sexta-feira, janeiro 06, 2006

Ainda sobre O ESPÍRITO DO LUGAR - na sequência dos "dois artigos gémeos" - um texto de Maria João Eloy - Infohabitar 62

 - Infohabitar 62

Da leitura dos dois artigos relevo,
  • no primeiro, o que se refere sobre a ‘perda do sentido do lugar’ e sobre a consideração de que ‘limites, centros, organização e ícones, são matéria do espírito do lugar’; mas dou atenção, principalmente, ao que o autor acentua quando diz poder haver uma ‘(re)descoberta do espírito de cada lugar’, acrescentando que, nessa situação, ’os seus habitantes muito ganharão em sentido de pertença e de responsabilidade’;
  • no segundo, o que se aconselha a quem ‘é responsável por qualquer projecto que implique ocupação do solo de forma a alterar-lhe o uso irreversivelmente’ de modo a ‘se rodear de uma equipa interdisciplinar para que a sua "ideia" se integre no LUGAR sem mais danos e possa mesmo ser "reparadora" do local’, evidenciando a contingência actual do planeta reagir ‘de forma tão brutal à acumulação do erro humano’.
Sendo contemporânea de actuações polémicas nas duas maiores cidades portuguesas, tentarei concretizar os conceitos expressos no artigo, partindo para uma exemplificação imprescindível, eventualmente incómoda mas não estéril, de casos com contornos ideológico/político, inconciliáveis com intenções meramente técnico/científicas, nos quais os habitantes, como cobaias, ‘ganharão (à força) um novo sentido de pertença (mas desistirão do de responsabilidade, como é óbvio) e onde a ‘ideia’ de renovação será, inexoravelmente, ‘reparadora’ do local (mas no domínio do ficcional e do esotérico):
  • trata-se, como é facilmente perceptível, dos casos emblemáticos do Túnel do Marquês e da revitalização do Parque Mayer em Lisboa e das intervenções em espaços exteriores no Porto, como as executadas no âmbito do Porto 2001 que culminam na tão debatida renovação da Av dos Aliados;
Concluirei perguntando aos experts, autores do artigo, como enfrentar (a propósito destes casos), tamanha disparidade de crenças, intenções e pressupostos.

Porque, num nível de planeamento urbano que não seja exclusivamente negociável, dir-se-ia que a figura da ‘democrática consulta ao cidadão’ levado até ao nível de Plano de Pormenor (1), proporcionaria o denominador comum para se obter um critério fiável que ajudasse o autarca, os serviços técnicos e os projectistas a decidir … mas onde encontrar exemplos paradigmáticos desse tipo de actuação, que possam ajudar a ajuizar da sua ‘bondade’?

Sem um 1º exemplo (eficaz), onde buscar uma tradição de comportamento democrático nesta área da vida urbana – a da participação do cidadão no ‘projecto da cidade’?

(1) Quando se recorre à figura da ‘consulta ao cidadão’, é oportuno integrá-la no conceito de desenvolvimento sustentável, cujo objectivo, entre outros, ‘deve ser conseguido através da comunidade local e com o respectivo compromisso, sendo que as opções individuais em prol do desenvolvimento sustentável, devem ser resolvidas a nível local (1º Relatório da Comissão Europeia / Grupo de Peritos sobre o Ambiente Urbano, 1994).

Todavia e como alerta Nuno Portas (‘Os Planos Directores como instrumentos de regulação’ in Sociedade e Território nº 22, 1995, p 27), é de recusar a ideia simplista de que as questões qualitativas do ambiente e da forma simbólica, que é suposto imprimirem carácter e prazer a uma cidade ou a um território, não têm a ver com o nível de ordenamento e só poderão emergir nos planos de pormenor ou projectos de arquitectura.

Segundo o autor, a forma simbólica do ambiente resulta, excepcionalmente, de um só acto de desígnio e desenho, mas é, antes e fundamentalmente, a interpretação do existente a que se acrescenta ou substitui algo, razão que o leva a admitir:

“todas e qualquer das figuras de plano podem e devem contribuir para este jogo de unidade e diversidade, do geral e do particular, do que oferece continuidade e homogeneidade e do que aceita a descontinuidade e os particularismos, do que é imposto e do que é sugerido - e do que se ganha por não se ter imposto e se ter sabido esperar pela oportunidade não previsível ou não prevista”

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