade, na ponderação, na sensatez e na imparcialidade dos actores envolvidos nas decisões sobre essas temáticas", cito palavras de uma atenta habitante de Caracas para quem a maior responsabilidade das enormidades cometidas a nível ambiental recai sobre os governantes (Em Portugal teremos disto também? Temos, oh se temos):

„(...) tenemos una ministra del Ambiente que le parece “buena noticia” impactar aún más la cara norte del parque Nacional El Avila con la construcción de 2.500 viviendas. (...) Leyendo El Nacional de hoy, en el mismo artículo acerca de las viviendas en El Ávila (cuerpo B, pag 16) hay un recuadro que comenta la paralización de un proyecto para construir 4 mil viviendas en el sector Santa Eduvigis frente al aeropuerto de Maiquetía. Espero que esa parálisis sea para siempre porque ese lugar queda próximo al basurero y me han contado que en algunas épocas del año, hasta la escuela tiene que cerrar por la cantidad de moscas y malos olores que se generan. ¿Cómo coño arman un proyecto de infraestructura si no saben las condiciones del terreno? (...)¿Será que Jacqueline Farías, tanto tiempo Presidenta de Hidrocapital, no se enteró de los deslaves en Vargas? ¿Será que no sabe nada acerca del ciclo del agua? ¿Será que en el Ministerio del Ambiente ya no quedan técnicos que le expliquen los riesgos para el ambiente y los futuros pobladores de esas casas? ¿O será que mientras ella vea el Avila verdecito desde Caracas, cree que no está pasando nada del otro lado?