segunda-feira, abril 08, 2013

434 - SÍTIOS DE PASSAGEM, LIMIAR, TRANSIÇÃO E VIVÊNCIA - II - Infohabitar 434

Infohabitar, Ano IX, n.º 434


(2.ª parte do) Artigo XXIX da Série habitar e viver melhor


(dando continuidade ao artigo publicado na semana passada aqui no Infohabitar)


SÍTIOS DE PASSAGEM, LIMIAR, TRANSIÇÃO E VIVÊNCIA - II

António Baptista Coelho

Aproveitando um estudo realizado, há alguns anos, e sponível na Livraria do LNEC (1), apontam-se, em seguida, mais algumas considerações sobre os aspectos arquitectónicos que devemos considerar a este nível micro-urbano das vizinhanças associadas a quarteirões.

É muito importante interiorizar e fazer reflectir na intervenção que o carácter e o sentido especial/espacial que deve estar associado a cada vizinhança de proximidade resulta, em grande parte, da combinação entre exterior e edifícios.



Fig. 1

Sublinha-se que esta relação micro-urbana tem de aproveitar e expressar os aspectos mais específicos e determinantes do carácter do lugar com destaque para a topografia, a vegetação e os aspectos específicos do solo e da rocha locais, as suas preexistências construídas estruturantes e, naturalmente, as suas vistas paisagísticas e urbanas.

Nunca nos podemos esquecer que, para poder viver realmente, o exterior é também um “interior” mais público ou vicinal cujas “paredes” e “tectos” são definidos em grande parte pelas edificações que o marcam ou demarcam, e o êxito de uma dada solução é em boa parte determinado pelo grau de coerência atingido na integração entre exterior e edifícios.


Esta matéria da integração é extremamente sensível numa vizinhança de proximidade e muito especialmente numa vizinhança delimitada por um quarteirão, pois é, de certa forma, a esta escala, já muito pormenorizada, que grande parte da vida citadina deve acontecer, qualificando-se, assim, a cidade através de micro-vizinhanças estimulantes, porque cuidadas, diversificadas e feitas, assim, realmente à escala física e de usos do homem.


Estas palavras procuram ajudar a clarificar a importância que tem a existência da vizinhança de proximidade na luta, sem tréguas, que a cidade habitada e humanizada tem de travar contra a desvitalização e a descaracterização urbanas.


A inexistência destes espaços de vizinhança próxima, ou o seu negativo desenvolvimento, corresponde a um gravíssimo erro de projecto, pois, de tal forma, não existe um espaço de vizinhança intermédio, entre o espaço privado de cada fogo e o vasto espaço público, caracterizadamente anónimo e avesso a qualquer tipo de apropriação colectiva. E assim, podemos afirmar que a ausência de efectivas e afectivas vizinhanças próximas inviabiliza que, tal como defende Monique Eleb, “exteriores e interiores possam ser vividos numa estimulante unidade bipartida, em relações frequentes e naturais entre interiores comuns e domésticos e exteriores urbanos de proximidade, fazendo-os dialogar, e harmonizando-os em funcionamento e caracterização.”



Fig. 2

Outro dos aspectos arquitectonicamente caracterizadores de uma vizinhança de proximidade que seja boa para se habitar e boa para a cidade habitada, é a noção, que importa reforçar, que os percursos do habitar têm um dos seus principais pontos de partida e de chegada nas entradas dos edifícios e nos acessos a equipamentos conviviais potencialmente muito usados no dia-a-dia; pois tratamos, aqui, de pólos fundamentais na desejável integração entre edifícios e espaços exteriores contíguos, integração esta que tem de resolver em pormenor as questões de harmonização dos mais diversos tipos de acessibilidade, com natural destaque para a criança e o idoso a pé, mas sem se ostracizar, de forma “gratuita” ou não fundamentada, o veículo.

Há, assim, que proporcionae e evidenciar um máximo de funcionalidades, garantindo-se, sempre, um agradável carácter residencial e adequadas condições de visibilidade de segurança no espaço público, seja entre zonas deste espaço público, seja a partir da habitação e das lojas e outros equipamentos que devem “rodear”e “securizar”, naturalmente, o espaço público, através de uma teia densa e contínua de relações físicas, visuais e vocalizadas.


Muito nesta última perspectiva se liga, também, à ponderação e ao aproveitamento das relações exteriores/edifícios que resultam as melhores situações de integração de equipamentos realmente viáveis e vitalizadores, tanto interiores (ex., esquina comercial), como exteriores (ex., recinto de recreio no interior de um quarteirão), como interiores/exteriores (ex., esplanada de "café").


Afinal no sub-nível físico de relacionamento entre os espaços exteriores e os edifícios da respectiva vizinhança jogam-se muitos dos aspectos de algum pormenor que são fundamentais para o êxito do habitat humano no seu conjunto.


E sobre isto basta referir que a porta principal do edifício e os seus principais acessos exteriores são os sítios onde toda a gente tem de parar, mesmo que momentaneamente, para estacionar o veículo, para puxar da chave, ou para comunicar com a respectiva habitação; e talvez falte, frequentemente, retirar-se um adequado partido arquitectónico destas situações.



Fig. 3

Tal como apontei no referido estudo do LNEC, os pontos e os limiares de relacionamento entre os recintos exteriores de vizinhança e os edifícios contíguos são, portanto, naturais pólos de atenção, para os respectivos moradores, relativamente às características gerais, ambientais e funcionais, proporcionadas nos átrios e sequências de aproximação aos edifícios habitacionais, e, também, relativamente aos pequenos, e apenas aparentemente supérfluos, pormenores dos seus arranjos específicos e dos arranjos das suas envolventes.

Realmente, nas zonas de acesso aos edifícios a nossa atenção é suscitada pelos mais diversos pormenores tais como, por exemplo, uma funcional e intimista cobertura do átrio exterior, uma certa textura, cor ou desenho elaborado do pavimento, uma assinalada, digna e bem desenhada estrutura sinalética, um atraente elemento de instalação da "botoneira" do condomínio (integrando, por exemplo, elementos de identificação dos moradores e uma esquematização da organização do edifício), ou um interessante e evocativo tratamento toponímico do edifício ou da zona de condomínio.


Podemos ainda apontar, lembrando o incontornável Christopher Alexander, que os locais públicos serão mais usados se "ficarem no caminho", permitindo e fomentando, com naturalidade, permanências, que não sejam apenas funcionalmente justificadas e ligando-se, sempre, a objectivos claros e acessíveis (2); e numa mesma perspectiva, de criação de sequências urbanas e residenciais sustentadas, podemos referir que os acessos aos espaços residenciais serão mais agradavelmente usados se também “ficarem no caminho”, facilitando aquelas sequências e vitalizando-as.


Esta pequena mas densa teia de acessibilidades é que assegura a vida das vizinhanças e dos quarteirões que, frequentemente, as albergam. E é interessante comentar, ainda, que também nesta matéria fica provado que uma tal teia não pode ser rigidamente organizada em termos funcionais, tem de ter motivos de surpresa e situações que, por estarem fora da normal hierarquia das sequências urbanas, são geradoras de diversidade ambiental, identidade, curiosidade e animação urbana estratégica, numa fundamental aproximação à variedade citadina e com um interessante potencial em termos de soluções de micro-preenchimento urbano.


Notas:

(1) “Do bairro e da vizinhança à habitação”, Lisboa, LNEC, ITA 2, 1998.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 445 a 447.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.

Editor: António Baptista Coelho

INFOHABITAR Ano IX, nº434
ARTIGO XXIX DA SÉRIE HABITAR E VIVER MELHOR
SÍtios de passagem, limiar, transição e vivência - II
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte



Sem comentários :