sexta-feira, abril 06, 2007

133 - Análise arquitectónica residencial do Bairro de Alvalade e designadamente das suas “células sociais” – artigo de António Baptista Coelho - Infohabitar 133

 - Infohabitar 133

Análise arquitectónica residencial do Bairro de Alvalade e designadamente das suas “células sociais”


Tal como tinha sido referido no último artigo editado no Infohabitar e intitulado “Sobre o Bairro de Alvalade de Faria da Costa: um exemplo bem actual de sustentabilidade urbana e residencial”, faz-se, em seguida, uma análise arquitectónica residencial sistemática bastante dirigida para as suas “células sociais”.

A análise é realizada cumprindo-se uma grelha de ponderação desenvolvida no estudo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e tese de doutoramento do autor, pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), intitulado “Qualidade Arquitectónica Residencial: Rumos e factores de análise”, editado no LNEC em 2000 (disponível na Livraria do LNEC com o n.8 da Série Informação Técnica Arquitectura, ITA).




Fig. 0

A referida grelha de análise aponta os seguintes conjuntos de rumos qualitativos da qualidade arquitectónica residencial:

  • acessibilidade e comunicabilidade;
  • espaciosidade, capacidade e funcionalidade;
  • agradabilidade, durabilidade e segurança;
  • convivialidade e privacidade;
  • adaptabilidade e apropriação;
  • atractividade, domesticidade e integração.
E, assim, em seguida, e praticamente sem comentários faz-se a análise referida ao Bairro de Alvalade, em Lisboa, projectado por Faria da Costa. Sublinha-se, apenas, que os diversos níveis físicos (Área Residencial, Vizinhança Próxima, Edifício, Habitação) são registados de forma evidenciada e que esta análise foi realizada no âmbito do referido estudo do LNEC.

Factores de relação e de contacto entre espaços e ambientes – Acessibilidade e Comunicabilidade.



Fig. 01

Acessibilidade


- Área Residencial compartimentada por arruamentos principais ligados à Cidade.

- Desde o início da ocupação a Área Residencial foi servida por autocarros, comboios e carros eléctricos; mais tarde estes últimos foram eliminados, mas entretanto o "Metro" foi abrindo várias estações na zona.

- Acessibilidade favorecida por percursos cómodos, cuidadosamente distribuídos, pouco numerosos e pouco extensos (grandes extensões ritmadas por pólos e acidentes de percurso positivos), sendo os principais apenas cruzados no indispensável.

- Vias de acesso local com redução da faixa de rodagem, mas sem redução de largura entre edifícios.

- Acessibilidade estruturada por células residenciais em torno de Escolas Primárias, com raio de influência máximo de 500m; dá vontade de dizer que há ainda aspectos urbanos, que, como este, são fundamentais em termos de um privilegiar, naturalmente, a “apresentação” da cidade aos mais jovens.

- Rede de veredas pedonais através de logradouros, possibilitando o “sentir” profundo do sítio que se habita.

- Impasses rodoviários, mas prolongados e inter-ligados por veredas pedonais.

- Boa parte dos Edifícios com acessos alternativos.

- Fogos com um mínimo de espaços desaproveitados, por rentabilização de Área útil e nomeadamente por ordenação das comunicações e redução de percursos no interior da Habitação.

- Na estruturação da Habitação realizou-se uma concentração de superfície livre (desimpedida após a instalação de mobiliário padrão) de modo a atingir-se cada recanto com o mínimo gasto de energia, para além de se obter um melhor ordenamento geral.



Fig. 02

Comunicabilidade


- Comunicabilidade com a cidade por 4 fronteiras bem definidas e assinaladas por pólos de comunicabilidade/acessibilidade bem identificáveis.

- Comunicabilidade com o comércio interno (vida interior do Bairro) em vias comerciais, conjugadas entre si e com o exterior, fortemente caracterizadas e agradavelmente usáveis pela pessoa a pé..

- Comunicabilidade entre ruas muito animadas e ambientalmente diferenciadas (diversos espectáculos urbanos), através de interiores de quarteirões residenciais sossegados e ao longo de impasses rodoviários inter-ligados por veredas pedonais; é a lógica pura do "caminho secreto", mas seguro, aplicada e provada na prática.

- Comunicabilidade do edifício com sua respectiva envolvente (Vizinhança Próxima/Edifício) por zonas frontais e de traseiras, adequadamente ocupadas e usáveis para actividades determinadas.

- Comunicabilidade no interior da Habitação por zona social evidenciada e central.

- Comunicabilidade entre interior da Habitação e exterior por janelas de sacada e varandas com guardas "transparentes".

Factores de caracterização e de adequação de espaços e ambientes – espaciosidade, capacidade e funcionalidade.




Fig. 03

Espaciosidade


- Basta dizer que ainda hoje a malha urbana funciona bem depois de várias adaptações viárias, aspecto este bem associável a uma adequada e equilibrada espaciosidade, que sem ser excessiva e sem quaisquer riscos de redução de uma agradável continuidade urbana, tem proporcionado profundas conversões funcionais ao nível viário, mas sem se arriscar a fundamental predominância pedonal.

- Espaciosidade perfeitamente hierarquizada, ao nível exterior, desde os largos passeios comerciais até aos estreitos passeios dos impasses residenciais contíguos a quintais privados e às largas veredas pedonais nas traseiras dos edifícios.

- Espaciosidade mínima ao nível dos espaços comuns dos edifícios habitacionais.

- Espaciosidade mínima mas bem equilibrada nas habitações, onde se destacam os quartos de casal espaçosos e quadrangulares e uma assinalável adaptabilidade dos compartimentos a diversos usos (o que implica uma espaciosidade multifuncional).




Fig. 04

Capacidade


- Em termos globais o Bairro tem cerca de 230 Ha, com uma densidade global ("bruta") de cerca de 200 habitantes/Habitação (cerca de 45000 habitantes na totalidade), alojados em edifícios uni e multifamiliares, sendo grande parte destes de baixa altura.

- Em termos gerais o Bairro tem uma evidente e forte capacidade residencial, mas nesta funde-se, com naturalidade, uma importante capacidade comercial, bem como uma significativa capacidade em termos de grandes equipamentos colectivos, e ainda uma interessante capacidade ligada à pequena indústria e ao artesanato; e tudo foi adequadamente desenhado, para além de previsto em termos globais, e, assim, por que foi bem pensado e “desenhado”, todas estas capacidades se associam fazendo cidade, e portanto, sem criar habitação “sozinha” nem funções, edifícios e espaços mutuamente desagregados; trata-se, portanto, de uma capacidade coesa e urbana.

- Em termos viários continua a funcionar com fluidez, ainda que com um número actual muito elevado de veículos (circulando e estacionando).

- Quanto à Habitação foram considerados os posicionamentos dos móveis fundamentais e integrados armários na construção, sempre que possível.




Fig. 05: Alvalade, Planta de apresentação, 1945, Arquivo Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa.


Funcionalidade


- Várias zonas bem evidenciadas e com serviços diferenciados muito próximas das habitações.

- Zonas pedonais úteis e com variadas atribuições funcionais, estrategicamente coordenadas com as zonas de veículos.

- Soluções práticas de harmonização do tráfego de veículos com o estacionamento de longa e curta duração. Naturalmente, hoje em dia há dificuldade de estacionamento, mas julga-se que um maior controlo dos veículos dos não-residentes poderá melhorar muito as condições de funcionalidade de quem reside e a agradabilidade no uso pedonal de Alvalade.

- Ao nível da Habitação há um máximo de aproveitamento da Área Útil (cozinha, sala e quartos), com um máximo de comodidade da vida doméstica, mediante características de boa afinidade geométrica e correlação entre os compartimentos do fogo.

- O reduzido número e a semelhança entre as soluções de fogo utilizadas em boa parte dos edifícios multifamiliares (12 soluções muito idênticas, entre si) permitiu a sua optimização funcional (e em termos de custos). E, no entanto, mercê de uma razoável diversificação tipológica nas “avenidas”, da introdução estratégica de “novas arquitecturas” e mesmo da variação da pormenorização das células sociais (implantação de edifícios e cuidadoso desenho das fachadas), não se sente uma repetição excessiva das soluções.

Factores de conforto espacial e ambiental – Agradabilidade, Durabilidade e Segurança



Fig. 06

Agradabilidade


- Sossego e abrigo (sombreamento, protecção eólica) das ruas e impasses residenciais; é interessante anotar que a simples possibilidade de opção entre os dois lados da mesma rua, com idênticas condições de espaciosidade e equipamento, é um excelente factor de agradabilidade no exterior público.

- O peão encontra abrigo ao longo da rua, seja por prolongamentos do edificado, seja por árvores de arruamento; e não sofre descontinuidades nesse abrigo.

- O verde urbano encontra-se agradavelmente disseminado pelo Bairro e em grande proximidade com as Habitações.

- A agradabilidade joga-se numa constante mistura de aspectos físicos e psicológicos e nesta matéria a ligação directa com a escala humana, bem marcada em entradas, passagens, perfis de ruas e formas gerais de outros espaços urbanos, é um elemento importante de expressão de abrigo e de protecção.

- Um aspecto fundamental da agradabilidade residencial é o apoio directo à movimentação e aos usos pedonais, que aqui em Alvalade é evidente nos largos passeios de calçada e nas longas continuidades de “passeio” que eles permitem.

- Habitações rectangulares proporcionando, quase sempre, luz e ventilação natural e cruzada a todos os compartimentos, sem recantos sombrios e húmidos.




Fig. 07

Durabilidade:


- Caminhos pedonais (veredas) bordejando quintais privados, assegurando-se, assim, o seu bom estado de manutenção; nos poucos casos em que estes caminhos não foram concretizados é bem evidente a deterioração do aspecto.

- Usufruto público de boa parte do "verde" privado, sem custos de manutenção pública; nas condições referidas na anterior característica.

- Edifícios não parecem exigir cuidados especiais de manutenção; e como a estrutura urbana define quarteirões, a boa aparência pública refere-se, na maioria dos casos, essencialmente, aos conjuntos de fachadas principais, constituindo ruas e impasses residenciais.

- Pequenos edifícios, pouco altos, pouco recortados, com espaços comuns reduzidos ao mínimo e com um número mínimo de vizinhos, configuram também soluções fáceis de gerir em termos de uso corrente e de acções de manutenção.

- Dá vontade de comentar que há determinados processos de construção e de acabamento que oferecem excelentes e prolongadas condições de uso sem necessidade de cuidados especiais de manutenção.




Fig. 08

Segurança


- A segurança urbana baseia-se num forte e natural controlo das actividades desenvolvidas nas ruas e interiores de quarteirão, proporcionado por uma estrutura urbana contínua, sem espaços "mortos" e com longos troços acompanhados ("vigiados") por estabelecimentos comerciais. De certa forma a referida continuidade urbana, bastante pontuada por actividades térreas (comércio e serviços) é o primeiro elemento da segurança urbana.

- Um outro aspecto fundamental na segurança que se prepara pelo desenho que se aplica a um dado tecido urbano e residencial é estruturar este tecido seja a partir de afirmados núcleos habitados, seja a partir de afirmados pólos residenciais e comerciais, num contínuo urbano profundamente marcado pelas proximidades, entre casa e rua, entre “café” e rua, entre rua animada e rua sossegada, entre transportes e espaços para andar a pé. “Fabricam-se, assim, relações urbanas mais até do que elementos físicos urbanos e ao se actuar-mos assim estamos a garantir a normalidade e agradabilidade da vida diária, que é o melhor factor de segurança.

- Um aspecto que se liga à “teia” de relações urbanas que se acabou de referir, mas que tem aspectos específicos a salientar é que a cidade não deve ter quebras nas continuidades dos seus percursos e sequências de vida, mas, pelo contrário, também não pode ser feita de um excesso de liberdade de relações e de possibilidades de percursos. Há que recintar espaços, há que definir e pontuar um conjunto limitado e cuidado de percursos e ao assim actuar evita-se uma negativa e insegura anarquia de movimentação no espaço dito urbano, pois ruas relativamente estreitas, marcadas por esquinas habitadas e quase sempre acompanhadas por janelas e montras, são garantes de segurança urbana – e evidentemente tudo isto pode ser visto em Alvalade.

- No que se refere à segurança pedonal relativamente ao tráfego automóvel, os abundantes cruzamentos e entroncamentos viários ortogonais, e o associado ritmo intenso de passadeiras pedonais, obrigam a um trânsito de veículos lento e atento. Hoje em dia percebe-se um crescendo da naturalidade na acção de se dar prioridade aos peões e assim se vai construindo uma cidade realmente mais amiga de quem anda a pé, dos seus ritmos e das suas sequências de usos funcionais e de lazer; mas uma tal naturalidade só é real em cenários urbanos como estes, em que o automobilista sabe que após uma dada passagem de peões, e a poucos metros outra passagem existe, desta forma para ele não faz sentido acelerar, mas sim continuar atento e prepara-se para parar novamente, pois está em território do peão, e ao ritmo do peão.

Factores de interacção social e de expressão individual – Convivialidade e Privacidade




Fig. 09

Convivialidade


- Cerca de 3/4 de fogos sociais e os restantes "de renda não limitada".

- Rejeição de segregações por fomento da coexistência de diferentes grupos sociais no interior de cada "célula" para cerca de 5000 habitantes.

- Manutenção de características de homogeneidade social em sub-células com cerca de 500 fogos.

- Foram aplicados diversas tipologias de “habitação social”, caracterizadas por uma ampla diversidade de número de compartimentos.

- Os fogos “não sociais” e as lojas financiaram, em parte, as “habitações sociais” e acompanham os principais eixos de tráfego e comércio do bairro.

- Simultaneidade entre conclusão de “fogos sociais”, habitações de renda livre e faixas comerciais (integradas nos edifícios residenciais com fogos de renda livre).

- Principais pontos de ligação à cidade realizados "à cabeça" (exº Praça do Arieiro, e conjunto residencial contíguo ao Campo Grande).

- Variados tipos de Transportes Públicos.

- Equipamentos e zonas para equipamentos perfeitamente integrados com a habitação e assegurando a continuidade urbana.

- Veredas pedonais contíguas a quintais privados e com excelentes relações visuais mútuas.

- Vizinhança Próxima(s) claramente configuradas e limitadas, em ruas e impasses residenciais.

- Ruas comerciais vivas, ainda em progresso, quase meio século depois de construídas, irrigando, em grande proximidade, um máximo de ruas residenciais e muito associadas a importantes eixos urbanos não excessivamente longos e pedonalmente muito agradáveis.




Fig. 10

Privacidade

- Tão importante como a vida urbana ainda hoje bem pujante nas avenidas de Alvalade, é que logo ali, atrás delas, há sossego e intimidade, seja em logradouros de condomínio, que têm diversos usos, seja em intimistas vizinhanças próximas, espaços públicos com carácter reservado e recintado, seja em muitos quintais e pátios privados.

- Desenvolve-se um apoio específico à privacidade no edifício e em casa, através da existência de pequenas jardinetas interpostas entre a rua e a fachada, e pelo abundante desenvolvimento de pequenos quintais privados. O dizer-se que muitos deles estão semi-abandonados é só uma meia-verdade, pois há que lembrar que a população está envelhecida e que mesmo assim esses espaços continuam a proporcionar uma essencial dimensão de privacidade.

- Privacidade relativa ("comum"/condominial) ao nível da Vizinhança Próxima; ruas e impasses residenciais sossegados e intimistas. Este é, provavelmente um dos grandes “pequenos” segredos de Alavalade, uma dimensão de “privacidade comum”, alargada às pequenas comunidades de vizinhos que habitam as agradáveis pracetas e impasses residenciais, que são os verdadeiros pólos de vida do Bairro.

- São importantes os contrastes fortes e próximos entre vida urbana animada e calma intimidade residencial; e sublinha-se que esta rica proximidade é muito bem tratada em termos de limiares de transição e de comunicabilidade.

- Um outro aspecto estruturador nestes elementos de privacidade é que espaços urbanos intimistas, veredas pedonais, jardinetas de transição entre passeio público e edifício e quintais privados são, todos, elementos que favorecem muito as condições de privacidade dos fogos térreos, dando-lhes também outras interessantes condições de habitabilidade (ex, relação directa com a terra e com o verde urbano); e tudo isto resulta numa forte densidade térrea habitada ou, por outras palavras, numa forte humanização do Bairro – sente-se que é um sítio habitado, quem lá passeia sente-o, mas isso passa-se sem intrusões graves na privacidade de quem habita próximo de quem passa. Este aspecto que se considera ser de grande interesse deverá merecer tratamento específico, hoje em dia, em relação com as exigências de acessibilidade.

Factores de participação, identificação e regulação – Adaptabilidade e Apropriação




Fig. 11: Exemplo dos estudos habitacionais desenvolvidos para Alvalade na Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas, e apresentados pelo Arq. Miguel Jacobetty no 1.º Congresso Nacional de Arquitectura, em Maio/Junho de 1948

Adaptabilidade


- Adaptabilidade urbana extrema, tanto aos modos de vida, como à fortíssima pressão da evolução das exigências funcionais urbanas, ao longo do tempo. É interessante ponderar que a estrutura do Bairro e os seus principais elementos e troços urbanos parecem estar hoje em dia mais vivos do que nunca e muito funcionais, trata-se de uma solução ou de um conjunto de soluções que foi feito realmente para a escala temporal que uma cidade tem de ter, e uma cidade habitada. Nas suas “células sociais” os edifícios e as habitações de Alvalade já acolheram uma geração e preparam-se para acolher outra, é assim uma cidade habitada e viva.

- Adaptabilidade na Vizinhança Próxima, proporcionando a junção de garagens individuais e de equipamentos colectivos no interior dos quarteirões (exº, campo de jogos iluminado e vedado).

- Adaptabilidade ao nível da Vizinhança Próxima/Edifício permitindo desde extensões de estabelecimentos comerciais sobre os passeios contíguos, até às conversões de fogos térreos em lojas.

- Adaptabilidade das habitações, por existência de 3 categorias de espaciosidade, cada uma delas com 3 tipos gerais, conforme o número de quartos, mais algumas variantes (resultado de indecisões dos projectistas sobre quais as soluções a escolher); às várias categorias correspondem, não só, áreas diferentes, mas também diversos tipos de compartimentos (ex., escritórios e "quartos de criada").




Fig. 12

Apropriação


- Limites do Bairro suficientemente definidos e fundidos com a envolvente.

- Imagem geral forte e "una".

- Estrutura urbana clara, constituída por duas vias fundamentais, mais outras complementares e uma grelha residencial pedonal que acompanha, mas extravasa a rede para veículos; tudo isto rodeado por uma arquitectura com imagens perfeitamente integradas, mas continuamente variadas (diversidade na unidade).

- Continuidade urbana encaminhando principais percursos.

- Remates da estrutura urbana por praças e edifícios públicos assinaláveis.

- Vizinhança(s) Próxima(s) "personalizadas" em impasses, praças e pracetas residenciais equipados e marcados (exº, Torres de Relógio das Escolas).

- Quintais privados, mas com vista pública (basta ver o cuidado que é, ainda hoje (com a população muito envelhecida), investido no arranjo das sebes que delimitam os quintais.

- Floreiras integradas nos edifícios.

- Portas principais dos edifícios, sempre, evidenciadas e tratadas com especial atenção (mesmo nos casos de edifícios mais modestos).

- Elementos artísticos marcando algumas entradas e outras partes de edifícios.

Factores de aspecto e coerência espacial e ambiental – Atractividade, Domesticidade e Integração



Fig. 13

Atractividade

- Como comentário global e fundamental há que sublinhar que o que atrai em Alvalade não é tanto um dado edifício ou tipo de edifício, mas sim o “corpo” do Bairro, a forma como ele nos acolhe e se deixa percorrer e nos vai “divertindo” com o que nos mostra e nos dá; e neste corpo de Bairro há depois conjuntos de edifícios, espaços e verde urbano que também nos atraem, uns mais por certas razões e outros mais por outras, e até uns mais a umas horas e outros mais a outras. E também há, sem dúvida, edifícios e espaços que marcam, edifícios e espaços distintos e estruturantes. Mas o que mais atrai em Alvalade é, talvez, a pequena e coesa cidade que é Alvalade. Em seguida e com alguma informalidade apontam-se alguns aspectos mais particulares da atractividade de Alvalade.

- Soluções arquitectónicas muito dignas, simples e sóbrias.

- Doze tipos de edifícios com elementos de composição diferentes mas unificados, em termos de alturas e linguagens formais.

- Por vezes edifícios semelhantes, mas com pormenorizações diferenciadas.

- Uma agradável “convivência” de escalas e de texturas entre edifícios e verde urbano.

- Coexistência de edifícios uni e multifamiliares.

- Edifícios com distinção forte entre frente e traseiras.

- Edifícios com remates ao solo e superiores bem marcados.

- Edifícios com acessos claramente evidenciados.

- Faixas de lojas marcando os pisos térreos.



Fig. 14

Domesticidade


- Vizinhança(s) Próxima(s) com escala humana, baixa, protegida e sossegada.

- Ruas comerciais largas, mas com escala humana marcada por faixas de lojas, socos e entradas marcadas e protectoras.

- Continuidade urbana protectora.

- Dominância de edifícios baixos; edifícios altos marcando zonas mais animadas ou de relação com o exterior do bairro.

- Chaminés acentuadas, vãos habitacionais muito tratados, coberturas em telhado evidenciadas, fachadas bem rematadas.

- Tons de cor naturais ou quentes.

- Presença protagonista das árvores de arruamento, criando verdadeiros "tectos" rebaixadores da escala urbana e amenizadores das zonas construídas.



Fig. 15

Integração

- Integração forte, do conjunto do Bairro na cidade.

- Integração forte, das diversas Células residenciais no conjunto do Bairro.

- Zonas comerciais constituindo como que a "espinha dorsal" estruturadora do Bairro e em total integração com a habitação; proporcionando zonas de comércio com características diversificadas e complementares em condições de grande proximidade mútua.

- Zonas industriais/artesanais em articulação cuidadosa com as zonas residenciais, mas totalmente integradas no conjunto do Bairro.

- Integração do peão e do veículo, gerais e seguras, dominando o peão, tanto porque são muito numerosas as passadeiras de atravessamento de vias para veículos, como porque existem troços pedonais complementares e em grande conjugação com o restante sistema de percursos; e no entanto o tráfego de veículos é habitualmente fluído.

- Integração dos grandes equipamentos na continuidade urbana "normal" do Bairro, sem quaisquer descontinuidades.

- Integração dos principais pólos urbanos, evidenciados ainda mais, porque basicamente integrados.

- Integração do verde urbano (essencialmente protagonizado pelas árvores de arruamento), na continuidade ambiental do Bairro, onde se pode dizer que não existe um Parque ou um grande Jardim, nem se sente essa falta; há um parque recentemente melhorado, mas que é bastante periférico.

Breves notas conclusivas sobre a qualidade em Alvalade

Este artigo integra uma análise que foi feita para exemplificar um estudo feito e editado no LNEC, há poucos anos, sobre o que se pode entender pela qualificação arquitectónica residencial. No entanto e tal como sempre acontece, quando se mexe em “velhos” textos, aliás em parte não publicados, o resultado foi uma releitura e uma reinterpretação, menos dos textos em si, e muito mais do seu objecto, que era e é a análise da grande qualidade residencial e urbana bem evidente na malha de Alvalade em Lisboa. No entanto o resultado não quis ser uma alteração radical do trabalho então feito, mas sim um seu complemento relativamente informal e, quem sabe, daqui a mais alguns anos haja lugar a uma outra reinterpretação e a um outro complemento.

No entanto não seria possível deixar de salientar aqui que se julga de enorme importância, hoje em dia, este tipo de análises comentadas da qualidade arquitectónica residencial. Não é mais possível deixarmos que as nossas cidades e os nossos bairros continuem a crescer sem qualidade arquitectónica. Como inverter a tendência? Não sei, em pormenor! Mas é essencial que tudo seja feito, com o máximo cuidado, mas muito urgentemente com o objectivo de se impossibilitar ou de dificultar, ao máximo, que novas partes de cidade surjam sem qualidade de desenho e de uso. Para tal é muito urgente e necessário que a arquitectura seja feita por arquitectos, mas tal condição não chega para o referido objectivo; há que exigir, também aos arquitectos, que a qualidade da sua arquitectura tenha verdadeira valia urbana e humana, há que exigir uma verdadeira qualidade de desenho pois queremos voltar a fazer cidade culturalmente fundamentada, humanizada e atraente, uma cidade que nos orgulhe e onde gostemos realmente de viver e conviver.



Fig. 16

Alvalade, em Lisboa, como outros bairros e partes de cidade em Lisboa e em outras cidades de Portugal tem essa qualidade e por isso vale a pena falar e voltar a falar dos “mistérios” de Alvalade e dos “mistérios” dessas outras boas práticas de arquitectura residencial e urbana; não para voltar atrás no tempo, mas para lembrar que há processos colectivos de assegurar essa qualidade arquitectónica residencial e urbana, e se os há, eles são o exemplo vivo do que, como cidadãos, temos de exigir ao perfil qualitativo da nova cidade e da cidade que hoje se renova.

Com este artigo pretende-se contribuir para o conhecimento desse fundamental perfil qualitativo, nos seus diversos aspectos urbanos, habitacionais e sociais, desenvolvendo-se, assim, no Infohabitar, uma linha editorial de sistemática divulgação técnica das melhores práticas urbanas e habitacionais. E é bem provável que daqui a algum tempo aqui se reincida numa abordagem, então, provavelmente, mais “fina” e/ou mais específica dos excelentes “mistérios” deste e de outros conjuntos urbanos e habitacionais que honram, realmente, os seus habitantes e as suas cidades.

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