Infohabitar,
Ano XII, n.º 566
A renovada importância das zonas de refeições domésticas – Infohabitar n.º 566
Artigo
LXXXIV da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
Depois de um significativo intervalo editorial retomamos,
em seguida, a Série editorial sobre "habitar
e viver melhor" (o último artigo da série foi o n.º 543), na qual temos acompanhado uma
sequência espacial desde a vizinhança de proximidade urbana e habitacional até
ao edifício multifamiliar.
Estamos agora a abordar, com algum detalhe, os
espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos,
refletindo sobre as diversas facetas que os qualificam; e passamos, agora, a uma reflexão sobre a importância
das zonas de refeições domésticas, considerando matérias diversas que lhes estão associadas.
A
renovada importância das zonas de refeições domésticas
Numa civilização urbana
marcada pela falta de tempo e de convívio, tudo o que se faça para privilegiar
o encontro familiar é muito positivo; e como todos temos a noção que as
refeições estimulam o encontro e o convívio, então não deve haver quaisquer
dúvidas sobre o interesse de se privilegiarem condições domésticas estimulantes
para a prática de refeições familiares potencialmente alargadas e conviviais,
importando pouco se tais condições são possíveis na sala-comum, na cozinha ou,
eventualmente, num espaço específico próximo da cozinha; importa, sim, que em
cada habitação sejas bem aparentes condições específicas de integração de um
desafogado espaço de refeições e não que se consiga, apenas, uma tal
integração, em condições espaciais, funcionais e ambientais exíguas.
Refeições domésticas: associações interessantes
As refeições especiais
realizam-se num espaço específico ou numa zona da sala-comum, mas também podem
ser desenvolvidas numa grande cozinha familiar, numa sala de família e, até,
numa grande varanda protegida, ou numa zona específica de um pátio ou quintal
privado.
A “tradicional” exigência
de proximidade entre este espaço de refeições e a zona de preparação de
refeições, poderá ser compensada por uma posição muito agradável do espaço de
refeições, por exemplo junto a uma grande janela. Já a exigência associada à
ausência de ruídos e cheiros incómodos deverá manter-se o mais possível.
Nesta perspectiva Claude Lamure
considera que a proximidade entre zonas de refeições e de preparação é
secundarizada devido às seguintes razões (1): necessidade de um quadro formal
representativo para certas refeições e funções festivas/comemorativas; necessidade
de separação, pelo menos visual, entre as funções de recepção e de preparação
de refeições; e necessidade de uma protecção sensorial (vistas, ruídos, cheiros
e vapores) relativamente às zonas de preparação de refeições e de depósito de
louça e apetrechos sujos.
No caso de uma forte
integração entre a principal zona de refeições e o espaço de preparação, haverá
que cuidar com grande atenção dos aspectos de ventilação e de redução de
ruídos.
Fig. 01: Zona de
refeições informais das Habitações H21 – 24 da Exposição BO01 (ver notas
abaixo); Arq.ºs Mario Campi, Arne Jönsson e Jan Telving. A informalidade das refeições e a sua funcional proximidade às diversas zonas da cozinha pode ser "equilibrada" por um aspeto muito digno e formalmente depurado (ou, por exemplo, afirmadamente rústico) da mesa/cadeiras de refeições.
Refeições domésticas: hábitos interessantes
Claude Lamure sublinha que
ver televisão, durante as refeições, é uma situação real e frequente, de tal
forma que é devidamente assinalada pela definição dos "horários
nobres" da programação, precisamente durante as horas das refeições, e
nomeadamente à hora do jantar. (2)
Embora
não se aprecie a actual estratégia e qualidade televisiva, que provavelmente se
manterá por muitos anos, considera-se que numa habitação com dimensões
correntes será aceitável considerar a relação entre televisão e espaço de
refeições …
Refeições domésticas: aspectos motivadores
O ambiente da zona de
jantar deve ser aprazível e cómodo, produzindo um sentimento de união, sem nada
a ver com um carácter de "comer rápido" para depois ir descansar para
outro lado, deve, assim, caracterizar-se, segundo Alexander, por (3): mesa
centrada, ampla e forte; luz sobre a mesa; recinto de instalação relativamente
fechado por paredes ou diferentes tonalidades de sombras contrastantes;
suficiente espaço para se poder puxar a cadeira para trás e ficar à vontade a
conversar; bancadas/aparadores e prateleiras envolventes proporcionando
objectos ao alcance da mão, enquanto se está à mesa, uso de tons de cor escuros
e confortáveis, especialmente de noite; assentos cómodos instalados na
proximidade da mesa.
Ainda nesta perspectiva de
identificação de aspectos motivadores do uso, até multifuncional, do principal
espaço e da respectiva mesa de refeições sublinha-se a importância de se poder
ter uma grande proximidade a um amplo vão sobre o exterior, o que permitirá
tomar refeições com abundante luz natural e alguma vista; aponta-se esta ideia
porque há, frequentemente, dúvidas entre que zona da sala-comum deve ser mais
beneficiada pela luz natural, numa opção que poderá assim conciliar mais luz na
zona de refeições e menos no espaço de estar, onde se situará, frequentemente a
televisão, o que parece ser uma condição adequada para a ausência de reflexos
no respectivo monitor.
Refeições domésticas: problemas correntes
Os problemas correntes em
zonas de refeições têm a ver, frequentemente, com a falta de espaço próprio e
na sua envolvente, obrigando a condições pouco motivadoras, quer do convívio à
mesa, quer do respectivo serviço, que, nas actuais condições de ausência de
pessoal de serviço doméstico, deve ser facilitado e agilizado ao máximo; e este
é um problema que tem de ser resolvido na própria concepção do espaço
doméstico, aproveitando-se, eventualmente, a contiguidade com espaços de
circulação para se desafogar a envolvente da mesa. Tal como referi há alguns
anos, num trabalho do LNEC, tem de se garantir grande funcionalidade nas
actividades de pôr e levantar a mesa e de servir as várias pessoas à mesa,
devendo ser possível aceder a boa parte da mesa com as pessoas sentadas e ser razoavelmente
cómodo o sentar e o levantar-se da mesa nessas condições, e há que proporcionar
um espaço de refeições adequado às potenciais necessidades da família com uma
folga de ocupação – espaço à mesa e número de cadeiras para os habitantes da
casa (considerando o número de quartos) mais alguns convidados.
Fig. 02: Zona de
refeições formais/informais das Habitações H21 – 24 da Exposição BO01 (ver
notas abaixo); Arq.ºs Mario Campi, Arne Jönsson e Jan Telving. Uma zona de refeições muito cuidada pode constituir como que um elemento de transição formal/informal entre uma bancada de cozinha e a zona de estar (na imagem em primeiro plano).
Refeições domésticas: questões levantadas (dimensionais e outras)
Numa habitação mínima as
questões levantadas pela principal zona de refeições domésticas têm a ver com a
sua eventual, mas provável, exiguidade para um grupo convivial alargado; uma
questão que poderá ter uma solução razoável concentrando-se espaço para uma
mesa razoavelmente espaçosa, alternativamente, na sala-comum ou na cozinha –
por exemplo a cozinha poderá ser tornada mais ampla de forma a aceitar uma mesa
de refeições corrente, enquanto na sala-comum poderá ser arrumada,
estrategicamente, num canto, uma mesa de abas fechada, que em situações
festivas será aberta, centrada na sala, após uma re-arrumação provisória dos
restantes elementos de mobiliário. Fig
As questões levantadas,
numa habitação corrente, são, essencialmente, de natureza dimensional e
“ambiental”, e geradas pela situação de poder existir uma mesa ampla, apenas
periodicamente usada, por exemplo, ao jantar e no final da semana. Situação que
não parece ser negativa desde que a mesa esteja estrategicamente situada de
modo a permitir que nela se desenrolem outras variadas actividades domésticas.
Numa habitação corrente pode colocar-se a questão do posicionamento único ou
múltiplo da(s) zona(s) de refeições domésticas, uma questão que se resolve na
ideia de que uma mesa é sempre um pólo potencial de convívio e um local de
múltiplas actividades e, portanto, nunca está a mais – por exemplo na cozinha
uma pequena mesa central será útil para refeições rápidas e também oferece um
plano de trabalho suplementar para a preparação de refeições e o apoio
diversificado às refeições.
Refeições domésticas: novidades, dúvidas e tendências (ex., trabalho em casa; idosos, etc.)
Claude Lamure (4) estudou
as vantagens e desvantagens de diversos tipos de posicionamentos, únicos ou
múltiplos, das zonas de refeições domésticas e concluiu que as disposições mais
interessantes articulam cozinha e zona de estar em torno de um espaço de
refeições bem aberto tanto sobre a sala, como sobre a cozinha; e aponta que a
distinção entre diversos tipos de refeições poderá realizar-se, simplesmente,
pelo cuidado posto no seu arranjo e desenvolvimento (ex., toalhas e louças
especiais), pelo uso específico de elementos de “cenário” e encerramento (ex.,
cortinas, portas de correr) e/ou pela variada disposição e extensão da mesa
(chegada mais à parede e à cozinha ou mais centrada e integrada com a sala).
Notas
(1) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 201.
(2) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 200.
(3) Christopher
Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern
Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 741 e 742.
(4) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 202.
Nota importante sobre as imagens que
ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e
que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram
recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição
habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em
2001.
Aproveita-se para lembrar o grande
interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo
“organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que
integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a
Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das
Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01
teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase
do novo bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma
das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja
possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas
aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado
número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a
identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação
adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais
projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam
as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta,
quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em
relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de
referências aos respetivos projetistas de arquitetura.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XI, n.º 566
Artigo
LXXXIV da Série habitar e viver melhor
A renovada importância das zonas de refeições domésticas - Infohabitar n.º 566
Editor: António Baptista
Coelho – abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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