segunda-feira, junho 24, 2013

445 - COMPOSIÇÃO DE EDIFÍCIOS HABITACIONAIS E CONHECIMENTO HISTÓRICO - I - Infohabitar 445

Infohabitar 445
NOTAS SOBRE COMPOSIÇÃO DE EDIFÍCIOS HABITACIONAIS E CONHECIMENTO HISTÓRICO - I
António Baptista Coelho


Na continuidade temática da última edição do Infohabitar, em que se abordaram alguns aspetos relativos ao que designámos como a matéria da “organização e da composição de edifícios habitacionais” e na sequência de alguns comentários que nos chegaram do colega Prof. Hélio Costa Lima sobre este assunto, comentários que muito agradecemos, desenvolvemos na edição, desta semana uma pequena reflexão sobre a concepção de edifícios habitacionais, tendo em conta a influência do conhecimento histórico do habitar urbano e visando-se as suas potencialidades individuais, sociais e urbanísticas.

Este pequeno artigo desenvolve-se, assim, com o recurso, pontual e sistemático, a alguns dos referidos comentários enviados por Hélio Costa Lima, sendo que a partir deles se fez uma reflexão livre sobre o assunto.

Inicia-se, assim, aqui no Infohabitar, uma nova tipologia de artigos resultante de um diálogo direto focado em determinadas temáticas; um tipo de texto que parece poder ter grande interesse e para o qual se convidam outros leitores, designadamente, através de comentários editados no Infohabitar, que depois poderão integrar-se em sequências de reflexão como a que é aqui iniciada.

Fig. 1

Aprofundando-se então, mais um pouco, o que se pode considerar como os aspectos fundamentais na estruturação dos edifícios habitacionais, faremos um pequeno recuo para aspetos mais globais de composição, que importa ter em conta antes de serem consideradas a maior ou menor evidenciação: de cada habitação no conjunto edificado; da existência de um espaço exterior directamente associado ao edifício; e da presença dos espaços comuns e equipamentos comuns de circulação/acessibilidade.

A questão está na possibilidade de criação e recriação de “novas” soluções de edifícios, uma excelente matéria, em que, desde já, importa esclarecer que se usaram as aspas na designação de novas soluções, pois considera-se que muitas soluções de edifícios foram já criadas, aplicadas, reaplicadas e reformuladas, inúmeras vezes, resultando esta situação:

- seja de uma lenta e bem consolidada evolução histórico-tipológica, que é já muito longa e rica – afinal a história do habitar urbano tem cerca de 10.000 anos – e cujo conhecimento é ainda reduzido, designadamente em termos das soluções urbanas e habitacionais mais correntes;

- seja de uma busca tipológica intensa e igualmente muito rica, que marcou fortemente o Sèculo XIX, que foi uma das caraterísticas do habitar do Século XX. e que está a marcar e terá de marcar, expressivamente, este nosso ainda novo Século das Cidades e da consolidação de novas formas e novas necessidades de habitar; e aproveita-se para salientar que foi durante este “pequeno” período temporal e designadamente durante o Século XX, que foram geradas tipologias que se tornaram perigosamente influenciadoras de toda a posterior concepção residencial e urbana e que convém criticar de forma sistemática e bem justificada, uma tarefa que precisa ainda de muito trabalho.

- seja de uma situação, mais recente, de reconversão ou adaptação do habitar existente em zonas históricas a novas exigências regulamentares; uma situação que gera problemas e tipologias diversas de intervenção e que, provavelmente, obriga/obrigará a medidas regulamentares específicas.


Fig. 2

Por isto se refere, acima, a palavra “recriação”, que está associada a uma noção de reinterpretação de determinadas soluções e da sua adaptação e/ou evolução na resposta a novas necessidades e desejos de habitar a célula habitacional, o edifício, a vizinhança e mesmo a cidade; pois todas estas dimensões têm reflexos seja na reinterpretação de soluções, seja na tradução e no apoio a determinados usos e gostos de habitar e de vivência.

Naturalmente que a “criação” mais livre de “novas” formas de habitar é sempre uma possibilidade e uma realidade, tal não se nega, mas pretende-se, apenas, sublinhar a importância do conhecimento, bem sedimentado, do passado do habitar no espaço urbano e na paisagem como base de inspiração de “novas” soluções caraterizadas por um expressivo capital de adequação potencial, seja a uma grande diversidade de vontades/desejos de habitar, seja a um amplo leque de quadros e cenários urbanos pormenorizados, específicos e desejavelmente bem caraterizados.

Sobre esta temática escreveu Hélio Costa Lima (HCL), na mensagem acima referida: “A invenção do futuro não pode se dar sem a consideração do passado”; e é bem verdade que nos casos em que esta consideração não se verifica provavelmente até poderemos ter um excelente elemento formal/plástico, artístico, mas só termos um habitar adequado talvez por acaso.

E logo de seguida HCL lamenta o negligenciar da tradição arquitetónica “como referência tipológica para a inovação em habitação”; e o mesmo autor afirma, referindo-se ao legado histórico urbano e habitacional: “Não se enxerga o que esse legado nos oferece em termos de conhecimentos organizacionais, ambientais, tectônicos e lúdicos a serem capitalizados a favor de uma habitação socialmente justa, ecologicamente correta, economicamente viável e mais aprazível.”

Fig. 3

E recorda-se aqui não ter sido por acaso que, em Portugal, após o grande estudo sobre habitação popular, as novas grandes intervenções de habitação de interesse social ganharam um enorme suplemento de (nova) alma, que evidentemente não se circunscreve a aspetos formais gerais e de pormenor, mas qualifica a solução globalmente, caraterizando-a, promovendo a sua identidade, seja em termos de edifício, seja em termos de elemento que integra o respetivo quadro urbano de vizinhança.

Foram/são novas formas globais marcadas por grandes chaminés verticalizadas; são grandes átrios comuns e elevados que levam o “espaço público” tradicional bem perto das portas dos apartamentos em altura; são varandas formalizadas com o sentido de alpendres tradicionais e bem funcionais em área, dimensões e relações; são acabamentos marcados pela verdade dos materiais, uma verdade que é tão tradicional como racionalista; são soluções de coberturas inclinadas e bem salientes das fachadas, mas realizadas com novas tecnologias. E poderíamos continuar (e em tempo continuaremos) aqui a lembrar o que foi a importância do conhecimento do tradicional na reinvenção de novas formas de habitar em Portugal, depois do estudo “Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal”.

Podemos e devemos, então, beber no riquíssimo habitar "histórico" urbano e habitacional e, designadamente, em soluções históricas bem integradas de habitação e cidade, excelentes fontes de inspiração para um "novo" habitar bem fundamentado e tão bom para as nossas cidades como para o nosso bem-viver; mas atenção que há que desconsiderar as intervenções em zonas históricas onde, tal como refere HCL, acontece uma “obsessão pela conservação do objeto material, mas não do seu conteúdo imaterial.”



Fig. 4

O bom caminho passa pela recriação de soluções e tipologias integradas de vizinhança, edifício e habitação, mais adequadas às nossas atuais formas de habitar e viver a cidade, às nossas atuais necessidades humanas, etárias e sociais, e igualmente mais adequadas às nossas atuais e futuras cidades e megacidades, que também têm novas necessidades e novos problemas, que serão muito dificilmente satisfeitos e resolvidos apenas com as tipologias “únicas” racionalistas, pois, afinal: os habitantes mudaram e estão a mudar e as cidades mudaram e estão a mudar.

E provavelmente será, em boa parte, nas cidades históricas e quem sabe até em partes das atuais cidades informais mais sedimentadas e adequadas de hoje, que encontraremos boa inspiração para abordar tais necessidades e problemas, criando "mesmo" ou recriando tipologias, que não será por serem diferentes das habituais que serão mais caras, salientando-se que esta questão do custo é uma matéria específica, que tem as suas próprias exigências e especificações, aliás já bastante bem conhecidas.

E, simultaneamente tenderemos assim a libertamo-nos, nas áreas do habitar e da cidade, da doentia repetição tipológica sem sentido e cada vez com menos sentido, e até dos problemas que a inovação pela inovação provocou, nas últimas dezenas de anos, pois nós não somos máquinas e as cidades também não o são, têm de ser funcionais, naturalmente, mas acima de tudo têm de ser quadros adequados para as pessoas isoladas e em grupos e neste sentido a referida funcionalidade geral tem de estar ao serviço do bem-estar humano.

De certa forma podemos referir que o repensar das soluções e tipologias habitacionais é urgente, tem de integrar soluções de vizinhança, edifício, espaços comuns e espaços privados/familiares, e tem de reconsiderar as atuais estruturas familiares, os atuais e novos desejos habitacionais e as atuais necessidades sociais, familiares e pessoais.

De certa forma podemos avançar e sintetizar que este repensar das soluções e tipologias habitacionais deverá ser feito:

- seja através de espaços urbanos extremamente bem habitáveis (em intensidade e duração de usos);

- seja através de soluções de grande integração entre edifícios de habitação e vizinhanças urbanas com exteriores protagonistas;

- seja explorando “novas” tipologias multifamiliares com dimensão equilibrada e com algum sentido de identidade em cada habitação;

- seja reinventando “novos” edifícios mistos (habitacionais e de equipamento), novos equipamentos residenciais em que o sentido “hoteleiro” terá a sua utilidade;

- seja concebendo novos equipamentos coletivos em que esteja muito reforçado o sentido residencial (desde lares de terceira idade a hospitais e centros de saúde).

Exige-se assim grande diversidade de oferta, expressiva adaptabilidade e reforçada ligação entre habitação e cidade, matérias estas que encontram ricas fontes de referência na longa história do habitar urbano, um caminho que, naturalmente, tem de passar pela formação/informação aos projetistas e pelas escolas de arquitetura, onde, infelizmente, hoje em dia e tal como refere Hélio Costa Lima, “o estudo do "histórico" e o estudo do «contemporâneo» convivem como irmãos siameses: presos num mesmo corpo, mas de costas um pro outro.”

E termina-se este artigo com a ideia de que em vez de se desenvolver uma reflexão razoavelmente completa sobre o tema em questão - COMPOSIÇÃO DE EDIFÍCIOS HABITACIONAIS E CONHECIMENTO HISTÓRICO – se teram levantado mais uma outra série de aspetos de reflexão, o que se justifica por ser esta, realmente, uma "temática que nos pode e deve levar muito longe ..."

Notas editoriais:

(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho abc@lnec.pt

INFOHABITAR Ano IX, nº445


COMPOSIÇÃO DE EDIFÍCIOS HABITACIONAIS E CONHECIMENTO HISTÓRICO - I Edição de José Baptista Coelho


LNEC-Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) e


Lisboa, Encarnação - Olivais Norte


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