domingo, setembro 27, 2009

265 - INTERVENÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS numa obra de Nuno Teotónio Pereira e António Pinto de Freitas - Infohabitar 265

Infohabitar, Ano V, n.º 265
INTERVENÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS
NUMA OBRA DE NUNO TEOTÓNIO PEREIRA E ANTÓNIO PINTO DE FREITAS

artigo de Maria Tavares

Publica-se esta semana um excelente artigo de Maria Tavares sobre uma temática global que tem a ver com a relação estreita que existiu e que sempre deveria existir entre a Arquitectura e as outras artes; uma relação ainda mais crucial quando, tal como aqui acontece, se estabelece entre a Arquitectura da habitação de interesse social e as outras artes. Considera-se ser este um daqueles artigos realmente a não perder.

Maria Tavares é arquitecta, mestre em Arquitectura da Habitação pela FAUTL, frequenta actualmente um Programa de Doutoramento em Arquitectura na FAUP. é Assistente da Unidade Curricular de Projecto III (5º ano), na Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de V. N. Famalicão.

O presente ensaio, foi desenvolvido no âmbito do Programa de Doutoramento em Arquitectura da FAUP (2008/2009), para a Unidade Curricular “Cultura Artística Contemporânea: temas e questões”.

A edição do Infohabitar


Fig.1: Arte Pública
INTERVENÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS
NUMA OBRA DE NUNO TEOTÓNIO PEREIRA E ANTÓNIO PINTO DE FREITAS
artigo de Maria Tavares


O presente ensaio propõe reflectir sobre a função social da arte, tendo como objecto de estudo, uma intervenção de Maria Keil numa obra de Nuno Teotónio Pereira e António Pinto de Freitas.
Num contexto de produção dos anos 50, época de encruzilhada e de reflexão sobre os valores do contexto e do próprio programa do habitar, temos como cenário de intervenção o bairro dos Olivais-Norte em Lisboa e todo um laboratório de experiências ao serviço do utente.



CONTEXTO


Fig.2: O BAIRRO, Olivais Norte, Lisboa

Olivais-Norte, Lisboa, 1957. O plano do bairro, estruturado pelo Gabinete Técnico da Habitação, previa a instalação de 8000 habitantes em 40ha de experiências formais e tipológicas, valorizando a adopção de novos princípios urbanos. Princípios verdadeiramente modernos, com referências formais assentes na Carta de Atenas e nas Unidades de Vizinhança, contrariando assim as propostas urbanas que recuperam a estrutura da cidade, fazendo desaparecer a tradicional rua de construções alinhadas. Este laboratório tipológico, é enriquecido pela variedade das abordagens dos autores, mas centradas em apenas duas tipologias base, a banda e a torre.


Fig.3: OS EDIFÍCIOS, 6 bandas de 4 edifícios, Nuno Teotónio pereira e António Pinto de Freitas

Interessa-nos aqui avaliar um conjunto de 4 edifícios que compõem uma banda, projectados por Nuno Teotónio Pereira e António Pinto de Freitas. O conjunto, repete-se 6 vezes ao longo do bairro e representa um novo propósito na procura de soluções tipológicas em programas de habitação de âmbito social… uma procura detalhada das necessidades humanas, discussão muito apropriada à década em causa e, também da pesquisa em torno do programas e das novas estruturas formais. Reforça-se a ideia do laboratório experimental, em torno da função social da arquitectura.


Fig.4: O DISPOSITIVO, 4 dispositivos exteriores, de sociabilização e convívio

O programa das habitações, inevitavelmente pouco extenso, pelas condições económicas que o determinam, previa espaços para arrumos individuais. O que poderia ser uma abordagem projectual comum, tornou-se uma espécie de desafio para os autores, pela interpretação dada ao programa e sua proposta e materialização: propõem um dispositivo exterior ao edifício (4 por cada banda), onde para além dos pequenos oito arrumos individuais, surge um espaço coberto para sociabilização e convívio... aspecto tão debatido no contexto dos anos 50 e das propostas modernas. De facto, o movimento moderno, acreditava que era possível mudar o comportamento das pessoas através da arquitectura, influenciando a sociabilização. Seria uma visão ideológica?


Talvez... mas o mais interessante, é a encomenda que surge associada a estes pequenos dispositivos de convívio.
UMA ENCOMENDA


Fig. 5: Dispositivos exterioresSeis artistas plásticos foram convidados pelos arquitectos, para intervirem nos referidos dispositivos, ao abrigo de uma disposição municipal que previa que os edifícios construídos na cidade contemplassem uma obra de arte.

Segundo Nuno Teotónio Pereira, “cada unidade construtiva foi confiada a um artista plástico que, a partir de um determinado tema, o desenvolveu em sucessivas variações”(1), ou seja, uma série de 4, que contemplava uma banda de edifícios.

Ao se criar um espaço de estar e de convívio, oferecia-se arte aos moradores, que dadas as suas condicionantes económicas, a probabilidade de a adquirir seria baixa. Importa reflectir como estas intervenções de arte, verdadeiramente públicas e de verdadeira vizinhança, terão ajudado a compor o próprio acto de habitar, naturalmente mais culto, enriquecendo igualmente a própria arquitectura.


AS OBRAS
“Nos anos 50 vivia-se intensamente o apelo, então em voga, da integração das três artes: arquitectura, pintura e escultura”(2). Os artistas convidados, proporcionariam uma experiência de valorização e enriquecimento das equipas de trabalho e isso seria fundamental para o debate em torno da função, tanto da arquitectura, como da arte.

Haverá com certeza elos entre estes autores… não tanto das obras, técnicas e resultados, mas talvez dos seus objectivos culturais. Na realidade, vivia-se um momento de ditadura e, um grupo de intelectuais de que faziam parte, evidenciava um certo posicionamento em relação à cultura.

Resultado disso, são as EGAP’s (Exposições Gerais de Artes Plásticas) organizadas pelo MUD (Movimento de Unidade Democrática) na Sociedade Nacional de Belas-Artes, que entre 1946 e 1956 (3), demonstraram nas 10 exposições a expressão de valores como unidade e metas comuns, em artistas tão diferenciados. Pretendiam aproximar a arte do cidadão comum, introduzindo inovações quanto às diferentes disciplinas representadas. Constituindo uma oposição à política cultural de António Ferro com as exposições de arte moderna do SNI (Secretariado Nacional de Informação), mostraram essencialmente uma abertura cultural, através de manifestações artísticas pela conquista da expressão livre, tal como na experiência dos Olivais.

Seis artistas plásticos, seis temas, 24 intervenções:


Fig. 6: João Segurado, quatro painéis em azulejo


Fig. 7: Fernando Conduto, quatro relevos em betão policromado


Fig. 8: Rogério Ribeiro, quatro painéis incisos


Fig. 9: António Lino, quatro painéis em mosaíco


Fig. 10: Lima de Freitas, quatro painéis em azulejo


Fig. 11: Maria Keil, quatro painéis de cerâmica

E é nesta intervenção de Maria Keil que nos vamos centrar, mas não sem antes traçar um breve percurso da autora que, como veremos, ao contribuir nos anos 50 para a modernidade do azulejo, potencia seriamente a função social da arte, sobre a qual importa aqui reflectir.


Maria Keil do Amaral nasce em Silves em 1914 e inicia frequência do curso preparatório da Escola de Belas-Artes de Lisboa em 1929, que não conclui. Comenta que, “em três anos que lá estive, parece, nunca vi um livro de pintura, de reproduções. Não se aprendia nada, nadinha”(4). Terá sido fora da escola, que aprendeu e experimentou tudo.


Fig. 12 e 13: Maria Keil e Auto-retrato, 1941: Prémio de Revelação Souza Cardozo, que apresenta na VI Exposição de Arte Moderna do SPN, Lisboa.

Em 1933, casa com o arquitecto Francisco Keil do Amaral, facto determinante para o seu percurso pessoal e artístico e, em 1939, ao iniciar actividade no Estúdio Técnico de Publicidade, cruza-se com Fred Kradolfer, um suíço radicado em Portugal que se dedica à publicidade, impulsionando o desenvolvimento das artes gráficas.


Fig. 14 e 15: Anuncio à Cinta Pompadour, 1941 e Ilustração.

Contacta e convive com um grupo de intelectuais que a enquadram no mundo da arte… “Era um mundo aberto. Íamos ali para a Brasileira com os grandes: o Manta, o Diogo Macedo, essas pessoas importantes. Ali é que se aprendia”(5).

Dedica-se ao longo da sua carreira a uma série de áreas de actividades e expressões artísticas, como: pintura, desenho, ilustração, publicidade, design gráfico e de interiores, mobiliário, cerâmica, cenografia e figurinos, tapeçaria, mas será através da azulejaria, e sua integração na arquitectura e em grandes murais, que irá contribuir para a dimensão pública da arte.

Participa na Exposição do Mundo Português em 1940, com uma pintura mural alusiva aos monstros marinhos e, em 1941 obtém o Prémio Revelação Sousa Cardoso, com o seu Auto-retrato. Participa ainda nas 10 EGAP’s já referidas, com neo-realistas, modernistas e académicos.

Com estas experiências e contactos e, principalmente pela influência do marido Keil do Amaral, Maria Keil participa “numa mudança de mentalidades em Portugal”. (6)

…”cheguei à conclusão de que não valia a pena continuar a pintar, o mundo está cheio de boa pintura, eu não ia alterar nada, e então resolvi fazer azulejos. Vivia num ambiente de arquitectos, o meu marido tinha o atelier em casa. A arquitectura é uma coisa muito séria, achei mais útil fazer coisas para a arquitectura (…), que era mais lógico que se colaborasse nas coisas que estão ao alcance de toda a gente do que fazer quadrinhos isolados (…)” (7).

Esta é a questão. De um entusiasmo inicial pelos ensaios e tentativas de aplicação do azulejo em obras de arquitectura, e pela colaboração da fábrica Viúva Lamego que a autora afirma “que sem o apoio que tenho e sempre tive da Fábrica (…), não teria feito nada do que fiz”(8), surge o painel de azulejos O mar, nas escadarias de um bloco habitacional da Avenida Infante Santo em obra moderna de Alberto Pessoa, Hernâni Gandra e João Abel Manta (9), em que a intervenções dos 5 pintores (10) convidados deveria “revelar e iludir os muros de suporte dos blocos”(11) e em 1958 o “trabalho imenso, exaustivo do Metropolitano”(12) com arquitectura de Keil do Amaral. Terá sido a “encomenda decisiva da sua carreira em que consumiu mais de vinte anos de intermitente trabalho”. (13)


Fig. 16 e 17: Painel O Mar, avenida Infanto Santo e Estudo para o painel O Mar.Guache sobre papel 1956/58.



Fig. 18: Estudo para padrão utilizado na estação do Intendente.

Na realidade, a autora, através da azulejaria, para além de ajudar a dignificar o próprio azulejo, que seria considerado apenas um material de revestimento, conferindo-lhe um “rótulo de utilitário, portanto de Arte Menor”(14), potencia este movimento de relação entre as artes, tão importante nos anos 50.

VALOR DE USO

Mas voltando à experiência dos Olivais.

Deixa-se a questão: qual o valor de uso? Um valor de uso menor, por se tratar de um cerâmico aplicado em habitação de âmbito social?

Não… trata-se de uma contribuição para um projecto de Nuno Teotónio e António Pinto de Freitas, num contexto riquíssimo de produção moderna dos anos 50, um verdadeiro laboratório experimental na cidade de Lisboa, que se transforma num palco de autênticas manifestações artísticas. Será uma forma de potenciar o carácter público da arte… da arte ao alcance de todos, feita com os meios formais possíveis, não pegando em receitas e formulários. O verdadeiro debate em torno da liberdade de actuação em relação à encomenda, aliás próprio de uma certa reacção da autora a eventuais modelos (15).


Fig. 19: Maria Keil, painéis de cerâmica nos dispositivos exteriores

Apesar das 4 variações, o cenário é coerente… remete-nos para um conceito artesanal na construção de uma linguagem pictórica. Uma linguagem que talvez parta de uma geometrização, de um módulo que se repete, se transforma e desenrola, construindo uma narrativa própria, mas muito próxima e coerente com a metodologia do projecto de arquitectura… a construção de um espaço, a construção de uma manifestação cenográfica e de uma recusa pela monotonia… como se o percorrer aqueles espaços, nos transportasse para uma história, uma história do nosso quotidiano.

Reflectindo sobre esta questão do valor de uso, importa fazer aqui um breve paralelo com uma outra obra de Nuno Teotónio Pereira com Bartolomeu da Costa Cabral.

O bloco das Águas Livres, contemporâneo dos Olivais, propõe igualmente a introdução de vários artistas plásticos: dois grandes murais em mosaico de Almada Negreiros, relevos em pedra de Jorge Vieira, um vitral de Cargaleiro, um esgrafito de José Escada e o estudo cromático da fachada realizado pelo então jovem Frederico George.

Encomendado como um edifício de prestígio, pela companhia de seguros Fidelidade, o bloco das Águas manifestava-se como inovador na construção imobiliária de Lisboa.

A questão será o debate em torno de um eventual valor de uso maior, por todas as circunstâncias da própria encomenda.


Fig. 20 e 21: Bloco das Águas Livres (Lisboa), relevo em pedra, Jorge Vieira e painel mural em mosaico, Almada Negreiros

O que determina esse valor de uso?

Não será com certeza essa dimensão de alguma forma/estatuto que o suporte (edifício, mural…) ou o próprio material poderá ter.

No caso dos Olivais, Maria Keil, propõe para um dispositivo de sociabilização e de convívio (pretendido pelos arquitectos), uma manifestação cenográfica, aliás já referida, pela recusa de uma monotonia que por si só o dispositivo apresenta na sua disposição espacial. Este cenário, abstracto, parte da proposta desses elementos cerâmicos, mas fazem parte de uma peça que os suporta, sendo o conjunto que lhes dá corpo, no sentido da construção de uma certa espacialidade, com uma escala doméstica e, que transporta um grau de afectividade que se aproxima da função social que a arte pode ter… um estatuto de arte pública e de arte integrada.


Fig. 22: Maria Keil, arte pública

Notas:

(1) PEREIRA, Nuno Teotónio, “Da integração até à fusão das artes”, in Intervenção de Artistas Plásticos na obra do Atelier de Nuno Teotónio Pereira, Beja, Museu Municipal Jorge Vieira, Casa das Artes, 2004.

(2) Idem.

(3) Com um interregno em 1952 por imposição do Governo, por considerar que seria um movimento cultural envolvido em acções oposicionistas.

(4) “Maria Keil, Artista ou Operária?”, in Pública, 15 de Julho de 2007, p. 62.

(5) Idem.

(6) ARRUDA, Luísa, “Decoração e desenho: Tradição e modernidade”, in PEREIRA, Paulo, História da arte portuguesa, vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997, p. 430.

(7) Diário de Notícias, 2 de Outubro de 1985.

(8) “Conversa com Maria Keil”, Maria Keil, azulejos, Lisboa, Catálogo Exposição Museu Nacional do Azulejo, IPPC, 1989, p.49.

(9) Importava-lhe inventar “azulejos de espírito moderno para obras de arquitectura moderna”.
(10) Maria Keil, Alice Jorge e Júlio Pomar, Rolando Sá Nogueira e Carlos Botelho.

(11) SILVA, Raquel Henriques da, “Azulejos de Maria Keil, os jogos com a eternidade”, Maria Keil, azulejos, Lisboa, Catálogo Exposição Museu Nacional do Azulejo, IPPC, 1989, p.39.

(12) “Conversa com Maria Keil”, Maria Keil, azulejos, Lisboa, Catálogo Exposição Museu Nacional do Azulejo, IPPC, 1989, p.47.

(13) SILVA, Raquel Henriques da, “Azulejos de Maria Keil, os jogos com a eternidade”, Maria Keil, azulejos, Lisboa, Catálogo Exposição Museu Nacional do Azulejo, IPPC, 1989, p.40.

(14) “Conversa com Maria Keil”, Maria Keil, azulejos, Lisboa, Catálogo Exposição Museu Nacional do Azulejo, IPPC, 1989, p.47.

(15) Destaca-se um comentário de Maria Keil numa entrevista: “É que eu ganhava a vida a fazer publicidade também, e isso era muito mal visto. Mas muito mal visto. E azulejo também. O azulejo ia dando cabo de mim. O Abel Manta dizia: “a menina não faça isso. Uma pintora não faz isso, fazer azulejo…”, in Arquitectura e Vida, n.º 97, Outubro de 2008, p. 18.


BIBLIOGRAFIA

. ARRUDA, Luísa, “Decoração e desenho: tradição e modernidade” in PEREIRA, Paulo, História da arte portuguesa, vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997, p.407-505.

. Intervenção de Artistas Plásticos na obra do Atelier de Nuno Teotónio Pereira, Beja, Museu Municipal Jorge Vieira, Casa das Artes, 2004.

. Maria Keil, Arquitectura e Vida, n.º 97, Outubro de 2008.

. “Maria Keil, Artista ou Operária?”, in Pública, 15 de Julho de 2007, p. 58 a 67.

. Maria Keil, azulejos, Lisboa, Catálogo Exposição Museu Nacional do Azulejo, IPPC, 1989.

Infohabitar, Ano V, n.º 265

Olivais Norte, 27 de Setembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho
Label: arquitectura e artes plásticas, Olivais-Norte

domingo, setembro 20, 2009

264 - Vivências e vivendas I - Infohabitar 264

Infohabitar, Ano V, n.º 264
Vivências e vivendas Iartigo de António Baptista Coelho

A ideia de escrever sobre a vivenda, em termos gerais, mas essencialmente sobre os aspectos de humanização do habitar suscitados pela ideia de "vivenda", decorreu, directamente, de um belíssimo artigo de Miguel Esteves Cardoso, intitulado “Vivenda Boa Esperança” e que foi editado no Público. (1)

Lembrei-me, depois, de associar às palavras a editar sobre este assunto, algumas ideias com as quais abri, há poucos anos, um estudo realizado, publicado e disponível no LNEC sobre o título “habitação humanizada” (2), para o qual se poderão dirigir aqueles que queiram aprofundar estas temáticas, e depois surgiu, ainda, a ideia de editar aqui um pequeno ensaio, já com alguns anos, que escrevi sobre uma casa do futuro ou imaginária, e, finalmente, acompanhar as palavras com imagens de pormenores de casas que nos falam à alma. De tantas ideias fica, para já, o texto que se segue e que terá, muito provavelmente, continuação.

“(Hestnes Ferreira) – Aquela ideia da casa, muito ligada até aos românticos, e sei lá, ao Thoreau, o tipo que vai para a floresta, corta a árvore, arranja as pranchas, faz a sua casa e ali, ali é a sua casa, é uma ideia que continua, a estar presente, culturalmente ...

(Manuel Vicente) – Afinal uma casa é boa para uma família quando for boa para todas, não é? Mas isto não é o elogio do anónimo mas antes da extrema qualidade, a universalidade pela qualidade e não a universalidade pelo «éffacement», pelo apagar.
(Bravo Ferreira) – O neutro ... o neutro é chato em qualquer situação, é sempre cinzento...
(Manuel Vicente) – Do neutro ninguém se apropria... uma pessoa só se apropria daquilo que ama. Uma pessoa não pode amar uma coisa que não seja nada.
(Hestnes Ferreira) – E quando visitamos uma casa do século passado e ficamos deslumbrados com certo tipo de espaços e gostamos mesmo de ir para lá, isso é mesmo um sintoma de que aquilo transcendeu a família para quem foi feito, continua a sugerir e se calhar já foi utilizada de mil e uma formas, já teve mil e uma jarras diferentes em mil e uma mesas diferentes.
(Bravo Ferreira) – Restou-lhe sempre a qualidade, e essa é que está sempre.” (3)





Fig. 1: o habitar doméstico é feito de um sem-fim de pormenores e de sítios para esses pormenores.
Falamos então aqui de “casas” no sentido de espaços domésticos que nos envolvem e satisfazem e com os quais nos vamos identificando, ao longo do tempo, de formas gradualmente sempre um pouco mutantes, mas também sempre um pouco constantes, num sensível (re)densificar de afectos e de identidades, numa dinâmica que vai criando laços mais profundos com determinados espaços.

Estamos portanto a falar aqui de casas que são “algo”, física e espiritualmente, que formam as “conchas” das nossas vidas, como dizia Amália, mas que nos ligam ou devem ligar, às outras vidas através da cidade. E estamos aqui a falar de casas com qualidade, afinal, porque são isso tudo e não são “cinzentas”, nem “frias”, nem simplesmente maquinais, nem descaracterizadas, e cujas formas de terem sido feitas têm histórias que merecem ser contadas, histórias que integram exemplos, autores e ideias, tal como se quis sublinhar no texto que acabou de se citar, e que, portanto, nunca poderão ser reduzidas à mera fabricação de um produto de consumo, pois a casa, a habitação, é espaço de vida, espaço que marca a nossa vida e sítio de testemunho da vida do homem.

Neste sentido, no artigo referido no início deste texto, Miguel Esteves Cardoso defende o uso para casas como estas da palavra “vivenda” e cita o seu pai que dizia que “moradia ... é onde se mora” ... e “vivenda é onde se vive, como fazenda é onde se faz.”

Esta ideia de vivenda como sítio onde se vive, realmente, nas múltiplas dimensões do viver, desde o sentido de identidade e de autonomia, ligado aos nossos espaços e objectos pessoais, aos ambientes e espaços "de companhia" e de relação com as paisagens, que podem ser muito próximas e particulares/pormenorizadas ou mais afastadas, é um daqueles supostos “lugares comuns” bem falsos, pois é evidente, infelizmente, a enorme quantidade de habitações e de sítios de habitar onde até o simples morar funcionalista é difícil, pelas mais diversas razões mensuráveis e quantificáveis, quanto mais viver numa aproximação a uma vida de plenitude que pode e deve ser o desejo de cada um de nós e que se liga, inteiramente, a essas capacidades de viver o mundo doméstico, como pequeno em dimensão física, mas enorme numa perspectiva de identidade, afectividade e apropriação individual e de grupo.


Fig. 02: o habitar doméstico tem de fazer-se, ganhando-se para essa vivência a enorme riqueza da relação exterior-interior-exterior.

Realmente habitar uma habitação, viver uma vivenda (casa ou "apartamento"), pode e deve ser incomensuravelmente mais do que uma colecção de aspectos funcionais associados ao "acto" de habitar, e esta possibilidade, que não se esgota no espaço especificamente doméstico, mas que tem de transcender para o espaço citadino, é aquela qualidade responsável pelo papel do habitar numa vida diária verdadeiramente satisfatória e positiva em termos das histórias e dos percursos de vida de cada habitante. E é neste fazer bem o habitar que se vê também a qualidade do respectivo projecto, e a diferença entre o simples "produto habitacional" e o verdadeiro habitar, o verdadeiro espaço de vivência humana, as verdadeiras vivendas, espaços de vida diária que nos servem no dia-a-dia, enquanto nos apoiam nas nossas linhas de vida e são espaços privilegiados de registo das nossas histórias de vida.

Viver uma habitação, uma vivenda, com esse fundamental objectivo de uma vivência o mais possível plena e variada, que marca interiores, exteriores e limiares, é, naturalmente, matéria-base da arquitectura, mas num constante diálogo com as outras humanidades, numa viagem temática referenciada pelas ricas e essenciais matérias “nas margens”, entre a arquitectura e outras disciplinas. Uma viagem onde têm lugar cativo aqueles autores e projectistas que sempre se preocuparam com os objectivos da humanização do habitar, e assim, muito naturalmente ou de forma premeditada sempre destilaram e embeberam essas humanidades na grande matéria da arquitectura do habitar, seja em textos, seja em casas.

E sublinha-se que no universo das humanidades aplicadas ao habitar, se considera pertinente incluir, a par das clássicas humanidades, as matérias relativas ao bem estar habitacional e urbano – da segurança urbana ao conforto ambiental e à saúde – pois se considera que elas concorrem para o objectivo de um habitar positivamente qualificado e humanizado, mas sempre, sublinha-se, a partir de uma base duplamente residencial e arquitectónica.

Tal associação entre aspectos que vão beber directamente à filosofia, por exemplo, e que influenciam na concepção de um espaço urbano habitável, com aspectos que se podem considerar mais técnicos do urbanismo, como acontece, por exemplo, com as referidas matérias da segurança pública em meio urbano, com as matérias da perspectiva pediátrica associada à importância do meio urbano no crescimento equilibrado da criança e ainda com as matérias associadas ao relevo que tem o conforto ambiental e ergonómico no espaço público – só para referir alguns aspectos mais técnicos e de primeira linha nesta problemática – , tal como se disse, esta associação justifica-se, porque todos estes aspectos influenciam conjuntamente, e sublinha-se o conjuntamente, na concepção de um mundo urbano habitado que se deseja possa ser globalmente positivo e dinamizador da vida diária e da cultura.


Fig. 03: o sentido simbólico e filosófico dos espaços e mundos do habitar marca, desde sempre as acções e as ideias humanas - uma caixa/casa.

E tudo isto, todas estas matérias vivenciais e, nestes casos, também urbanas, têm uma sede básica, um ponto de concentração estratégico, que é, naturalmente, a habitação de cada um e as habitações que vamos vivendo, que vamos vivenciando, ao longos das nossas vidas, pois elas funcionam, na prática, como "pontos centrais" onde todas as principais relações pessoais, familiares, de vizinhança e urbanas se complexificam e são vividas com mais intensidade; é a partir de nossas casas que vamos experimentando a cidade, e é daí que para a cidade partimos, diariamente, e é para elas para essas nossas "vivendas", que todos os dias voltamos e é nelas que nos reconstituímos para novos dias, e é nelas, e nas boas relações que elas podem estabelecer com a cidade, que podemos encontrar boa parte da alegria de viver e de interesse de continuar a viver, vivendo-as e às suas vizinhanças e cidades, dia-a-dia, com interesse e curiosidade, que devem ser, sempre, renovados e se possível intensificados.



E atenção que as palavras que aqui se estão a usar não são palavras quaisquer, mais ou menos bonitas, pois decorrem de casos conhecidos e vividos, habitações e vizinhanças citadinas, que parecem ser, naturalmente, capazes de "empurrar" positivamente, em cada dia, a vivência dos seus habitantes, e evidentemente lembramo-nos de exemplos em bairros históricos ou bem consolidados e de exemplos de habitações que nos falam à alma.

Em muitas partes do trabalho que foi atrás referido - Habitação Humanizada(2) - são indicados alguns dos autores e das obras que se julga poderem orientar, hoje em dia, o pensamento sobre estas matérias da humanização do habitar, que se julga ser o assunto "central" nas preocupações que têm sido apontadas neste artigo pois afinal o habitar é o lugar comum do espaço existencial e do espaço arquitectónico, e assim pode-se considerar que, deignadamente, nos livros de Christian Norberg-Schulz se encontram muitas das chaves para a humanização do habitar, bem como uma utilíssima leitura “de arquitecto”, comentada e desenvolvida, que ele faz de conceitos essenciais para estas matérias, designadamente os de Heidegger.


Podemos assim dispor, no caso dos estudos Norberg-Schulz, de uma ponte utilíssima que nos facilita a entrada num amplo e fundamental campo disciplinar em que o habitar é considerado tanto pelo ângulo da arquitectura, pois o referido autor era arquitecto, pelo ângulo da filosofia, um ângulo com que muito temos a ganhar e que parece que tem sido um pouco esquecido.

Já o tenho referido várias vezes que tive a sorte de encontrar um dos principais livros de Norberg-Schulz no início do curso de Arquitectura, em 1974 - o "Existência, Espaço e Arquitectura" (3) -, “perdido” na então pequena prateleira sobre Arquitectura da Livraria Bertrand da Baixa de Lisboa. Desde então a ele sempre voltei e aqui junto, desde já, uma pequena síntese de alguns dos aspectos, dele retirados, que convém ter em mente quando se procura aprofundar o que é a humanização no habitar, aspectos estes que tudo têm a ver com a essencial transformação do espçao de habitar em espaço de vivência positiva e estimulante:

- Heidegger foi o primeiro a defender: uma “existência é espacial”, que “não se pode dissociar o homem do espaço”, que “não podemos colocar o homem e o espaço um ao lado do outro”, que “o espaço não é nem um objecto externo nem uma experiência interna” (p. 39).

- “Bachelard (na sua «Poética do Espaço») descreve a casa com «uma das grandes forças integradoras da vida do homem», na casa o homem encontra a sua identidade, e liberdade pressupõe segurança e esta só é possível mediante a identidade humana, na qual o espaço existencial é um aspecto. Esta é a essência da «habitação ou residência»” (p. 45).

- “O nível urbano distingue-se pela sua concentração e densidade. Os homens reúnem-se na cidade e a sua identidade depende dessa coexistência. A casa, no entanto, exprime um certo isolamento, um mundo privado que pode ser fechado se quiser” (p.114).

- “As grandes unidades tão correntes hoje em dia não só destroem a escala humana como impedem a rua de preservar a variada continuidade que constitui a sua essência” (p.101).




Fig. 04: naturalmente, também se habita, ou se deve habitar, intensa e afectivamente uma cidade humanizada - aqui uma vista do Porto.
E continuando, agora num outro livro do mesmo Norberg-Schulz: (4)

- “Durante a maior parte da história a cidade foi a civitas , o mundo conhecido e seguro no meio de uma envolvente desconhecida. As suas qualidades primárias são a singularidade e identificabilidade... e dentro da cidade a casa realmente representa a necessidade básica de «estar num dado sítio.» Esta é a função essencial do habitar, e a casa continua a ser o espaço central da existência humana, o sítio onde a criança se desenvolve e começa a conhecer o seu próprio ser e a sua posição no mundo e o lugar do qual o homem parte e ao qual ele retorna “ (p.224).

- “Pode dizer-se (referindo Lynch) que a organização elementar tem a ver com o estabelecimento de centros ou lugares (proximidade), direcções ou caminhos (continuidade) e áreas ou domínios (encerramento). Para se orientar o homem precisa acima de tudo de ter estas relações, enquanto as estruturas geométricas se desenvolvem em segunda linha para servir objectivos mais aprofundados... De acordo com Lynch o homem precisa de um ambiente urbano que facilite a sua própria geração de imagens: precisa de bairros com um carácter especial, percursos que levem a algum lado e pólos/nós que sejam «lugares distintos e inesquecíveis» (pp. 223 e 224).

- “Através do conceito de carácter, os conceitos de níveis ambientais de paisagem, implantação e casa foram tornados mais concretos. Estes caracteres constituem o verdadeiro assunto material da arquitectura, e a tarefa do arquitecto é criar sítios com um carácter particular e significante, porque sem a dimensão do carácter todos esses níveis seriam apenas meras abstracções, tal como um país ou uma cidade que apenas conhecemos de um mapa” (p. 225).

- “Uma obra de arquitectura está sempre relacionada com uma situação específica, mas também tem de transcender essa situação e surgir como parte de um todo mais legível e significante. Mesmo nos estágios mais antigos da edificação, a escolha de uma situação e de um enquadramento natural implicava avaliação de alternativas, isto é reconhecimento de semelhanças, diferenças e relações. Escolha feita para satisfazer necessidades humanas e assim relacionada com acções e intenções humanas. Na arquitectura vernácula, de facto, os sítios eram cuidadosamente escolhidos para diferentes funções e tais funções satisfeitas por tipos de edifícios específicos” (p.225).


Fig. 05: da cidade à "casa" e desta à cidade, num manancial de imagens de vivências que nos preenchem os dias.

E assim se introduziu, de forma explícita, na linha editorial do Infohabitar uma proposta de discussão e de aprofundamento de uma matéria daquelas que foram as mais importantes na ideia que fez germinar o Grupo Habitar e a sua revista: pensar o habitar como verdadeiro espaço vivencial, força integradora da vida do homem, capaz de influenciar positivamente os seus habitantes, pois "não se pode dissociar o homem do espaço" e este tem de ser vivenciado entre a casa que "continua a ser o espaço central da existência humana" e o espaço da cidade, que é onde os homens se reúnem, mas onde é essencial salvaguardar a escala humana, porque "o homem precisa de um ambiente urbano que facilite a sua própria geração de imagens" e deve viver em sítios com carácter particular, embora integrados num todo legível e significante.

E o habitar num sentido de vivência que atravesse e marque, positivamente, a casa, a vizinhança e a cidade, pode e deve ser motivo de criação e recriação de uma tal caracterização e humanização, pois a cidade tem de ser um enorme, mas sensível e diversificado espaço de vivências e de vivendas.

Notas:(1) Miguel Esteves Cardoso, “Vivenda Boa Esperança”, Jornal Público, 16 de Setembro, 2009.
(2) António Baptista Coelho, Habitação Humanizada – TPI 46, LNEC, Lisboa, Julho de 2006, 577 p., 121 fig; e Habitação Humanizada: Uma apresentação geral – Memória 836, LNEC, Lisboa, 2007, 40 p., 19 fig.
(3) Christian Norberg-Schulz, Existencia, Espacio y Arquitectura, Barcelona, Editorial Blume, trad. Adrian Margarit, 1975.
(4) Christian Norberg-Schulz, Meaning in western architecture, Londres, Studio Vista, 1984 (1974).

Nota editorial: embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.Infohabitar, Ano V, n.º 264Lisboa, Encarnação –

Olivais Norte, 20 de Setembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho
Label: habitação, vivenda, habitação humanizada

segunda-feira, setembro 14, 2009

263 - Mestrado sobre risco e acções sobre segurança infantil - Infohabitar 263

Infohabitar, Ano V, n.º 263
Caros leitores do Infohabitar, voltamos a lembrar os últimos quatro artigos da nossa revista, disponíveis muito facilmente aqui, ao “correr da imagem no ecrã, no seu computador, e que trataram os temas de uma cidade mais humanizada e vitalizada pela habitação:

. n.º 259, 14 de Agosto de 2009: Cidade melhor, desígnios fundamentais numa cidade positivamente renovada: o habitante peão – parte I

. n.º 260, 24 de Agosto de 2009: Cidade melhor, harmonizada e humanizada, e o protagonismo de um espaço público bem desenhado – parte II

. n.º 261, 31 de Agosto de 2009: E ainda o problema da habitação, em Portugal no início do século XXI – parte I, oferta e procura

. n.º 262, 7 de Setembro de 2009: E ainda o problema da habitação, em Portugal, e não só, no início do século XXI – parte II, ainda sobre a oferta e a procura habitacional

Neste número do Infohabitar faz-se um pequeno intervalo na edição de artigos para se divulgar, com algum pormenor, pois considera-se serem temáticas de grande interesse:

- a 2ª fase de candidatura para inscrição no Mestrado Interdisciplinar sobre Risco, Trauma e Sociedade, no ISCTE-IUL – uma acção cujo interesse e importância se sublinham; e atenção ao respectivo prazo de inscrição, que está mesmo a terminar (ou terá até já terminado);

- e duas acções que serão em breve promovidas pela APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil: o Seminário Arquitectura, Construção e Segurança Infantil e o Workshop Segurança nos Espaços de Jogo e Recreio.


Fig. 01: Mestrado Interdisciplinar sobre Risco, Trauma e Sociedade
Encontra-se aberta a 2ª fase de candidatura para inscrição no Mestrado Interdisciplinar sobre Risco, Trauma e Sociedade, no ISCTE-IUL, este Mestrado oferece também um Diploma de Pós-Graduação para quem optar por fazer apenas o primeiro ano do Curso.Salienta-se que o respectivo prazo de inscrição está praticamente a terminar Para mais informações, consultar: http://mrts.da.iscte.pt/, onde poderá encontrar e descarregar Boletim de candidatura o ou contactar o secretariado do Departamento de Antropologia do ISCTE:ISCTE, Av. Forças Armadas, 1649-026 Lisboatel: (+351)217903011fax: (+351)217903012email: secretariado.da@iscte.pto Curso de Mestrado Interdisciplinar em Risco, Trauma e Sociedade oferece conhecimentos especializados sobre diversos riscos e suas consequências traumáticas nas sociedades humanas, e possibilita o estudo aprofundado em novos dominios de investigação transdisciplinar universitária.

Reúne docentes e estudantes de diversas formações, com o objectivo de desenvolver o cruzamento dos saberes promovidos pelas ciências sociais e pelas ciências de saúde, e potenciar respostas eficazes aos riscos e traumas que afectam as sociedades actuais.

O curso promove não apenas o estudo de problemas teóricos em várias especialidades, e a problematização das fronteiras entre áreas disciplinares, mas também o fortalecimento de laços entre a investigação fundamental e os imperativos da resposta profissionalizada nos domínios do risco e do trauma.

Coordenação CientíficaProfessor Doutor António Pedro Dores
Professor Doutor Manuel João Ramos

Comissão de MestradoProfessor Doutor António Pedro Dores
Professor Doutor Manuel João Ramos
Dra. Filomena Araújo
Dr. Pedro Moniz Pereira

Condições de acesso
As condições de acesso ao curso exigem a titularidade de uma licenciatura ou equivalente legal, ou a titularidade de um grau académico superior estrangeiro reconhecido e satisfazendo os objectivos do grau de licenciado pelo Conselho Cientifico do ISCTE. Será dada preferencia aos titulares de licenciaturas em ciências sociais e em ciências da saúde, sendo recomendável um conhecimento adequado de inglês e francês.

Corpo DocenteReúne docentes e estudantes de diversas formações, com o objectivo de desenvolver o cruzamento dos saberes promovidos pelas ciências sociais e pelas ciências de saúde, e potenciar respostas eficazes aos riscos e traumas que afectam as sociedades actuais.

As candidaturas serão apresentadas no Secretariado do Departamento de Antropologia do ISCTE, através de processo constando de: boletim de candidatura preenchido e assinado pelo próprio, certidão de licenciatura, incluindo a média final, curriculum vitae, incluindo cópias de dois trabalhos da licenciatura ou, alternativamente, cópia de dissertação de licenciatura ou de trabalhos publicados, uma carta de intenção ate 3 páginas explicitando as motivações para frequentar o curso, e uma fotografia.

Calendário
Candidaturas:
1ª fase - de 4 de Maio a 14 de Julho de 2009
2ª fase - de 17 de Agosto a 4 de Setembro de 2009.

Matriculas: 14 a 18 de Setembro de 2009 (na secção de Mestrados)Inicio das aulas: 21 de Setembro de 2009

1º Ano

1º Semestre
Antropologia da violência
Trauma e comportamento social: stress, memória e identidade
Métodos e técnicas em ciências sociais

2.° Semestre
Antropologia da saúde
Gestão social do risco e do trauma
Risco e trauma: vertentes epidemiológicas e médicas

2º Ano
1º Semestre
Seminário de investigação
Produção de dissertação em Risco, Trauma e Sociedade - fase 1
1ª Optativa
2ª Optativa

2º Semestre
Produção de dissertação em Risco, Trauma e Sociedade - fase 2

Duas acções da APSIDivulgam-se, em seguida, duas acções que serão, em breve, promovidas pela APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil: o Seminário Arquitectura, Construção e Segurança Infantil e o Workshop Segurança nos Espaços de Jogo e Recreio.





fig. 02: a APSI é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 1992, que promove a união de esforços para a redução do número e da gravidade dos acidentes nas crianças em Portugal


SEMINÁRIO ARQUITECTURA, CONSTRUÇÃO E SEGURANÇA INFANTIL – 3h
15 de Outubro
10 de Novembro
A qualidade da arquitectura e da construção tem uma influência determinante no risco de acidentes relacionados com os espaços construídos. Muitos destes acidentes podem ser fatais ou criar níveis elevados de incapacidade temporária ou permanente nas crianças.

Cabe aos profissionais do sector da construção, às autarquias e às entidades fiscalizadoras a responsabilidade de assegurar que na concepção do projecto, na construção do mesmo, e após a sua conclusão, a redução dos riscos ligados aos elementos construídos e aos espaços habitáveis é contemplada de acordo com processos sistematizados de gestão do risco. Ao apostar na qualidade dos espaços construídos, será possível aumentar a probabilidade de sucesso das tarefas que cabem aos pais e demais prestadores de cuidados a crianças na prevenção de acidentes e minorar as consequências da natural e previsível falha humana.





Fig. 03: SEMINÁRIO ARQUITECTURA, CONSTRUÇÃO E SEGURANÇA INFANTIL

CONTEÚDOS:

1. Acidentes relacionados com o elemento construído
2. Enquadramento legal e normativo:
- Edifícios de habitação, edifícios escolares e outros edifícios públicos;
- Espaços exteriores (espaços de jogo e recreio e outros equipamentos recreativos, piscinas, jardins públicos, via pública,...)
3. Avaliação de risco na fase de projecto e após a ocupação
4. Principais riscos e recomendações técnicas para a sua mitigação

DESTINATÁRIOS:
Projectistas, Arquitectos, Arquitectos paisagistas, Engenheiros, Promotores imobiliários, Técnicos de empresas de construção, Técnicos autárquicos envolvidos na requalificação escolar e habitacional, profissionais de Saúde Pública, membros das Unidades de Saúde Familiar e/ou Unidades de Cuidados na Comunidade; Inspectores de Educação ou da Segurança Social, Responsáveis pelas creches familiares, entre outros.


INSCRIÇÕES:
APSI - Rita Ferreira - rferreira@apsi.org.pt
Tel: 21 884 41 00
http://www.apsi.org.pt/


WORKSHOP ESPAÇOS DE JOGO E RECREIO – AS NOVAS NORMAS DE SEGURANÇA
13 de Outubro
12 de Novembro

Os Espaços de Jogo e Recreio são espaços onde as crianças devem dar largas à imaginação, sem ameaças ou armadilhas. Cabe aos adultos – políticos, autoridades, profissionais, técnicos – assegurar que estes são bem distribuídos, projectados, construídos e mantidos.

Neste workshop, para além da partilha de experiências, dificuldades e soluções na gestão de EJR, serão divulgadas as principais alterações nas normas e o seu impacto na qualidade dos EJR. Serão igualmente debatidas boas práticas de projecto e de gestão, independentes da lei, de forma a assegurar um bom equilíbrio entre os investimentos necessários de acordo com as normas técnicas e o resultado em termos de segurança e bem estar das crianças.



Fig. 04: WORKSHOP ESPAÇOS DE JOGO E RECREIO – AS NOVAS NORMAS DE SEGURANÇA

Três razões para fazer o Workshop da APSI:

1. Líder
A APSI é a única entidade portuguesa que acompanha o desenvolvimento das normas europeias, nestas áreas temáticas, desde 1994.

2. Experiência única em formação
1ª entidade a promover formação nesta área em Portugal. A APSI já formou os técnicos do Instituto do Desporto de Portugal, membros das comissões de vistorias e técnicos de diversas autarquias, entre outros.

3. Actuação no Terreno
A APSI efectua consultorias técnicas e avaliação de risco a inúmeros EJR.

Conteúdos:
A Criança e o Espaço de Jogo e Recreio (EJR)
EJR inclusivos e seguros – conceitos
Acidentes e lesões em EJR – quais os maiores riscos?
Enquadramento legal e normativo
O papel das normas: uma abordagem pelo risco
As normas e as principais alterações introduzidas em 2008
- Equipamentos, áreas de queda e superfícies de impacto
- Outros equipamentos utilizados em EJR
Gestão de EJR – do projecto à manutenção, inspecção e fiscalização

Destinatários:

Projectistas e construtores; gestores de estabelecimentos de ensino; fabricantes e representantes de equipamento e superfícies de impacto para espaços de jogo e recreio; técnicos de autarquias, das Direcções Regionais de Educação e de Segurança Social; delegados de saúde e médicos de saúde pública, técnicos de saúde ambiental, delegados de desporto, membros das equipas de saúde escolar e das comissões de fiscalização.

INSCRIÇÕES:
APSI - Rita Ferreira - rferreira@apsi.org.pt
Tel: 21 884 41 00
http://www.apsi.org.pt/

Nota editorial: embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.

Infohabitar, Ano V, n.º 263
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 13 de Setembro de 2009

Edição de José Baptista Coelho

segunda-feira, setembro 07, 2009

262 - E ainda o problema da habitação – parte II - Infohabitar 262

Infohabitar, Ano V, n.º 262
E ainda o problema da habitação, em Portugal, e não só, no início do século XXI – parte II, ainda sobre a oferta e a procura habitacional
artigo de António Baptista Coelho

A razão directa para a escrita deste série de artigos sobre o tema do problema da habitação é a ideia que o problema se mantém ainda crítico, em Portugal, por não se terem reafirmado medidas firmes e claras no sentido de se considerar quer as necessidades quantitativas ainda em falta, quer o papel da qualidade residencial como um aspecto fundamental da qualidade de vida de todos nós.

No primeiro artigo desta série sobre o “problema da habitação” lançaram-se alguns comentários sobre a questão da procura e da oferta de habitação e designadamente de habitação de interesse social, e no presente texto serão feitas considerações complementares sobre alguns dos aspectos então apontados.

Dá vontade de sublinhar, desde já, que tal como é urgente estabilizar uma política educativa, considerando que mesmo sabendo-se ser importante uma actualização e retroacção constantes tais opções serão por vezes de evitar para que se possam consolidar, aprofundar, estabilizar e aperfeiçoar formas de acção e possibilidades de comparação e de replicação de soluções, tais opções de alguma continuidade e de constante aprofundamento e melhoria de políticas são igualmente urgentes no sector da habitação e do urbanismo residencial e urbano, e neste sector a situação parece ser entre nós, hoje em dia, crítica, num acumular da crise que todos vivemos com uma situação prévia caracterizada pela sensível falta de dinâmica do sector.

A ideia parece ser que já há habitação em excesso e que, portanto, o que é importante é apoiar a sua colocação no mercado, assim como o que importa, agora, é dinamizar a reabilitação habitacional e urbana, e sobre estas opções apenas se comenta que essa habitação “de mercado” não será adequada a muitos que a ela não podem chegar, e que a questão da opção pela intervenção na reabilitação da velha habitação em vez de se apoiar a habitação nova é uma falsa questão pois nem parece ter-se conseguido uma dinamização minimamente significativa dessa opção pela reabilitação, nem é de esquecer a importância que a construção nova tem e terá na oferta habitacional e urbana e na dinamização do tecido económico.

Tal como se apontou no primeiro artigo desta série é perfeitamente possível e altamente recomendável a dinamização da construção nova seja em pequenas intervenções de recomposição, preenchimento e revitalização do tecido urbano, seja em intervenções de grande conjugação com acções de reabilitação e nas quais poderá haver, também, eventualmente, opções de demolição parcial.

E reforça-se a importância de tais intervenções combinadas de construção nova, reabilitação e demolição parcial, quando se pretende inserir em velhos tecidos urbanos conjuntos de habitantes socialmente diversificados e misturas de habitação e outras actividades redinamizadoras da vida urbana local.



Fig. 01: (2005) habitação de interesse social perto do Largo do Conde Barão, Lisboa, Arq.os Castro Caldas e Nuno Távora – a reintrodução de nova habitação e, eventualmente, de novos grupos sociais nos centros históricos e a utilização de uma nova e bem qualificada Arquitectura ao serviço do habitar e da cidade.

Mas atenção que para tais medidas poderem gerar massa crítica elas têm de ser regulamentarmente tornadas viáveis, reduzindo-se as exigências ligadas às situações “correntes” de significativa ausência de condicionamentos, bem distintas dos múltiplos problemas que caracterizam, por exemplo, as zonas centrais urbanas e as situações de reabilitação/reconversão habitacional, e, naturalmente, terá de haver apoios específicos e continuados para situações de introdução de habitação de interesse social nessas zonas centrais, assim como para as situações em que há que harmonizar estas acções com situações de protecção patrimonial; e só assim, com decisões e medidas específicas e, repete-se, com a certeza de que tais ferramentas terão um longo prazo de vigência, poderemos imprimir aos nossos velhos centros e subúrbios desvitalizados uma evolução física e social com claro e sustentado sinal positivo.

Estas opções terão também, sempre, a vantagem de uma influência directa e forte na actividade de múltiplas pequenas e médias empresas de construção e constituirão, provavelmente, o melhor caminho no que se refere à integração social de pequenos grupos, em pequenas intervenções residenciais, associadas à introdução dos equipamentos colectivos que se sabe estarem em falta, hoje em dia, nos nossos centros urbanos.

E além de tudo isto tais opções de se fazer “pequeno” e disseminado na cidade, aproveitando-se para se re-equipar a cidade das vizinhanças e da pequena escala, aliando-se a construção nova com a reabilitação, são opções extremamente adequadas para que se faça, em cada sítio a solução que cada sítio “pede”, para que se faça em cada sítio uma mistura bem ponderada, adequada e diversificada de tipologias/soluções habitacionais e de pequenos equipamentos, e, também e naturalmente, para que se faça em cada sítio uma Arquitectura condigna e positiva no acréscimo por ela oferecido à sua/nossa cidade – e caso tal solução não seja a melhor ou não resulte tão bem quanto o esperado a escala da intervenção não é crítica e o resultado final na respectiva envolvente até pode manter-se razoavelmente equilibrado, o que nunca acontecerá quando se fazem novos grandes conjuntos soltos da continuidade urbana.

Importa sublinhar aqui que tais caminhos estão já a ser seguidos em Portugal, designadamente, nos últimos anos em certos municípios e por certas cooperativas de habitação, mas não se tem dúvida que tais opções merecem, urgentemente, apoios acrescidos e medidas políticas adequadas, que possam transformar, com urgência, estas acções ainda “apenas exemplares” em formas de actuação a seguir “por regra”; e já agora é possível e desejável associar uma acrescida exigência de “desenho” a tais acções e não há, hoje em dia, qualquer problema de falta de arquitectos para um tal desafio.


Fig. 02: (2008) um caso muito recente de reabilitação para melhorar as condições de quem já habitava centros históricos e para introduzir novos moradores, na Rua de São Pedro em Viana do Castelo, reabilitação promovida por Maria Cândida da Costa, com projecto e coordenação do arquitecto José Loureiro – um exemplo de uma intervenção onde se proporcionaram condições de salubridade e conforto em todas as habitações, salvaguardando-se os valores patrimoniais que caracterizam esta construção


Reforça-se assim a ideia de que em vez de se continuar a tratar isoladamente os problemas de degradação dos centros urbanos, de desvitalização e descaracterização das periferia das cidades, da oferta desqualificada de nova habitação e especialmente de habitação de interesse social e da introdução incoerente de novos equipamentos, é crucial que tais problemas sejam atacados de forma integrada, potencializando-se ainda estas acções no que se refere à revitalização urbana e na sua influência na dinamização do tecido económico – por acção das pequenas e médias empresas de construção e dos pequenos equipamentos de vizinhança.

E, naturalmente, nesta integração de acções é essencial a mediação e o enquadramento por parte do Estado, que pode e deve encontrar exemplos de actuação excelentes, de iniciativa municipal, cooperativa e empresarial, realizados nos últimos vinte anos de promoção de habitação de interesse social, mas para que tais exemplos e um tal enquadramento sejam eficazes é fundamental uma actuação efectiva, constante e próxima das instituições oficiais junto a esses promotores, realçando as boas práticas e apoiando, continuamente, a sua ponderada replicação, nunca malbaratando as boas experiências e as boas medidas e procurando, sempre, a sua disseminação e multiplicação.

Nesta perspectiva, hoje em dia, é essencial que em Portugal, para lá dos perfis de medidas habitacionais europeias – quando estas existem –, marcadas por realidades dos países do Norte da Europa, que estão/estarão noutras fases e em diferentes quadros do “problema habitacional”, se olhe para as nossas carências habitacionais e urbanas quantitativas e qualitativas e se promova, das mais diversas e adequadas formas, um amplo e diversificado acesso à habitação apoiada pelo Estado, pois há ainda muitos portugueses e outros nossos cidadãos “convidados” que devem ter direito a serem apoiados por um serviço habitacional e urbano adequado e económico, numa perspectiva de apoio social tantas vezes determinante para uma sua vida melhor e para uma melhor cidade e numa lógica em que no apoio diversificado e integrado a um maior leque sociocultural de pessoas e famílias se ganhe na diversidade e mistura social que é o verdadeiro factor de coesão e atractividade da cidade.

Por aqui ficamos em mais um artigo desta série sobre o “problema da habitação”, deixando-se para próximos textos outros comentários ligados aos aspectos específicos da qualidade residencial como factor da qualidade de vida, e, nesta qualidade, uma consideração sobre o sempre insuspeito protagonismo do bom desenho, numa lógica de função e de forma, para uma habitação que satisfaz quem a habita e que participa numa cidade melhor, uma cidade na qual a nova e a velha habitação mutuamente se apoiam e valorizam, apoiando-se o fazer novo em pequenas doses e com bom senso e o reabilitar e a reconversão com idêntico bom senso, sem fundamentalismos, mas com um sentido maximizado de se cooperar, continuamente, para uma cidade mais digna e mais culta.

Finalmente, faz-se uma brevíssima consideração sobre o que se julga poder ser uma aplicação bastante generalizável destas reflexões fora de Portugal, tanto por se ter a ideia de que aqui se equacionaram valores sociais, cívicos e culturais muitos amplos, como por se ter a ideia que os problemas aqui levantados surgem em muitos países, designadamente, quando se equaciona a velha escolha entre qualidade e quantidade habitacional, optando-se, tantas vezes, infelizmente, pela última e desenvolvendo-se situações que, por vezes, mais não fazem do que prolongar e adiar os problemas ligados à habitação e ao habitar.

Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 6 de Setembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho

Label: habitação, política habitacional, habitação de interesse social, urbanismo habitacional