Sobre a importância e a urgente regeneração do Olivais Norte Modernista – infohabitar # 952
Informa-se
que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da
Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links
diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de
2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:
https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing
Infohabitar, ano XXI,
n.º 952
Edição: quarta-feira 15 de outubro
de 2025
Editorial
Há artigos que vão sendo adiados, embora sendo
antecipados, parcialmente, pela edição de algumas das suas temáticas parciais
(em outros artigos da Infohabitar), e este é um deles, não querendo ser qualquer
tipo de artigo “definitivo” sobre a real grande importância urbana e cultural, a urgência e o claro sentido que tem uma ampla e
muito cuidadosa mas eficaz regeneração e divulgação do que se julga ser, em Portugal, “único” grande “bairro
jardim”, ou “bairro modernista” ou as duas coisas, o excelente bairro de Olivais Norte (o ONorte Modernista como é aqui designado),
situado logo à entrada de Lisboa, do lado esquerdo, para quem vem do Norte, e
que hoje é tão facilmente visitado através da estação de Metro da Encarnação.
É realmente urgente e fundamental iniciar e assegurar
uma reabilitação regeneradora dos carismáticos e “únicos” espaços exteriores
ajardinados do ONorte Modernista, e é fundamental
acompanhar tal ação que terá de ser faseada com a recuperação maximizada das
suas imagens urbanas; este artigo quer apenas avivar e tornar bem atual esta
necessidade.
E lembram-se que as opiniões aqui expressas são
pessoais e neste caso também de um habitante do bairro desde há bastante tempo;
e mesmo antes de habitante observador muito interessado.
Saudações calorosas e boas leituras.
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Fig. a: uma imagem, talvez, simbólica de
Olivais Norte
Sobre a importância e a urgente regeneração do Olivais Norte Modernista – infohabitar # 952
António Baptista Coelho, texto e fotografias;
imagens das plantas e outras retiradas das fontes apontadas
Índice
Nota prévia à abordagem feita neste artigo ao bairro
de Olivais Norte em Lisboa
1. Introdução à importância e à necessidade de regeneração e
divulgação do bairro de Olivais Norte em Lisboa – o ONorte Modernista
2. Breves aspetos de localização e enquadramento do
ONorte Modernista
3. Apresentação sintética do ONorte Modernista
4. Sobre o ONorte Modernista: alguns aspetos diversos
a registar e depois (e desejavelmente) a constatar numa visita
5. Ainda sobre o(s) projecto(s) do ONorte Modernista mais
algumas notas sobre o bairro e os outros que se seguiram em Lisboa
6. Alguns aspetos da inovação residencial muito
qualificada no ONorte Modernista
7. Apoio a uma visita ao ONorte Modernista
8. Sobre a integração da arquitectura modernista:
Algumas notas sobre a integração da
arquitectura modernista habitacional em ONorte
9. Reflexões finais sobre ONorte Modernista o famoso
«bairro jardim» tão pouco cuidado ao longo dos últimos anos
10. Urgência da intervenção no ONorte Modernista
Breves notas de remate sobre o ONorte Modernista
Pequena bibliografia sobre Olivais Norte
Nota prévia à abordagem feita neste artigo ao bairro
de Olivais Norte em Lisboa
Em primeiro lugar, a seguinte advertência ao
leitor: as notas que se seguem, e que abordam de uma forma podemos dizer
“exploratória” a temática geral da considerada urgente regeneração e divulgação
da arquitectura urbana do bairro de Olivais Norte em Lisboa, focando,
especificamente a respetiva integração da sua arquitectura modernista
habitacional, não pretendem ser: nem uma análise histórica e teórica do
referido Bairro; nem uma análise arquitectónica, ainda que parcial, do mesmo
bairro; nem uma análise minimamente aprofundada das suas características
vivenciais; trata-se, sim de um conjunto razoavelmente estruturado de notas e
reflexões sobre o assunto.
Aproveita-se para sublinhar que qualquer uma
das três análises que acabaram de ser referidas – histórico-patrimonial,
arquitectónica e vivencial ou de satisfação urbana, vicinal, residencial e
pessoal – é, hoje em dia, vital e muito pertinente, pois já é tempo de se
avançar na clarificação de alguns aspectos da Arquitectura e da satisfação
residencial que tanto tocam os aspectos de concepção/projecto, como os rumos
dessa satisfação, encontrando-se, afinal, alianças reais, mas, à partida
consideradas pouco prováveis, por exemplo, entre linguagens formais despojadas
e agrado vivencial.
Fiquemos então com algumas notas sobre o que se
considera ser a urgência de uma adequada regeneração dos aspetos de excelente
integração natural, imagem urbana e vivência, que são proporcionados pelos “exemplos”
de arquitectura modernista habitacional do bairro de Olivais Norte –
Encarnação, em Lisboa: o ONorte Modernista com que se intitulou este artigo.
Fig. b. uma imagem bastante atual do excelente
O Norte Modernista, numa altura do ano em que nos lembramos de como era: parecendo
que existe relva.
1. Introdução à importância e à necessidade de regeneração e divulgação do bairro de Olivais Norte em Lisboa
Alguns bairros e partes da cidade, que são
claramente bem vividos pelos seus habitantes (incluindo evidentemente os
visitantes) e que parecem influenciar positivamente a cidade em que se
integram, merecem uma atenção muito especial devido a um amplo conjunto de
aspetos qualitativos urbanos e habitacionais, e, consequentemente, deveriam ser
“observados”, cuidadosa e continuamente, no sentido de podermos daí retirar
ensinamentos, sobre como (re)fazer melhor uma cidade bem habitada, e,
naturalmente, no sentido de podermos ir apoiando a sua adequada manutenção e
reabilitação, quando necessárias e daqui também retirar lições nestas áreas,
enquanto e subsequentemente devemos ir revalorizando estes bairros como
património urbano e habitacional único com relevo para a respetiva cidade que
integram, e para o respetivo País e mesmo conjunto coeso de países de cuja
história urbana e habitacional tais bairros fazem parte essencial, única e com
um crescente valor patrimonial.
Todos sabemos que destes bairros fazem parte os
designados “bairros históricos”, habitualmente centrais e cuja adequada
proteção também nos levaria longe, mas esta designação de “históricos”
prolonga-se, naturalmente, a certos bairros e conjuntos urbanos, cuja
homogeneidade, valor arquitectónico e residencial e características próprias
extremamente específicas, podem ser considerados como aspetos “únicos”, sendo
que uma sua “idade”, não tão longínqua como aqueles velhos bairros urbanos
centrais, não pode levar a que sejam menos considerados no seu valor urbano,
vivencial e cultural; e acrescendo a tudo isto que a sua relativa proximidade
histórica pode até resultar na muito positiva possibilidade de tais conjuntos
citadinos poderem ser ainda considerados como fontes globais e parciais de
excelentes e replicáveis bons exemplos urbanos e habitacionais, pensando-se,
designadamente, no muito que há ainda a fazer numa habitação nova que faça
realmente cidade coesa e integradora.
Por outro lado acontece que tais malhas
urbanas, realizadas grande parte delas em meados do século XX e finais do mesmo
século, sofrem, atual e frequentemente, aspetos críticos de degradação das suas
imagens, funcionalidades e detalhes “únicos”, que é essencial parar e reverter,
com a maior brevidade possível e através de medidas adequadamente faseadas e
estruturadas, bem conjugadas com aspetos de gestão e de participação dos seus habitantes;
sendo que, tal como sabemos, a degradação da imagem urbana e respetivos
conteúdos funcionais é um processo tão acelerado como “vicioso”, tornando-se,
rapidamente, muito mais crítico e cada vez mais dispendioso com o passar dos
anos.
Dito isto, importa referir, aqui, que a
abordagem que agora se faz deste assunto global da urgência da regeneração e
divulgação de malhas urbanas e residenciais exemplares – no sentido da sua
conceção inicial e da sua atual vitalidade – e do assunto específico que
designei como a urgência de uma ampla e faseada regeneração do “ONorte
Modernista” – Bairro de Olivais Norte em
Lisboa – , não pretende, de nenhuma forma, esgotar a matéria nas suas múltiplas
e essenciais abordagens, seja da temática ampla dos aspetos que devem influir
na reabilitação participada de uma dada malha urbana e residencial patrimonial,
seja da temática específica relativa ao que considero ser a urgente
reabilitação da imagem e das funcionalidades e qualidades urbanas, residenciais
e naturais do Bairro de Olivais Norte, em Lisboa, pois também nesta matéria muitas
outras pessoas e outras especialidades também devem participar ativamente na
identificação dos aspetos a ter em conta e na sua necessária hierarquização,
pois o muito que quase se abandonou ao longo de dezenas de anos (espaços
exteriores, verde urbano, imagem edificada), não se vai conseguir reabilitar
simultânea e rapidamente.
Ainda um outro aspeto convirá evidenciar aqui:
é que outros bairros lisboetas exigem idênticos cuidados – por exemplo Alvalade
- ; outros bairros de outras vilas e cidades portuguesas exigem idênticos
cuidados; e muitas aldeias e paisagens semi-naturais e naturais também exigem
cuidados similares – o grande Ribeiro Telles dizia-me uma vez que Potugal
precisava de uma estratégia gradual mas efetiva de recuperação da sua paisagem.
Mas falamos tendencialmente do que mais
conhecemos – ajudei o grande e saudoso amigo Nuno Teotónio Pereira a realizar
um artigo extenso sobre Olivais Norte, o meu pai, mentor e amigo Arquitecto
António Baptista Coelho desde sempre me fez visitar Olivais Norte como exemplo
urbano e residencial e o meu amigo e também mentor Arquitecto António Reis
Cabrita também sempre partilhou de tal opinião
- e portanto o “único” ONorte modernista sempre esteve presente em
pensamento e textos, sendo que realmente é urgente congelar a sua gradual
degradação, invertê-la e divulgá-lo no muito que tem de valor e mesmo de
atualidade; e este texto, tematicamente parcial e limitado na sua extensão,
pretende apenas contribuir para esse urgente início da regeneração do grande
ONorte Modernista.
Fig. c.: Olivais Norte bem marcado na capa da
revista Arquitectura n.º 81, de 1964, vendo-se a única preexistência do bairro
da Encarnação, em contiguidade.
Fig. c´: Olivais Norte, hoje, numa imagem atual do
Google Maps
2. Breves aspetos de localização e enquadramento do
ONorte Modernista
O bairro de Olivais Norte, que aqui se designa
de ONorte Modernista, encontra-se, com alguma facilidade, à saída de Lisboa
para Norte: (i) “escondido” e em parte abraçado pelo anterior e também
interessante grande bairro unifamiliar da Encarnação (contíguo à 2.ª Circular),
(ii) demarcado da cidade sensivelmente a Poente pela Avenida de Berlim (em
vale) e que separa a Encarnação do seu irmão maior Olivais Sul – que nos conta
diferentes histórias –, (iii) rematado sensivelmente a Nascente pela Avenida
Alfredo Bensaúde, que se inicia no mítico Ralis (Regimento de Artilharia de
Lisboa, julgo que hoje com outra designação)
e , (iv) marcado sensivelmente a Sul, pelo injustamente
desconhecido Jardim Municipal da Quinta
dos Arcos.
Quem o queira visitar também pode ir de Metro
até à Estação da Encarnação, cujos acessos abrem praticamente no coração do ONorte
Modernista, cuja estrutura urbana é extremamente simples: um anel
rodoviário, que
(i) rodeia um coração de grandes edifícios em
altura e bandas de duplex sobrepostos que, por sua vez, demarcam, no coração do
bairro, o que foi um belo jardim urbano e
(ii) que é rodeado por uma outra série de
correntezas de edifícios boa parte deles baixos e entremeados pelo que deveriam
ser também zonas verdes urbanas;
complementarmente existem outros elementos
urbanos como uma excelente rua de edifícios baixos revestidos a tijolo e outros
blocos de baixa altura, distribuídos por espaços exteriores predominantemente
pedonais e bem caraterizados por muitas oliveiras preexistentes (muitas delas
sem dúvida centenárias).
3. Apresentação sintética do ONorte Modernista
O bairro de Olivais Norte em Lisboa – o “ONorte
Modernista” – é uma malha urbana e paisagística com cerca de 1900 habitações,
em 40 hectares (cerca de 200 habitantes/hectare, atente-se), teve o seu
processo de planeamento pormenorizado dirigido pelo arquitecto-urbanista José
Rafael Botelho – baseado num plano anteriormente elaborado pelos arquitectos
José Sommer Ribeiro e Pedro Falcão e Cunha – e foi uma intervenção pública e
municipal onde se aliaram os esforços dos promotores e técnicos das HE-FCP (Habitações
Económicas da Federação de Caixas de Previdência) e do Gabinete Técnico de
Habitação (GHT) da CML, mais alguns outros promotores institucionais e
associativos.
Olivais Norte – o “O. Norte Modernista” – é,
passados quase 70 anos da sua construção, um exemplo vivo de:
(i) qualidade da arquitectura urbana
residencial e das suas soluções pormenorizadas e diversificadas (em tipologias
de edifícios e de fogos),
(ii) qualidade da integração sociocultural
atingida,
(iii) adequação à satisfação residencial já de
várias gerações de habitantes,
(iv) integração de arte urbana (tão rara mas
efetiva e quase generalizada neste bairro),
(v) inovadoras soluções urbanas pormenorizadas
(espaços mistos peões-veículos entre outros aspetos),
(vi) integração valorizada de preexistências,
(vii) qualidade construtiva do edificado e dos
exteriores,
(viii) adequação ecológica e solar dos
edifícios (reparem: nos anos de 1960),
(ix) e inovadora, mas fundamental, participação
da arquitectura paisagista na organização geral da implantação de edifícios e
no arranjo pormenorizado dos seus espaços exteriores, ainda hoje inovadores e
muito humanizados em muitos aspetos, hoje infelizmente muito deficientes em
manutenção.
4. Sobre o ONorte Modernista: alguns aspetos diversos
a registar e depois (e desejavelmente) a constatar numa visita
Nota: entre aspas - “”-, nos
parágrafos seguintes, fazem-se citações do artigo de Nuno Teotónio Pereira
sobre Olivais, que é devidamente referido na bibliografia; quando as aspas são
minhas uso a grafia «».
Tal como referiu Nuno Teotónio Pereira, Olivais
foram a “experiência colectiva de uma geração”, e juntaria: dos melhores
arquitectos e engenheiros de uma dada geração.
Olivais corresponde a uma experiência inovadora
de planeamento aplicado, habitação e arquitectura do início dos anos de 1960 em
Portugal , experiência esta desenvolvida na sequência de uma outra intervenção
pioneira, que foi o excelente bairro de Alvalade, e relativamente à qual os
Olivais e especificamente Olivais Norte, constituíram uma “afirmação moderna e
sem compromissos”.
Olivais e muito especificamente ONorte (na
minha opinião) constituem um “expoente da utopia do grande verde contínuo, e …
cidade desenhada em planta livre” e ainda um expoente de um verdadeiro «plano
integrado», e isto ainda quando a expressão «plano integrado» não era aplicada,
“integrando amplo leque de promotores e de níveis sociais”.
Em Olivais procurou-se “fazer um Alvalade
moderno ou mesmo [formalmente] um anti-Alvalade”. E eu salientaria este aspeto
formal, porque em termos vivenciais e aqui falando também como habitante de
ONorte, este bairro tem vida própria e interage, intimamente, em termos de
acessibilidades, até pedonais, e em termos de equipamentos coletivos, com a
vivência do bairro vizinho, a grande Encarnação unifamiliar; o que é
extremamente positivo para os dois bairros, que na prática se articulam
mutuamente.
Nas palavras de Nuno Teotónio os Olivais foram “expressão
dos arquitectos saídos do Congresso de 1948 que encontravam na prática
profissional a possibilidade de participar na construção de uma nova sociedade”;
e esta é matéria que também longe nos poderá levar.
Em termos de promoção os planos de Olivais
decorrem do “Decreto-lei 42454 que abrange expansão urbana habitação e
equipamentos, integração de categorias económicas sem segregações e criação,
meios de expropriação, meios financeiros à CML e criação de serviço municipal
para execução do empreendimento – o Gabinete Técnico de Habitação [GTH]”; e
aqui também encontramos muita matéria de grande interesse, sendo que chamo a
atenção para uma aplicação de várias «categorias» de habitação de interesse
social, às quais voltaremos, que atribuem áreas distintas a cada tipologia de
fogo (T2, t3, t4), mas cuja distribuição nas vizinhanças, em Olivais Norte, é
estratégica no sentido da promoção natural da integração social entre os
vizinhos que habitam nas diversas «categorias de áreas domésticas» (aspas
minhas saliento); e isto além do enorme cuidado e qualidade que foi investido
nos respetivos projetos de fogos.
“Duas linhas de inspiração dos Olivais:
Carta de Atenas e Le Corbusier (Sol,
espaço, verdura)
Unidade de vizinhança já aplicada em
Alvalade com organização celular”.
Mas outros aspetos de conceção marcaram
Olivais:
“Verde
contínuo reino do peão
“Hierarquização
rodoviária
“Edifícios
em ordem dispersa
“Estruturação
em células polarizadas por escolas e núcleos comerciais
“…
também influenciados por: novas cidades na zona de Londres e Estocolmo”
E ao nível das tipologias edificadas em Olivais
houve a oportunidade de aplicação de “volumetrias emergentes que o desenho
urbano descontínuo em planta livre possibilitava e pedia: … o bloco ,ainda
integrável nas malhas tradicionais; a banda/correnteza; e a torre”.
Neste aspeto e a título pessoal considero que
em ONorte a quase «contiguidade» temporal com a experiência de Alvalade e dos
seus «prolongamentos ou remansos» modernistas (ex., bairro das estacas, blocos
na Av.ª do Brasil, etc.) bem coesos nas respetivas malhas urbanas, e, por outro
lado, a forte contiguidade física com a malha urbana da Encarnação
preexistente, terão influenciado um “desenho urbano descontínuo” mas talvez
mais contido e até relativamente contínuo – até por vezes as árvores de ONorte
colaboram nesta continuidade urbana positiva – situação ainda hoje evidente.
ONorte também marcou como verdadeiro
laboratório de desenho urbano e edificado bem integrado, ou como laboratório de
arquitectura urbana habitacional, designadamente, nos seguintes aspetos:
(i) grande continuidade e coesão de uma imagem
urbana bem integrada por edifícios, espaços entre edifícios e verde urbano;
(ii) verdadeiro protagonismo do peão nas
vizinhanças de proximidade – algo verdadeiramente inovador entre nós e ainda
hoje sublinhe-se;
(iii) aspetos de sustentabilidade ambiental no
edificado, assegurados por uma adequada e específica orientação solar;
(iv) protagonismo de uma excelente arquitetura
paisagista – numa iniciativa também inovadora e bem participada entre
paisagistas e arquitectos dos edifícios;
(v) aspetos de racionalização da gestão
exterior, designadamente, por adoção de vias mistas para peões e veículos
(inovadoras ainda hoje) e pela previsão de grandes áreas verdes/relvadas; onde
hoje em dia é/será possível aplicar processos mecanizados com elevado
rendimento, mas onde na altura também se assumia e bem, que maiores áreas são
mais duráveis e funcionais na sua manutenção, juntando a isto que as
conjugações de verde urbano de diversos tipos (relva/grama, arbustos diversos e
árvores diversas) também contribuem para uma melhor manutenção do conjunto
(situação hoje em dia deteriorada pois não parece haver um adequado replantio
de espécies de maior dimensão);
(vi) aspetos de relacionamento do edificado com
a sua vizinhança de proximidade, «inventando-se» ou tentando reinventar-se essa
proximidade com soluções edificadas descontínuas, designadamente, através de
elementos complementares de arrumação e apropriação, por exemplo;
(vii) por raros e excelentes aspetos de integração
da arte no espaço urbano e no próprio edificado – algo que ainda hoje é muito
inovador e raro, e em ONorte aplicado em diversas «categorias» habitacionais,
através de elementos artísticos facilmente executáveis (baratos de executar);
(viii) e, evidentemente, por uma excelente
arquitetura do edificado, ou talvez melhor dito por uma excelente e exemplar
arquitectura urbana residencial.
Sobre a pormenorizada elaboração das tipologias
domésticas muito haveria a considerar, aqui, em ONorte, onde, em primeiro
lugar, aconteceu uma pequena revolução nas tipologias que deixaram as soluções unifamiliares
geminadas (ou quando muito em banda) de 1.º andar (2 pisos) do Bairro da
Encarnação, que envolve ONorte em 2/3 lados, para uma tipologia mais geral de 4
pisos, mais alguns edifícios mais altos.
Uma revolução que na altura terá dado que
falar, sem dúvida, mas que não ficou por aqui pois há «torres» totalmente
marcadas por amplos espaços comuns abertos ao exterior e que procuram trazer
algum convívio também para os amplos patins partilhados por quatro famílias e
dignificados (cada patim) por um elemento de arte; mais inovações tão excelentes
como pouco seguidas posteriormente.
No que se refere à gestão global da promoção do
bairro – com quase 2000 habitações lembra-se – o GTH da CML centralizou o processo
“ desde as expropriações à adjudicação de todas as empreitadas e respetiva
fiscalização. Mais a elaboração dos planos urbanos, infraestruturas, exteriores
e edifícios”; proporcionando-se a essencial simultaneidade no desenvolvimento
dos diversos edifícios e das diferentes categorias habitacionais e também uma
global qualidade de execução; condição
esta de enorme importância e também posteriormente muito pouco replicada.
As eventuais questões associadas à repetição
projetual em ONorte foram totalmente resolvidas em termos da estratégica
distribuição dos diferentes projetos por toda a extensão do bairro.
E em termos de «mistura» social ela foi
conseguida em ONorte, quer pela referida e estratégica distribuição física dos
edifícios por todo o bairro, quer pela distribuição das habitações “por
numerosas entidades promotoras de projetos diversificados e distribuídos pelo
terreno … funcionários públicos, realojados de bairros degradados, sócios de
cooperativas, membros das forças armadas e da GNR”, não houve, assim,
localizações concentradas e delimitadas de certos grupos edificados; a única
situação mais distinta, a rua de prédios revestidos a tijolo e situada mais a
Sul, tem um tratamento visual e de pequenos arranjos exteriores de vizinhança
com extrema dignidade e a própria rua sendo uma zona muito frequentada é fator
de integração social.
5. Ainda sobre o(s) projecto(s) do ONorte Modernista mais
algumas notas sobre o bairro e os outros que se seguiram em Lisboa
Notas retiradas do artigo de Nuno
Teotónio Pereira integrado na bibliografia e de conversa com o Arquitecto.
O Plano de Olivais Norte estava em elaboração
desde 1955 no Gabinete de Estudos de Urbanização
(GEU) da Câmara Municipal de Lisboa; sendo o Eng.º Guimarães Lobato (Dir do
GEU). Como autores do plano registam-se: Arqs José Sommer Ribeiro e Pedro
Falcão e Cunha.
O Gabinete Técnico de Habitação (GTH) da CML dirigido
pelo. Eng.º Jorge Carvalho Mesquita assegurou o desenvolvimento do plano e o
Arquitecto urbanista José Rafael Botelho dirigiu o respetivo planeamento pormenorizado
e articulou o plano com os diversos projetistas de edifícios e de espaços
livres entretanto designados.
O plano de ONorte integrou cerca de 2000 fogos,
para 8500 habitantes, em 40ha, 200 hab/ha; houve 5 promotores públicos, 1
semi-público e alguns privados; 10 tipos de edifícios; de 4 a 12 pisos.
As equipas de projeto em ONorte tinham em regra
3 elementos; cerca de 30 arquitectos; os arquitectos e engenheiros envolvidos
tinham idades entre os 30 e os 40 anos. As equipas projetistas dos edifícios
eram muito coesas, qualificadas e multidisciplinares, incluindo-se aqui
engenheiros de elevada qualidade e inovadores como Ruy José Gomes (LNEC).
Em ONorte a distinção em termos de 4 ou 4+1
«categorias», em termos de projecto delimitou-se, essencialmente, à respetiva
espaciosidade dos fogos, cujos valores são em seguida apontados, a título de
exemplo, para a Tipologia T3; os respetivos acabamentos foram globalmente muito
regrados e, tal como já se apontou, as diversas «categorias» foram disseminadas
por todo o bairro e não concentradas, não sendo assim claramente
identificáveis.
Exemplos de áreas úteis aplicadas em
Olivais Norte (Au)
T3: Cat I – 60 m2; Cat II – 75 m2; Cat. III – 120 m2; Cat IV -140 m2
Em termos do projeto paisagístico de ONorte,
este foi global, muito qualificado e pormenorizado – verde urbano
formal/plástico, vias pedonais e mistas, muros e muretes, calçadas e
estacionamentos, etc.; havendo aqui uma expressiva atuação do Arquitecto
Paisagista Ponce Dentinho; e cita-se Nuno Teotónio:
“Foi certamente em ON que teve também lugar a
primeira realização em grande escala no país em termos de concepção e
realização de exteriores públicos integrados no tecido edificado. Da
responsabilidade do arq.º paisagista Ponce Dentinho, que teve logo de seguida
oportunidade de dar continuação ao seu trabalho, … [há que] enaltecer o que foi
realizado em Olivais Norte como experiência pioneira, não isenta de riscos, mas
que se saldou por um indesmentível sucesso. Extensos prados de relva
intercalados com áreas pavimentadas traçando percursos e estadias e guarnecidos
com arbustos e arvoredo …”
Seguem-se algumas notas pessoais (do autor deste artigo) sobre as caraterísticas globais dos
bairros lisboetas que se seguiram a Olivais Norte e que integraram também significativos
números de habitação de interesse social.
Três zonas urbanas com dimensionamento
crescente – Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas –, cuja dimensão se multiplicou por
quatro, da primeira para a segunda e mais que duplicou em área de terreno da
segunda para a terceira.
Lembrando Nuno Teotónio aponta-se que “a
reduzida dimensão do primeiro [Olivais Norte] permitiu uma operação-relâmpago
completa e por isso bem sucedida, já os Olivais Sul ficou amputado da sua
indispensável área central de serviços e Chelas arrasta-se ainda num processo
de edificação desesperadamente lento e traumático.”
E registam-se alguns dados que penso por si
«falarem» em termos de estratégias de programação urbana e residencial e em aspetos
de densidade habitacional:
- Olivais Norte: 8500 habitantes em 1900 fogos
e 40ha (números similares aos de Alvalade, mas numa zona tipologicamente bem
distinta em termos de Arquitectura urbana);
- Olivais Sul: 40.000 habitantes em 186 ha, e
em 6 células;
- Chelas: com uma capacidade habitacional que
parece ser difícil de estimar, mas os documentos de base apontavam para uma população
final talvez similar à dos 40.000 habitantes de Olivais Sul mas em mais do
dobro da área de Olivais Sul, portanto cerca de 400ha.
Refletir sobre tudo isto levar-nos-ia para um
outro extenso e específico artigo, mas desde já se salienta, mais uma vez, a
necessidade premente de se avançar para redensificações estratégicas associadas
a intervenções de regeneração urbana, residencial e mesmo de realojamento. Por
todo o mundo civilizado as «famigeradas» (designação muito minha) folhas de programação
e planeamento talvez dos anos de 1970 (entre nós), têm sido e estão a ser
postas em causa; privilegiando-se uma cuidada e extremamente qualificada
redensificação e regeneração citadinas, que, evidentemente, evidenciam a
questão fulcral de como são apuradas/escolhidas as soluções de arquitectura urbana
a aplicar nestes processos, mas há bons exemplos que podem ser seguidos e maus
exemplos que devem ser anulados!
6. Alguns aspetos da inovação residencial muito
qualificada no ONorte Modernista
Relativamente aos aspetos de
conceção dos espaços edificados domésticos/privados e comuns há que sublinhar a
excecional qualidade dos mesmos, como regra, no nosso ONorte Modernista, uma qualidade com variadas facetas, que nos levaria longe e que
terá de ser desenvolvida em outro texto, mas que, basicamente:
(i) Reinventa os espaços domésticos, mas não
criando “dissonâncias” relativamente ao uso habitual dos mesmos, embebendo-os
com expressiva multifuncionalidade, designadamente, nas soluções menos
espaçosas, marcadas globalmente por uma excecional qualidade
arquitectónica, enquanto nas mais desafogadas os objetivos de
adaptabilidade são simples mas sabiamente baseados numa “clássica” estrutura
com um corredor de distribuição e sendo que praticamente como regra se recorre
ao então inovador “bloco de águas” (concentração de instalações hídricas em
algumas paredes e zonas de pavimento), aspeto este que sempre foi fator de
significativa economia; o aspeto talvez mais negativo refere-se ao excesso na
contenção das áreas da «categoria I» e ao excesso no uso de dimensões mínimas em
algumas larguras de quartos, condição esta que lhes reduz muito a sua
versatilidade de uso e apropriação.
(ii) reinventa também os espaços comuns habitacionais,
desenvolvendo um muito amplo leque de soluções com escadas e patins, interiores
e exteriores, galerias comuns e soluções mistas usando variados destes
elementos; numa perspetiva que merece estudo específico.
(iii) reinventa na relação do edificado e dos
seus principais acessos com a sua contiguidade exterior mais direta, tendo
inovado em variados aspetos como espaços comuns totalmente abertos ao exterior
térreo contíguo e que funcionam REALMENTE, excelentes espaços comuns de uso público
sob o edificado e que continuam impecáveis ao fim de muitos anos de uso, e
espaços de vizinhança criados por espaços públicos mas claramente associados a
pequenos condomínios e representativos dos mesmos, o que é também muito
interessante.
Fig. d e d’: uma inovadora relação entre
edifícios e exterior residencial, que obriga, naturalmente, a um apurado
cuidado com este exterior - a planta foi retirada do n.º81 da revista
(iv) e reinventa, para depois rapidamente esquecer – nos subsequentes bairros de Olivais Sul e de Chelas – uma bem importante estratégia urbana física e pormenorizada de integração social, disseminando «geométrica» e naturalmente as diversas «categorias» de habitação de interesse social então existentes até cerca de 1970 e que variavam, essencialmente: na tipologia edificada (alta e baixa altura e respetivamente com e sem ascensores); dimensionamento das respetivas áreas domésticas; e na elaboração da respetiva pormenorização; mas “não”, sublinhe-se, nos respetivos aspetos de qualidade arquitectónica global – numa sequência de espaciosidades gradualmente mais favorecidas: HR, I, II, III e IV.
Fig. e: sobre uma adequada estratégia de
integração social
Esta matéria é mais uma daquelas que exige aprofundamento, em outros textos, mas aqui e praticamente como ilustração/exemplo, na Fig. e apresenta-se uma imagem que corresponde a um enquadramento fotográfico geral de arquitectura urbana e residencial: na primeira linha de vista temos partes de duas correntezas de edifícios baixos, cuja extrema economia dimensional (fogos e espaços comuns) e construtiva, que integravam a Categoria I, “mínima” (entre quatro mais uma “categorias” de habitação económica, então existentes e até cerca de 1970), não arriscou a sua evidente dignidade e qualidade de imagem urbana – Arquitectura de Braula Reis e João Matoso – e em segunda linha, na imagem, uma torre residencial, que integrava a Categoria II (intermédia nas quatro “categorias” existentes e muito aplicada), uma torre que corresponde a um dos melhores edifícios residenciais jamais construídos entre nós e cuja solução, repetida no bairro, recebeu um Prémio Valmor – Arquitectura de Nuno Teotónio Pereira, António Freitas e Nuno Portas.
Quem queira aprofundar estes aspetos de
previsão de um apoio «físico», por localização específica, à integração social,
poderá consultar o plano de Olivais Norte e verificar o seu coração com
edifícios de Categoria III, rodeado por um grande anel de edifícios mais baixos
de Categoria II e I, e finalmente pela já referida rua, com imagem bem
dignificada, de Categoria I.
Fig. f: uma planta geral de Olivais Norte com a
localização das então diversas “categorias” habitacionais – retirado do n.º 81
da revista Arquitectura já citado.
7. Apoio a uma visita ao ONorte Modernista
Apresentam-se, em seguida, plantas habitacionais
retiradas do N.º 81 de Março de 1964 da revista Arquitectura dedicado a
Olivais Norte e que consta da bibliografia –
Salienta-se que o principal artigo usado como fonte de imagens e de referências
não parece ter uma autoria claramente identificável, sendo referido que corresponde
a “Extractos da Memória Descritiva do Estudo base de Olivais elaborado em
1955”, existindo outros artigos que ilustram os diversos projectos, mais
um artigo de fundo de Leopoldo de Almeida – Olivais Norte – nota crítica;
a revista Arquitectura tinha então como director e editor Rui Mendes Paula
e na respetiva comissão diretiva: Carlos Duarte, Daniel Santa Rira, Nuno
Portas, R. Mendes Paula e Vasco Lobo.
Fig. 01: “Plano global”/ e Olivais Norte em
construção simultânea das diversas «categorias» habitacionais – condição esta
posteriormente pouco repetida.
Fig. 02: Cat. III na zona central, bandas sobre
pilotis e galerias de acesso exteriores e estendais comuns no terraço: arqs
Artur Pires Martins e Palma de Melo; estruturas, eng Jaime Pereira Gomes.
Fig. 03: Cat. II na zona envolvente W do anel
rodoviário: Arqs Pedro Cid e Fernando Torres; com excelente solução de relação
com exterior público
Fig. 4: Cat. I, em “Y” na zona envolvente: Arq.
João Vasconcelos Esteves; bem ligados ao Sol
Fig 5: Cat. I, em “Y” longo e agregado na zona
sul: Arq. João Vasconcelos Esteves – solução excelente em termos de economia
construtiva e fácil integração topográfica
Fig. 6: Cat. II, em torres isoladas nas zonas S
e N: Arqs Nuno Teotónio Pereira, António
Pinto Freitas e Nuno Portas (painel), eng Ruy Gomes; com amplos patins –
“espaços de encontro” - que prolongam exterior semi-público para um interior
semi-privado em cada patim que inclui arte; e forte diversidade tipológica por
piso: 1 t3, 2 t2, 1 t1
Fig. 7: Cat. I em banda/correnteza com tijolo
ext. na zona S: Arqs Braula Reis e João Matoso – uma das bandas acesso em
pequenas galerias e promoção de um processo de quase autoacabamento a tardoz; e
as outras com zonas de acesso desniveladas, escadas “correntes”, mas com estratégico
acesso duplo ao exterior e sentindo-se a forte apropriação dos habitantes –
esta concorrência de áreas mínimas e um forte sentido de apropriação ainda hoje
extremamente constatável também longe nos poderá levar.
Fig. 8: Cat. II, em bandas, em torno do anel
viário, com zonas de vizinhança e interv arte: Nuno Teotónio Pereira e António
Pinto Freitas, eng Ruy Gomes; “pequenos satélites em frente das entradas com
alpendre, propiciador também do encontro e do convívio e uma banda de
arrecadações”; uma solução que na minha opinião é uma das melhores de sempre em
termos de habitação de interesse social em Portugal, desde a vizinhança cuidada
e marcada pela arte - na imagem é visível um painel de azulejos de Lima de Freitas -, aos edifícios com um sóbrio e atraente desenho, à planta
doméstica que é excelente e adaptável.
Fig. 9: Cat. II, bandas com duplex sobrepostos:
Arqs Pedro Cid e Fernando Torres; com excelente solução de relação com exterior
público e interessante sentido de “moradias”
térreas e de … fogos conviviais na grande galeria varanda – “esquema
formal de rigoroso purismo” …
Fig. 10: Cat. IV em bloco – arq., Abel Manta;
único edifício de Cat, IV no bairro.
8. Sobre a integração
da arquitectura modernista: Algumas notas sobre a integração da arquitectura modernista
habitacional em ONorte
Nota: este item foi já editado há mais de 15 anos na Infohabitar (2010), numa altura em que os espaços exteriores ajardinados do ONorte Modernista tinham ainda uma qualidade talvez mínima em termos de manutenção; embora já estivesse presente o processo de deficiente manutenção programada e de falta de intervenções regeneradoras (ex replantio) e de melhoria do mobiliário urbano.
Fig. 11: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
A perspectiva de leitura/análise
adoptada
A perspectiva de leitura, talvez mais até do
que de análise, que foi adoptada, foi a do indivíduo que passeia pelos espaços
exteriores do bairro de Olivais Norte – Encarnação, em seguida designado apenas
por Olivais Norte, ou mesmo, apenas por bairro. Naturalmente que a formação
desse deambulador não se pode descartar, mas tenta-se remetê-la para uma
segunda linha, o que fica sublinhado até pela opção de não se referirem nomes
de projectistas e datas de projectos e de obras, matéria que será referida noutros
textos, embora se aponte, desde já, uma bibliografia sumária, sempre útil aos
mais interessados.
Fig. 12: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
Tipos de imagens mais frequentes
e/ou dominantes
Quem deambula pelo bairro e não se perde, até
porque não é fácil “perdermo-nos” em Olivais Norte, tanto pela equilibrada
dimensão global do bairro, como devido a ter ele uma estrutura organizativa
muito clara, está muito disponível para poder ser impressionado por
imagens/enquadramentos que vão surgindo, e que tanto podem ser:
. dominantemente edificados;
. como expressivamente naturais e associados
neste caso ao verde urbano;
. como fortemente marcados por fusões de massa
edificada e verde urbano;
. como ainda por extensões espaciais e
paisagísticas que nos inculcam sentimentos fortes em termos de espaços e
ambientes amplos e caracterizados.
Podemos, naturalmente, considerar - e esta
ideia aqui escrita exige um conhecimento prévio e directo, ainda que mínimo, do
bairro – que nele se oferecem imagens globais – vistas “panorâmicas” (embora
delimitadas, e a este tema já voltaremos) – e sequências de imagens,
globalmente caracterizadas pela presença do verde e da natureza, que podemos
até designar mais desta forma do que de “verde urbano”, na perspectiva em, que
este último será, porventura, um verde mais “educado”, confinado e ordenado
(por exemplo em filas de árvores de arruamento em caldeiras e ao longo das
ruas).
Enquanto que em Olivais Norte o verde está,
aparentemente, “livre”, orgânica e aparentemente desordenado e naturalmente
dialogante com a massa edificada; e diz-se “aparentemente”, porque bem sabemos
que este verde foi global e pormenorizadamente planeado e desenhado, não só nas
suas implantações e misturas específicas, mas também nas formas e ambientes
prospectivos que iriam assumir ao longo de dezenas de anos – mais um tema para
um outro texto, sem dúvida, mas aqui precisa-se de um colega paisagista.
Temos assim, para sintetizar, uma natureza
dominante, que poderemos designar de “bairro jardim”, designação, como sabemos,
comum, mas que seria interessante substituir por algo do género “bairro parque”
ou “bairro verde”; não sei, porque até continuo a gostar mais do termo
bairro-jardim, embora neste caso talvez um bairro-jardim orgânico, ou mesmo um
jardim romântico, embora sem quaisquer dos aspectos, relativamente,
artificiais, habitualmente embebidos na fábrica do “jardim romântico” – de
certa forma o romantismo aqui liga-se à afectividade e envolvência dos
ambientes criados, uma matéria à qual tentaremos voltar neste artigo.
Mas, caros leitores, quando deambulamos pelos
passeios, pelas sendas, pelos caminhos e pelos relvados de Olivais Norte, somos
tão impressionados por essa componente natural/verde, como pelos próprios
edifícios, numa alternativa de leitura que pode variar, e varia, por vezes, de
instante a instante, e que, provavelmente é uma das matérias-chave das ideias
apontadas neste pequeno texto.
Fig. 13: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
O "prédio" na natureza, ou
o edifício na natureza
O subtítulo que acabei de usar foi escolhido, exactamente, para tentar
aproximar-me da sensação que tive, há alguns meses, numa das minhas frequentes
deambulações pelo bairro, ou talvez pelo espaço “urbano verde” que o integra
(ideia que me ocorreu ao correr das teclas numa não-ocasional inversão da ideia
de “verde urbano”).
Estava, portanto, passeando numa vereda perto
dos limites, ou melhor dito, do limiar (bem activo), entre Olivais Norte e a
malha maior da Encarnação, quando deparei com a imagem-tipo do edifício
embebido no verde, ou talvez deva desde já dizer do edifico modernista em total
integração com uma natureza reconfigurada; e passou-me pela cabeça a ideia que
há uma grande distância entre a ideia, considerada óbvia, de que a arquitectura
modernista é, por “natureza” uma arquitectura da relação com a natureza e da “cidade
jardim”, uma ideia que, depois, se aponta ter “x” problemas, desde os sociais
aos económicos, embora se possa considerar até plasticamente positiva, e uma
ideia real, sentida, experimentada e vivida, por exemplo, no nosso “bairro
jardim” mais paradigmático e puro que é Olivais Norte, construído há cerca de
50 anos e aparentemente com uma expressiva continuidade de clara adesão de quem
lá tem vivido desde então.
Naturalmente que nestas relações há que ir mais
fundo do que pela “imagem”, mas fiquemos para já, neste texto, um pouco por aí,
pois a imagem e a leitura que ela permite e suscita é algo muito importante
para quem passeia e vive na cidade.
Fig. 14: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
Algumas reflexões sobre aspectos
formais
Abordam-se, em seguida, sinteticamente quatro
aspectos: a questão da escala global e pormenorizada da intervenção; a questão
da integração micro-urbanística dos vários elementos em presença; e a questão
mais “pura e dura” da linguagem formal edificada que foi usada.
Tentemos abordar, ainda que brevemente e de
forma exploratória, estas quatro questões/características na sua aplicação
“tipo” em Olivais Norte.
Fig. 15: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
(i) A questão da escala global e
pormenorizada da intervenção, realizada no bairro: sobre esta matéria, quem
visite Olivais Norte com o tempo necessário para poder passear pelo bairro com
calma – e quaisquer duas/três horas permitem um conhecimento mínimo –, terá a
noção de uma intervenção baseada numa escala edificada e numa edificação
caracterizadas por uma forte relação com a dimensão e o uso humanos, aspectos
estes presentes em inúmeras situações de pormenor e de relacionamento entre
edifícios, entre edifícios e espaços exteriores e entre espaços exteriores.
Ora uma tal condição é, à partida, veículo
privilegiado para poder haver uma atenção especial e focada dos
habitantes/utentes relativamente às imagens urbanas e paisagísticas propiciadas
no bairro e pelo bairro; atenção esta que é o primeiro passo para se
estabelecerem relações imagéticas, funcionais e ambientais entre edifícios e
natureza.
Fig. 16: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
(ii) A questão da integração
micro-urbanística dos vários elementos em presença, no bairro e de
certa forma uma questão central nas intervenções “modernistas”: sobre esta
condição o que importa referir, à partida, é que mais do que visar a concepção
de edifícios e de espaços exteriores específicos, se visou, em Olivais Norte, a
“construção” de vizinhanças coesas de edifícos e de espaços exteriores, coesas,
porque complementares e atraentemente contrastantes; e afinal não foi por se
terem privilegiado as vizinhanças, ou os conjuntos de micro-urbanismo, que se
proporcionou menos atenção às obras de Arquitectura e de Paisagem; não senhor,
antes pelo contrário, do reforço da vizinhança e do micro-urbanismo
salientaram-se e salientam-se hoje em dia as excelentes obras de Arquitectura
de edifícios e de Arquitectura de paisagem.
E assim se entende melhor que se criaram as
condições relativa ou potencialmente ideais para se salientar a relação e o
interesse da relação entre essas obras de Arquitectura de edifícios e de
Arquitectura de paisagem, e então como tais obras foram marcadas,
sistematicamente, pela excelência “individualizada”, o conjunto, ou, melhor, os
conjuntos multiformes e infinitamente variados em termos de pontos de vista –
aspecto este ligado à própria natureza do racionalismo edificado em meio
paisagístico – ficam indelével mas afirmadamente marcados por uma qualidade
global, que é maior do que a simples soma das partes da qualidade individual
das Arquitecturas dos edifícios e da paisagem reconformada.
Fig. 17: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
(iii) A questão mais “pura e dura” da
linguagem formal edificada que foi usada, que é também uma questão central
em todas as intervenções “modernistas” melhor qualificadas ou mais genuínas, e
na matéria aqui em consideração, designadamente, na relação entre formas
simples e racionais, pormenores depurados e materiais “verdadeiros”, todas
estas adjectivações aplicadas aos edifícios (entre outros adjectivos
possíveis), e uma natureza recriada com sensibilidade e também com verdade, em
termos das formas e das espécies mais adequadas aos locais específicos e às
relações globais e particulares com os elementos edificados e construídos com
que se devem integrar.
Há que sublinhar, aqui, ter sido esta matéria
específica aquela que despoletou, directamente, esta reflexão e esta nossa
primeira incursão nesta temática: ter encontrado um edifício tão “simples” e
tão bem desenhado, tão bem integrado num espaço natural bem composto e
reconfigurado, uma pequena parcela de jardim ou parque orgânico, marcado pelos
fundamentais objectivos de se procurar uma simulação reforçada de ambientes
naturais característicos (ex., bosque, orla de bosque, prado, etc.).
E daqui resulta que da possível fusão, numa
escala de vizinhança, portanto de grande proximidade, entre uma Arquitectura
positiva e afirmadamente sóbria e atraente e uma conseguida simulação de um
ambiente natural, resulta um efeito final, simultaneamente, de grande
integração formal entre edificado e natureza, e também de uma insuspeita
valorização, quer especificamente desse edificado, quer desse “recanto”
natural; afinal, o tema de base que suscitou esta reflexão.
Fig. 18: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
(iv) Finalmente, mas nunca em último lugar,
importa referir a questão da própria qualidade do desenho das Arquitecturas
dos edifícios e da paisagem reconformada, uma matéria que é evidente no
bairro de Olivais Norte, sítio onde não há, por regra, lugar a arquitecturas
edificadas e paisagísticas que estejam abaixo da excelência.
Sobre esta matéria específica muito haveria e
haverá a comentar, mas fica sempre a ideia de que quando tratamos de fazer
conjuntos urbanos e pequenos bairros de uma cidade que teve história e que quer
continuar a fazer história, não deveríamos aceitar um nível arquitectónico
exigencial abaixo da excelência, designadamente, quando se desenvolvem
conjuntos com dimensão urbana significativa; afinal há um direito à
criatividade, sem dúvida que há, mas tem também de haver um direito cidadão a
essa excelência urbana e residencial com sentido amplo e de certa forma
comsensual, e por aqui ficamos nesta temática para já.
Algumas notas complementares, mas
importantes, que ficam por desenvolver
Várias são as questões que podem ser
consideradas como formal e/ou funcionalmente complementares a estes aspectos de
integração entre modernismo edificado e natureza reconfigurada, mas que, na
prática têm tudo a ver com o êxito que se pensa ter sido atingido, pelo menos,
neste bairro de Olivais Norte.
Apontam-se em seguida, sumariamente, algumas
dessas questões, por regra associadas a determinados aspectos qualitativos,
seja de micro-urbanismo, seja de concepção do edifício e da própria célula
habitacional privada.
Fig. 19: edifícios e natureza reconfigurada em
Olivais Norte
Um dos aspectos é haver vida de bairro em
Olivais Norte, não sendo por não haver ruas e quarteirões e pracetas que deixa
de haver no bairro uma estimulante vida diária, uma matéria que terá a ver,
seja com a actual centralidade e a excelente acessibilidade urbana gozada pelo
bairro, designadamente, em termos de transportes colectivos, seja com a
existência de um pequeno “centro cívico”, verdadeiramente multifuncional e
estrategicamente concentrado e bem situado/acessível a pé a todos os moradores
do bairro. Mais desenvolvimentos do tema terão de ficar para outros textos.
Outro aspecto é ser necessário fazer contas
sobre o que custa a manutenção do verde publico em Olivais Norte. Sem dúvida
que será/é uma manutenção dispendiosa, designadamente, nas estações mais
quentes, mas atentemos à situação de haver grandes extensões de “erva” e terra
sob grandes árvores, onde é quase só necessário limpar, e haver grandes
relvados e/ou prados cuja mecanização da manutenção será sempre possível e está
já em parte desenvolvida, sendo eventualmente a actual opção por mão de obra
intensiva uma escolha que eventualmente poderá visar uma perspectiva de criar
mais emprego ainda que com base, eventualmente, em ordenados reduzidos.
O que se aponta aqui é, essencialmente, que há
contas a fazer nesta matéria e haverá, provavelmente, lições positivas e
negativas a retirar sobre formas de actuação paisagística desenvolvidas no
bairro - temática a desenvolver desejavelmente em parceria com um colega
paisagista noutros artigos desta série.
Fig. 20
Ainda nas áreas da manutenção urbanística seria
interessante realizar um estudo comparativo entre o que tem custado a
manutenção dos troços viários de tráfego misto e das vias "clássicas"
(rodoviárias marginadas por passeios) de Olivais Norte, e o que custa a
aplicação corrente e isolada dessa mesma solução "clássica"; é que,
pelo menos aparentemente, as referidas vias mistas do bairro parecem estar, em
boa parte, intocadas e quase sem precisarem de manutenção desde há cerca de 50
anos.
Outro aspecto é considerar o verdadeiro nível
de qualidade de vida e de saúde ambiental que é possível em Olivais Norte;
matéria esta com enorme importância numa sociedade actual, marcada pelo stress
e pela poluição - temática fundamental a desenvolver.
Outro aspecto a desenvolver refere-se a
estarmos em presença de uma dos mais "acabados" e positivos exemplos
portugueses de aplicação de uma rede pedonal estruturadora, embora bem
conjugada com as vias para veículos, num conjunto residencial com grande
dimensão.
E ainda um outro aspecto tem a ver com a
verdadeira qualidade de desenho edificado e de “desenho de natureza” que foi
aplicada em Olivais Norte, e aqui há necessariamente uma pequena história a
fazer e ensinamentos a recolher, numa altura em que será cada vez mais vital
assegurar essa qualidade.
Naturalmente estas são matérias a desenvolver e
que terão grande importância num fundamentado aprofundamento dos processos que
regem a satisfação urbana e residencial.
9. Reflexões finais sobre ONorte Modernista o famoso
«bairro jardim» tão pouco cuidado ao longo dos últimos anos
Relativamente aos aspetos de grande
qualidade na conceção original e de uma atual crítica muito reduzida reabilitação
e manutenção dos espaços exteriores públicos do ONorte Modernista, importa
SALIENTAR que estes espaços exteriores públicos ajardinados são, evidentemente,
a «marca e a própria razão de ser» do «bairro jardim» que foi e ainda deveria
continuar a ser o ONorte Modernista.
Realmente tal como define o conceito um «bairro
jardim» este tem de ter «jardins», como teve o ONorte Modernista, e não espaços,
que em alguns locais e por vezes são quase de mato e progressivamente
desarborizados e pobremente marcados por arbustos, como acontece hoje em dia no
ONorte Modernista, porque os relvados de escalracho aguentam muita secura, mas
precisam de alguma água, porque as árvores originais têm atingido o final da
sua vida habitual e não têm sido adequada e quantitativamente substituídas e
porque no que se refere aos essenciais arbustos, mais e menos altos, o que tem
imperado é a quase ausência de cuidados, sendo que os moradores são responsáveis
por alguma manutenção e até por interessantes intervenções, que deveriam ser,
evidentemente, acarinhadas, apoiadas e dinamizadas.
Este assunto é de enorme importância não só
pela anulação do próprio conceito de ONorte Modernista como «bairro jardim»,
que põe em causa a sua própria natureza, mas também porque toda a conceção
global do bairro, os seus aspetos de pormenorização urbana (ex., espaços mistos
peões/veículos) e, sublinhe-se, a própria estruturação do edificado e a sua
respetiva pormenorização em termos de espaços e entradas térreas comuns,
depende de um adequado ajardinamento e não de um expressivo quase abandono do
coberto vegetal original (cobertura de solo com escalracho, árvores e
arbustos), aproximando assim, por vezes, o «quase mato» das entradas dos
edifícios e evidenciando-o por todo o lado, pois no ONorte Modernista não
existem evidentemente «ruas clássicas» que «amorteçam» estas vistas.
E subsequentemente a quase ausência de cuidados
regulares de ajardinamento, agora ligada à evidente necessidade de reabilitação
de boa parte do ajardinamento que foi quase abandonado ao longo de anos, e frequentemente
associada a um evidente menor apuro na limpeza pública, junta, por vezes,
«quase mato» e lixo, dando sinal dedesleixo público e influenciando muito mal a
essencial estima pública por estes espaços.
Quanto ao presente e ao futuro de uma essencial
e urgente regeneração dos espaços ajardinados do ONorte Modernista, que não será
simples nem barata pois deixou-se a respetiva degradação do coberto vegetal
original chegar a níveis complexos, designadamente, quando ligados a aspetos de
paisagismo e de natureza, há que sublinhar, primeiro, que tal regeneração terá
de ser faseada e estratégica (ex., com medidas imediatas e a médio prazo), terá
de ser bem enquadrada em termos de gestão, terá de ser concertada com a população
e terá que ser arquitectonicamente muito bem qualificada, fazendo justiça ao
seu excecional projeto original.
Mas importa ainda salientar que no que podemos
designar de processo gradual de quase abandono dos jardins do ONorte
Modernista, não parece ter havido um cuidado de eventual substituição de um
dado tipo de processo de ajardinamento por outro, nem uma adequada informação pública
nesse sentido, pelo menos efetiva; houve sim alturas nos últimos anos em que o
quase mato chegava a alturas perfeitamente inacreditáveis, e tenho imagens de
tal triste situação, e as acumulações de lixo marcavam; isto enquanto nos
principais acessos ao ONorte Modernista e junto a equipamentos algumas
estratégicas zonas mantinham-se «verdes» com o respetivo escalracho minimamente
regado e algumas zonas bem delimitadas foram muito recentemente
intervencionadas com enormes extensões de calçada portuguesa (que sabemos ter
elevados custos); são factos, também recentemente rematados com um excelente
pequeno jardim comemorativo, que merece rega e cuidados de limpeza sistemáticos,
mas apenas ele; enfim é o que temos, mas que deve mudar urgentemente.
No que considero ser esta triste história de
muito pouco cuidado por uma área urbana realmente patrimonial, falou-se, até,
de “biodiversidade”, talvez para se «justificar» muito deste descuido e não sei
se toda a associável falta de equipamentos básicos em número e localizações
adequados, como papeleiras, bancos, e mesmo iluminação; isto enquanto alguns
técnicos justificavam que a manutenção do bairro era difícil por serem
necessários «exércitos de jardineiros», e portanto …?
Ou será que o problema é também exatamente uma
falta crítica de uma intervenção nos exteriores do ONorte Modernista que seja
realmente integradora, sabedora e culturalmente bem fundamentada, que
intervenha nas zonas mais retalhadas dando-lhes outros usos e visualidades
adequados, enquanto avance decisivamente no resgate das amplas zonas verdes e
ajardinadas que foram e são potencialmente extraordinárias, que dão o carácter
e a identidade ao «único» ONorte Modernista e que podem ser bem geridas e
maquinalmente bem mantidas com novas ferramentas altamente produtivas em termos
de controlo do verde rasteiro, mas um verde que recupere provavelmente o velho e
bom escalracho, que aliás se minimamente regado ainda poderá recuperar numa
parte significativa dos espaços, desde que bem cuidados e rearborizados – e
isto fica evidente nos tais poucos espaços que estrategicamente têm tido
continuidade de alguma manutenção. E atenção que uma opção de gestão adequada do
exterior também não parecem ser «exércitos de jardineiros» mal preparados e mal
equipados.
Naturalmente e tal como já se apontou, esta
urgente regeneração do exterior do nosso mais carismático «bairro jardim» deve
ser associada à maximização da melhoria das respetivas imagens urbanas dos edifícios
contíguos e próximos e para tal há que mobilizar moradores e talvez procurar
apoios gerais comunitários que eventualmente existam e possam ser aplicados.
Um outro último aspeto também importa referir:
trata-se do que se julga ser o evidente direito cívico e humano dos habitantes
dos Olivais e do ONorte Modernista, particularmente, a uma continuidade das
caraterísticas do seu «bairro jardim», que escolheram por ter essas mesmas
caraterísticas e não aquelas de relativo abandono atualmente existentes; os
impostos são pagos, o bairro tem um conjunto de caraterísticas específicas e
portanto há que as respeitar.
10. Urgência da intervenção no ONorte Modernista
Quero concluir este artigo defendendo,
novamente, que este "único" Olivais Norte Modernista é (i) um bairro
que merece uma atenção patrimonial e profunda urgente nos vários aspetos das
sua imagem urbana (por exemplo, designadamente, através de uma estratégia de
gestão que procure aliar moradores, intervenção pública e adequada informação),
podendo e merecendo assumir uma importante divulgação europeia como conjunto
urbano modernista exemplar (e atente-se nos frequentes visitas que já acontecem
frequentemente no bairro) e ainda por cima de habitação de interesse social e
(ii) um bairro que não merece a grave deterioração que incide sobre uma parte
significativa das suas caraterísticas de imagem urbana e arquitetónica,
deterioração essa que decorre, por um lado, das infelizmente bastante
generalizadas e negativas apropriações dos moradores em edifícios que são
realmente “patrimoniais” (ex., “marquises” sem qualquer uniformidade e cuidado
de desenho), e, por outro lado, da crítica deterioração e relativa ausência de
cuidados que marca grande parte dos respetivos espaços exteriores públicos, que
evidenciam a ausência dos essenciais cuidados regulares públicos de manutenção
e, atualmente, mesmo de reabilitação do que eram os seus exemplares espaços
exteriores “verdes” e construídos; e uma situação de grave deterioração de boa
parte do exterior público dos Olivais Norte que tem acontecido, de modo
evidenciado, talvez ao longo dos últimos quinze anos.
Uma situação negativa que no ONorte Modernista deve
começar a ser urgentemente revertida com uma gestão adequada e participada e o
esforço de todos, setor público e privados, seguindo-se, até, exemplos que
penso terem sido já desenvolvidos em Lisboa (em situações que julgo similares,
ex., Av.ª do Brasil, numa intervenção praticamente simultânea em edifícios
privados e pracetas públicas adjacentes) e, se possível, utilizando-se apoios
patrimoniais específicos que porventura existam disponíveis no País e a nível
da UE, e desenvolvendo-se intervenções estrategicamente faseadas em diversas
áreas do bairro, aproveitando-se para procurar resolver, cuidadosamente, problemas
pontuais existentes (ex., falta local de estacionamentos, falta de mobiliário
urbano e falta de equipamentos de campos de jogos, bem como outros aspetos a
identificar e onde se salienta a necessidade de um cuidadoso replantio das
espécies vegetais originariamente escolhidas, apenas com alterações bem
justificadas por aspetos de saúde, como as alergias).
Quem queira visitar o O Norte
Modernista, apesar de tudo ainda bem impactante na sua vivência e imagem, não
ficará desiludido e pode até ir de Metro até à estação da Encarnação que se
situa no centro de Olivais Norte e onde poderia e deveria ser instalado um
pequeno e prático “centro” informativo e de divulgação sobre o Bairro, desde
que, naturalmente, integrado numa sua urgente ação de reabilitação, regeneração
e divulgação.
Breves notas de remate sobre o ONorte Modernista
Deambulou-se pelo bairro de Olivais Norte em
Lisboa, o ONorte Modernista, afinal «um excelente bairro», embora sem ruas com tradicional
continuidade, sem quarteirões e sem uma afirmada continuidade física com a
cidade central, e pensou-se, um pouco, sobre como a sua arquitectura
modernista, predominantemente, habitacional constituiu, durante cinquenta anos,
portanto durante meio século, e constituirá, muito provavelmente durante muito
mais tempo, um verdadeiro trunfo citadino, de vizinhança e edificado com claro
sinal positivo, tanto em termos vivenciais, como em termos culturais.
Voltando ao tema central do artigo, para o
concluir, podemos referir que, afinal, parece ser possível fazer “cidade
modernista” coesa, atraente e viva; aprendamos pois, um pouco mais, com o muito
que há para aprender em Olivais Norte – Encarnação, tanto nos aspectos globais
e pormenorizados de concepção, que aqui não foram extensamente abordados, como
nestes aspectos de relação entre “partidos”, racionalistas, depurados e muito
bem qualificados em termos de desenho e uma natureza igualmente bem “desenhada”
e com expressiva presença; uma excelente realidade que está, claramente, a
“milhas de distância” dos infelizmente frequentes casos de mau desenho de
"arquitectura" cheio de pormenores sem sentido e mal acompanhado por
um verde urbano negativamente ausente ou tristemente fingido.
Concluímos, portanto, com um sinal positivo
sobre a excelência global do ONorte Modernista e, consequentemente, sobre a
urgência de uma sua cuidadosa mas efetiva regeneração.
Pequena bibliografia sobre Olivais Norte
Alguns documentos de apoio e aprofundamento
(numa breve listagem)
Conversas do autor com Nuno Teotónio
Pereira.
ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITECTOS PORTUGUESES (AAP), Guia
Urbanístico e Arquitectónico de Lisboa (GUAL). Lisboa: AAP, 1987, 311 p.
COELHO, António Baptista – Qualidade
Arquitectónica Residencial – rumos e factores de análise. Lisboa: LNEC,
Informação Técnica Arquitectura (ITA) n.º 8, 2000 , 475 p.
GABINETE TÉCNICO DA HABITAÇÃO DA CÂMARA
MUNICIPAL DE LISBOA – Principal Legislação da Habitação Económica
interessando à cidade de Lisboa de 1912.07.26 a 1964.12.28, em boletim gth,
vol. 1, n.º 3. Lisboa. Câmara Municipal de Lisboa, 1964.
Google Maps.
PEREIRA, Nuno Teotónio – As Casas
Económicas, 1947 – 1969, em Jornal Arquitectos n.º 16, 17 e 18.
Março/Abril. Lisboa, 1983, 4 p.
PEREIRA, Nuno Teotónio – Escritos (1947 –
1996, selecção). Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
FAUP Publicações, 1996.
PEREIRA, Nuno Teotónio – Tempos, Lugares,
Pessoas. Matosinhos: Contemporânea Jornal “Público”, Colecção Os
Contemporâneos do Público, 1996, 144 p.
PEREIRA, Nuno Teotónio (colaboração de António
Baptista Coelho) – Os Olivais – experiência colectiva de uma geração,
Palestra proferida nos Encontros da Associação dos Arquitectos Portugueses –
Habitação, Construir Cidade com Habitação. Lisboa: AAP, 1998, 8 p.
Revista Arquitectura n.º 81, “Olivais Norte”,
Março de 1964. Base de imagens e outros elementos.
TORRES, Helena; PORTAS, Catarina; FREIRE,
Adriana – Olivais Retrato de um Bairro. Liscenter, 1995, 112p.
TOSTÕES, Ana (coord.) – Arquitectura e
Cidadania, Atelier Nuno Teotónio Pereira. Lisboa: Quimera Editores,
Catálogo, 2004, 331 p.
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural
responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer
elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias,
desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos
respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as
necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
(iv) Oportunamente haverá novidades
no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da
Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da
sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial
enfoque na habitação de baixo custo.
Sobre a importância e a urgente regeneração do Olivais Norte Modernista – infohabitar # 952
Informa-se
que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da
Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links
diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de
2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:
https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing
Infohabitar, ano XXI,
n.º 952
Edição: quarta-feira 15 de outubro
de 2025
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas
Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura
e Urbanismo pelo LNEC.
Os aspetos técnicos do lançamento da
Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas
pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os
conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.
Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa
para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na
Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).