terça-feira, maio 24, 2005

Mundos citadinos que é urgente conhecer/fazer melhor – III - Infohabitar 23

 - Infohabitar 23

“Cidade do vagar e ilhas de paragem”



(imagem: conjunto João Barbeiro, Beja, Arq. Raúl Hestnes Ferreira, Arq. Manuel Miranda)

Como se disse no primeiro número desta série de pequenos textos, estamos ainda a aprender a viver em grandes cidades e nesta aprendizagem é realmente importante assegurar uma qualidade arquitectónica dos espaços do habitar que contribua, claramente, para pedaços de cidade que induzam felicidade; os tais edifícios felizes, segundo Alcino Soutinho, as tais arquitecturas felizes e que são suporte da felicidade de quem as habita.

No segundo número desta série sobre os mundos citadinos melhor conhecidos e melhor feitos colocaram-se, muito ao de leve, questões fundamentais sobre como nos poderemos dirigir para essas perspectivas de felicidade, seja a partir de uma observação serena dos espaços citadinos e habitados onde ela parece existir, seja seguindo um caminho de rigorosa exigência de concepção e desenho, cumprindo diálogos construtivos e cultos com quem projecta e com quem habita.

Neste pequeno texto e ainda não tentando cruzamentos com o grande texto “programático” que acabou de ser editado no infohabitar sobre os desafios da cidade de hoje e de amanhã, foca-se a atenção sobre a importância que tem todo o apoio que a cidade possa dar às mais variadas formas de viver/habitar devagar; refere-se que o tema foi tratado sob outras interessantes perspectivas, há alguns dias, no jornal Público, revista xis, num artigo de Ana Vieira de Castro).

Como ponta pé de saída, ao nível urbano, desta temática do viver/habitar devagar e numa perspectiva humana, que é, cada vez mais, essencial na cidade de hoje, podemos considerar duas opções bem distintas: uma delas que sirva cegamente uma sociedade da rapidez, do stress, da ausência de convívio e da funcionalidade estrita; e outra que tudo faça pelo convite ao fruir da cidade em paz e com tempo, a pé (o flanar), que promova a calma, a protecção ambiental e a oferta de pontos de atenção e de estadia fortuita ou periódica, que providencie ocasiões e cenários naturais e quase espontâneos de convívio e que para além das funcionalidades (“a função”) ofereça realmente “a forma” e o ambiente, mas uma boa forma e um bom ambiente.

Em isto tudo e nesta perspectiva que se poderia definir como uma cidade com cariz estrutural tradicional – uma espécie de slow-city (naturalmente com muitos sítios de slow-food)– há que sublinhar que não se entenda ser esta posição uma afronta às medidas gerais que têm de garantir o melhor funcionamento da cidade, mas sim a defesa de uma das qualidades fundamentais do mundo citadino – o flanar, o estar e o convívio nos espaços públicos – que é também um complemento salutar e vital dessa funcionalidade.

Essa cidade vagarosa ou cidade do vagar, onde se pode e deve andar ao sabor de tantos motivos, baseia-se em vários aspectos qualitativos entre os quais e desde já se salienta a estratégica disponibilização de “ilhas de paragem”, o estímulo à estadia e à circulação no exterior e a qualidade da paisagem urbana.

Sobre as ilhas de paragem, há que referir que têm de ser locais de contemplação, de reflexão e, eventual ou pontualmente, de comunidade, que deverão marcar, seja as vizinhanças residenciais – provavelmente mais caracterizadas pelo sossego e pela domesticidade -, seja pólos urbanos onde se queira que o habitante e o visitante se detenham mais do que um momento, integrando-se, assim, verdadeiramente, embora por prazo curto, na vida dessa pequena parte da cidade.

É um grande e aliciante tema que se pretende desenvolver em próximos números desta série, articulando-se e aprofundando-se estas ideias com as matérias da dinamização do uso de um exterior que deverá ser muito positivamente qualificado em termos de paisagem urbana.

Lisboa, Encarnação, 24 de Maio de 2005

António Baptista Coelho

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