quarta-feira, novembro 24, 2021

Divulgação de webinar sobre "Qualidade Ambiental na Habitação: avaliação pós-ocupação" - # infohabitar 799

Divulgação de webinar sobre "Qualidade Ambiental na Habitação: avaliação pós-ocupação" - # infohabitar 799

Caros leitores da Infohabitar,

Esperando e desejando que tudo esteja bem com todos e continuando a alertar para a importância de se manterem todos os cuidados contra a pandemia,

Comunica-se que:

A editora Oficina de Textos irá promover dois webinars com autores do livro "Qualidade Ambiental na Habitação: avaliação pós-ocupação". O primeiro será o webinar "A Habitação Social e a gestão Condominial: reflexões sobre o PAR e o MCMV" com as palestrantes: Nirce Saffer Medvedovski e Sheila Walbe Ornstein. Quando: 1º de dezembro - quarta-feira - 19h  INSCRIÇÃO: https://bit.ly/Habitacao-Social-Webinar

Sem dúvida uma excelente oportunidade para estarmos com duas das maiores especialistas nos referidos assuntos, que são, como sabemos, essenciais para os melhores resultados em termos vivenciais das intervenções de habitação de interesse social.



Na próxima semana e no mesmo dia deste webinar, será, em princípio, editado um artigo, que se julga ser razoavelmente desenvolvido, sobre o que consideramos serem as múltiplas vantagens da habitação de interesse social cooperativa; artigo este que julgamos muito oportuno numa altura em que, em Portugal, se estão a preparar muito significativas intervenções habitacionais de interesse social, com as quais consideramos ser essencial ter um máximo de cuidado e de exigência qualitativa, aproveitando toda a experiência adquirida e procurando replicar, na medida do possível, os melhores casos e tipologias de referência.

Enviamos saudações calorosas aos leitores, com dois abraços às duas amigas palestrantes,  

António Baptista Coelho 

Editor da Infohabitar 



quarta-feira, novembro 17, 2021

Problemas e potencialidades da sala-comum doméstica – infohabitar # 798

 Ligação direta (clicar) para:  760 Artigos Interactivos, edição revista, ilustrada e comentada em janeiro de 2021- 38 temas e mais de 100 autores

 

Problemas e potencialidades da sala-comum doméstica - infohabitar # 798

Infohabitar, Ano XVII, n.º 798

Edição: quarta-feira, 17 de novembro de 2021

 

Artigo integrado na série editorial da Infohabitar “Habitar e viver melhor”

 

Caros leitores da Infohabitar,

Com o presente artigo damos continuidade à série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado Série habitar e viver melhor”) e “terminando”, no presente e em futuros artigos, numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos.

Reflexão esta que esta semana continua dedicada à, designada, sala-comum doméstica; matéria que nos ocupou desde há duas semanas e que concluímos (naturalmente, sempre de uma forma provisória) na presente semana; isto devido à evidente importância da sala-comum na estruturação e na vivência das nossas habitações.

Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).

Considerando a evolução da pandemia, continuamos a reforçar a grande importância de cumprir com rigor os protocolos de vacina (n.º de doses e períodos temporais posteriores às mesmas) e de continuar com os cuidados de proteção próprios e dos outros, designadamente, em termos de limpeza de mãos, uso de máscara e distância social.

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os estimados leitores,    

 

Lisboa, em 17 de novembro de 2021

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


Problemas e potencialidades da sala-comum doméstica - infohabitar # 798

António Baptista Coelho

(texto e fotografias)

Resumo

Neste artigo, dedicado à temática global da sala-comum doméstica e a uma reflexão específica sobre os seus mais correntes e/ou mais importantes problemas e potencialidades, faz-se, de início, um enquadramento global sobre a respetiva caraterização global e problemática funcional, espacial e ambiental, seguindo-se uma reflexão sequencial sobre as seguintes matérias específicas: problemas considerados correntes na estruturação e vivência da sala-comum; questões dimensionais e de outro tipo que aí são habitualmente levantadas; novidades, dúvidas, potencialidades e tendências que marcam o desenvolvimento da sala-comum doméstica; e, finalmente, algumas notas sobre a sua pormenorização.


1. Breve enquadramento sobre a caraterização global e sobre a problemática funcional, espacial e ambiental da sala-comum

Tal como se abordou atrás a sala-comum pode e deve ser um sítio da habitação expressivamente estimulante do seu uso, e  indiretamente do uso de toda a habitação, ultrapassando, claramente os seus “marcos” funcionais, seja em termos espaciais e funcionais de suporte e incentivo a um muito amplo leque de atividades, seja em termos ambientais e de verdadeiro “cenário” doméstico caraterizador e muito apropriável pelos seus habitantes.

Acabou, então, de se referir que a sala-comum e, eventualmente, outros espaços da habitação ligados ao estar, ao lazer, ao convívio e a atividades diversificadas, acabam por ser elementos caraterizadores da globalidade das respetivas soluções domésticas, ganhando, assim, uma importância muito especial na respetiva conceção global e pormenorizada. De certa forma podemos afirmar que o “novelo” dos espaços mais sociais da habitação, que se concentram, em boa parte, na sala-comum e na cozinha convivial tradicional, acabam por se poder constituir como que no coração funcional e caraterizador da habitação, o seu motor vital e o sítio privilegiado do seu carisma e identidade; e neste sentido é interessante ter em conta que em algumas excelentes soluções a sala-comum é mesmo o elemento “central” e distribuidor da vida da habitação, perdendo-se algum sentido hierárquico e de gradação de privacidades, mas ganhando-se em caráter e em força de vida doméstica.

Sendo assim podemos considerar que se a sala-comum e outros espaços com ela relacionados apresentam problemas espaciais, funcionais e ambientais significativos, acaba por ser toda a respetiva habitação a sofrê-los e a ser com eles identificada.

E consequentemente, uma sala espacialmente exígua, ou uma sala muito estreita, ou uma sala muito escura ou uma sala mal localizada ou uma sala mal ventilada, são atributos que acabam por ser generalizados à totalidade das respetivas habitações, o que releva a importância que devemos atribuir à conceção da sala-comum.

E não tenhamos dúvidas de que uma sala-comum com elevada qualidade espacial, funcional e ambiental, mesmo que não seja especialmente espaçosa, acaba por atribuir à respetiva habitação uma qualidade global que, por vezes, faz reduzir a importância de outros seus aspetos menos qualificados, como, por exemplo, um ou mais quartos significativamente mínimos e um espaço de cozinha pouco desafogado e integrado na referida sala-comum, desde que muito bem pormenorizado nos seus subespaços e no seu relacionamento com a zona de refeições. 

Nos últimos anos algumas inovações trouxeram especiais tensões à conceção da sala-comum, que continuou regrada por áreas e dimensões muito datadas: pensamos, entre outros aspetos ligados a novas formas de habitar, na integração de grandes aparelhos e écrans de TV, por vezes panorâmicos, e na proliferação de computadores pessoais e tablets; elementos estes que podem revolucionar a estruturação da “tradicional” sala-comum desenvolvida numa área razoavelmente ilimitada e distribuída por zona de refeições e zona de estar, pois uma TV panorâmica, se couber numa dada sala apenas razoavelmente espaçosa, tende a marcá-la e a prejudicar boa parte das restantes atividades, enquanto a proliferação das tecnologias de informação e comunicação pessoais (computadores, tablets e celulares) acabam por exigir mais espaço inter-pessoal para poderem coexistir numa mesma sala-comum (ex., lugares sentados mais espaçosos e/ou mais separados e mais lugares sentados).

Como tudo isto se harmoniza com áreas razoavelmente próximas de mínimos e com dimensões próximas de mínimos? É claramente difícil, para não dizer impossível, ficando, frequentemente, os respetivos compartimentos cheios de mobília e equipamentos e quase sem espaços para os habitantes.

Possíveis respostas para tais problemas talvez se encontrem na revisão de algumas das áreas máximas para habitação de interesse social, designadamente, associadas a espaços sem equipamentos e instalações (portanto, construtivamente menos dispendiosos), como é o caso da sala-comum, e privilegiando-se esta sala relativamente aos espaços de quarto, mas também a resposta terá de passar, obrigatoriamente, por excelentes condições de conforto ambiental nesses espaços mais sociais (ex., luz natural, controlo da insolação, isolamento acústico, boas vistas, etc.), que, de algum modo, acabam por reduzir os efeitos negativos da menor espaciosidade; e, naturalmente, tudo isto obriga a excelentes projetos de Arquitetura, que acabam por conseguir fazer pequenas “maravilhas” de diversidade funcional e de capacidade de apropriação em espaços razoavelmente bastante contidos. 


Fig. 01: Sala espacialmente estimulante em termos de sub-espaços e relações com outras zonas domésticas  de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 21 24, Arquitetura: Mario Campi, Arne Jönsson, Jan Telving.


2. Sala-comum: problemas correntes

Tal como se apontou acima, de forma sintética, os mais frequentes problemas nas zonas de estar ligam-se com a exiguidade espacial, seja global, seja por existência de dimensões muito reduzidas, levando à dificuldade de instalação e de vivência de diversas atividades (por exemplo, refeições, estar, ler, ver TV, trabalhar).

Estes problemas podem originar que a sala-comum acabe por se reduzir a uma zona de estar, ou a uma zona de refeições ou, frequentemente, a uma zona muito pouco útil porque atravancada por muito mobiliário.

Uma solução eficaz para este problema pode ser dada pela contiguidade entre a sala-comum e um quarto, condição esta que proporciona a eventual criação ou vivência episódica de uma sala maior, designadamente, através de uma compartimentação versátil.

Os problemas são mais frequentes em habitações com maior número de habitantes porque as soluções habitacionais tendem a não se caracterizar por uma relação adequada entre mais quartos e um suplemento de área significativo na sala-comum e na cozinha.

Os referidos problemas de exiguidade espacial na sala de estar ou comum decorrem, quer de possíveis condições de reduzido desafogo espacial, quer pelo uso de mobiliário excessivamente dimensionado, não tendo as pessoas, habitualmente, a noção do espaço necessário para a respetiva instalação e para que possa ser usado de uma forma agradável; sendo este um problema genérico mas que afeta especialmente salas e zonas de refeições, que são os espaços mais divulgados nos meios de comunicação e onde a maioria das pessoas tenta investir de uma forma expressiva.


3. Sala-comum: questões habitualmente levantadas (dimensionais e outras)

As questões levantadas no desenvolvimento e na vivência dos espaços associados à sala-comum são de ordem mais geral ou de maior pormenor.

Em termos mais gerais é possível refletir sobre a eventual inexistência de uma sala-comum “corrente”, que poderá ser substituída por um espaço amplo de estar, refeições e cozinha, caracterizado por uma forte fusão entre estas funções, embora, conforme a opção de projeto, possa haver uma dominância formal de alguma(s) delas.

Ainda globalmente a sala-comum pode ser substituída por um compartimento multifuncional do tipo "grande quarto", que os habitantes poderão  usar na medida das suas necessidades e desejos, devendo, neste caso, haver uma ampla cozinha convivial.

Em termos mais particularizados destaca-se a frequente dificuldade de instalar um adequado espaço de estar, com sofás e mesas de apoio, bem como a também frequente dificuldade de articular este espaço com as necessidades funcionais colocadas pelo uso da TV, situação esta ainda tornada mais complexa, quer pelo crescimento dimensional dos monitores de TV, quer pela sua articulação com outros elementos eventualmente protagonistas numa sala-comum, como é o caso de uma lareira ou de um outro dispositivo com idênticas funções e conotações simbólicas de centralidade e de reunião.

Um razoável remédio para tais questões estará essencialmente na aplicação de dimensões relativamente desafogadas, capazes de aceitarem diversas configurações de conjuntos de mobiliário e de equipamento.

E haverá ainda que considerar a integração de um local para instalação de uma aparelhagem de som e, por exemplo, de apoio ao estudo e ao trabalho profissional em casa, funções estas que poderão ser eventualmente integradas, numa zona reduzida, considerando-se a atual miniaturização das referidas aparelhagens e a constatação de que o ouvir música e o trabalhar são funções que provavelmente terão de acontecer em alternativa ao ver/ouvir TV, designadamente, quando as condições de espaciosidade da sala-comum não permitirem uma maior convivência de atividades através da distância entre as mesmas; isto se não se optar por soluções “paliativas” como, por exemplo, o uso de auscultadores.

Mas, de qualquer forma, nesta problemática considera-se que a previsão de uma espaciosidade razoavelmente suplementar, capaz de proporcionar essencialmente mais espaço interpessoal, portanto um pouco mais de distanciamento entre os utentes da sala-comum, assim como o uso de lugares sentados mais espaços (o que acaba por ajudar a produzir o mesmo efeito), será uma medida a privilegiar e que terá influências diretas na previsão de dimensões mínimas mais folgadas e versáteis em termos da respetiva ocupação por mobiliário.

Finalmente, há que sublinhar que a sala-comum deve ser, mais do que um espaço de convívio e atividade doméstica diversificada, um espaço de receção de amigos e eventualmente de outras pessoas relativamente às quais se possa até fazer alguma cerimónia, e um espaço de suporte de atividades culturais e de aprofundamento do mundo pessoal de cada habitante, por exemplo, através da criação de boas condições para a leitura, para a audição de música e para a prática de passatempos diversos, que podem ir dos jogos de vídeo aos jogos de cartas.


Fig. 02: Sala espacial e funcionalmente inovadora  de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 21 24, Arquitetura: Mario Campi, Arne Jönsson, Jan Telving.


4. Sala-comum: novidades, dúvidas, potencialidades e tendências (ex., trabalho em casa; idosos, etc.)

Tudo o que atrás se referiu leva à consideração da sala-comum como um espaço doméstico que deve ser concebido com um elevado grau de exigência, e considerando uma expressiva adaptabilidade, aspetos estes que nada têm a ver com o tipo de atenção estereotipada que leva a produzir salas-comuns que suportam, e mal, apenas uma exígua zona de estar e uma reduzida zona de refeições ditas formais.

E não se imagine que o que não se pode fazer na sala-comum se fará nos quartos, não só porque é fundamental oferecer condições para estar em grupo, “em companhia”, desempenhando as mesmas ou diversas atividades, mas também porque em condições de reduzida espaciosidade os quartos sofrem sempre bastante.

De forma mais geral podemos considerar que as tendências de uso e apropriação em salas-comuns domésticas parecem privilegiar uma crescente multifuncionalidade, mas harmonizada com uma afirmada caracterização formal e simbólica deste espaço como verdadeira “montra” familiar e pessoal, mas uma “montra” que tem de ser bem viva e usável. E se na casa viver apenas uma única pessoa, então a sala acaba por ser um seu cartão de identidade.

O estar doméstico constitui, hoje em dia, provavelmente, em conjunto com o “cenário” espacial, funcional e ambiental da cozinha, um par de aspetos domésticos profundamente valorizados pela sociedade; e considerando esta perspetiva tanto se definem condições de caracterização destes espaços como verdadeiras "montras" para visitas, e pouco úteis no dia-a-dia, como estes espaços terão de ser intensamente usados como verdadeiros núcleos do habitar diário.

Para o espaço de estar e considerando estas possibilidades e também a grande diversidade e a potencial simultaneidade dos usos aí frequentes, a principal “receita” parece ser espaço suficiente, dimensões adaptáveis e uma estratégica separação, mas muito cuidada e sensível, do resto da habitação de forma a que se reduzam os potencias conflitos por geração de ruídos e por falta de privacidade e de autonomização do uso da casa pelos seus diversos habitantes, isoladamente e em grupos, mas mantendo-se excelentes pontes espaciais e funcionais entre a zona mais social e a zona mais privada da habitação, no sentido de se permitirem até estratégicas fusões espaciais, que podem ser apenas fugazes, mas que podem proporcionar excelentes condições para pontuais convívios mais alargados, atribuindo-se, assim, à habitação uma outra escala de importância e um conteúdo funcional e social mais amplo e adequado.


5. Breves notas, julgadas a propósito, sobre a pormenorização da sala-comum

Trata-se, aqui, apenas de “algumas notas”, muito curtas, sobre a importância de uma adequada pormenorização dos espaços da sala-comum e dos restantes espaços domésticos a eles associados, sublinhando-se, aliás, tal como já foi apontado, que importa desenvolver-se um excelente projeto de pormenor, que alie: sentido de agradabilidade doméstico; capacidade de apropriação desses espaços e reforço do seu papel identitário; mas também grande capacidade funcional na aceitação de mobiliário e outros elementos de apropriação; e grande capacidade em termos de durabilidade a usos correntes e eventuais (ex., convívio mais alargado) e de facilidade de manutenção.

Como pormenorizar arquitetonicamente de modo a ampliar a capacidade de receção de variadas soluções de mobiliário e mesmo de opções de decoração? E tendo-se em conta, por um lado, o papel representativo e, por outro, o essencial papel multifuncional da sala-comum nos dias de hoje e, designadamente, em situações de habitação com controlo de custos? É algo que nos levará, naturalmente, longe, mas que, basicamente, depende de um bom projeto de arquitectura de interiores, provavelmente marcado por opções de estratégica mas não excessiva neutralidade formal.




Notas:

(1) Sven Thiberg (Sven Thiberg, Ed., "Housing Research and Design in Sweden", p. 195) defende que uma sala basicamente com uma planta quadrada e dimensionada de acordo com uma dimensão base, mínima, de largura de cerca de 4.30/4.50m permite um arranjo flexível de zonas de estar, embora não permitindo a integração, no seu interior, de uma zona de refeições. Relativamente a este assunto e tal como referi num estudo anterior, é importante proporcionar uma grande variedade de possibilidades de integração na zona de estar de diversos tipos e grupos de elementos de mobiliário, porque diversos estudos têm já revelado uma forte discrepância entre os modelos de mobiliário previstos pelos projectistas e a realidade desenvolvida pelos ocupantes.

 

Notas editoriais ao artigo:

O presente artigo corresponde a uma edição muito ampliada e modificada do artigo que foi editado na Infohabitar, em 22/02/2015, com o n.º 521.

 

Nota importante sobre as imagens que ilustram o artigo:

As imagens que acompanham este artigo e que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.

Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.

A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo bairro de  Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.

Mais se refere que, sempre que seja possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos respetivos projetistas de arquitetura.


Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Problemas e potencialidades da sala-comum doméstica - infohabitar # 798

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).


quarta-feira, novembro 10, 2021

Sala-comum como espaço doméstico multiusos – infohabitar # 797

 Ligação direta (clicar) para:  760 Artigos Interactivos, edição revista, ilustrada e comentada em janeiro de 2021- 38 temas e mais de 100 autores

 

Sala-comum como espaço doméstico multiusos - infohabitar # 797

Infohabitar, Ano XVII, n.º 797

Edição: quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Artigo integrado na série editorial da Infohabitar “Habitar e viver melhor”

 

Caros leitores da Infohabitar,

Com o presente artigo damos continuidade à série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado Série habitar e viver melhor”) e “terminando”, no presente e em futuros artigos, numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos.

Reflexão esta que esta semana continua dedicada à, designada, sala-comum doméstica; matéria que nos ocupou na semana passada e que ainda nos ocupará na próxima semana; isto devido à evidente importância da sala-comum na estruturação e na vivência das nossas habitações.

 

Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).

Considerando a evolução da pandemia, continuamos a reforçar a vital importância de cumprir com rigor os protocolos de vacina (n.º de doses e períodos temporais posteriores às mesmas) e de continuar com os cuidados de proteção próprios e dos outros, designadamente, em termos de limpeza de mãos, uso de máscara e distância social.

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores,    

 

Lisboa, em 10 de novembro de 2021

 

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


Sala-comum como espaço doméstico multiusos - infohabitar # 797

António Baptista Coelho

(texto e fotografias)

Resumo

Neste artigo, dedicado à temática global da sala-comum doméstica e a uma reflexão específica sobre o seu papel como um privilegiado espaço multiusos da habitação faz-se, de início, um enquadramento à noção do que se entende por um espaço doméstico multiusos, suas potencialidades, limitações e oportunidade de se desenvolver no âmbito da sala-comum doméstica, seguindo-se uma reflexão sequencial sobre as seguintes matérias específicas: o convívio familiar, como a atividade que, provavelmente, mais marca a sala-comum; um estar doméstico que pode e deve caraterizar-se por um amplo leque de facetas de atividade; um estar doméstico (convivial ou privatizado) que deve também ser possível em diversos espaços da habitação; e, finalmente, o equilíbrio que poderá existir na sala-comum entre condições de  “mais espaço” e/ou de “melhores (sub)espaços”.


1. A noção de um espaço doméstico multiusos: potencialidades e limitações

A ideia de um espaço doméstico marcadamente multiusos e, consequentemente, “multicaracterizável”, resulta de uma forma de habitar atual muito diversificada e tendencialmente marcada por um amplo leque de “formas” de uso e apropriação da habitação muito específicas e individualizadas.

Evidentemente que as zonas preferenciais para a apropriação e a “individualização” domésticas são os quartos, mas eles não podem esgotar essa linha de atuação e quando são ocupados por mais do que uma pessoa eles acabam por dever ser ocupados também numa razoável lógica multiuso e multi-apropriação.

Mas a sala-comum e, globalmente, os espaços de estar da habitação, serão sempre as zonas de encontro que devem habilitar os coabitantes, quer para uma calma partilha de aspetos de uso e apropriação dos respetivos espaços e ambientes, quer para uma potencial e razoavelmente ativa plataforma de convívio à escala doméstica, e para tal o(s) espaços com esta vocação poderão disseminar-se, com alguma naturalidade, pelas zonas da sala-comum, da cozinha – sendo espaçosa – e mesmo de espaços intermediários da habitação (como zonas de passagem e de transição), desde que minimamente adequados para tal  em termos dimensionais e de conforto ambiental; mas, evidentemente, a zona estratégica para tais usos será sempre a principal zona de estar da habitação e, portanto, a sua sala-comum.

Para habilitarmos a sala-comum no sentido de acolher o melhor possível multiusos e multi-ambientes, a uma escala sempre “micro”, haverá que a dimensionar com uma máxima capacidade de adaptabilidade e de receção de variados pequenos agrupamentos de mobiliário, bem como com uma capacidade maximizada de “encosto” de mobiliário, com excelentes e generalizadas condições de conforto ambiental (pois, por exemplo, uma subzona com pouca luz natural e mal trabalhada a este nível será sempre uma zona pouco acolhedora) e com reduzidas condições de atravessamento por circulações obrigatórias que deteriorem significativamente os referidos multiusos e multi-ambientes.

As potencialidades oferecidas por tais condições globais de espaço, dimensionamento, articulação de microzonas, conforto ambiental com especial destaque para as de luz natural e conforto acústico (sossego e reduzida reverberação), ligam-se, numa primeira linha, a um adequado desafogo espacial bem conjugado com vãos exteriores e acolhedor de diversas microzonas funcionais e ambientais (ex., estar formal, estar informal, refeições, leitura individualizada, ver TV panorâmica, “recanto” de trabalho ou passatempos, etc.) e dependem, naturalmente, de opções funcionais e ambientais, definição de prioridades, soluções de simultaneidade e conjugação funcional e ambiental e de uma adequada escolha dos respetivos elementos de mobiliário e de apropriação/decoração. O que nos leva a sintetizar salientando que, em condições de expressivo controlo de áreas domésticas, como acontece em habitação de interesse social, uma tal capacidade multiusos depende de um projeto de arquitetura muito qualificado e, desejavelmente, prolongado por um também muito qualificado arranjo em termos de arquitetura de interiores; isto porque se trata, praticamente, de solucionar um “quebra-cabeças” razoavelmente complexo e que poderá, provavelmente, aconselhar, por exemplo, o desenvolvimento de “habitações modelo”, onde se demonstrem diversas capacidade multiuso e multi-ambiente dos mesmos espaços de sala-comum e de estar domésticos.

Evidentemente que este tipo de reflexão se pode alargar a toda a habitação, mas será aqui na sala-comum que ele assume especial relevância, até porque é aqui que o mundo doméstico dos habitantes se deve “confrontar”, positivamente, com visitantes mais ou menos “familiares” e obrigando a relações mais ou menos formais; condição esta que eleva ainda mais a fasquia dos desejados multiusos e multi micro ambientes integrados na sala-comum doméstica e/ou em outras zonas de estar da habitação.

Ainda ao nível das limitações no avanço nesta linha de reflexão prática temos, evidentemente, por um lado a questão dos custos associados a esta estratégia multiusos, que condicionarão, designadamente, o uso de mobiliário feito à medida e caracterizado por especiais capacidades mecânicas de conversão a diversos usos e ambientes (ex., mobiliário rebatível e convertível), mas também a questão de talvez não se dever avançar excessivamente numa linha de elevada e marcante adaptabilidade espacial e ambiental, quando esta linha depende da aplicação de ambientes criticamente impessoais, “frios” e dificilmente apropriáveis.

Importa ainda aqui apontar que ao sairmos do quadro da habitação com controlos de áreas (habitação de interesse social), este tipo de reflexão, que faz depender uma adequada funcionalidade e espacialidade da sala-comum da sua estruturação em adequadas e variadas subzonas funcionais e ambientais, também se aplica, havendo, infelizmente, muitas situações em que muita área doméstica na zona de sala-comum pouco se traduz numa adequada capacidade funcional e de apropriação desse mesmo espaço, sendo mesmo difícil a sua adequada ocupação por variadas (micro)zonas funcionais e ambientais e acontecendo, por vezes, que a sua ocupação com o mobiliário de estar dito corrente acaba por “nulificar” uma série de espaços “sobrantes”, quantitativamente significativos mas onde pouco se pode realmente fazer em termos funcionais e de apropriação.

E fica assim, e em qualquer um dos casos – habitação de interesse social e habitação corrente ou mesmo “de luxo” – tudo muito dependente de uma excelente capacidade de projeto, associada a uma também excelente capacidade de promoção, gestão e acompanhamento próximo e sensível do próprio processo de ocupação habitacional; o que mais uma vez põe em destaque as virtualidades muito positivas do processo cooperativo habitacional.


2. O convívio familiar, a atividade que marca a sala-comum

Há quem diga que o convívio familiar, que é a atividade que marca em primeira linha a sala de estar ou sala-comum, é uma atividade cada vez menos efetiva na atualidade da nossa sociedade urbana ocidental, mas não se partilha tal ideia, que se julga estará na linha daquelas que face a um problema dele se afastam de forma a tentarem resolvê-lo por não lhe darem atenção específica. Isto, porque, afinal, as condições que são, frequentemente, proporcionadas para um convívio estimulante na sala-comum são reduzidas:

(i) quer por limitações dimensionais evidentes e por uma, também frequente, incompatibilidade dimensional e formal entre tais dimensionamentos e elementos de mobiliário sobredimensionados, condições essas que acabam por inviabilizar, ou tornar muito deficiente, um qualquer convívio, por exemplo, para mais de meia dúzia de pessoas (e está a visualizar-se, a título de exemplo, frequente, uma sala com cerca de 18m2 e expressivamente alongada/estreita);

(ii) quer por um relacionamento entre compartimentos contíguos que não permite eventuais e provisórias fusões espaciais e funcionais, que proporcionem, em datas especiais, condições para um convívio doméstico um pouco mais alargado;

(iii) quer pela inexistência de varandas razoavelmente espaçosas, agradáveis e bem dimensionadas, ligadas por amplos vãos de sacada às respetivas salas-comuns e que também proporcionem a expansão do convívio doméstico no exterior em boa parte das estações do ano;

(iv) quer, ainda, pela frequente inexistência de condições de pormenorização e de acabamento dos espaços da habitação, que harmonizem um essencial sentido de conforto e mesmo de agradável domesticidade, que tem de ser marcante, com adequadas condições de durabilidade e de manutenção dos mesmos espaços.

Ainda na matéria de um desejável e muto generalizado apoio ao convívio doméstico, aplicado de certo modo a toda a habitação, condição esta que evidentemente influirá na sua previsão específica na sala-comum, há ainda que ter em conta o que se considera ser alguma confusão na respetiva conceção espacial, funcional e ambiental, que terá a ver, talvez essencialmente, com a ideia de que as pessoas não poderão conviver, em suas casas, nos sítios onde mais gostam de conviver (por exemplo nas cozinhas, nos espaços de entrada e nas varandas), porque certos "especialistas" (talvez já um pouco datados) consideram que o convívio doméstico "deve" acontecer dentro de determinados parâmetros funcionais e espaciais funcionalistas, que se julgam ser, atualmente, excessivamente "zonados", hierarquizados e espacialmente delimitados. Uma condição que verdadeiramente não parece, hoje em dia, fazer grande sentido, designadamente, quando queremos servir uma cada vez maior diversidade de modos de habitar o espaço doméstico.

Nesta linha de reflexão, que se considera sem sentido, estão, por exemplo, as famosas “cozinhas laboratório”, as zonas de refeições formais longe das janelas, os espaços de estar onde não cabe uma zona convivial mínima e as zonas de estar onde o estar para acontecer está num palco sem qualquer tipo de recato visual e de sossego; e, já agora, até a “velha” e também, em tempos, convivial zona de banho, continua relegada e degradada para “instalações sanitárias”, frequentemente, interiores e confinada quase apenas à sua função de higiene pessoal.

Referem-se estes espaços pois todos eles, em termos gerais e se bem dimensionados e estruturados, podem ser, potencialmente, espaços conviviais domésticos e, portanto, espaços de primeira linha como zonas de estar e lazer, proporcionando-se, num positivo “limite” um perfil de habitação naturalmente marcado por um lazer e estar bem disseminado e, em cada local, provavelmente, aliado a outras funções e a variados e estimulantes ambientes interiores, exteriores e de relacionamento interior/exterior e entre variados espaços interiores.

O que é fundamental é que haja variadas possibilidades de estar, em sossego, em lazer e/ou em convívio, em cada habitação, um estar que pode acontecer numa ampla cozinha, numa zona de entrada ou de ampla circulação, numa espaçosa varanda, numa sala de jantar ou numa sala de estar, ou então numa sala, que, sabiamente designada de “comum” ou “de família”, pode até integrar variados subespaços marcados por variados microambientes e funções: entre os quais, por exemplo, a preparação de refeições, as refeições em comum, o estar sozinho ou acompanhado, o ver TV, e o estar mais recatado e afastado a trabalhar ou a ler.


Fig. 01: Cozinha-sala de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H4-5, Arquitetura: Jan Christer Ahlbäck.


3. Um estar doméstico com amplo leque de  facetas de atividade

O estar doméstico assume, ele próprio, um amplo leque de facetas de atividade, tão distintas como estar simplesmente a repousar, estar a conviver num grupo razoavelmente amplo, estar a ver TV (que sendo panorâmica exige condições muito específicas), ou, ainda e especialmente hoje em dia, estar a trabalhar ou a estudar.

Iremos abordar, mais à frente, outros espaços específicos onde tais atividades se realizam – como cozinhas, salas de jantar, etc. –, mas é importante sublinhar, desde já, que o que importa para uma casa mais estimulante é que esta atividade “nuclear”, convivial e tão enriquecedora de um "estar", mais sozinho ou mais em companhia, fazendo tantas coisas ou quase nada, se possa exercer da melhor forma possível, seja em espaços próprios, seja em espaços alternativos e muito diversificados e disseminados pela habitação.

Uma tal opção significa a "programação" de um "estar" doméstico que proporcione que as pessoas se encontrem e convivam, na sua casa, porque o querem fazer e porque naqueles sítios há excelentes (ou pelo menos adequadas) condições para esse estar diversificado, e não porque há uma função que se designa “estar” e há um espaço único onde tal função parece ser possível (pelo menos "em planta") e onde, tantas vezes, é muito difícil em termos “volumétricos” e apenas miseravelmente possível em termos ambientais – no sentido de um ambiente/cenário devidamente estimulante para o estar e o lazer.

De forma sintética o estar e o convívio domésticos, numa habitação que esteja entre condições dimensionais mínimas e excelentes (mas não excecionais), poderá acontecer, de forma privilegiada, associado: à preparação de refeições, à principal zona de lazer da casa; a espaços de lazer e de trabalho mais recatados; e, naturalmente, a espaços de dormir e fortemente privativos. E não se consideram situações excecionais em termos de espaço e de condições específicas, pois nestas não há praticamente limites para o apoio a esta função convivial doméstica.



Fig. 02: Sala espacialmente estimulante em termos de sub-espaços e relações com outras zonas domésticas  de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 13-14, Arquitetura: Charles Moore, Ruble, Yudell, Bertil Öhrström.


4. Um estar doméstico (convivial ou privatizado) possível em diversos espaços da habitação

O que importa aqui sublinhar é ser fundamental que o estar recatado e o estar convivial doméstico sejam possíveis nas melhores condições numa significativa alternativa de possibilidades: por exemplo, na cozinha, na sala-comum, em um dos quartos e, por exemplo, numa varanda; sendo complementarmente adequado que tais condições possam ser potenciadas pela contiguidade e boas relações físicas e de acabamentos entre vários desses espaços, numa perspetiva que acaba por levar o convívio doméstico para uma escala um pouco mais significativa, proporcionando-se comemorações e convívios familiares e entre amigos com uma dimensão mais significativa, e acrescentando-se, assim, uma outra dimensão vivencial muito rica e valiosa à habitação.

A ideia que se quer, aqui, sublinhar é que o estar doméstico não é, ou não pode ser, uma espécie de obrigação “maquinal”, mas sim uma excelente e desejável possibilidade, e que, sendo-o, tem de ter alternativas cativantes onde seja possível, e, mais do que ser possível, onde seja verdadeiramente agradável e enriquecedor das experiências individuais e comuns, familiares e entre amigos, dos respetivos habitantes, porque dispondo de uma adequada versatilidade de espacialidades, potenciais e alternativas organizações de mobiliário e adequados ambientes e localizações. E aqui, no que se refere à localização dos principais espaços de convívio, é também importante ter em conta as respetivas vistas urbanas e paisagísticas que aí são possíveis.

Numa situação inversa e negativa teremos e temos, frequentemente, um único sítio onde o convívio doméstico mais alargado é apenas dificilmente possível, frequentemente, na designada sala-comum, tantas vezes mal dimensionada e mal localizada e, portanto, podendo prejudicar a vivência e o sossego doméstico, e onde, também frequentemente, o espaço disponível leva a organizações de mobiliário deficientes, muito pouco flexíveis, e onde o espaço sobrante – para o próprio convívio – é manifestamente insuficiente.

E por isto o estar deve ser previsto, tanto de forma concentrada na sala, como de modo disseminado nos vários quartos de dormir, com relevo para os dos jovens, como ainda em certas saletas e escritórios e mesmo em zonas de entrada e de circulação, sendo essencial garantir potenciais continuidades entre sequências destes espaços.

É, assim, importante ter presente que embora o estar, a reunião e os tempos livres da família possam ter lugar privilegiado numa sala de família multifuncional, que pode existir com um carácter mais independente ou mais ligado à preparação de refeições, devereá haver nas outras zonas das habitações outros espaços afins mas com funções mais particularizadas, tais como escritórios, saletas de cerimónia e quartos/sala, numa perspetiva que cumpra a tal diversificação de alternativas de estar e de múltiplas atividades domésticas que funcionará como verdadeiro catalisador da satisfação com a habitação.


5. Entre “mais espaço” e “melhores espaços”

Conclui-se a presente reflexão, desenvolvida em torno da ideia de uma sala-comum considerada como o espaço doméstico multiusos “de eleição”, fechando-se, um pouco, “o círculo” das ideias que marcaram o início da reflexão, ao voltar a ter em conta a importância da espaciosidade em tudo isto, numa adequada disponibilização de boas condições para o convívio doméstico e para a sua natural relação, de incentivo mútuo, com um amplo leque de outras atividades.

Mas trata-se, aqui, do que podemos designar como uma espaciosidade bem equilibrada, que “suplemente” o convívio, o estar, o lazer e o trabalho profissional na habitação, acima dos respetivos aspetos estritamente funcionais, dando-lhes o essencial suplemento de alma doméstico e pessoal, mas que se pode manter entre parâmetros espaciais razoavelmente controlados, sendo muito mais importante a construção de “melhores espaços”, mais ricos, mais diversificados, mais atraentes, mais disseminados, mais inter-relacionados e mais dinamizadores do seu uso, do que, simplesmente, “mais espaços com mais espaço”.

E isto é uma consideração que podemos aplicar a praticamente tosos os espaços domésticos, mas que assume aqui um maior protagonismo, pois tratamos da sala-comum como o principal espaço doméstico multiusos.

 

Notas editoriais ao artigo:

O presente artigo corresponde a uma edição muito ampliada e modificada do artigo que foi editado na Infohabitar, em 08/02/2015, com o n.º 519.

 

Nota importante sobre as imagens que ilustram o artigo:

As imagens que acompanham este artigo e que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.

Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.

A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo bairro de  Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.

Mais se refere que, sempre que seja possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos respetivos projetistas de arquitetura.


Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Sala-comum como espaço doméstico multiusos - infohabitar # 797

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).


quarta-feira, novembro 03, 2021

Introdução à sala-comum doméstica – infohabitar # 796

Introdução à sala-comum doméstica – infohabitar # 796 

Ligação direta (clicar) para:  760 Artigos Interactivos, edição revista, ilustrada e comentada em janeiro de 2021- 38 temas e mais de 100 autores


Introdução à sala-comum doméstica – infohabitar # 796

Infohabitar, Ano XVII, n.º 796

Edição: quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Artigo integrado na série editorial da Infohabitar “Habitar e viver melhor”


Caros leitores da Infohabitar,

Com o presente artigo retomamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos.

Reflexão esta que esta semana é dedicada à, designada, sala-comum doméstica; matéria que nos irá ocupar, aqui na Infohabitar, durante três artigos, devido à sua evidente importância na estruturação e na vivência das nossas habitações.

E numa abordagem em três partes da matéria da sala-comum doméstica começamos por uma introdução, bastante livre, a esta matéria.

Depois da sala-comum os artigos desta série editorial irão abordar outros espaços específicos das nossas habitações.

 

Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).

Considerando a continuidade de evolução da pandemia, e a grande capacidade de contágio da mais recente variante do vírus, mesmos entre vacinados, continuamos a reforçar a vital importância de cumprir com rigor os protocolos de vacina (n.º de doses e períodos temporais posteriores às mesmas) e de continuar com os cuidados de proteção próprios e dos outros, designadamente, em termos de limpeza de mãos, uso de máscara e distância social.

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores,    

 

Lisboa, em 3 de novembro de 2021

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


Introdução à sala-comum doméstica – infohabitar # 796

António Baptista Coelho

(texto e fotografias)


Resumo

Neste artigo, dedicado à temática geral de um adequado desenvolvimento das salas-comuns domésticas, faz-se, de início, um enquadramento e uma breve introdução geral ao tema; passa-se, depois, para uma abordagem às grandes opções e às associações mais frequentes nas salas-comuns; registando-se, a seguir, os usos e hábitos considerados mais frequentes naqueles espaços da habitação; seguindo-se a consideração dos “novos” usos a ter em conta na sala-comum, com destaque para o teletrabalho; e terminando-se o artigo com uma pequena reflexão sobre a importância da motivação do uso da sala-comum.

 

1. A modos de introdução à “noção” de sala-comum doméstica

Parece ser interessante refletir aqui, brevemente, sobre a própria “noção” de sala-comum, que resulta de ser um espaço que, por um lado, “é de todos” os moradores de uma dada habitação, é comum a todos eles – matéria esta que imediatamente nos leva para aspetos de espaciosidade e de apoio ao convívio doméstico –, mas também, talvez, por outro lado, de ser um espaço razoavelmente indiferenciado/comum, talvez um pouco “casual” e mesmo informal, associando diversas funções principais, como as referidas às refeições e o estar, e outras múltiplas talvez, habitualmente, menos importantes, como o lazer individual, a leitura, o trabalho em casa, a prática de passatempos específicos, etc.

Segundo esta perspetiva seremos levados a privilegiar na sala-comum soluções espacial e funcionalmente versáteis e adequadas a essas diversas atividades, desenvolvendo-se ambientes interiores, basicamente, muito adaptáveis em termos passivos, isto é, aceitando variadas ocupações funcionais e de mobiliário, bem como um elevado potencial de apropriação (ex., quadros e outros elementos murais). E, desde já, esta reflexão põe em causa, imediatamente, espaços de sala-comum dimensionalmente exíguos, e tendencialmente monofuncionais e pouco apropriáveis, designadamente, por mobiliário.

Outro dois aspetos parecem ser ainda pertinentes numa discussão mais global sobre a conceção das salas-comuns: sendo um deles associado à possibilidade de não haver um único compartimento doméstico vocacionado para sala-comum, proporcionando-se escolhas entre, por exemplo, duas opções (de localização, de dimensão e de ambientes interiores); e sendo o outro a discussão, sempre possível, entre a partição dos principais conteúdos funcionais da sala-comum entre as “tradicionais” “sala de estar” e “sala de jantar” e/ou entre uma sala-comum mais formal e uma “sala de família”, que se pode associar, por exemplo, a uma zona de cozinha.


2. Sobre algumas das bases de previsão  e desenvolvimento da sala-comum doméstica

Como introdução à abordagem qualitativa e arquitectónica da sala-comum doméstica poderemos optar por registar que se trata de um compartimento da habitação e mesmo de um “atributo” espacial e ambiental muito valorizado na apreciação de qualquer habitação no que se refere, designadamente, à sua espaciosidade – associada,  por vezes, às noções de uma sala “desafogada” e com importante capacidade de arrumação de mobiliário –, e a aspetos paradigmáticos do seu conforto ambiental e de vistas exteriores, com destaque, julga-se, para a iluminação natural e a insolação, por um lado, e para a disponibilidade de vistas urbanas e paisagísticas agradáveis e estimulantes, por outro.

E é, desde já, essencial registar que estes aspetos estão mutuamente conjugados (luz, sol e vistas) e dependem não só de condições gerais de previsão (ex., orientação, contiguidade a zonas verdes, etc.), mas também das soluções e da pormenorização dos respectivos vãos exteriores (ex., janelas de sacada, peitoris não muito elevados, etc.); soluções estas que, por sua vez têm, habitualmente, críticas implicações em termos de segurança no uso (ex., risco de quedas).

E, assim, a qualidade global e real de uma sala-comum depende de um elaborado novelo de variados aspetos funcionais, ambientais e de apropriação, produzindo-se um resultado final que escapa ou derrapa, frequentemente, de um patamar desejavelmente bem qualificado, para situações e quadros qualitativos insatisfatórios, designadamente, a médio e longo prazos; quando houve já tempo para os habitantes experimentarem bem, “na pele” e na mente, esses condicionalismos específicos, passado o período de “estado de graça” que sempre acontece quando se habita uma “nova casa” e no qual, temporariamente, a habitação e o seu enquadramento são positiva e benevolentemente aceites pelos seus habitantes.

Numa outra perspetiva, talvez mais formal, de introdução à abordagem da sala-comum doméstica poderemos considerar e discutir, tal como foi já sinteticamente apontado neste artigo, a própria designação de “sala-comum”, assim referida talvez como proposta de síntese de dois espaços domésticos razoavelmente distintos, entre si, que são a “sala de estar” e a “sala de jantar”.

E nesta matéria será interessante considerar que o que unifica, em boa parte, as salas “de estar” e “de jantar” é a prática do estar e do convívio domésticos, sendo que, tradicionalmente e numa habitação com algum desenvolvimento: as refeições eram, com frequência, o tempo privilegiado de um convívio mais formal na sala de jantar e mais informal na cozinha, estando, frequentemente, associado à entrada na habitação; enquanto o estar, mais específico  muitas vezes não existia, ou existia associado a outras funções, como por exemplo as ligadas a uma zona de trabalhos domésticos e multifunções, ou a um escritório doméstico e/ou a uma saleta de visitas, espaço este praticamente nunca utilizado.

E ainda nesta matéria, muito referida à própria “natureza básica” da sala-comum doméstica, importa ter em conta que, recentemente, aconteceu uma pequena revolução nos conteúdos funcionais e espaciais de muitas salas-comuns, que tiveram de integrar condições (pelo menos mínimas) para o teletrabalho e para o tele-estudo, de, por vezes, famílias inteiras e isto, por vezes, em salas-comuns pouco mais do que mínimas e com dimensionamentos muito pouco versáteis em termos de uma integração de novos elementos de mobiliário e de alteração dos arranjos de mobiliário; e lembremos que assim, muitas vezes, aconteceu, porque nos restantes espaços da habitação, frequentemente, também aconteciam essas mesmas dimensões quase-mínimas e pouco versáteis em termos de capacidade de utilização e mudanças de utilização – ex., cozinhas estritamente “de preparação”, sem espaços complementares e multifuncionais; quartos também quase-mínimos e agora, por vezes, quase globalmente ocupados por camas sobredimensionadas; corredores estritamente para circular, não proporcionando margens para outros usos, e mesmo casas de banho também plenamente ocupadas pelas respetivas peças sanitárias e não permitindo, assim, uma sua “desmultiplicação” funcional com a instalação de parte do tratamento de roupas (ex., máquina de lavar roupa, máquina de secar roupa).

E assim acontece que as disponibilidades ou indisponibilidades funcionais e espaciais das diversas zonas domésticas interagem, mutuamente, influenciando, neste caso uma maior ou uma menor capacidade das zonas associadas à sala-comum para responderem melhor, ou pior, a variadas solicitações funcionais e de apropriação, para lá das mais diretamente ligadas às funções de estar e de refeições.

 

3. Sala-comum: grandes opções e associações frequentes

A sala-comum pode constituir-se ou, talvez, deva constituir-se como elemento estruturador e/ou caracterizador da respectiva solução doméstica, imprimindo-lhe, por exemplo, um sentido mais informal ou mais formal e/ou uma tónica marcada por uma perspectiva mais convivial ou mais “repartida” na atribuição das variadas zonas ambientais e funcionais da habitação.

Tais opções podem realmente marcar o carácter de uma dada habitação, um carácter que deve, sempre, assumir aspetos formais e funcionais e que poderá influenciar na sua apropriação e, consequentemente, na sua identidade.

Globalmente e com um certo sentido de história recente podemos considerar a previsão de diversas condições espaciais, funcionais e ambientais no desenvolvimento dos espaços de estar e de jantar/refeições formais que acabaram por se fundir na designada “sala-comum”:

(i) sala de estar e sala de refeições separadas e mutuamente autonomizadas, podendo estar, até, mutuamente afastadas;

(ii) sala dupla, ou em dois espaços, em que, habitualmente a sala de estar e a sala de jantar comunicam por um amplo vão marcado por uma gola, mas mantendo-se cada um dos espaços, mais de estar e mais de refeições, com autonomia e idênticas condições de importância na habitação – em termos de localização, de dimensionamento e de pormenorização e conforto ambiental;

(iii) “sala-comum”, uma sala unificada nos seus espaços mais de estar e mais de refeições, que podem ser definidos apenas por instalaçãoo de mobiliário ou podem corresponder a determinadas configurações espaciais que acolham essas duas zonas formais e funcionais; esta situação é aquela atualmente generalizada e frequentemente subdimensionada, quer em termos de dimensões lineares, quer em termos de áreas gerais, numa situação que se tende a agravar pela tendência dimensional crescente que tem caracterizado alguns elementos de mobiliário e de equipamentos (ex., grandes sofás e televisões panorâmicas).

Tal como aqui se acabou de referir, a principal associação que caracteriza a sala é desenvolvida com a mais importante zona de refeições domésticas, passando, assim, da designação de sala de estar para a de sala-comum, o que corresponderá a uma certa vulgarização das funções desta sala, e que, na prática, acaba por tender a fazer menorizar as funções de estar e/ou de refeições formais sempre que há limitações de áreas, o que é frequente,  pois as mesas de refeições não podem “encolher” significativamente – a não ser que se utilizem soluções estratégicas com mesas dobráveis e que mudam de posição quando fechadas ou abertas – enquanto o estar pode reduzir-se de um conjunto de vários sofás até, por exemplo, um simples sofá duplo frente à incontornável TV.

Esta situação dá que pensar e poderá levar à previsão, de forma mais sistemática, de uma alternativa à zona de refeições integrada na sala-comum, por exemplo, num espaço próprio, ou numa cozinha ampla e convivial, permitindo-se, assim, a possibilidade do exercício de um verdadeiro estar, quem sabe, até harmonizável com a prática de outras atividades como será o caso do teletrabalho.

Uma outra frequente relação da sala acontece com a entrada na habitação, situação que obriga a uma efetiva privatização visual destas entradas diretas, sem o que se perderá, praticamente, a totalidade das funções de estar em sossego e em convívio familiar que devem caracterizar as salas, mantendo-se, apenas, as funções de convívio mais alargado, que não se ressentem com tais acessos diretos.

Nesta matéria há ainda e sempre que referir que quanto menor for o espaço disponível, mais cuidado deve ser investido na privatização das entradas diretas na habitação, através da sala-comum, pois o desafogo espacial é uma condição que pode substituir, em boa parte, as soluções de privatização e de encerramento.



Fig. 01: Sala espacialmente estimulante em termos de sub-espaços e relações com outras zonas domésticas de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 13-14, Arquitetura: Charles Moore, Ruble, Yudell, Bertil Öhrström; neste caso assume-se a sala-comum como verdadeiro espaço "central" e distribuidor da habitação, fortemente marcado pela escada.


Continuando nesta perspetiva de uma sala-comum que serve também como espaço de comunicação, ela pode servir de acesso aos quartos, através de uma zona de circulação obrigatória que, tal como foi atrás comentado, não inviabilize a adequada vivência de diversas zonas da sala-comum; uma solução que dificilmente se harmoniza com espaços pouco desafogados e que, por outro lado, inviabilizará um acesso aos quartos recatado e independente do uso da zona de estar.

Esta situação parece, no entanto, aceitável em situações de reduzidos números de quartos numa dada habitação, de certo modo configurando soluções de grande relação entre a sala-comum e um quarto, uma solução que é sempre muito interessante numa perspetiva de eventual conversão destes dois espaços num único e amplo compartimento multifuncional.

E esta situação pode configurar, “no limite”, uma solução doméstica de grande convivialidade e sentido gregário, marcando uma zona “central” de sala comum multifuncional, que serve como coração de vivência e de circulaçãoo da habitação.

Naturalmente, quando existe um compartimento aberto para a sala, as suas utilizações devem ser bem ponderadas (por exemplo, prolongamento da sala, quarto de reserva, sala de jantar, escritório, etc.).

Em termos de pormenor há que garantir uma comunicabilidade muito específica da sala com o exterior, nomeadamente, através de peitoris baixos e de janelas de sacada para varandas (1); e esta é uma daquelas condições de conceção que, por vezes, parecem ser inacreditavelmente esquecidas pelos projetistas.


4. Usos e hábitos frequentes na sala-comum

Na designada sala-comum desejamos praticar múltiplas atividades ou sub-atividades, mas tratando-se de um espaço comum a diversas pessoas há que cuidar da respectiva harmonização mútua, o que dificilmente se consegue: (i) sem uma adequada espaciosidade global; (ii) sem adequadas condições específicas de dimensionamento “linear”; (iii) e sem adequadas condições de múltipla e/ou comum apropriação (por mobiliário e “parietal”), proporcionadas por uma positiva pormenorização arquitectónica.

E, naturalmente, uma tal complexidade funcional, espacial, ambiental e de caracterização agrava-se em condições de menor espaciosidade e no quadro de intervenções arquitectónicas menos positivas.

Afinal, a sala-comum é, de certo modo, o lugar onde tudo pode/poderia acontecer e onde, frequentemente, pouco acontece:

.     porque nela se concentram múltiplas atividades – poderá e deverá haver alguma diversificação de espaços de estar;

.     porque o espaço não é, frequentemente, abundante e porque os dimensionamentos lineares e de sub zonas funcionais são, frequentemente, críticos – dimensões mínimas, espaço muito alongado, espaço inutilizado por circulações obrigatórias – condições estas que são difíceis ou mesmo impossíveis de ultrapassar, mesmo com uma criatividade muito forte em termos de decoração/ arquitectura de interiores, e/ou dependem de soluções muito complexas e dispendiosas (projeto e execução), designadamente, através de mobiliário e elementos de apropriação feitos especificamente e por medida.

  porque a omnipresente televisão anula muito do que poderia acontecer na sala seja em termos de convívio, seja em termos de multiplicidade de atividades – o que levará a imaginar por um lado que é positivo a disponibilização de diversos monitores de TV e que será de ponderar a própria estruturação da sala-comum favorecendo-se decididamente duplos espaços que proporcionem a simultaneidade de outras atividades com o ver televisão; e atente-se que o atual e crescente crescimento dos écrans de TV, para dimensões por vezes cinematográficas, acrescenta uma enorme “presença” e monofuncionalidade a salas-comuns pouco espaçosas e dificilmente organizadas em mais do que uma ou duas zonas;

  porque, hoje em dia, para lá da TV outros ecrãs existem, designadamente, no apoio ao teletrabalho;

  e porque o complexo de subactividades associadas ao estar e às refeições poderá ter de “conviver” com um outro complexo de atividades associada ao teletrabalho e/ou ao tele-estudo.



Fig. 02: Sala espacialmente estimulante em termos de sub-espaços e relações com outras zonas domésticas de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 13-14, Arquitetura: Charles Moore, Ruble, Yudell, Bertil Öhrström; neste caso salienta-se a solução de partição ligeira e amovível para criar uma subzona de estar.


5. Os “novos” usos da sala-comum e o teletrabalho

Esta é uma temática que, como outras, nos leva longe, pois o tele-trabalho e o tele-estudo, para serem harmonizáveis no ambiente doméstico e designadamente na sala-comum, que é provavelmente o sítio da habitação onde existirá, ainda, alguma margem de espaciosidade e versatilidade, deverão ser, pelo menos, razoavelmente compatíveis com as principais funções da sala-comum e, designadamente, com o estar, pois considera-se que as refeições constituem períodos de intervalo do trabalho e do estudo, embora se estas atividades acontecerem na mesa de refeições haverá que solucionar a respetiva simultaneidade de ocupações (por refeições e por trabalho e estudo).

Uma forma adequada e razoavelmente tipificável de resolver esta situação será considerar no elenco “mínimo” de mobiliário de uma sala-comum uma peça do tipo mesa de trabalho, ou escrivaninha (que pode ser rebatível ou embutida); e neste caso prever possibilidades de introdução desta “nova” peça de mobiliário da sala-comum numa subzona que pode ser pequena, mas que deve ter adequadas condições de conforto ambiental e de vistas e não estar integrada no fluxo das circulações domésticas; e este será sempre um “trunfo” funcional e ambiental da sala-comum pois integra um conteúdo multifuncional e enriquecedor da própria caracterização deste espaço.

E ao teletrabalho e ao tele-estudo dedicaremos, provavelmente, um artigo específico desta série editorial que o enquadre numa perspetiva doméstica ampla e funcionalmente mista de habitar, trabalhar, gozar o lazer, realizar passatempos, etc.


6. Motivar o uso da sala-comum

O presente subtítulo parecerá, numa primeira leitura, talvez um pouco forçado, mas, no entanto, todos conhecemos salas-comuns cujas características gerais são, evidentemente, muito pouco adequadas para a motivação de um seu uso/habitar intenso e diversificado.

E tal acontece, habitualmente, devido a muitos dos aspetos já apontados neste artigo com destaque para os problemas dimensionais, de capacidade de apropriação de pisos e de paredes e de reduzido conforto ambiental e ligação estratégica com o exterior.

Tal como apontei num livro editado no LNEC - "Do bairro e da vizinhança à habitação - ITA2 - que tenho citado com frequência nesta série editorial, entre as características mais desejáveis nas salas ou zonas de estar salientam-se as seguintes:

.    Possibilitarem variadas conjugações de peças de mobiliário (atender às dimensões e tipos de sofás e de estante de sala existentes ou pretendidos, se são de corpo único ou por elementos) e a correta instalação dos equipamentos e aparelhos para lazer e tempos livres (por exemplo a posição ideal da televisão não deve refletir a luz das janelas).

.    Poderem receber o mobiliário necessário e uma ou outra peça de mobília mais volumosa, sem ficarem com um "ar  atravancado" e sem prejudicarem a circulação das pessoas.

.    Terem um carácter polivalente (em ambiente e zonas de atividade), permitindo diversos tipos de ocupação; sala só para estar e conviver ou também para atividades de leitura, jogo, ouvir música e ver televisão, estudo e trabalho em "recantos" próprios e, até, brincadeiras de crianças, quando a casa é pequena.

.    Aceitarem variados números de ocupantes; salas adaptáveis e espaçosas que acolham tão bem a respetiva família, no seu dia a dia, como, esporadicamente, as festas e as reuniões alargadas.

.    Serem relativamente independentes do resto dos compartimentos da casa, não recebendo nem transmitindo ruídos incómodos.

.    Serem servidas por casas de banho, sem que para isso as visitas sejam obrigadas a penetrar nas zonas mais íntimas (quartos) da habitação.

.    Estarem próximas dos vestíbulos de entrada nas casas e formando, com eles, amplos conjuntos de espaços de receção e convívio.

E acrescentam-se, agora, mais algumas características:

.    Os aspetos de um amplo e exigente conforto ambiental, designadamente, em termos de luz natural e artificial, existência e controlo da insolação, ventilação natural, equilíbrio higrotérmico e conforto acústico; pois o espaço da sala-comum deve constituir-se como uma reserva de conforto na vivência da habitação.

.    Uma adequada relação visual e física com o exterior, em termos de vistas e de contiguidade com espaço exterior privado; pois o espaço da sala-comum é o lugar privilegiado para uma extensão da vida doméstica sobre o exterior.

.    E a existência de um potencial leque de condições específicas no que se refere à prática do trabalho profissional e do estudo em casa, designadamente, num quadro de teletrabalho – condições estas diversificadas, seja em termos de espaço, seja de posicionamento e conforto ambiental desse espaço, seja de redes disponíveis nesse espaço.

 

Notas:

(1) MHOP; LNEC, "Instruções para Projectos de Habitação Promovidos pelo Estado - IPHPE/Fundo de Fomento da Habitação - FFH, Documento 5", p. 29.

 

Notas editoriais ao artigo:

O presente artigo corresponde a uma edição ampliada e modificada do artigo que foi editado na Infohabitar, em 15/02/2015, com o n.º 520.


Nota importante sobre as imagens que ilustram o artigo:

As imagens que acompanham este artigo e que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.

Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.

A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.

Mais se refere que, sempre que seja possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos respetivos projetistas de arquitetura.


Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

 

Introdução à sala-comum doméstica – infohabitar # 796

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

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Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).