domingo, maio 20, 2012

394 - Habitar vizinhanças urbanas, por António Baptista BCoelho e Notícias do 2.º CIHEL - Infohabitar 394


Infohabitar, Ano VIII, n.º 394

Aos leitores do Infohabitar,
Editam-se, em seguida, notícias do 2.º CIHEL, seguidas do artigo da semana, que corresponde ao Artigo XIII, da série habitar e viver melhor.

Notícias do 2.º CIHEL
Notas breves sobre o 2.º CIHEL - 2.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono, que terá lugar no LNEC em março de 2013 sobre o tema "Habitação, Cidade, Território e Desenvolvimento":
(i) Continuam a ser recebidos os resumos das propostas de comunicações.
(ii) O site do 2.º CIHEL estará activo muito brevemente.
(iii) As diversas Comissões de enquadramento e apoio ao 2.º CIHEL estão quase concluídas.
(iv) Há importantes apoios institucionais, que serão oportunamente divulgados.
(v)  Há inciativas associadas ao 2.º CIHEL que serão oportunamente apresentadas.
(vi) A prevista  actualização  do logótipo do CIHEL  foi já concluída, e será em breve divulgada aqui no Infohabitar - foi concretizada no âmbito das actividades lectivas do Curso Profissional de Técnico de Design Gráfico da Escola Secundária de Sacavém.

E remetem-se os leitores para o recente artigo nesta revista onde se faz a apresentação pormenorizada do Congresso e dos respectivos contactos:


direcção do 2.º CIHEL:
António Baptista Coelho, António Reis Cabrita e Jorge Grandão Lopes
O Presidente da Comissão Científica do 2.º CIHEL:
Paulo Tormenta Pinto


ARTIGO DA SEMANA - ARTIGO DA SEMANA - ARTIGO DA SEMANA
Habitar vizinhanças urbanas e paisagens de proximidade Artigo XIII, da série habitar e viver melhorAntónio Baptista Coelho

Introdução à caracterização de paisagens de proximidade e de vizinhança

As matérias associadas às paisagens urbanas ou urbanizadas de proximidade e especificamente à constituição de vizinhanças que nos estimulem positivamente e que suscitem afinidade e apropriação são as temáticas que nos preocupam neste artigo e, muito provavelmente, em próximos artigos desta série.
Voltamos a lembrar que estamos a lidar, basicamente, com paisagem urbana, ainda que, eventualmente, possa ser ruralizada, e sem uma objectiva preocupação "quantitativa" ou "planeadora" de dimensão espacial, pois considera-se que toda a relação entre um edifício e o seu passeio contíguo é já paisagem de proximidade ou pode ser "verdadeira" paisagem de proximidade positiva, quando bem concebida e construída; ficam assim desde já de fora aquilo que aqui, pelo menos, se considera serem as "não paisagens" e as "não vizinhanças", porque são espaços sem criatividade e sem coerência cultural, formal, funcional e construtiva.
Esclarece-se, também, que o que aqui se propõe como ideia de vizinhança é, de certo modo, a constituição de soluções de agrupamento de edifícios e de espaços exteriores públicos que proporcionem a possibilidade de se constituírem relações de vizinhança naturais, não “impostas”, entre quem usa/habita aí e na respectiva envolvente; é isto que se tem em mente e não qualquer ideia de uma convivialidade obrigatória ou concentracionária, através de acessos obrigatórios por determinados “pontos”, e por espaços de circulação em que as pessoas até eventualmente se "acotovelem" ou sejam "obrigadas" a constantes relações "olhos nos olhos" – e acredita-se mesmo que estas últimas condições terão, até, como consequência frequente a ausência de uma vizinhança positivamente efectiva e eventualmente afectiva, podendo mesmo resultar em conflitos frequentes entre utentes.

Fig.01: privilegiar uma arquitectura urbana que crie e consolide vizinhanças de proximidade

Vizinhanças urbanas agradáveis e únicas

As paisagens de proximidade devem caracterizar conjuntos urbanos e residenciais com dimensão diversificada, associados à definição de vizinhanças de proximidade, que sejam verdadeiros espaços de transição entre o edifício e a cidade, onde ainda seja possível algum conhecimento mútuo, mas também já algum convívio informal e espontâneo, num rico duplo sentido de última extensão do espaço doméstico e de guarda avançada do espaço urbano animado.
Ninguém está a pensar na criação de soluções de convizinhança “obrigatória”, espaços estes que nunca funcionaram, mas apenas em proporcionar possibilidade, quer de algum convívio geral a quem seja sensível a essa possibilidade, naturalmente, pensando-se nos grupos etários que, como as crianças, os jovens e os idosos, têm mais disponibilidade diária para o recreio e esse convívio potencial, quer de um convívio "urbano" mais específico, que possa acontecer numa estratégica relação de sinergia e eventualmente de compensação seja com determinadas condições sociais e físicas especificamente domésticase/ ou urbanas.
Um aspecto fundamental, a salientar, é que a vizinhança de proximidade deve constituir-se e caracterizar-se, sempre, como um verdadeiro santuário do peão, onde ele se sinta seguro, confortável, abrigado e, praticamente, em casa; condições estas que devem visar especificamente os vizinhos mais sensíveis, as crianças e os idosos, que, como se referiu, são os utentes mais frequentes  desses espaços e os seus principais animadores.
Mas atenção que a condição de ser "santuário do peão" não pode fazer reduzir as condições de funcionalidade e de eficácia estratégica no uso da vizinhança pelos veículos privados e de serviços, caso contrário teremos críticos problemas de rejeição da solução.

Fig. 02: a vizinhança de proximidade como "santuário do peão".
A vizinhança de proximidade, o tal sítio entre o edifício e a cidade, é o lugar estratégico para tais potencialidades, proporcionando um agradável afastamento, seja do anonimato citadino, seja da “cerimónia” e da privacidade que marca a vivência num edifício multifamiliar, e, por isso, aqui dedicamos algumas considerações ao papel desta vizinhança na construção de um habitar capaz de nos proporcionar mais satisfação e mais alegria no dia-a-dia, anotando-se que parte dos aspectos que estão a ser aqui apontados e comentados, se encontram desenvolvidos num estudo realizado e editado no LNEC e que se encontra disponível na respectiva Livraria - “Do bairro e da vizinhança à habitação”, Lisboa, LNEC, ITA 2, 1998.
Como já se referiu, sob diversas perspectivas, o principal segredo de um habitar verdadeiramente satisfatório é podermos viver a nossa casa, o nosso bairro e a nossa cidade. E, tal como se acabou de apontar, será na quase contiguidade da porta da nossa casa, mas já em pleno meio urbano, que encontraremos excelentes condições para um intensa fruição da paisagem urbana.
Afinal, o espaço de vizinhança é complemento e também agradável contraponto ao espaço doméstico, sítio onde podemos encontrar condições de espaciosidade, relação com a natureza e convivialidade que não existam no nosso espaço doméstico.

A vizinhança que tanto ainda é (a nossa) "habitação", como já é "cidade" (nossa e de todos)

E assim, e tal como sublinham diversos especialistas, o espaço de vizinhança de proximidade constitui um nível intermédio e de transição entre espaço público e espaço privado, equilibrando sentimentos de apropriação, identidade e orientação; e deste modo podemos concluir que a sua existência é fundamental para se proporcionarem adequadas condições de satisfação residencial e consequentemente de atenuação de eventuais comportamentos menos adequados e, eventualmente, agressivos.
A vizinhança de proximidade oferece, assim, condições específicas só aí possíveis, como será o caso das relações de convívio e de estada no exterior na proximidade de alguma animação urbana e condições de complementaridade, por exemplo, a eventuais situações de menor espaciosidade que caracterizem o espaço doméstico. Para além de tudo isto a vizinhança é o sítio estratégico de vivência diária de alguns grupos específicos de habitantes como é o caso das crianças brincando, jovens e adultos praticando desporto, idosos passeando e permanecendo em pólos de estadia. E há que sublinhar que uma adequada vizinhança de proximidade aproveita, ao máximo, a relativa amenidade do clima em Portugal.
A vizinhança de proximidade define-se no limiar entre o espaço que se deseja público, razoavelmente anónimo e animado e o espaço que se deseja privado, apropriado e sossegado. E há que destacar ser muito difícil construir esse limiar dentro das limitadas paredes do edifício, porque isso implicaria sempre grandes investimentos em espaços comuns interiores ou semi-interiores e dificilmente atingiria o desejado estado de equilíbrio e de vitalizado relacionamento entre espaços mais públicos e mais privados, numa interessante e útil animação urbana "à porta de casa"; afinal, uma animação que é um dos factores de satisfação para com a cidade e que encontra o seu mundo privilegiado no exterior residencial e nas suas margens equipadas e conviviais (ex., lojas, cafés e esplanadas).
Isto faz salientar a importância fundamental de se considerar o exterior residencial também como espaço que deve poder ser intensamente "habitado", uma intensidade de habitar que assume, naturalmente, um potencial e notável protagonismo a este nível da vizinhança de proximidade, porque na contiguidade com os respectivos edifícios residenciais e, naturalmente, desde que esta “dimensão” de vivência e de respectivo projecto tenha sido, objectivamente, prevista através de aspectos específicos de configuração e espaciosidade, alternativas de acesso, caracterização de limiares de transição entre os grandes espaços públicos e as células domésticas e de individualização de pequenas unidades residenciais (conjuntos de fogos).

Fig. 03: vizinhanças exteriores intensamente habitadas

Micro-intervenções vicinais naturalmente bem controláveis

Considerando-se, agora, uma perspectiva de aproximação ao que pode ser o dimensionamento mais desejável de uma vizinhança de proximidade e tendo em conta o muito que se conhece de cerca de três dezenas de anos de promoção habitacional de interesse social em Portugal, destaca-se o interesse de conjuntos residenciais criadores de vizinhanças efectivas até cerca de um máximo de 50 fogos, constituindo-se, assim, um conjunto que alia uma dimensão muito humanizada ao reconhecimento mútuo entre um número não excessivo de vizinhos e à geração de grupos de recreio infantil do mesmo nível etário, isto segundo Christopher Alexander. Naturalmente que tais possibilidades terão tudo a ver com a solução de Arquitectura e designadamente com um espaço exterior agradavelmente protagonista, com forma, função e carácter, e nunca com um espaço sobrante.
Para se atingir esse protagonismo há que anular tudo o que contribua para o desenvolvimento de espaços e recantos residuais, maximizando-se a coesão entre todos os sub-espaços e usos previstos, favorecendo-se as relações funcionais, visuais e ambientais entre os recintos exteriores e os edifícios vizinhos, evitando-se o “esmagamento” visual e o isolamento no espaço público por uma massa edificada excessivamente alta (torna-se difícil comunicar entre o nível do solo e uma habitação acima do 5ºandar, sendo praticamente impossível a partir do 7º), mas também se evitando uma excessiva espaciosidade exterior, tornada, tantas vezes, ainda mais crítica pela ausência de uma forma urbana coerente e ao serviço da vital continuidade urbana.
As dimensões que foram referidas como desejáveis na criação de vizinhanças de proximidade também constituem limiares práticos abaixo dos quais se torna mais possível a introdução na cidade de conjuntos residenciais que possam assegurar, também, o importante papel de preenchimento e de revitalização urbana, sendo, igualmente, uma dimensão de intervenção que permite o seu adequado controlo em termos das respectivas actividades e imagens urbanas; e, afinal, é também muito menos grave e potencialmente muito mais corrigível um eventual “erro” numa nova proposta de solução residencial e urbana numa intervenção com duas dúzias de habitações e lojas, do que numa com duas ou mais centenas.
Alia-se, assim, a possibilidade de se fazer melhor uma dada intervenção urbana e residencial, porque mais adequada a quem habitará aquela vizinhança, à possibilidade de a fazer melhor porque mais adequada àquela situação urbana específica; e a cidade faz-se e refaz-se, positivamente, através deste tipo de micro-intervenções bem controladas e controláveis em termos de solução projectada e de inserção e de gestão local, fortemente replicáveis e pormenorizada e faseadamente reconfiguradas em termos sociais, formais e funcionais.

Fig. 04: micro-intervenções vicinais bem controláveis
Finalmente, sobre a matéria da criação de vizinhanças urbanas marcadas pela identidade e pela agradabilidade, importa dizer que é aqui que se joga boa parte da viabilidade e de positiva visibilidade de um dado conjunto residencial e urbano, pois uma sua efectiva, afectiva e cuidada presença pode, até, fazer transbordar, positivamente, o conteúdo e o mundo doméstico para o exterior residencial, contribuindo decisivamente para o mútuo equilíbrio entre necessidades espaciais e sociais que se façam sentir em casa e na rua, e despoletando o gradual desenvolvimento de sólidos laços de convívio e amizade entre vizinhos; de certa forma será ultrapassar a presença da vizinhança em cada edifício, deixando-a, agradavelmente, “na sombra”, com fundamentais vantagens para a privacidade nas habitações, marcando, sim, a vizinhança a um nível de proximidade, no limiar activo da cidade, mas onde estamos ainda sob o guarda-chuva protector do nosso espaço doméstico, para onde podemos “retirar” a qualquer momento.
E não é possível deixar de comentar que assim se entende que situações de ausência bem pressentida, de forte descaracterização e de falta de coesão de vizinhanças de proximidade, poderão resultar em reacções de insatisfação, instigadoras de sentimentos de rejeição e mesmo de revolta. Pois, afinal, assim não se tem uma das dimensões da cidade, temos apenas uma espécie de "alojamento" funcional e mínimo em termos das condições de habitar proporcionadas.
Notas editoriais:
(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Infohabitar, Ano VIII, n.º 394
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

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