domingo, janeiro 24, 2016

Em memória viva de Nuno Teotónio Pereira

Em memória viva de Nuno Teotónio Pereira

Na morte de um amigo e de alguém que marcou a sociedade e a arquitetura portuguesas a vontade que há é, em primeiro lugar, a de um silêncio benéfico e de sentida homenagem, aliado aos sentimentos dirigidos à família enlutada e aos amigos diretos.
Nuno Teotónio foi e é um grande homem, que marcou, marca e marcará a sociedade e a arquitetura portuguesas; e na nossa memória e na nossa vida diária ele está e estará vivo, em obras, textos e numa presença que nunca passará.
Uma vida cheia, uma vida que julgo ter sido plena e feliz, uma vida de serviço, de criação e de gosto pela própria vida, sempre olhando em frente e sempre considerando a sua e nossa Arquitetura como algo tão sentido e próprio, como partilhado, comum e útil para todos e para a cultura.
E talvez que a forma como o Nuno Teotónio pensou e marcou tudo isto, com perfeita naturalidade e familiaridade, “entre amigos”, ou entre pessoas naturalmente movidas por intenções positivas e evidentemente solidárias, seja um dos seus legados: considerando a Arquitetura e a Arquitetura do habitat humano como algo muito próximo de todos nós habitantes, algo extremamente natural, sensível, “descomplicado” e “simples”, mas marcado por uma riqueza tão grande e sentida, que só quem sente tudo isto bem perto e naturalmente pode ir entendendo a paixão que estes temas nos despertam.
Esta atitude do Nuno, como me obrigou a tratá-lo depois de alguns poucos encontros, parece-me ser a base de muito do que fez, sempre em companhia, sempre em diálogo, sempre olhando um outro dia que se queria melhor e que ajudou a fazer melhor.
Obrigado Nuno e por tudo bem hajas!
António Baptista Coelho
Depois deste pequeno texto, e ainda num registo muito pessoal, gostaria de lembrar aqui, em primeiro lugar, uma outra grande e saudosa amiga comum, minha e do Nuno, a Arquitecta Isabel Plácido, alguém que sempre esteve com o Nuno Teotónio, desde sempre!
E lembro outro amigo comum, o Arquitecto Hélder Oliveira, atual colega professor na Arquitetura da Universidade da Beira Interior, na Covilhã, pois sei que ele partilha comigo estas sentidas palavras e muitas outras que só ele poderá dizer.  
Quero, ainda, e de modo informal, em nome do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), uma “escola” que integrei e que continua a ser uma “minha casa”, honrar a memória bem viva do Nuno Teotónio e voltar a agradecer-lhe a cedência ao LNEC, em 2009, da sua coleção documental sobre habitação e urbanismo, uma coleção única, que está disponibilizada numa sala que integra a biblioteca do LNEC e devidamente integrada na respetiva base documental.

(Coleção documental sobre habitação e urbanismo de Nuno Teotónio Pereira, no LNEC, em Lisboa)


Finalmente e numa homenagem natural ao Nuno Teotónio, por parte da sua Infohabitar, revista que honrou por variadas vezes com artigos e textos, é reeditado, em seguida, um dos seus artigos; e entre as várias possibilidades sobressaiu um texto por ele escrito e editado no nº 216 da Infohabitar, intitulado “Que fazer com estes 50 anos?” – referido ao problema da habitação e ao I Congresso Nacional de Arquitectura (realizado em 1948), um texto editado pela Ordem dos Arquitectos, na louvável iniciativa de comemorar os 60 anos do 1º Congresso, e que aborda, entre outras matérias, temas tão interessantes e atuais como: “O contexto mundial: construir um mundo novo”; e “tornar efectivo para todos o direito à Arquitectura.” 
O Editor da Infohabitar


(Nuno Teotónio com Vasco Folha, Raúl Hestnes Ferreira e Teixeira Trigo numa ação do GH no INH, Lisboa)

Fiquemos, então, com as palavras de Nuno Teotónio Pereira:

QUE FAZER COM ESTES 50 ANOS?

Falar do Congresso de 48 é voltar atrás meio século e evocar o tempo em que não havia mais do que 150 arquitectos em Portugal — quase todos concentrados em Lisboa e Porto — e que acorreram com entusiasmo à magna reunião, ficando a conhecer-se todos uns aos outros. O contraste com a realidade de hoje, quando caminhamos para os 10 mil, estamos espalhados pelo País, e cada um de nós não conhece mais do que um por cento do corpo profissional, não deixa de ser impressionante.

Mas o mundo também já é bem outro, dominado pelas realidades virtuais e a caminho acelerado da globalização. Nas notas que se seguem procurar-se-á dar uma ideia do que foi esse tempo distante e arriscar-se-ão algumas pistas no sentido de buscar, perante situações e contextos tão diferentes, uma linha de continuidade nos rumos da profissão.

O contexto mundial: construir um mundo novo

Nas cidades devastadas por arrasadores bombardeamentos aéreos, os governos e os povos empenhavam-se arduamente na reconstrução. Mas, tanto ou mais que a reconstrução material, todo o clima que se vivia clamava por uma reconstrução social e moral que apagasse os ódios passados, com base na solidariedade e na fraternidade. Da rica América, através do Plano Marshall, chegavam biliões para os ciclópicos trabalhos de reconstrução, não distinguindo vencedores e vencidos. Em S. Francisco era fundada a ONU, destinada a acabar com as guerras no mundo. E até antes, em 1942, ainda no auge dos combates, o governo de coligação inglês publicava o Plano Beveridge, da autoria de um conceituado economista liberal (!), o qual viria a ser o modelo do Estado-Providência nas democracias ocidentais, assegurando a todos o direito à educação, à saúde e à segurança social. Ao mesmo tempo a reconstrução das cidades arrasadas era integrada num quadro abrangente de dinamização económico-social, inspirado tanto no New-Deal rooseveltiano, de que o paradigma era a Tenessee Valley Anthority, como nos planos quinquenais soviéticos.

Foi neste contexto que os arquitectos foram naturalmente chamados a um papel de primeiro plano. E estavam bem preparados para isso, com a doutrina messiânica da Carta de Atenas e as propostas redentoras de Le Corbusier, fazendo apelo a um “Espírito Novo”. O Movimento Moderno conhecia a sua grande oportunidade histórica: era preciso rejeitar tudo o que se considerava caduco, convencional ou simplesmente académico.

Enquanto o Estado Novo procurava sobreviver, os arquitectos organizavam-se em torno dos novos ideais.
Com a derrota do nazi-fascismo em 1945, as ditaduras ibéricas viram-se seriamente ameaçadas — interna e externamente — e Salazar foi obrigado a operações de cosmética com a adopção, meramente formal, de alguns figurinos democráticos. Fortes movimentos de contestação, como as greves operárias de 1944 e o Movimento de Unidade Democrática, lutavam pelos direitos dos trabalhadores e por eleições livres e sérias, a ponto de o ditador ter pela primeira vez admitido, nas eleições para deputados em 1945, a participação da oposição e o abrandamento temporário da censura à imprensa.
No campo profissional, as revistas de arquitectura europeias, que tornavam a publicar-se após um longo interregno, eram lidas com avidez e o livro “Brazil Buils”, editado em 1943 pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, mostrava a realidade pujante de uma arquitectura moderna fora do espaço centro-europeu. Enquanto a revista “Técnica” do IST publicava a tradução do articulado principal da Carta de Atenas, era constituída em Lisboa uma associação de arquitectos designada “Iniciativas Culturais Arte e Técnica, ICAT”, liderada por Keil Amaral. Quase ao mesmo tempo, um grupo de arquitectos do Porto criava a “ODAM, Organização dos Arquitectos Modernos”.

Fortemente politizados, pugnando pela Arquitectura Moderna, os dois grupos iriam juntar esforços para dar cabo do chamado “português suave”, a arquitectura dita nacional que a ditadura de Salazar, a exemplo de outros regimes totalitários, utilizava como instrumento de inculcação ideológica para fortalecer o seu poder. Uma arquitectura marcadamente cenográfica que, por ter sido desejada, programada, promovida e, quando necessário, imposta pelo regime, merece bem a designação de “arquitectura do Estado Novo” — porque as outras, desde o Modernismo dos anos 30 até ao Moderno dos 50 e 60, desenvolveram-se livremente, perante a indiferença e sem interferências do poder, ao longo do quase meio século que durou a ditadura.

Em 1947 o ICAT compra a decadente revista “Arquitectura”, fazendo dela porta-voz para a divulgação das ideias e das realizações do Movimento Moderno. E pouco depois, já nas vésperas do Congresso, Keil Amaral é eleito Presidente do Sindicato, cargo de que só viria a tomar posse após a sua realização, mercê da demora na homologação governamental. Esta homologação, obrigatória para todos os cargos associativos de qualquer natureza — pois vivia-se em ditadura — acabou por ser concedida, mas foi retirada mais tarde, demitindo Keil Amaral do cargo para que fôra eleito pelos seus colegas.


O Congresso foi palco do combate pela Arquitectura Moderna, o qual se inscrevia na luta mais geral contra a ditadura.

Iam assim já longe os tempos em que os arquitectos se sentiam agradecidos ao governo pelo facto de o regime lhes ter dado, pela mão de Duarte Pacheco e das suas Obras Públicas, oportunidades de trabalho inusitadas, ao mesmo tempo que o reconhecimento da importância social da sua profissão. Isto mesmo não se esqueceu de lembrar o então ministro José Frederico Ulrich (que sucedera a Pacheco após a morte deste em 1943) na sessão de encerramento do Congresso: “a classe dos arquitectos ainda deve mais a este período de ressurgimento nacional do que a classe dos engenheiros”. E até era verdade. Mas tudo tinha mudado.

Efectivamente, tinham passado escassos oito anos após a grandiosa exposição de 1940, mas um enorme cataclismo mundial tinha virado uma página da História. E se os tempos eram assim bem outros, os arquitectos portugueses também, impulsionados por uma nova geração plena de convicções e de combatividade.

Duas circunstâncias decisivas estiveram na base do terramoto que o Congresso 48 provocou ao nível da profissão: por um lado, a garantia dada pelo governo ao presidente do Congresso Cottinelli Telmo, de que as comunicações não seriam censuradas; por outro, o facto de se ter admitido a participação plena de estudantes finalistas, então chamados tirocinantes.

Foi assim, num país onde existia um apertadíssimo contrôlo de tudo o que era publicado, que a liberdade de expressar ideias que iam contra a retórica oficial foi aproveitada ao máximo, nos dois temas propostos para discussão: “A Arquitectura no plano nacional” e “O problema português da Habitação”.

Promovidos pelo governo a propósito da exposição “Quinze Anos de Obras Públicas”, destinada a glorificar o regime, os dois Congressos de Engenharia e de Arquitectura conheceram desenvolvimentos bem diferentes. Enquanto o primeiro decorreu bemcomportadamente sem surpresas, o de Arquitectura transformou-se num clamor de contestação que surpreendeu o poder. A vaga foi irresistível: a velha-guarda modernista que se tinha tão docilmente rendido ao “portuguesismo” apenas dez anos antes, na onda dos fascismos que assolaram a Europa, via-se de repente obrigada a alinhar com as posições de vanguarda que se impunham em todo o mundo (com a muito escondida então excepção da União Soviética) com reflexos nos ambientes de trabalho e de ensino — administração pública, gabinetes de arquitectura e escolas — em que os Mestres eram contestados por jovens diplomados e estudantes.

Assim, no Congresso, a construção em altura e a Carta de Atenas foram erigidas como modelos a adoptar, mas não só: falou-se também de reajustamento social (pois seria temerário falar em revolução), em habitação proletária, em unidades de vizinhança, num Novo Humanismo e nas catedrais dos Tempos Modernos, citando Le Corbusier.

E rejeitou-se “a imposição, ou sequer a sugestão, de qualquer subordinação a estilos arquitectónicos”, proclamando-se que “o portuguesismo da obra de arquitectura não pode continuar a impôr-se através de imitação de elementos do Passado”.

Neste quadro, em que foram apresentadas mas rejeitadas conclusões mais moderadas ao tema “A Arquitectura no Plano Nacional”, até os arquitectos mais ligados ao regime fizeram a sua auto-crítica, como Cottinelli, reconhecendo que “temos lançado cá para fora frutos raquíticos e dessorados de uma conciliação impossível entre juízes sem idoneidade e o nosso desejo anemizado pela transigência connosco próprios e com os outros.” Ou, como Jorge Segurado, que desenterrou uma expressão arcaica para justificar a aceitação da solução vertical na habitação colectiva sem renegar o seu portuguesismo: o “aposentamento”, como alternativa ao internacionalista “apartamento”.

Foi assim que os arquitectos reunidos em Congresso trocaram as voltas ao Poder e reconquistaram a sua liberdade de expressão. Obrigado a envergar uma máscara democrática, o Estado Novo de Oliveira Salazar desembaraçava-se do que considerava secundário para a sua sobrevivência, conservando porém ciosamente o essencial: a censura à imprensa, a polícia política, as restrições ao direito de associação, as eleições fraudulentas. E, entre o secundário, encontrava-se o contrôlo da expressão arquitectónica, cujas normas apertadas começaram a ser suavizadas.

Com o impulso do Congresso e os novos ventos que sopravam no mundo, os arquitectos portugueses forjaram uma consciência profissional que inspirou a prática associativa e a sua própria intervenção cívica e cultural ao longo dos anos que se seguiram. Durante este meio século, primeiro o Sindicato corporativo imposto em 1933 e a seguir a AAP, criada após o 25 de Abril, enquadraram todo o processo de expansão da actividade profissional e de afirmação plena dos arquitectos na sociedade portuguesa que se verificou durante este período.

Um desafio a assumir: tornar efectivo para todos o direito à Arquitectura, mandando os amadores fazer outra coisa, apurando o desempenho profissional e dando trabalho a todos os arquitectos

Todos estaremos de acordo em que as comemorações do passado só ganham sentido se ajudarem a melhorar o presente e a construir o futuro. Caso contrário só servem para alimentar saudosismos estéreis. Agora que a AAP passou a Ordem, com competências acrescidas, agora que já somos tantos e em breve seremos muitos mais, agora que já há arquitectos em todo o território e nos quadros superiores da Administração e das empresas, agora que a Arquitectur
a portuguesa é enaltecida pela crítica internacional, o que é que faz falta?

Se olharmos para o interior da profissão é uma evidência que muitos arquitectos têm dificuldade em arranjar trabalho ou são obrigados a desempenhar tarefas fóra do quadro profissional; e que estas dificuldades vão acentuar-se com a proliferação desmesurada de cursos de Arquitectura a que se vem assistindo. E se olharmos para a produção do espaço edificado entre nós, não só persiste uma elevada percentagem de projectos feitos por curiosos ou técnicos não qualificados, como até alguns dos que levam porventura a assinatura de arquitecto não ultrapassam uma triste mediocridade: a qualidade continua a ser uma excepção e o nível da produção corrente é claramente insatisfatório — o que significa que o direito à (boa) Arquitectura não está ao alcance de todos. Colmatar este défice — eis aqui um desafio bem digno de ser assumido pela profissão nesta celebração dos 50 anos do Congresso de 48, em prol do interesse público e da qualidade de vida dos portugueses. E este desiderato, que implica obrigatoriamente, sem porém nesta se esgotar, a revogação do tristemente célebre 73/73, poderá fazer com que tantos jovens arquitectos à procura de trabalho possam encontrar oportunidade de se devotarem à profissão que com tanto entusiasmo escolheram, constituindo um estímulo para o aperfeiçoamento da prática de todos nós.
Nuno Teotónio Pereira
24.8.98


Apenas no sentido de participar na continuidade da divulgação da riquíssima obra social, arquitetónica e escrita de Nuno Teotónio Pereira, registam-se, em seguida diversos artigos editados, por ele ou sobre ele, na Infohabitar:



INTERVENÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS numa obra de Nuno Teotónio Pereira e António Pinto de Freitas - Maria Tavares (Infohabitar, Ano V, n.º 265, Setembro 27, 2009, 11 págs., 18 figs.).
O problema da habitação e o I Congresso Nacional de Arquitectura, Nuno Teotónio Pereira, et al, com organização de António Baptista Coelho (n.º 216, 6 Out. 2008, 16 págs..).
Nuno Teotónio, Correia Fernandes e a 19.ª Sessão Técnica do Grupo Habitar em Junho de 2010, entre outras matérias, no n.º 300 - I do Infohabitar António Baptista Coelho, Defensor de Castro e Maria Tavares (n.º 300 -I, 30 Mai. 10, 12 págs., 8 figs.).
Reabilitação do parque habitacional público: O papel das cooperativas - crónica de Nuno Teotónio Pereira (n.º 150, 26 Jul. 07).
Um dia por Lisboa – Fazer e não fazer - Texto de Nuno Teotónio Pereira (n.º 146, 28 Jun. 07, 7 p., 3fig.).
Baixa-Chiado. Um plano ambicioso, uma equipa competente, um processo enclausurado – Nuno Teotónio Pereira (n.º 109, 20 Out., 4p., 4 fig.).
Nos 60 anos do 1.º Congresso Nacional de Arquitectura , textos de, e organizados por, Nuno Teotónio Pereira (n.º 206, 20 Jul. 2008, 9 págs., 7 fig.).

segunda-feira, janeiro 18, 2016

566 - A renovada importância das zonas de refeições domésticas – Infohabitar n.º 566


Infohabitar, Ano XII, n.º 566

A renovada importância das zonas de refeições domésticas – Infohabitar n.º 566

Artigo LXXXIV da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho

Depois de um significativo intervalo editorial retomamos, em seguida, a Série editorial sobre "habitar e viver melhor" (o último artigo da série foi o n.º 543), na qual temos acompanhado uma sequência espacial desde a vizinhança de proximidade urbana e habitacional até ao edifício multifamiliar.
Estamos agora a abordar, com algum detalhe, os espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas facetas que os qualificam; e passamos, agora, a uma reflexão sobre a importância das zonas de refeições domésticas, considerando matérias diversas que lhes estão associadas.

A renovada importância das zonas de refeições domésticas

Numa civilização urbana marcada pela falta de tempo e de convívio, tudo o que se faça para privilegiar o encontro familiar é muito positivo; e como todos temos a noção que as refeições estimulam o encontro e o convívio, então não deve haver quaisquer dúvidas sobre o interesse de se privilegiarem condições domésticas estimulantes para a prática de refeições familiares potencialmente alargadas e conviviais, importando pouco se tais condições são possíveis na sala-comum, na cozinha ou, eventualmente, num espaço específico próximo da cozinha; importa, sim, que em cada habitação sejas bem aparentes condições específicas de integração de um desafogado espaço de refeições e não que se consiga, apenas, uma tal integração, em condições espaciais, funcionais e ambientais exíguas.

Refeições domésticas: associações interessantes

As refeições especiais realizam-se num espaço específico ou numa zona da sala-comum, mas também podem ser desenvolvidas numa grande cozinha familiar, numa sala de família e, até, numa grande varanda protegida, ou numa zona específica de um pátio ou quintal privado.
A “tradicional” exigência de proximidade entre este espaço de refeições e a zona de preparação de refeições, poderá ser compensada por uma posição muito agradável do espaço de refeições, por exemplo junto a uma grande janela. Já a exigência associada à ausência de ruídos e cheiros incómodos deverá manter-se o mais possível.
Nesta perspectiva Claude Lamure considera que a proximidade entre zonas de refeições e de preparação é secundarizada devido às seguintes razões (1): necessidade de um quadro formal representativo para certas refeições e funções festivas/comemorativas; necessidade de separação, pelo menos visual, entre as funções de recepção e de preparação de refeições; e necessidade de uma protecção sensorial (vistas, ruídos, cheiros e vapores) relativamente às zonas de preparação de refeições e de depósito de louça e apetrechos sujos.
No caso de uma forte integração entre a principal zona de refeições e o espaço de preparação, haverá que cuidar com grande atenção dos aspectos de ventilação e de redução de ruídos.

Fig. 01: Zona de refeições informais das Habitações H21 – 24 da Exposição BO01 (ver notas abaixo); Arq.ºs Mario Campi, Arne Jönsson e Jan Telving. A informalidade das refeições e a sua funcional proximidade às diversas zonas da cozinha pode ser "equilibrada" por um aspeto muito digno e formalmente depurado (ou, por exemplo, afirmadamente rústico) da mesa/cadeiras de refeições.

Refeições domésticas: hábitos interessantes

Claude Lamure sublinha que ver televisão, durante as refeições, é uma situação real e frequente, de tal forma que é devidamente assinalada pela definição dos "horários nobres" da programação, precisamente durante as horas das refeições, e nomeadamente à hora do jantar. (2)
Embora não se aprecie a actual estratégia e qualidade televisiva, que provavelmente se manterá por muitos anos, considera-se que numa habitação com dimensões correntes será aceitável considerar a relação entre televisão e espaço de refeições …

Refeições domésticas: aspectos motivadores

O ambiente da zona de jantar deve ser aprazível e cómodo, produzindo um sentimento de união, sem nada a ver com um carácter de "comer rápido" para depois ir descansar para outro lado, deve, assim, caracterizar-se, segundo Alexander, por (3): mesa centrada, ampla e forte; luz sobre a mesa; recinto de instalação relativamente fechado por paredes ou diferentes tonalidades de sombras contrastantes; suficiente espaço para se poder puxar a cadeira para trás e ficar à vontade a conversar; bancadas/aparadores e prateleiras envolventes proporcionando objectos ao alcance da mão, enquanto se está à mesa, uso de tons de cor escuros e confortáveis, especialmente de noite; assentos cómodos instalados na proximidade da mesa.
Ainda nesta perspectiva de identificação de aspectos motivadores do uso, até multifuncional, do principal espaço e da respectiva mesa de refeições sublinha-se a importância de se poder ter uma grande proximidade a um amplo vão sobre o exterior, o que permitirá tomar refeições com abundante luz natural e alguma vista; aponta-se esta ideia porque há, frequentemente, dúvidas entre que zona da sala-comum deve ser mais beneficiada pela luz natural, numa opção que poderá assim conciliar mais luz na zona de refeições e menos no espaço de estar, onde se situará, frequentemente a televisão, o que parece ser uma condição adequada para a ausência de reflexos no respectivo monitor.

Refeições domésticas: problemas correntes

Os problemas correntes em zonas de refeições têm a ver, frequentemente, com a falta de espaço próprio e na sua envolvente, obrigando a condições pouco motivadoras, quer do convívio à mesa, quer do respectivo serviço, que, nas actuais condições de ausência de pessoal de serviço doméstico, deve ser facilitado e agilizado ao máximo; e este é um problema que tem de ser resolvido na própria concepção do espaço doméstico, aproveitando-se, eventualmente, a contiguidade com espaços de circulação para se desafogar a envolvente da mesa. Tal como referi há alguns anos, num trabalho do LNEC, tem de se garantir grande funcionalidade nas actividades de pôr e levantar a mesa e de servir as várias pessoas à mesa, devendo ser possível aceder a boa parte da mesa com as pessoas sentadas e ser razoavelmente cómodo o sentar e o levantar-se da mesa nessas condições, e há que proporcionar um espaço de refeições adequado às potenciais necessidades da família com uma folga de ocupação – espaço à mesa e número de cadeiras para os habitantes da casa (considerando o número de quartos) mais alguns convidados.
Fig. 02: Zona de refeições formais/informais das Habitações H21 – 24 da Exposição BO01 (ver notas abaixo); Arq.ºs Mario Campi, Arne Jönsson e Jan Telving. Uma zona de refeições muito cuidada pode constituir como que um elemento de transição formal/informal entre uma bancada de cozinha e a zona de estar (na imagem em primeiro plano).

Refeições domésticas: questões levantadas (dimensionais e outras)

Numa habitação mínima as questões levantadas pela principal zona de refeições domésticas têm a ver com a sua eventual, mas provável, exiguidade para um grupo convivial alargado; uma questão que poderá ter uma solução razoável concentrando-se espaço para uma mesa razoavelmente espaçosa, alternativamente, na sala-comum ou na cozinha – por exemplo a cozinha poderá ser tornada mais ampla de forma a aceitar uma mesa de refeições corrente, enquanto na sala-comum poderá ser arrumada, estrategicamente, num canto, uma mesa de abas fechada, que em situações festivas será aberta, centrada na sala, após uma re-arrumação provisória dos restantes elementos de mobiliário. Fig
As questões levantadas, numa habitação corrente, são, essencialmente, de natureza dimensional e “ambiental”, e geradas pela situação de poder existir uma mesa ampla, apenas periodicamente usada, por exemplo, ao jantar e no final da semana. Situação que não parece ser negativa desde que a mesa esteja estrategicamente situada de modo a permitir que nela se desenrolem outras variadas actividades domésticas. Numa habitação corrente pode colocar-se a questão do posicionamento único ou múltiplo da(s) zona(s) de refeições domésticas, uma questão que se resolve na ideia de que uma mesa é sempre um pólo potencial de convívio e um local de múltiplas actividades e, portanto, nunca está a mais – por exemplo na cozinha uma pequena mesa central será útil para refeições rápidas e também oferece um plano de trabalho suplementar para a preparação de refeições e o apoio diversificado às refeições.

Refeições domésticas: novidades, dúvidas e tendências (ex., trabalho em casa; idosos, etc.)

Claude Lamure (4) estudou as vantagens e desvantagens de diversos tipos de posicionamentos, únicos ou múltiplos, das zonas de refeições domésticas e concluiu que as disposições mais interessantes articulam cozinha e zona de estar em torno de um espaço de refeições bem aberto tanto sobre a sala, como sobre a cozinha; e aponta que a distinção entre diversos tipos de refeições poderá realizar-se, simplesmente, pelo cuidado posto no seu arranjo e desenvolvimento (ex., toalhas e louças especiais), pelo uso específico de elementos de “cenário” e encerramento (ex., cortinas, portas de correr) e/ou pela variada disposição e extensão da mesa (chegada mais à parede e à cozinha ou mais centrada e integrada com a sala).

Notas
(1) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 201.
(2) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 200.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 741 e 742.
(4) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 202.


Nota importante sobre as imagens que ilustram o artigo:

As imagens que acompanham este artigo e que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.

Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.

A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo bairro de  Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.

Mais se refere que, sempre que seja possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos respetivos projetistas de arquitetura.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XI, n.º 566
Artigo LXXXIV da Série habitar e viver melhor

A renovada importância das zonas de refeições domésticas - Infohabitar n.º 566

Editor: António Baptista Coelho – abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, janeiro 11, 2016

Políticas Públicas de Habitação - Habitação Popular: Portugal e Brasil

Caros leitores da Infohabitar, com esta edição inicia-se uma secção - não numerada em termos de artigos - de divulgação de eventos ligados às temáticas da nossa revista e da GHabitar; e neste caso com a condição de dizer respeito a uma iniciativa da CM do Porto e da sua Domus Social, muma área temática muito interessante, e à participação, entre outros ilustres conferencistas, de um ilustre amigo e membro da GHabitar o Professor Titular da FAU-USP, Khaled Ghoubar.
Uma conferência a aproveitar, sem dúvida!

O Editor da Infohabitar

António Baptista Coelho

domingo, janeiro 10, 2016

565 - Esquissos azuis – uma pequena seleção - Infohabitar 565


Infohabitar, Ano XII, n.º 565

Esquissos azuis – uma pequena seleção
António Baptista Coelho

Apresentam-se, em seguida, alguns apontamentos/desenhos livres, ou esquissos realizados em aguadas azuis, sob várias temáticas, com alguma rapidez (máximo de cerca de 5 minutos por desenho) e diretamente a partir dos respetivos temas (sem recursos a fotografia).
O azul é “a cor da sombra” e com ele consegue-se uma caraterização estimulante destes simples apontamentos urbanos e paisagísticos realizados em Olivais Norte / Encarnação, em Lisboa.



Desenho 1: um simples conjunto de formas - caminho e árvores com sentido natural de perspetiva.



Desenho 2: procurar apontar simultaneamente formas gerais e de pormenor - apontar "a árvore" e também "as folhas".





Desenho 3: fundir azul e amarelo - dando um pequeno sentido de "verde".






Desenho 4: a forma "plástica" da árvore e das suas folhas - e a árvore minimamente enquadrada.





Desenho 5: pessoas e árvores num jardim urbano - sentido de ambiente habitado e com escala humana - azuis com traços de negro.




Desenho 6: a rua arborizada, as árvores protagonistas que harmonizam o ambiente global, dando-lhe um agradável sentido doméstico/residencial.




Desenho 7: as nuvens, um exercício sempre útil e estimulante.




Desenho 8: pássaros (gaivotas), que vão sendo, consecutivamente, integrados na folha em muitas "posições"/vistas.


Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XII, n.º 565
Esquissos azuis – uma pequena seleção
Editor: António Baptista Coelho  - abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.


domingo, janeiro 03, 2016

A Infohabitar inicia o seu 12.º ano de edições semanais - n.º 564

Infohabitar, Ano XII, n.º 564 

Caros leitores da Infohabitar, iniciamos 2016, e o nosso décimo segundo ano de edições semanais contínuas, com um pequeno e simples artigo que quer, essencialmente, sublinhar esta situação e que visa continuar a chamar a atenção dos leitores  para o último artigo de 2015, onde é possível aceder interativamente aos 563 artigos já editados na nossa revista - e por isso optou-se por não integrar, esta semana, o nosso cabeçalho editorial (para facilitar a visibilidade do mesmo índice).

Salientam-se, no entanto, alguns aspetos que caraterizam e qualificam o perfil da nossa revista:
. O seu conteúdo didático, formativo e informativo  global, focando, designadamente áreas/temas de Arquitetura, Urbanismo e Habitat Humano.
. A condição de se ter mantido o ritmo semanal (1 artigo por semana), desde há quase 12 anos - o primeiro artigo foi editado em 21 de fevereiro de 2005.
. A condição de existirem, atualmente, 90 autores de artigos na Infohabitar (e entre eles técnicos e investigadores muito conhecidos), que se registam, mais abaixo, no Artigo n.º 563. (pela ordem de edição na Infohabitar): 
. A condição de numerosos artigos da Infohabitar estarem disponíveis, publicamente, no arquivo Dspace que é disponibilizado no site do Laboratório Nacional de Engenharia civil (LNEC)
. A existência de mais de 741.000 acessos (page-views) atualmente contabilizados na Infohabitar, estamos portanto já próximos dos três quartos de milhão de consultas; e salienta-se que o respetivo contador arrancou do “0” há quase 12 anos.
. A existência de 162 comentários positivos editados por leitores na própria revista Infohabitar ao longo do tempo.
. E a existência de numerosas mensagens de apoio e de positiva avaliação que têm sido enviadas à Edição da Infohabitar, ao longo dos seus quase 12 anos de edição - 259 mensagens de felicitação e/ou de encorajamento no sentido da continuidade do respetivo trabalho editorial (estas mensagens encontram-se devidamente arquivadas).

Estamos, por isto, naturalmente convictos de que faz sentido continuar.
Salienta-se ser vital o envio de artigos com o objetivo da edição na Infohabitar, artigos estes que têm de se integrar nas matérias editadas na nossa revista e que devem ser adequadamente elaborados e minimamente ilustrados; o envio será feito para o editor - abc.infohabitar@gmail.com - que, subsequentemente contatará os respetivos autores comunicando a sua, eventual, aceitação e a, eventual, necessidade de alterações editoriais.
Salienta-se, ainda, o desejável papel dos associados da GHabitar - antigo Grupo Habitar - na dinamização destas edições e eventualmente de ações que lhes estejam ligadas - e envia-se um renovado abraço a estes companheiros.
Chama-se, finalmente, a atenção para o que se espera ser um dos principais objetivos editoriais da Infohabitar em 2016: a intensa divulgação do 4.º Congresso Internacional da habitação no Espaço Lusófono, já previsto para ser realizado na Universidade da Beira Interior, em março de 2016, podendo ser desenvolvido numa parceria privilegiada com outra importante entidade.

Bem-hajam e renovados votos de um excelente 2016,

O Editor da Infohabitar
António Baptista Coelho

PS: e não se esqueçam do índice interativo de 563 artigos, editado jé de seguida.