segunda-feira, novembro 25, 2013

462 - Manifestações Espaciais Diferenciadas de Segregação Sócioespacial Induzidas pelo Planejamento Urbano – Parte I - Infohabitar 462


1930-2013: Morreu o Arquitecto Alcino Soutinho

Foi com grande emoção e tristeza que a edição da Infohabitar tomou conhecimento da morte, no dia 24 de Novembro de 2013, na sua casa no Porto, do Professor Arquitecto Alcino Soutinho. 
Em nome da edição da Infohabitar e do Grupo Habitar, mas também em nome pessoal e familiar, queremos enviar os nossos sinceros sentimentos à família enlutada, aproveitando para lembrar que em épocas e situações bem diferentes tivemos o grande gosto de conviver com Alcino Soutinho, um homem que fica para sempre bem vivo nas nossas memórias.
Em breve a Infohabitar dedicará um pequeno artigo a um dos seus "edifícios felizes". 

Com todo o respeito,
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar e Presidente do Grupo Habitar 

 

Infohabitar, Ano IX, n.º 462

A Infohabitar tem a grande satisfação de editar um novo artigo do colega Anselmo Belém Machado, Licenciado e Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe, Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Professor Adjunto 4 – do Departamento de Geografia da UFS, Doutorando pela Universidade do Minho e membro efetivo do grupo de pesquisa NEIAP (Núcleo de Estudos Interdisciplinar em Administração Pública), do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da mesma UFS, Aracaju, Brasil.
O novo artigo deste nosso autor intitula-se “Manifestações Espaciais Diferenciadas de Segregação Sócioespacial Induzidas pelo Planejamento Urbano: Um estudo de caso - Aracaju-Brasil e Braga-Portugal.” Devido à sua extensão o presente artigo foi dividido em três partes, que respeitam o seguinte índice/sumário (a bold/negrito os itens editados na presente semana), salientando-se que as respetivas segunda e terceira partes serão editadas nas próximas semanas: domingo dia 1 de dezembro e segunda-feira dia 9 de dezembro de 2013.

O editor da Infohabitar
António Baptista Coelho

Manifestações Espaciais Diferenciadas de Segregação Sócioespacial Induzidas pelo Planejamento Urbano: Um estudo de caso - Aracaju-Brasil e Braga-Portugal - Parte I


O PLANEJAMENTO URBANO E O PLANO DIRETOR COMO RESPONSÁVEL PELA SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL


Anselmo Belém Machado

SUMÁRIO:
Resumo
01         INTRODUÇÃO
02         O PLANEJAMENTO URBANO E O PLANO DIRETOR COMO RESPONSÁVEL PELA SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL
03         SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL COMO CONSEQUÊNCIA DOS DIVERSOS PLANEJAMENTOS URBANOS REALIZADOS NO PASSADO
04         MANIFESTAÇÕES ESPACIAIS DIFERENCIADAS DE SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL INDUZIDAS PELO PLANEJAMENTO URBANO - O ESTUDO DE CASO: ARACAJU-BRASIL E BRAGA-PORTUGAL
05         CONSIDERAÇÕES FINAIS
06         REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
Este artigo analisa o processo de segregação sócio espacial que vem ocorrendo a nível mundial. Como este processo tem crescido principalmente, a partir das revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX, período onde a indústria teve grande salto e a industrialização foi desencadeada por todos os continentes.
Esta proliferação das indústrias mundialmente foi reforçada pela descoberta do petróleo e da energia elétrica. A partir do século XIX e início do século XX a segregação urbana se tornou um problema que vem afetando indiretamente e diretamente a saúde da população de maneira mais forte nas metrópoles e mais recentemente também nas cidades de menor porte.
Por isto a cada década se torna maior a necessidade do planejamento urbano. Atualmente a existência do Plano Diretor Urbano é obrigatória não só nas cidades dos países desenvolvidos, mas principalmente nas cidades dos países onde a economia é dependente das decisões dos países centrais.
Hoje os Planos Diretores Urbanos Municipais são considerados responsáveis pela solução dos problemas urbanos. Mas constata-se que muitos dos Planos Diretores Municipais existentes nos países considerados dependentes (como o caso do Brasil) têm aprofundado o problema de segregação sócio espacial ao invés de diminuir este problema. Neste sentido fizemos um estudo paralelo, entre duas cidades: Uma existente no Brasil – Aracaju e outra existente em Portugal – Braga, para demonstrar que após mais de treze anos da existência dos Planos Diretores de Urbanos nestas cidades o processo de segregação urbana tem sido controlado e até diminuído na cidade portuguesa.
Por outro lado, na cidade brasileira de Aracaju, os seus problemas urbanos tem aumentado. Para finalizar demonstramos no estudo de caso que nas cidades onde os Planos Diretores urbanos não foram feitos de maneira séria e democrática, com a participação popular, têm aumentado os problemas urbanos. Nos últimos treze anos estes problemas de segregação sócio espacial tem tido um aumento considerável. Este fato tem interferido mais fortemente e até induzido negativamente na saúde da população de baixa renda que reside nas áreas (bairros, distritos) onde a infraestrutura urbana é muito precária.


01-INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a questão da segregação socioespacial e do planejamento urbano. Nele fizemos uma pesquisa e uma análise teórica inicial objetivando esclarecer as causas e as consequências dos vários problemas urbanos. De maneira geral o processo de urbanização acelerada e do aumento populacional vem historicamente reforçando a intensidade dos problemas do habitar e da gestão das cidades. Neste processo a segregação socioespacial os problemas nas cidades foram sendo intensificados provocando o caos no habitar e na qualidade de vida, portanto na saúde de seus habitantes, fazendo com que a necessidade de um planejamento urbano periódico seja obrigatória.

Muitos são os problemas gerados na cidade e os reflexos negativos sobre as populações são maiores ainda, assim tentando propor soluções para estes problemas procuramos analisar o processo de evolução desta segregação sócio espacial a nível mundial. Neste artigo enfocamos o estudo numa análise comparativa inicial realizada em duas cidades selecionadas, Aracaju no Brasil e Braga em Portugal.

Dentro do contexto do processo de crescimento urbano os problemas de segregação sócio espacial vêm se acumulando com níveis de intensidades especificamente diferenciadas no mundo. Estes níveis diferenciados de intensidade da segregação urbana, e posteriormente sócio espacial, são cada vez mais crescentes e foram com o tempo revelando como cada país ou região mundial interpretam e enfrentam estes problemas

2- O PLANEJAMENTO URBANO E O PLANO DIRETOR COMO RESPONSÁVEL PELA SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA SEGREGAÇÃO SÓCIO ESPACIAL


A problemática da segregação sócio espacial é uma preocupação que vem ocorrendo a nível mundial em virtude do ritmo acelerado da urbanização. Este processo de segregação sócio espacial é fruto do crescimento urbano desordenado que vem se aprofundando mundialmente e mais fortemente nos países localizados na periferia do mercado mundial. Historicamente as decisões sobre o formato da cidade, sobre a direção do crescimento de parte da cidade e da definição como esta será organizada e estruturada, vem sendo tomada pelos “donos” da cidade com ações associadas com os representantes do Estado, tais como políticos, juízes, etc. Estas decisões sempre buscaram os interesses particulares em detrimento dos direitos da grande maioria da população.

Como consequência deste contexto as cidades cresceram de forma que os seus problemas urbanos foram sendo agravados, e de maneira mais significativa, com o aumento crescente da concentração das populações em áreas litorâneas. Como grande parte da população vem se concentrando nas grandes cidades localizadas em áreas litorâneas os problemas vêm se avolumando.

Como exemplos destes problemas, podemos citar alguns tais como: péssima ou precária infraestrutura urbana, principalmente nos bairros mais afastados da região mais privilegiada da cidade. Em alguns casos (1) os bairros com péssima infraestrutura se localizam bem próximo dos bairros elitizados e bem mais estruturados. Outros problemas da cidade contemporânea podem ser facilmente encontrados tais como: poluição do ar, poluição sonora, impacto ambiental, desmatamento de vegetação de mangue, aumento da criminalidade, alta concentração de automóveis com o contínuo crescimento da quantidade destes, o que tem resultado em alta poluição do ar e consequentemente tem aumentado os problemas de saúde nas populações mais vulneráveis, que são as crianças e idosos com menor poder aquisitivo.

Podemos citar ainda outros problemas tais como a alta densidade demográfica, a inexistência de um planejamento urbano democrático e sustentável, a falta de um plano diretor urbano e quando existe este não foi elaborado para efetivamente minimizar os problemas urbanos, mas pelo contrário, para multiplicá-lo. Além disto, podemos também relacionar outros problemas inerentes às cidades da América Latina e do Brasil, tais como péssima infraestrutura urbana, falta de pavimentação, crescente criminalidade decorrente do caos urbano, alta concentração da população urbana, que é composta por um grande contingente de desempregados e excluídos, número significante de pessoas “sem teto”, além do péssimo estado de saúde da maioria da população decorrente também da péssima qualidade da alimentação.

O interesse deste trabalho é aprofundar a análise deste processo de segregação urbana e como as inúmeras tentativas para minimizar estes problemas estão sendo processadas. Embora estejamos fazendo uma análise geral do contexto mundial definimos como área de interesse, de maneira mais específica, duas cidades, Aracaju (Brasil) e Braga (Portugal).

Definimos estas duas cidades para os estudos comparativos: primeiro a cidade de Aracaju que é a cidade onde resido e já venho realizando pesquisas há mais de dez anos; e a outra cidade escolhida foi Braga, em Portugal, por ser local da Universidade onde realizo o doutoramento; além disto, estas duas cidades têm portes (2) médios, com limites políticos administrativos de áreas aproximadas e onde os seus planos diretores urbanos ficaram prontos respectivamente nos anos de 2000 na cidade de Braga e 2001 na cidade de Aracaju, portanto em períodos bem próximos. Mas as semelhanças param por aí, pois são cidades que existem em países distantes e com culturas, histórias e economias bem diferentes umas das outras e onde o processo de desenvolvimento urbano de cada uma ocorreu de maneira bem diferente em todos os aspectos, tais como: urbano, histórico, econômico, político e cultural.

Em virtude desta situação preocupante os planos diretores urbanos foram sendo implantados mundialmente. Mas este processo de elaboração e colocação em prática dos planos diretores de desenvolvimento urbano ocorreu de maneira bem diferente o que resultou em agravantes na realidade social e econômica das populações a nível mundial.

Para tentar exemplificar alguns aspectos destas realidades diferentes fizemos um breve pararelo entre o Plano Diretor de Aracaju (Brasil) e o Plano Diretor de Braga (Portugal).

O Plano Diretor de Braga já está sendo aplicado há mais de dez anos. Constatámos in loco, em 2011 e 2012, que a cidade está em plena reestruturação nas vias de acesso, nas reformas das praças, na conservação dos prédios, castelos e igrejas antigas. Existe uma mobilidade urbana em boa integração entre os pedestres e o transporte coletivo e particular. 

As faixas de pedestre são respeitadas e os pedestres não atravessam as vias e ruas fora dos locais das faixas, o que demonstra um considerável nível de conscientização da população. O Plano diretor de Braga já sofreu atualizações e mesmo assim a comunidade e as entidades de classe tais como associação de moradores, clube de logistas e empresários e a Universidade do Minho através de seus pesquisadores, estão exigindo ainda mais melhorias. Realmente a cidade de Braga ainda não é perfeita, mas certamente a situação urbana está bem na frente da situação de urbanidade e de uma melhor qualidade de vida que a cidade de Aracaju.


Fig.01 – Imagem de zona pedonal reabilitada no centro histórico de Braga – FONTE: ACERVO DA INFOHABITAR, 2013.


Em relação ao Plano diretor urbano de Aracaju, que já completou 13 anos de existência, a situação é bem diferente. Após várias revisões que ocorreram entre 2010 e 2012 com estudos incompletos e audiências públicas que considero antidemocráticas, não produziu alteração nos seus artigos mesmo porque as audiências não tiveram poder deliberativo, mas apenas consultivo. Agora desde o final do ano de 2012 o PDDUA está estagnado e atualmente entidades como o Fórum em defesa de Aracaju pediram a anulação da revisão do plano diretor por entender que este Plano não está seguindo as diretrizes do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257 de 10-07-2001) e desrespeita a vontade popular.

Esta análise de estudo comparativa preocupa-se em demonstrar que os problemas decorrentes da segregação sócio espacial são resultantes de vários planejamentos urbanos inadequados que ocorreram no passado, no Brasil e na América Latina, gerando inúmeros problemas urbanos e conflitos sociais nas populações urbanas. O problema torna-se pior visto que os planejamentos urbanos continuam ocorrendo hoje sem uma efetiva ou quase nenhuma associação do crescimento urbano com a participação popular e com o desenvolvimento sustentável (mais democrático e com proteção ao meio ambiente).

Dentro deste raciocínio concordamos com a tese da autora a seguir quando descreve logo no início do resumo de sua dissertação que:

“O desenvolvimento sustentável enfatiza a impossibilidade de um crescimento contínuo num planeta finito e a necessidade de preservar os recursos naturais e ambientais de modo a que as gerações futuras disponham do máximo de opções para maximizar o seu bem-estar e qualidade de vida.” (PINTO. 2007. P.8).

Esta segregação sócio espacial vem sendo reproduzida por muito tempo, a nível mundial, com diferentes escalas de ocorrências e com características especificas a cada região ou país. Mesmo com intensidades diferentes estes processos de crescimento urbano sem planejamento ou com planejamentos inadequados só têm reforçado a possibilidade de aumento dos problemas citadinos no presente e também, e mais fortemente, em um futuro não muito distante. Desta maneira, conforme citações da autora não estão dando opção para as gerações futuras usufruírem de uma boa qualidade de vida. Neste sentido consideramos urgente a preservação dos recursos naturais e a tentativa em “frear” o crescimento urbano descontrolado. Segundo PINTO (2007), que reforça a necessidade da existência de Hortas urbanas, como forma de minimizar as dificuldades sociais das famílias menos favorecidas, na Europa as Hortas urbanas serviram para minimizar a situação da pobreza urbana. A autora exemplifica com dados de vários países europeus e também cita o caso especificamente da cidade de Lisboa:

“As hortas urbanas representam, portanto um elemento fundamental a considerar no espaço urbano, disso é exemplo a cidade de Lisboa. Em Lisboa, existem 3000 hortas que são absolutamente indispensáveis a 3000 famílias para que não passem fome. Isto sucede, hoje, em qualquer cidade europeia principalmente nas cinturas, onde vivem aqueles que fugiram à fome.” (PINTO. 2007. P.61).

Para tentar diminuir este processo de desordenamento urbano os representantes legais do poder citadino tentaram elaborar uma série de planejamentos ou planos de desenvolvimentos temporários, objetivando minimizar esta problemática decorrente da expansão urbana. Mas todos os planos elaborados não conseguiram diminuir estes problemas urbanos, visto que o verdadeiro objetivo deles não era realmente este, como é descrito abaixo:

“Os planos diretores fracassaram não só em São Paulo, mas em todo o Brasil e América Latina. Fracassaram não só porque eram falhos, mas porque tomaram os desejos pela realidade”. (SINGER. 1995. P.177).

Nos casos do Brasil e de Portugal, de maneira geral, a situação da expansão urbana e a problemática da segregação sócio espacial vêm ocorrendo (historicamente dentro de suas especificidades e com características próprias decorrentes de suas histórias, sua dependência econômica ou não, sua política “coronelista” – no caso brasileiro – e suas culturas específicas).  Mas mesmo assim, podemos afirmar que tanto no Brasil, quanto em Portugal existem problemas de segregação sócio espacial com intensidades, qualidades e quantidades naturalmente diferenciadas.

Em Portugal, segundo COSTA (2003.p.5) quando descreve:

“as cidades no contexto de Brasil e Portugal”, afirma que “ainda que situados em contextos geográficos bastante distintos, é possível identificar algumas semelhanças entre Brasil e Portugal no que se refere à divisão do território para fins político-administrativos, embora haja uma clara distinção de nomenclatura nos dois países.”

No Brasil a denominação dos pequenos territórios da cidade é de bairros, já em Portugal estes ”bairros” são denominados de freguesias, que são subunidades da cidade. Por outro lado esta cidade, em Portugal está dentro de um Concelho e no Brasil a cidade está dentro da unidade denominada de Estado (Exemplo Aracaju, está dentro do Estado de Sergipe e Guimarães está dentro do Concelho de Braga).

Sobre o processo de urbanização, fato que tem ocorrido, tanto em Portugal quanto no Brasil, podemos constatar também segundo COSTA, que ocorre um crescente deslocamento das populações para as cidades de porte médio. Dentro desta escala e contexto podemos enquadrar tanto a cidade de Braga (Portugal) como também a cidade de Aracaju (Brasil).

“No caso do Brasil merece destaque o crescimento ocorrido na faixa que vai de 250 a 500 mil habitantes, ao mesmo tempo em que para Portugal observa-se um crescimento na faixa que compreende as cidades entre 100 e 250 mil habitantes. Estes aspectos refletem a tendência de urbanização presente nos dois países, ainda que guardadas suas respectivas particularidades, principalmente no que diz respeito à questão da escala.” (Idem. P.12).

Portanto este processo de urbanização que vem ocorrendo, nestes dois países, só tem reforçado o processo de segregação sócio espacial que existe nas cidades tanto brasileiras quanto portuguesas.

No caso de outros países europeus, podemos citar os "bairros de lata" ou bairros sociais surgidos no final da década de quarenta, que revelaram a intenção dos governos destes países em tentar minimizar a problemática da criminalidade, dos contrastes sociais e da falta de moradia e da saúde da população mais carente. Com o passar dos anos foi constatado que a criação dos bairros sociais não resolveu o problema da segregação sócio espacial e em muitos casos até foi agravado este problema.

Voltando à situação de Portugal podemos destacar o que descreve António Pedro Ferreira citando a socióloga Isabel Guerra, quando descreve a situação problemática dos bairros sociais de Portugal:

Os sucessivos casos de criminalidade violenta são potenciados pela construção massiva de bairros sociais, uma solução que não é utilizada na Europa desde os anos 70,...” (FERREIRA, 19/08/2008).

Segundo o autor do texto, a socióloga reforça mais ainda a questão quando afirma que “A concentração de população socialmente heterogênea, mesmo quando é culturalmente homogênea, traz problemas de socialização negativa.” (Ibidem), e ainda dá sugestões sobre a atuação do Estado que deveria subsidiar a moradia dos menos favorecidos em áreas dispersas da cidade: “No seu entender, deveria ser aproveitado o mercado imobiliário de forma a que as famílias possam ser alojadas de forma dispersa. O Estado, acrescentou, deveria apoiar no arrendamento, cobrindo o valor que o agregado familiar não conseguisse suportar.” (ibidem).

No caso do Brasil, segundo CORDOVEZ (2011.p.7) (3) os primeiros planos diretores surgiram, na década de sessenta. Estes planos, segundo o autor, “eram meramente tecnocráticos” uma vez que o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo financiava estes planos. Mas eram feitos apenas para justificar o repasse de recursos públicos. Estes planos não eram feitos por uma equipe qualificada para tal e não existiam leis adequadas para a ordenação do espaço construído. Além de não ter uma participação popular e na sua grande maioria, foram copiados de outras cidades de outros países e regiões (Estados Unidos e Europa). Mas longe de resolver a situação, sobre o crescimento urbano desordenado, estes planos diretores somente legitimaram a ocupação desordenada nas áreas mais privilegiadas das cidades e tentaram mascarar os problemas urbanos nas áreas mais periféricas onde residiam e ainda continuam residindo as populações de menor poder aquisitivo ou sem renda definida.

Fig. 02 - Impacto ambiental decorrente da invasão de construção de casas, com materiais de restos de construção e lixo ocupando as margens do riacho – FONTE: ACERVO ANSELMO BELÉM MACHADO-BAIRRO SÃO CONRADO-ARACAJU-SERGIPE-BRASIL-JUNHO-2013.

Estes planos diretores realmente foram elaborados para este propósito: Reprodução do status quo dos cidadãos (sociedade), de forma que os bairros considerados mais ricos fossem sendo reproduzidos e permanecessem com suas contradições em relação ao espaço construído. Por outro lado “direcionou” as ações do poder público para que os bairros considerados mais pobres fossem sendo transformados e melhor estruturados (mas bem pouco e lentamente) fazendo com que sua população original fosse sendo induzida e até forçada a se deslocar para áreas (bairros ou regiões de uma determinada cidade) ainda mais afastadas da região central da cidade, ou seja, mais distantes da região mais estruturada e privilegiada.

Atualmente observamos que estes bairros “sociais” (4) existem próximos do centro urbano privilegiado, pois nos casos específicos das cidades de Aracaju (Brasil) e de Braga (Portugal) estes bairros (sociais ou periféricos como são denominados no Brasil) se localizam perto dos centros das cidades e/ou pertos de bairros bem mais estruturados, cerca de três a cinco quilômetros de distância.

No caso específico de Aracaju o bairro São Conrado é localizado próximo a um dos bairros mais privilegiados e estruturados da cidade que é o bairro Jardins (distância aproximada de quatro quilômetros). O bairro São Conrado é um bairro considerado grande e constituído por uma população de menor poder aquisitivo em Aracaju. Existe neste bairro a presença de várias classes sociais e pela observação inicial in loco os moradores deste bairro se enquadram mais fortemente nas classes sociais D e E (5). Na porção leste que definimos como porção de estudo e onde existe a estrutura urbana mais precária do bairro levantamos a hipótese de que a maioria da população desta porção se enquadra na classe E.

Conforme conversa informal com alguns moradores desta área e ainda sem comprovação existe também, nesta porção, um percentual, ainda a ser definido, de uma parte da população que recebe bem abaixo de dois salários mínimos e até sem salários definidos, ou seja, muitos destes moradores são autônomos e vivem de lavar e tomar conta de automóvel, diaristas residenciais e secretária do lar, pedreiros, carpinteiros, pescadores, catadores de lixo nos lixões e nas ruas, etc.

Fig. 03 - Bairro São Conrado-porção Leste - rua próximo à rua mangabinha - Observamos a inexistência de calçadas (pedonal), de pavimentação e sem drenagem para escoar as águas da chuva e esgoto; também podemos observar a irregularidade nos tipos e da construção de residências: casas de andar e rua sem largura definida - FONTE: ACERVO ANSELMO BELÉM MACHADO-BAIRRO SÃO CONRADO-ARACAJU-SERGIPE-BRASIL-JUNHO-2013

Mais especificamente na porção a leste da Av. Prefeito Heráclito Rollemberg, local definido para nossa pesquisa, a situação tanto da população residente quanto do espaço construído é precária. A falta de infraestrutura ou de uma estrutura urbana irregular é muito forte, onde percebemos que os traços das ruas são irregulares e de larguras diferentes, como também de péssima pavimentação, são péssimos também os sistemas de esgoto e de iluminação. Quanto mais nos aproximamos do canal Santa Maria a situação do espaço construído se revela mais precária (inclusive nas proximidades das ruas mangabinha, mangabinha 1, 2 e 3, rua A, rua K e Rua Beira Rio).

Nas margens do riacho poxim nas proximidades da rua trezentos e trinta e seis observamos também uma precária situação de infraestrutura; com ruas sem calçamento, esgoto a céu aberto, casebres (6) construídos na beira do riacho, lixos jogados nas ruas sem pavimentação, animais (cavalos e cães) soltos e aparentemente sem donos, crianças sem calçados e nariz escorrendo, convivendo com esta situação miserável.

Em relação à cidade de Braga podemos constatar in loco, que a infraestrutura urbana, de maneira geral, é bem distribuída e organizada. Não constatamos a presença de animais soltos, nem crianças nas ruas com pés descalços. Também não existem ruas sem pavimentação e nem lixos jogados a céu aberto. Tanto nos bairros mais privilegiado de Lamaçães quanto nos bairros sociais (Andorinhas, Santa Tecla, etc) não presenciamos a falta de infraestrutura nem a ausência geral do poder público. Em relação ao bairro social das Andorinhas, por exemplo, que está localizado bem próximo do centro histórico e comercial (dois quilômetros), o espaço construído já tem toda uma infraestrutura urbana, tal como pavimentação com asfalto, calçadas padronizadas, coleta seletiva de lixo, Associação dos Moradores (AMBA) (7), lanchonete (Café das Andorinhas – Canelli), arborização em todo o bairro, acesso calçado para outros bairros e rodovias pavimentadas.

Mas mesmo assim não deixam de existir problemas sociais e de carência de moradia.

“A cidade de Braga, pelas dimensões que alcançou, apresenta já alguns problemas típicos das grandes cidades, que põem em risco a sua qualidade ambiental e, consequentemente, a qualidade de vida dos seus habitantes, como sejam: a degradação do centro histórico; o desajuste de algumas novas intervenções urbanísticas e arquitectónicas; a escassez de espaços verdes; o acréscimo da poluição sonora e poluição atmosférica, sobretudo devido ao intenso e crescente tráfego automóvel, com a consequente e progressiva deterioração da qualidade do ar.” (PINTO. 2007. p.85).

Portanto mais uma vez os problemas urbanos estão provocando impacto ao meio ambiente. Embora esta citação tenha sido feita há seis anos as reformas que estão ocorrendo em Braga nos últimos dois anos evidenciam esta necessidade. O Projeto regenerar Braga (8) tem sido uma excelente atitude por parte da Câmara Municipal desta cidade.

Os problemas ambientais ocorrem em escala global e com certeza estão associados a outros problemas inerentes às cidades que provocam a segregação sócio espacial. Conforme PINTO (2007) é crescente o tráfego de automóveis em Braga. A variedade de marcas e tipos de carros que são considerados de luxo, no Brasil, torna a cidade mais bonita, mas nem por isto menos segregada, o que revela a presença de estratos sociais marcantes numa mesma cidade de porte médio.

O Plano diretor de Braga lançou várias diretrizes de melhorias urbanas, de conservação dos monumentos históricos, de conservação das praças, etc. Mas neste momento histórico em que Portugal (como outros países europeus) está em crise econômica, onde o nível de desemprego é alarmante e a sua economia está em recessão, fica mais difícil controlar estes problemas urbanos, que nestes últimos dois anos só têm crescido. As perspectivas dos problemas urbanos para os próximos anos estão diretamente associadas com o desenrolar da crise econômica. Caso a situação econômica do país melhore a situação social também irá melhorar.

Este artigo continua na próxima semana, no N. º 463 da Infohabitar, com a edição da sua 2.ª parte dedicada ao tema: SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL COMO CONSEQUÊNCIA DOS DIVERSOS PLANEJAMENTOS URBANOS REALIZADOS NO PASSADO


Notas:

(1) Em Aracaju-Sergipe-Brasil podemos encontrar bem próximos dos bairros estruturados, alguns bairros sem quase nenhuma infraestrutura urbana. É o caso de uma parcela do bairro São Conrado, onde não existe pavimentação regular, lixos expostos nas ruas, falta de saneamento básico, rede de esgoto precária, iluminação irregular, ruas e calçadas sem padronização (diferentes larguras) ou inexistentes, etc.  
(2) “O Conselho de Braga ocupa uma área de cerca de 183,19 Km²...” (PINTO, 2007, p.77) e a “cidade de Aracaju tem uma área de 181,8Km²”. (Prefeitura de Aracaju-SEPLAN).
(3) CORDOVEZ, Juan Carlos Gotaire – Plano Diretor de Aracaju: Para compreender. (Cartilha), Aracaju: Editora da Câmara Municipal de Aracaju. 2011.
(4) Bairros constituídos por uma população de baixa ou nenhuma renda e onde se faz necessário uma reestruturação urbana, tais como coleta de lixo, drenagem, pavimentação, sistema de esgoto, energia e água.
(5) Segundo os dados do IBGE-2012 as classes sociais no Brasil estão definidas por faixas de renda, levando em consideração o salário mínimo de 2012. Neste sentido a classe C tem renda até 10 salários mínimos, a classe D recebe até quatro salários mínimos e a classe E recebe até dois salários mínimos.
(6) Casebre: s.m. Pequena casa, tugúrio, pardieiro. Casa velha e arruinada. Fonte: dicionário On Line de português:
(7) AMBA - Associação dos Moradores do Bairro das Andorinhas.

        Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



      Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº 462
Manifestações Espaciais Diferenciadas de Segregação Sócioespacial Induzidas pelo Planejamento Urbano: Um estudo de caso - Aracaju-Brasil e Braga-Portugal - Parte I
O PLANEJAMENTO URBANO E O PLANO DIRETOR COMO RESPONSÁVEL PELA SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL
       
      Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
      Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, novembro 18, 2013

461 - Galerias comuns e patins residenciais - Infohabitar 461



Infohabitar, Ano IX, n.º 461


Artigo XLI da Série habitar e viver melhor


Galerias comuns e patins residenciais


António Baptista Coelho


Aprofundando-se o percurso comentado por uma adequada programação do edifício habitacional e visando-se, por regra, a solução multifamiliar mais, ou menos, "coletiva" abordam-se, sinteticamente, neste artigo, (i) as galerias comuns exteriores e (ii) interiores e (iii) os patins habitacionais.

Não se pretende, de forma alguma, esgotar a abordagem destes elementos constituintes de um habitar em comum, mas sim contribuir para uma discussão renovada sobre matérias que, infelizmente, parecem ser, por vezes, pouco alteráveis e previamente definidas, como se as tipologias mais correntes fossem uma espécie de fatalidade, o que evidentemente não é verdade.

Galerias exteriores habitacionais ( acessos habitacionais )


Sobre as galerias exteriores muito se escreveu e muito se poderá e deverá escrever, e o que se pode considerar ser, provavelmente, uma última tendência, não trata nada bem este tipo de soluções de acesso às habitações, mas julga-se que esta tendência não considera as verdadeiras vantagens que as galerias comuns exteriores podem trazer a um habitar mais satisfatório, mais estimulante e mais flexível e adaptável a diversos modos e gostos de habitar.

De certa forma trata-se de poder ter “a rua”, logo ali, mesmo, junto à nossa soleira, o que pode ter aspetos muito interessantes, por exemplo, em vistas diversificadas sobre o exterior e sobre a aproximação à porta de entrada e no sentido de uma aliança intensa com a vegetação, uma condição que, ela própria, poderá caraterizar a solução como se de uma moradia se tratasse, situação esta que pode ser, ainda, acentuada caso se trate de habitações em dois níveis ("duplex").




Fig. 01: - um ótimo exemplo de galerias exteriores comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



Considerando os potenciais aspectos negativos desta solução estes concentram-se em soluções com galerias estreitas e com um elevado número de vizinhos com acesso por cada galeria, não havendo alternativa de acesso, condições estas que levarão a uma convivência demasiado próxima, demasiado intensa e “obrigatória”, e que será agravada caso aconteçam, ou seja provável que venham a acontecer, diferenças significativas de hábitos de vida diária que posam ter reflexos diretos no uso das galerias e que não sejam consensualmente aceites por todos os residentes.

Caso não seja possível ter uma ideia aproximada das características socioculturais e modos de habitar, mais correntes, dos futuros residentes e haja possibilidade de poder haver uma significativa diversidade de modos de habitar, não será, provavelmente, recomendável a aplicação desta solução em galerias comuns exteriores.

Considerando a realidade da história habitacional e designadamente a história da nossa habitação de interesse social (portuguesa) é possível identificar e visitar casos com galerias exteriores que continuam extremamente bem qualificadas várias dezenas de anos após a sua ocupação original, assim como, infelizmente, também encontramos outros casos exatamente com um sinal contrário. Julga-se, no entanto, que estas situações negativas no uso de galerias exteriores marcaram os respectivos casos também logo desde a sua utilização original - decorrendo mais de uma inadequação básica entre a solução e os modos de vida dos seus habitantes, do que de uma "deficiência estrutural" da solução.

De certa forma haverá aqui a constatação de que a solução de galeria pode ser bem ou mal aceite, e as diferenças nos tipos sociais dos respectivos habitantes não parecem ser razões únicas e suficientes para uma tal discrepância na satisfação no uso, pois conhecem-se casos que permitem esta última afirmação, por exemplo:

·         o caso de galerias comuns exteriores muito bem apropriadas por famílias de professores;

·         o caso de galerias comuns (muito alongadas), que não foram especialmente bem aceites por populações oriundas de barracas, portanto, de uma relação directa com o espaço exterior – mas atente-se que era a rua e não uma “rua” muito estreita e elevada;

·         e o caso de galerias dimensionalmente reduzidas em largura, mas relativamente longas e habitadas por grupos sociais muito carenciados, e marcadas por aquilo que parece ser uma excelente vivência que se mantém há dezenas de anos - neste caso numa solução de quarteirão socialmente diversificado e bem integrado.




Fig. 02: - um ótimo exemplo de galerias exteriores comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



Provavelmente, para além de outros aspectos entre os quais os que foram atrás referidos, certas possibilidades ligadas à especificidade de cada local, à diversidade social, à boa qualidade urbana local e relacional, à qualidade das vistas paisagísticas longínquas que são possíveis e ao interesse e qualidade dos espaços exteriores contíguos, que podem ser verdadeiros e atraentes protagonistas muito bem revelados a partir das galerias exteriores, serão, talvez, importantes fatores do seu maior êxito.

E não há que contornar a questão de as galerias comuns mais agradáveis serem aquelas mais desafogadas e, para tal, nelas se terá de gastar uma quantidade significativa de metros quadrados de construção; mas aqui também importará a pormenorização das mesmas e a sua estimulante abertura à paisagem de proximidade.

Do que se sabe, através de estudos e da observação direta, algumas reflexões, preliminares, são, no entanto, possíveis:

-     Uma refere-se à solução de galerias largas, quase convertendo-se em ruas elevadas, que produz resultados interessantes, simulando uma povoação vertical em que os apartamentos continuam a ligar-se a “ruas”, embora estas se situem muito acima do solo.

-     Outra aponta que galerias pouco longas podem ter uma apropriação que se aproxima daquela possível em longas varandas, desde que, como se apontou, as galerias não sirvam um número excessivo de vizinhos.

-     Outra refere-se à excelente “convivência” entre soluções alternativas de acesso por elevadores e patins ou por galerias, servindo estas, diretamente, entradas de serviço; uma solução que estará naturalmente mais ligada a habitações com maior dimensão, mas que poderá ser aplicada noutros casos, proporcionando-se uma boa adequação no serviço dos elevadores a um amplo número de habitações.

-     Outra tem a ver com a atraente vibração da fachada, em volumes e contrastes de claro/escuro que são proporcionadas pelas galerias exteriores comuns, em efeitos que podem ser atraentemente reforçados através de uma adequada escolha de materiais, texturas e cores. E aqui é interessante refletir que esta opção tanto pode servir um efeito final de grande purismo, racionalidade e leveza formal, como um efeito bem distinto, rústico ou mesmo vernáculo, e com conotações ligadas ao abrigo primitivo.

-     Outra tem a ver com a diferença ambiental e de caráter que diferencia, de forma tão distinta, as soluções edificadas fortemente interiorizadas, em que de imediato associamos os espaços comuns a sítios quase claustrofóbicos (e para isso contribuem alguns regulamentos), sem luz natural e muitas vezes com problemas de ventilação aparentes nos cheiros que neles se infiltram a partir das habitações, das soluções edificadas onde para lá da porta está, quase, a rua, o sol, o vento, as copas das árvores e os bandos de pássaros. São, realmente situações bem diferentes no respectivo potencial de agradabilidade e de satisfação que possibilitam aos seus habitantes.

-     Outra reflexão põe em relevo que a caracterização dos aspectos de intimidade nos circuitos comuns que levam à porta do fogo pode viabilizar uma boa solução de galerias exteriores, acentuando, por outro lado, uma estimulante aproximação a uma “imagem” de agregação de “moradias”.

-     Ainda outra reflexão aponta que os acessos em galerias exteriores podem ser os mais adequados a soluções que privilegiem a acessibilidade a uma grande diversidade de utentes, tais como crianças, idosos e pessoas carregadas ou empurrando carrinhos; isto desde que não havendo desníveis entre as galerias e as habitações – a privacidade tem de estar solucionada de outra forma. Mas nesta matéria e referindo John Noble e Barbara Adams (1), há pessoas que valorizam a privacidade e a sensação de abrigo que são características dos acessos por escada e patim.

-     Voltando a referir o estudo de John Noble e Barbara Adams (3), importa considerar que galerias de acesso comum muito elevadas podem ser ambientalmente pouco confortáveis, porque muito expostas aos excessos climáticos; uma condição que poderá, no entanto, ser levada em conta no respectivo projeto.

-      E não podemos descurar o potencial de inovação habitacional associado ao desenvolvimento de galerias exteriores comuns ou até quem sabe de uso público; matéria que terá de ficar para desenvolvimentos posteriores.

 

Patins de distribuição das habitações ( habitação acessos )


Os patins de distribuição para habitações podem ser, tal como as entradas comuns dos edifícios, extremamente contidos em termos de reduzido desafogo espacial e de acabamentos muito económicos, ou, pelo contrário, desenvolverem-se em espaços desafogados e caracterizados, por exemplo, por elementos de arte.

Há patins habitacionais mínimos em que, praticamente, não há espaço para mais nada, a não ser as portas, e que são sentidos como adequados, como íntimos e bem agradáveis; e habitualmente esta situação liga-se a patins bem cheios de luz natural e que, assim, ganham uma outra ampla dimensão, mas podem estar associados, apenas, a uma racional, sóbria e muito digna pormenorização, em que fica aparente a intenção de associar o máximo de espaço construído às próprias unidades habitacionais privativas.

Será que a função essencial destes espaços é o apoio à entrada nas habitações, devendo, essencialmente, enquadrar essa entrada em termos de dignidade e equilibrada capacidade de apropriação? Ou será possível atribuir aos patins outras finalidades?



Fig. 03: - um dos agradáveis patins comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



É, provavelmente, difícil atribuir aos patins residenciais outras funções que não as do acesso aos fogos, da equilibrada separação entre as vistas que são possíveis entre as portas privadas de cada patim e de identificação e apropriação, equilibradas, de cada porta e dos espaços mais próximos de cada porta.

E será possível exercer estas funções em tristes espaços interiores, sem luz natural? Parece que não, e, assim, acabamos de colocar fora do conjunto de espaços residenciais potencialmente geradores de satisfação um grande grupo de edifícios.

E é interessante refletir que a questão de se tratar de um patim interior, mas com boa luz natural, ou exterior, não é algo que influencia, de forma significativa, a satisfação possível; mas se for interior e não receber luz natural, então o resultado é um espaço, habitualmente, claustrofóbico do qual temos vontade de sair rapidamente, seja para os outros espaços comuns, seja para a “salvação”, que marca a abertura da porta de uma habitação, uma “salvação” que está muito ligada à entrada de luz natural, no patim, quando exista essa luz natural no interior da habitação, o que, infelizmente, nem sempre acontece.



Galerias interiores ( corredores comuns habitacionais )


Aproveitando estarmos a falar de patins interiores, passemos, agora, às galerias interiores, uma espécie de grandes patins interiores muito alongados.

E o que se disse sobre os patins interiores é reforçado para as galerias interiores, cujo “grau de potencial de satisfação” está inteiramente dependente da existência de boas condições de iluminação natural; de certa forma, podemos dizer que a única possibilidade de se viverem galerias interiores é estas serem caracterizadas por excelentes condições de luz e ventilação naturais, que, no caso das galerias que correm no interior dos edifícios, são habitualmente condições de luz e ventilação a partir da cobertura.

E vale a pena reafirmar que a existência de galerias interiores sem luz natural configura uma daquelas soluções residenciais com um maior potencial de influências negativas no uso diário do respectivo edifício. Realmente, aqui, o espaço comum criado é, quase sempre e fortemente, claustrofóbico e se a uma condição como esta associarmos habitações cujos vestíbulos também não recebam luz natural, então, o resultado é fortemente negativo.



Fig. 04: as galerias interiores comuns residenciais podem ser excelentes, tal como é aqui ilustrado com o exemplo da Cooperatiova Caselcoop no bairro de Caselas, lisboa, projeto do aqruiteto Justino de Morais (na imagem á direita).



Evidentemente que condições de espaciosidade desafogadas e um cuidadoso acabamento formal (ex., texturas, cores, sinalética, luz artificial) podem suavizar o resultado vivido de tais galerias interiores, mas se, pelo contrário, não houver tais cuidados e se as restantes condições de conforto não forem eficazes – designadamente, em termos de ventilação e de isolamento sonoro – , então, teremos uma mistura extremamente negativa de claustrofobia, proximidade física excessiva e intrusão obrigatória por parte de ruídos e cheiros originados nas habitações vizinhas. Teremos, assim, de certo modo, um ambiente fechado onde se concentrarão todas as queixas de falta de qualidade dos respectivos vizinhos; queixas estas que, provavelmente, irão também refletir a insatisfação com habitações com uma única fachada exterior, uma solução que está, habitualmente, associada a estas galerias interiores, numa negativa "rentabilização" de edifícios muito espessos.

E esta é uma daquelas exceções à regra da “grande nau, grande a tormenta”, pois, apesar de tudo, a existência de um número mais elevado de habitações implicará dimensões de galerias interiores mais folgadas e respectivas condições ambientais (luz e ventilação),  que resultarão em condições de habitabilidade eventualmente menos críticas; a outra opção será o mínimo desenvolvimento destas galerias interiores comuns, dando acesso a reduzidos números de habitações em cada nível.

O que se visou e visará, aqui, nesta série de artigos, é uma defesa das galerias e dos patins comuns como elementos muito positivos e protagonistas de uma solução residencial que verdadeiramente nos agrade. Basta de soluções, que parecem de recurso, onde as galerias e os patins são mínimos, doentiamente interiorizados e mal pormenorizados.

Afinal, nada disto faz, realmente, sentido numa solução residencial que faça “viver” galerias de acesso e patins comuns como elementos adequadamente protagonistas da solução residencial geral onde se integram; galerias e patins comuns não podem ser elementos negativos que contribuem para o encerramento dos vizinhos nas suas células habitacionais individuais, antes pelo contrário devem ser elementos que apoiem no convívio natural entre quem vive próximo e por isso merecem adequado e pormenorizado projeto.



Notas:

 (1)           John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.
 (2)           John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.


        Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



      Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº461
Artigo XLI da Série habitar e viver melhor

     Galerias exteriores e interiores e patins residenciais

     Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

     e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC

     Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.









[1]     John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.


[2]     John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.