segunda-feira, junho 27, 2005

EDIFÍCIO COPAN: MARCO DE REVITALIZAÇÃO HABITACIONAL EM SÃO PAULO – Parte II - GALVÃO, Walter; ORNSTEIN, Sheila - Infohabitar 28


 - Infohabitar 28

EDIFÍCIO COPAN: MARCO DE REVITALIZAÇÃO HABITACIONAL EM SÃO PAULO – Parte II


GALVÃO, Walter José Ferreira (1). ORNSTEIN. Sheila Walbe (2).
(1) Arquiteto. Especialista em Conforto ambiental e Conservação de Energia e Mestrando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Alameda Franca 1336. CEP 01422.001 São Paulo/SP/Brasil e.mail walterga@usp.br. (2) Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Rua do Lago 876, Cidade Universitária, São Paulo/SP/Brasil. CEP 05508-080 e.mail sheilawo@usp.br.

Nos últimos anos a Prefeitura do Município de São Paulo esforça-se para recuperar a região central e o COPAN busca ser modelo desta recuperação. Desde os anos 90 o prédio vive um período de revitalização física e social. Em recente levantamento feito para pesquisa de Avaliação Pós Ocupação (APO), ainda não concluída, verificamos dados favoráveis nesta busca de revitalização. O número de moradores é de 2038, com médias por apartamento de 1 morador (kitchenettes e apartamentos de 1 dormitório) e 2 moradores (apartamentos de 2 e 3 dormitórios).
A maioria (36%) dos apartamentos kitchenettes e de 1 dormitório tem renda mensal entre 344,82 euros e 689,65 euros e 45,5% dos apartamentos de 2 e 3 dormitórios tem renda acima de 1.034,48 euros1 (Galvão, 2004). Estes valores estão acima dos padrões médios de rendimentos para São Paulo, visto que segundo o Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS) a renda real domiciliar per capita na cidade é de 201,03 euros – estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2003 – www.iets.org.br
Também foi feita uma profunda reestruturação de instalações (elétricas e hidráulicas) e os equipamentos de combate a incêndios são mantidos conforme a periodicidade determinada pelas Normas Técnicas Brasileiras. A limpeza das áreas comuns do prédio é ponto de destaque, visto que 97% dos moradores dos blocos A, C e D, bem como 100% dos moradores blocos E e F – alguns dos universos amostrais considerados na pesquisa de Avaliação Pós Ocupação – assinalaram que este quesito é “bom” ou “ótimo”.


Figura 04 – Entrada principal da galeria do térreo. Fonte – Eduardo Aquino – SPMB/Projects


Figura 05 – Locais de observação do mapa comportamental realizado na galeria do pavimento térreo.


A galeria do pavimento térreo também se revitaliza. Em mapa comportamental – identifica atividades e comportamentos padrão que se repetem no tempo e no espaço, pode ser aplicado em ambientes externos ou internos (Ornstein, Bruna e Roméro, 1995) – realizado do dia 14 de março ao dia 18 de março de 2005 para a APO citada, pôde-se verificar que, em típico dia da semana de 8:00 hs às 18:00hs, entram pelos cinco acessos da galeria 9.068 pessoas, em sua grande maioria para ir de uma rua à outra por um local seguro e limpo. Este fato está servindo de grande estímulo para o retorno do comércio de qualidade.



Figura 06 – Vista interna da galeria do térreo próximo à entrada 03. Fonte: Walter J. F. Galvão


Figura 07 – Vista interna da galeria do térreo próxima à entrada 01. Fonte: Walter J. F. Galvão
Citado no Guiness Book como o maior edifício de apartamentos da América Latina, este gigantesco prédio, que na década de 50 era ícone de uma grande metrópole que surgia, ainda tem forças para ser exemplo de reestruturação de uma importante região da cidade de São Paulo.
(1) Foi adotado o seguinte valor para conversão de reais (moeda corrente no Brasil) para euros: 1,00 euro = 2,90 reais – fonte: Banco do Brasil (www.bancodobrasil.com.br). Valores para fechamento do dia 17/06/2005.

Referências bibliográficas
- BARBARA, Fernanda. Duas tipologias habitacionais: o Conjunto Ana Rosa e o Edifício COPAN. Contexto e análise de dois projetos realizados em São Paulo na década de 1950. São Paulo. Dissertação (mestrado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 2004
- BOTEY, Josep M. A.. Oscar Niemeyer. Obras e Proyectos. Barcelona, Gustavo Gili, 1996.
- GALVÃO, Walter José Ferreira. Análise de aplicação de questionários como medida para aferir a opinião de usuários em grandes conjuntos de apartamentos: o caso do edifício COPAN/SP. Seminário Internacional NUTAU 2004. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
- HEISE, Tatiana; BARRETO, Jule. O COPAN renova-se. Revista Urbs. n. 1 , p. 8-15, 1997.
- MENDOÇA, Denise Xavier de. Arquitetura Metropolitana São Paulo Década de 50: análise de 4 edifícios - Copan, Sede do jornal o Estado de São Paulo, Itália e Conjunto Nacional. São Carlos. Dissertação (mestrado). Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo, 1989.
- ORNSTEIN, Sheila Walbe; BRUNA, Gilda Collet; ROMÉRO Marcelo de Andrade. Ambiente Construído e Comportamento: a Avaliação Pós-Ocupação e a qualidade ambiental, São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo /Studio Nobel/Fundação de Pesquisas Ambientais, 1995.
- SAMPAIO, Maria Ruth do Amaral .PEREIRA, Paulo César Xavier. Habitação em São Paulo.Ins. de Estudos Avançados São Paulo: IEA da Universidade de São Paulo V. 17 n. 48 p. 167 – 183. 2003


Sítios consultados
- www.bancodobrasil.com.br
- www.iets.org.br

quarta-feira, junho 22, 2005

EDIFÍCIO COPAN: MARCO DE REVITALIZAÇÃO HABITACIONAL EM SÃO PAULO – Parte I - GALVÃO, Walter; ORNSTEIN, Sheila - Infohabitar 27

 - Infohabitar 27


Caros colegas e leitores do Infohabitar,
É com honra e um gosto que advém de uma amizade já longa e consolidada que o Infohabitar e eu próprio vos apresentamos um excelente artigo elaborado pela Professora Sheila Ornstein e pelo Arquitecto Walter Galvão, ambos da prestigiada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).
A Professora Sheila Ornstein tem um longo e muito rico currículo em diversas áreas do conhecimento da arquitectura e do urbanismo, com um destaque especial para as matérias ligadas à hoje tão crucial Avaliação Pós-Ocupação (APO) no campo habitacional e em outros campos da arquitectura – apenas a título de exemplo bastará dizer que ainda há poucas semanas esteve em Lisboa para participar num evento sobre APO na área escolar – e pertence ao NUTAU – Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e do Urbanismo da FAUUSP – núcleo este com quem o Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do LNEC, a que pertenço, colabora activamente desde já há bastantes anos. O Arquitecto Walter Galvão é um jovem e promissor valor da pesquisa habitacional e arquitectónica brasileira e paulistana, que está a realizar o seu percurso académico na excelente FAUUSP, que tem colaborado de forma muito dinâmica com a Professora Sheila Ornstein e que, no trabalho que se segue, demonstra bem o seu real valor e tudo aquilo que dele é legítimo esperar.
Devo ainda aqui expressar a grande alegria por mais este contributo no Infohabitar dos amigos e colegas da outra margem do Atlântico. Assim podemos realmente pensar em construir um Infohabitar que seja realmente um jornal informal mas especializado da ampla temática do habitar em língua portuguesa; bem hajam pela vossa contribuição.
Considerando o interesse e a extensão do artigo que se segue, ele é dividido em duas partes (Parte I e II), cuja edição no Infohabitar será sequencial (separada por um intervalo de alguns dias) e terá a devida divulgação via e-mail.


EDIFÍCIO COPAN: MARCO DE REVITALIZAÇÃO HABITACIONAL NO CENTRO DE SÃO PAULO, BRASIL – Parte I


GALVÃO, Walter José Ferreira (1);
ORNSTEIN, Sheila Walbe (2).
(1) Arquiteto. Especialista em Conforto ambiental e Conservação de Energia e Mestrando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Alameda Franca 1336. CEP 01422.001 São Paulo/SP/Brasil e.mail walterga@usp.br. (2) Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Rua do Lago 876, Cidade Universitária, São Paulo/SP/Brasil. CEP 05508-080 e.mail sheilawo@usp.br.

Projetado em 1952 por Oscar Niemeyer, com colaboração do arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos, o edifício COPAN surgiu numa época de profundas transformações em São Paulo. A economia da capital paulistana se fortalecia, aquecendo o mercado imobiliário e ocasionando uma verdadeira “febre construtiva” na cidade (Mendonça, 1989). Neste momento de prosperidade os novos paradigmas de São Paulo eram gigantismo, adensamento populacional, verticalização, dentre outros (Barbara, 2004). A cidade crescia rapidamente e ansiava por símbolos representativos de sua nova condição de “grande metrópole” (Mendonça, 1989). Por sua monumentalidade estrutural, tipologia variada de apartamentos e forma arrojada o COPAN pode ser considerado um destes símbolos.

Figura 01 – Vista do COPAN. Fonte: Maria Lúcia Padovani

No ambicioso projeto inicial lançado pela Companhia Panamericana de hotéis (COPAN) – empresa criada na década de 50 pelo Banco Nacional Imobiliário [BNI] para administrar o empreendimento, tanto a Companhia Panamericana, bem como o BNI não existem mais – o conjunto era composto por dois edifícios, um onde funcionaria um hotel para 600 apartamentos e outro residencial. Os dois prédios deveriam ser ligados por uma marquise abrigando cinema, teatro, lojas e praças internas. O edifício do hotel não foi construído. Inicialmente o edifício residencial deveria ter 900 apartamentos, mas dois blocos, que teriam apartamentos de 4 dormitórios, foram redesenhados para kitchenettes e apartamentos de 1 dormitório (Botey, 1996).
As obras foram iniciadas em 1952, mas somente em 1961 as partes de alvenaria estavam prontas. O COPAN efetivamente construído tem 1.160 apartamentos divididos em 6 blocos e área comercial no térreo com 72 lojas além de cinema que hoje é ocupado por igreja evangélica. Entre a área comercial do térreo e a torre de apartamentos existem dois pavimentos intermediários, um onde funciona o escritório da Companhia Telefonica e outro que a administração do edifício utiliza para exposições e eventos.
A torre de apartamentos tem 32 andares assim distribuídos: Bloco A com 64 apartamentos de 2 dormitórios; blocos C e D com 128 apartamentos de 3 dormitórios; Blocos B, E e F com 968 apartamentos tipo kitchenettes e de 1 dormitório. O edifício possui 20 elevadores no total e 221 vagas para automóveis em 2 subsolos. A área construída total é de 116,152m² (www.copansp.com.br).

Figura 02 – Planta do pavimento térreo (galeria).


Figura 03 – Planta do pavimento tipo.


Nos anos 70 o COPAN entrou num processo de degradação, acompanhando a decadência do próprio centro de São Paulo. Grandes empresas, bancos, comércio de luxo, hotéis e equipamentos de lazer saíram da região e, com eles, o interesse imobiliário (Sampaio e Pereira, 2003). Muitos edifícios encortiçaram-se e galerias se degradaram, diminuindo sobremaneira a qualidade habitacional na área. Por ser um dos principais símbolos dos ideais de “morar no centro”, criou-se a imagem que o prédio havia se transformado num grande cortiço vertical e, de fato, os problemas eram muitos. Segundo Heise e Barreto (1997) ...faltava água regularmente... e a fiação elétrica, corroída... ficava imersa em vazamentos d’água permanentes”.
(Nota: o artigo continua e conclui na próxima edição do Infohabitar)



Referências bibliográficas

- BARBARA, Fernanda. Duas tipologias habitacionais: o Conjunto Ana Rosa e o Edifício COPAN. Contexto e análise de dois projetos realizados em São Paulo na década de 1950. São Paulo. Dissertação (mestrado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 2004
- BOTEY, Josep M. A.. Oscar Niemeyer. Obras e Proyectos. Barcelona, Gustavo Gili, 1996.
- GALVÃO, Walter José Ferreira. Análise de aplicação de questionários como medida para aferir a opinião de usuários em grandes conjuntos de apartamentos: o caso do edifício COPAN/SP. Seminário Internacional NUTAU 2004. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
- HEISE, Tatiana; BARRETO, Jule. O COPAN renova-se. Revista Urbs. n. 1 , p. 8-15, 1997.
- MENDOÇA, Denise Xavier de. Arquitetura Metropolitana São Paulo Década de 50: análise de 4 edifícios - Copan, Sede do jornal o Estado de São Paulo, Itália e Conjunto Nacional. São Carlos. Dissertação (mestrado). Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo, 1989.
- ORNSTEIN, Sheila Walbe; BRUNA, Gilda Collet; ROMÉRO Marcelo de Andrade. Ambiente Construído e Comportamento: a Avaliação Pós-Ocupação e a qualidade ambiental, São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo /Studio Nobel/Fundação de Pesquisas Ambientais, 1995.
- SAMPAIO, Maria Ruth do Amaral .PEREIRA, Paulo César Xavier. Habitação em São Paulo.Ins. de Estudos Avançados São Paulo: IEA da Universidade de São Paulo V. 17 n. 48 p. 167 – 183. 2003
Sítios consultados
- www.bancodobrasil.com.br
- www.iets.org.br


quinta-feira, junho 16, 2005

Casas como bosques (I) - Infohabitar 26

 - Infohabitar 26

Casas como bosques (I)


“A boa arquitectura dignifica quem a concebe e promove, dignifica o lugar onde se implanta, e dignifica os seus moradores” – nas palavras de Duarte Nuno Simões (intervenção na entrega dos Prémios INH 2000). Trata-se, afinal, de tentar fazer sempre a “casa dos homens” e, julgo, também, sempre que possível, a casa sonhada pelo poeta Eugénio de Andrade (*).

“Ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.

A casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.

Como estremece um torso delicado,
assim a casa, assim um barco.

Uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.

Ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio”.


Talvez seja esse o nosso último objectivo, fazer conjuntos de casas que vivam como bosques.


(*) Eugénio de Andrade – "Metamorfose da casa", em O Sal da Língua precedido de Trinta Poemas.


quinta-feira, junho 09, 2005

Cidade e sedução I - Infohabitar 25

 - Infohabitar 25

Cidade e sedução I




Num artigo de Luís Filipe Sebastião, saído no Jornal Público de 9 de Junho 05, cita-se o Arq. Alberto Castro Nunes, que diz que “a identidade da paisagem rural da região saloia está destruída”; o citado integra a equipa do Arq. Leon Krier, ligada à salvaguarda da paisagem cultural de Sintra, e aponta a possibilidade e a urgência da aplicação de ferramentas de ordenamento.
E o citado assim como outro elemento da equipa defendem ainda que o principal problema está na utilização de uma apreciação urbanística quantitativa, esquecendo-se os aspectos qualitativos e designadamente o mundo da pormenorização, aspectos estes que bem sabemos serem em boa parte responsáveis pela imagem urbana e pelo respectivo interesse cultural/patrimonial.
Apenas superficialmente esta vital temática se afasta da matéria tratada nas últimas páginas do infohabitar, pois o interesse pela paisagem urbana decorre, em boa parte, da sua real valia cultural, como podemos todos constatar em todos aqueles sítios que percorremos sempre com prazer, aqueles sítios em que tudo nos convida ao fruir da cidade em paz e com tempo, a pé (flanando), em que em sequências que parecem expontâneas tudo parece contribuir com pontos de atenção e de estadia fortuita, em cenários naturais e construídos que estimulam o convívio, porque para além da funcionalidade oferecem uma boa forma e um bom ambiente.
Uma cidade culta, visualmente atraente e convivial, uma cidade que seduz. Uma cidade onde seja possível, tal como diz Marilice Costi, “descobrir lentamente e percebendo com todos os nossos sentidos ... o ambiente, as sensações térmicas, a estética, a história, o local de encontro, o cheiro de cafezinho, o sorvete que mantém o mesmo sabor e aviva lembranças, a pequena livraria, o restaurante com a comida típica, o lugar dos encontros e desencontros, a sombra da árvore, as flores que aparecem a cada mudança de estação, a cor das coisas a cada outono, as folhas, a brisa, o calor ou o frio...” Mas tal como refere Marilice (no texto que se segue) “...hoje, parece que nada mais importa, a não ser o valor do terreno, …”



9 de Junho, véspera do Dia de Camões
A. Baptista Coelho, Encarnação, Lisboa abc@lnec.pt

quarta-feira, junho 01, 2005

A CIDADE: UM LUGAR DE ESTÍMULO E SURPRESA - Infohabitar 24

 - Infohabitar 24

A CIDADE: UM LUGAR DE ESTÍMULO E SURPRESA


A Professora Marilice Costi é mestre em Arquitectura, na Área de Economia e Habitabilidade e urbanista, tem experiência docente universitária (FAU-UPF e FAU-PUCRS) nas áreas de Avaliação Pós-Ocupação e Conforto Térmico, desenvolveu uma formação especializada em Arteterapia, é orientadora de diversas Oficinas de Poesia e Criatividade, tem múltiplas intervenções literárias ao nível do conto e da poesia, e é membro da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul.
Com Marilice Costi, colaboradora a partir de hoje do Grupo Habitar e do “Infohabitar”, iniciamos uma participação que queremos cada vez mais alargada de um a outro lado do Atlântico. Como verão, o excelente texto que se segue vem na sequência natural das últimas edições do “Infohabitar”.
A. Baptista Coelho



A CIDADE: UM LUGAR DE ESTÍMULO E SURPRESA

"(...)muitas vezes o olhar desenraizado do estrangeiro
tem a possibilidade de perceber as diferenças
que o olhar domesticado não percebe."
Massimo Canevacci

O hábito gera acomodação. E a rotina está aí para provar que quando nos habituamos acabamos esquecendo dos detalhes, das pequenas e belas coisas que passam por nós.
É assim também com a cidade. Acostumamo-nos com o seu horizonte, com os seus caminhos, que ao fazerem parte do nosso cotidiano, parecem não ter mais importância. Assim como na vida das pessoas, só lembraremos quando as tivermos perdido. Acomodamo-nos e assim, muita coisa passa desapercebida por nós.
Com um visitante é diferente. Ele percebe o quanto a cidade vem se descaracterizando com o passar dos anos ou não.
Qual o caráter que a cidade expressa? As avenidas onde passavam bandas escolares, onde as passeatas estudantis satirizavam e expunham cicatrizes sociais ainda permanecem. Mas até quando?
Muitas cidades do interior do Rio Grande do Sul (Porto Alegre também) perderam a beleza de sua volumetria. Podíamos perceber os pontos altos e baixos da cidade. O sol podia atender a todos. Os prédios históricos, geralmente, no entorno da praça principal, cederam lugar a edifícios cuja qualidade deixa a desejar. Os poucos e raros que sobraram parecem sufocados entre os demais, tal a discrepância entre o antigo e o novo. Sufocada pelo entorno, perdendo importância até o momento em que pegam fogo, por um acaso (sic!). Hoje, até as catedrais se encontram comprimidas entre os prédios altos no limite do lote.
Nas cidades havia espaços públicos muito utilizados e um comércio próspero. Aos poucos, nos últimos quarenta anos, fomos vendo uma casa de comércio fechar aqui e ali, o que foi comum na maioria das cidades brasileiras e o desenho urbano se reconfigurar sem estética.
Os descuidos ou desconhecimento dos profissionais com os corredores de vento que se formaram com a falta de rugosidade, com a falta de vegetação... Quantas esquinas contariam histórias de vestidos levantados, sombrinhas viradas e cabelos despenteados? O clássico pé-de-vento, um efeito esquina, o wise.
O que ainda encontramos de forma estética na cidade e que lhe caracteriza a história?
As cidades precisavam crescer tanto em altura? Qual o critério de crescimento que a comunidade queria? Progresso é área construída? Qual o custo do crescimento de hoje e do futuro? Os cidadãos querem que a cidade cresça dessa forma? Com qual qualidade urbana?
Para pararmos em uma cidade é preciso motivo, interesse. Leia-se o livro “Cidades invisíveis” do Ítalo Calvino, e perceberemos como uma cidade pode encantar um visitante e o convide a penetrar em suas entranhas, descobrindo suas peculiaridades, suas sutis paisagens.
Em urbanismo, não podemos esquecer as perspectivas, as imagens que foram criadas e que nos encantam. A imagem é a referência das pessoas, a sua segurança, a sua vida reanimada nas lembranças.
Hoje, a cidade repete o movimento dos adolescentes com o seu ficar. Ficar por hoje, o amanhã não importa, o ontem não importa, descobrir lentamente e percebendo com todos os nossos sentidos... O ambiente, as sensações térmicas, a estética, a história, o local de encontro, o cheiro de cafezinho, o sorvete que mantém o mesmo sabor e aviva lembranças, a pequena livraria, o restaurante com a comida típica, o lugar dos encontros e desencontros, a sombra da árvore, as flores que aparecem a cada mudança de estação, a cor das coisas a cada outono, as folhas, a brisa, o calor ou o frio...
Hoje, parece que nada mais importa, a não ser o valor do terreno, o que nele se pode construir, quanto ganhar-se-á por metro quadrado, quanto poderei subir com a lei do solo criado. Importa estimular o consumo do espaço, o dia, a vida apenas sem sentir com os sentidos e com o coração, como se fôssemos objetos com mesmas dimensões, mesmos desejos, mesma sensibilidade. Máquinas (lembram da maquina de morar?). As poucas exceções são os condomínios horizontais onde se encontram estruturas maiores para viver. Mas a que custo? E como poderíamos todos nos deslocar para morar nestes espaços? Sobram os que moram na cidade, que vem perdendo qualidade dia-a-dia. São mantas aluminizadas colocadas sem critério algum a jogar calor para todos os lados, a impedir que as pessoas cheguem à janela. Responsabilidade de quem? São os edifícios mais altos em áreas de menor altura e densidade, a tirarem o sol no entorno. E não há como reclamar depois do estabelecido. Direitos são direitos... de quem? Os planos diretores precisam ser avaliados e a legislação quanto ao uso de materiais deve ser mais cuidadosa.
Uma cidade precisa surpreender, mostrar sua história, entregar-se a quem passa por ela e dar-lhe o seu sabor. Ela precisa apaixonar a qualquer um, provocar sensações, proporcionar vivências. Ser lugar para seus moradores e um novo lugar para quem chega.

Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
1 de Junho de 2005

Marilice Costi