Ligação direta (clicar no link seguinte ou copiar para site de busca) para aceder à listagem interativa de 840 Artigos editados na Infohabitar – edição de janeiro de 2022 com links revistos em junho de 2022 (38 temas e mais de 100 autores):
Breves
considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial
urbana – Infohabitar # 862
Artigo II da série
editorial da Infohabitar – “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo entre
Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série editorial integra
uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo Belém Machado intitulada
“Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através de um estudo comparativo
entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada, pelo respetivo autor, especificamente,
para esta iniciativa editorial na Infohabitar.
Infohabitar, Ano XIX,
n.º 862
Edição:
quarta-feira, 07 de junho de 2023
Caros leitores da Infohabitar,
É com muito gosto que, com o
presente artigo, damos continuidade à edição de uma nova série editorial
dedicada à temática geral da “Segregação
sócio-espacial em contexto urbano”, através de um estudo comparativo entre Braga
- Portugal e Aracaju-Brasil.
Este gosto muito especial resulta
de a autoria deste conjunto de artigos ser do Professor Anselmo Belém Machado
um dos mais assíduos articulistas da nossa Infohabitar, que aqui saudamos
calorosamente, e que, assim, e com base na
adaptação da sua tese de doutoramento a uma sequência de artigos, nos irá
acompanhar ao longo de algumas semanas com a edição de um conjunto de artigos
sequenciais relativos à fundamental e sempre presente problemática da “Segregação sócio-espacial em contexto urbano”;
edição esta que irá sendo intercalada com outros artigos e designadamente com
os da série editorial dedicada ao PHAI3C.
Agradecemos, portanto, ao colega Anselmo
Belém Machado, por mais esta excelente contribuição para o acervo editorial da
nossa revista e aproveitamos para referir que se prevê que a respetiva base bibliográfica
deste conjunto de artigos, por ser muito extensa, seja repartida em quatro
partes, sequencialmente editadas, ao longo dos diversos artigos que integram a
série editorial; podendo ainda ser posteriormente republicada, na íntegra, numa
edição específica e sequencial ao remate editorial da série; proporcionando-se,
assim, aos interessados uma melhor consulta à globalidade da mesma
bibliografia.
Recorda-se, como sempre, que
serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui
editados e propostas de novos artigos (a enviar, ao meu cuidado, para abc.infohabitar@gmail.com).
Com as melhores saudações a todos
os caros leitores,
Lisboa, em 07 de junho de 2023
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Breves
considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial
urbana – Infohabitar # 862
Anselmo Belém Machado
Resumo curricular de Anselmo
Belém Machado
Doutor em geografia
Humana pela Universidade do Minho (Portugal). Com mestrado em Organização do
Espaço Rural no Mundo Subdesenvolvido, licenciado e bacharel em geografia na
Universidade Federal de Sergipe (Brasil).
O autor tem
experiência profissional em ensino, pesquisa e extensão nas seguintes
Universidades: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é professor associado no
Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
O autor tem as
seguintes áreas de interesse: Geografia Humana, Geografia Urbana e em Estudos
de Segregação Sócio Espacial (Portugal e Brasil).
Série Editorial sobre Segregação Sócio-espacial
em Contexto Urbano: Texto de apresentação
Face ao contexto actual de urbanização acelerada, são vários os desafios que
se colocam ao desenvolvimento das cidades contemporâneas, de entre os quais aqueles
que se relacionam com a urgência de novas políticas de gestão urbana, capazes de
promover um urbanismo inclusivo que contribua para o surgimento de cidades
socialmente mais coesas, integradas e justas. Assim, importa reforçar o conhecimento
existente em torno das dinâmicas urbanas de segregação sócio- espacial. Este trabalho
contribui para esta reflexão a partir de uma investigação que se singulariza
por uma abordagem comparativa desenvolvida a dois níveis. Por um lado, trata-se
de um estudo de geografia urbana que privilegia a comparação entre duas cidades
(Braga em Portugal e Aracaju no Brasil), que embora se enquadrem em países
diferentes e com culturas e realidades sócio- econômicas específicas, enfrentam
ambas processos de segregação sócio-espacial no interior das suas malhas urbanas.
Por outro lado, trata-se de um estudo que confronta simultaneamente a análise de
dinâmicas espaciais distintas, quer a concentração de cidadãos de baixo nível sócio-
económico (segregação imposta), quer a realidade oposta onde a homogeneidade sócio-
económica de algumas bolsas territoriais se faz sentir pela presença exclusiva de
cidadãos de altos rendimentos (auto-segregação).
Breves
considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial
urbana – Infohabitar # 862
No século XX, sobretudo
a partir da sua segunda
metade, o mundo passou por inúmeras
transformações
no campo da economia, da política e principalmente na área tecnológica que
tornaram o nosso planeta uma “sociedade global”
(Ianni, 1996, p.123).
As inovações tecnológicas fizeram com que os
acordos e transações comerciais fossem mais rápidos, ou mesmo, instantâneos, superando perdas de tempo
que até então
existiam. Posteriormente, sobretudo já no século XXI, a modernidade dos sistemas de informação e comunicação e a alta complexidade
tecnológica fizeram com que o mundo globalizado provocasse um rompimento com os
limites tradicionais (concretos) do espaço geográfico. Pois com a disseminação e consolidação do ‘mundo
virtual’ aumenta a “porosidade das múltiplas fronteiras espaciais e temporais
que dividem os nossos universos tradicionais de acção” (Nunes,
2007.p. 109). A distância física
entre os espaços geográficos perdeu
algum do seu sentido, passando
a ser de certa maneira
‘eliminada’, com a ‘compressão tempo-espaço’ (Harvey, 1989),
com grandes implicações para a concretização de acordos comerciais e outras interacções não apenas económicas, mas também
políticas e culturais, entre países e territórios até então considerados muito distantes. Segundo Schwab (2016) e Magalhães e Vendramini (2018)
vive-se actualmente no período da 4ª Revolução Industrial, em que a humanidade, especialmente as populações mais urbanizadas e conectadas,
enfrentam novas
realidades, dentre as quais se pode destacar:
“A flexibilização da economia, com a implantação do chamado capitalismo pós-fordista ou de acumulação flexível; a hegemonia do capital financeiro sobre o capital
produtivo; a crise do Estado do bem-estar social e, consequentemente, dos grandes projetos de planeamento regional-nacional integrado, e a instituição ainda em processo de ‘Estados de controle’
ou de ‘segurança’; a difusão
das tecnologias da informação, gerando
uma violenta e desigual ‘compressão tempo-espaço’ na rica expressão de Harvey (1989), e, a nível cultural, a propagação do multiculturalismo e/ou hibridismo cultural,
onde seria cada vez mais difícil encontrar identidades claramente definidas.”
(Haesbaert, 2006, p.118).
Este capitalismo globalizado que entretanto se proporcionou pelas novas técnicas
de produção global criou,
por sua vez, inúmeras novas
territorialidades com novos
significados e novas características e favorecedoras de novos
problemas inerentes ao mundo pós-moderno, como a crise do estado-nação ou a necessidade dos governos reinventarem as suas formas
de atuação..
“A globalização do capitalismo está sendo acompanhada da formação de vários sistemas económicos regionais, nos quais as economias nacionais
são integradas em todos mais amplos, criando-se assim condições diferentes para a organização e o desenvolvimento das atividades produtivas. Em vez de ser um obstáculo, a regionalização pode ser vista como um processo por
meio do qual a globalização recria a nação,
de modo a conformá-
la à dinâmica
da economia transnacional” (Ianni, 1999, p.29).
“As rupturas trazidas pela quarta revolução industrial estão redefinindo o funcionamento de instituições e organizações. Em particular, elas
obrigam os governos – nos níveis regionais,
nacionais e locais – a se adaptarem, reinventando-se e encontrando novas formas de colaboração com seus cidadãos
e com o setor privado.
Elas também afetam como países
e governos se relacionam entre
si.” (Schwab, 2016,
p.71).
A globalização e a revolução digital
vieram produzir uma
sociedade mais seletiva
quanto aos que estão
em condições de beneficiar das novas oportunidades entretanto criadas, ao obrigar a que as populações dos países se fossem enquadrando nas novas exigências dos novos modos de
produção, com novas especializações em sua mão-de-obra e uma nova divisão internacional do trabalho. Por outro lado
as cidades receberam e recebem influências diretas e indiretas desse processo de globalização que
se vão traduzindo em alterações da sua forma
e estrutura mas também da sua composição social e
económica. “Os desenvolvimentos da nova divisão internacional do trabalho, do mercado mundial,
da fábrica global
não só abrem como criam
e recriam espaços físicos,
sociais, económicos, políticos e culturais” (Ianni,
1996, p.122).
A nova
divisão internacional do trabalho irradia
suas novas exigências e técnicas de produção, que são
incorporadas nos distintos territórios com níveis
de interferência que vão sendo
diferenciados consoante o contexto
local e as suas especificidades. Em Aracaju, por exemplo, o contexto mundial tem determinadas e diferentes interferências das que ocorrem em Braga, mas os produtos deste processo muitas vezes se
assemelham.
À medida
que as exigências da globalização ficam mais fortes
e mundialmente presentes, os territórios, em todo mundo, estão
sendo fragmentados, os limites físicos
perdem a importância; e, mesmo existindo os limites políticos-administrativos, agora
estes passam a funcionar com outra
perspectiva e com novas características que se tornam mais instáveis num
contexto de novas mobilidades. “Assim,
territorializar-se significa, hoje,
construir e/ou controlar fluxos/redes e criar referenciais simbólicos num espaço
em movimento, no e pelo
movimento” (Costa, 2007,
p.280).
Neste novo
contexto e mesmo
com a efetivação de uma sociedade pós-moderna, dita civilizada, e com os incontáveis avanços
tecnológicos, continuamos a enfrentar problemas que há muito exigem solução.
Segundo Santos (2008, pp.286-296), os problemas fundamentais da contemporaneidade são três: a explosão demográfica, a degradação ambiental e o reforço
das desigualdades decorrentes da globalização da economia. O autor afirma
que a população mundial
continua crescendo em ritmo acelerado, principalmente nos países
do Sul, existindo projeções que
apontam para uma explosão demográfica com implicações desconhecidas. O segundo
ponto descrito pelo autor
é a degradação ambiental que se alastra
em todas direções
do planeta, num processo
contínuo e crescente de prejuízo dos recursos naturais. Essa degradação tem produzido
vários impactos, tais como: a destruição da fauna e flora, o aumento da emissão de gases na atmosfera, ou o aumento da
temperatura média do planeta, qualquer um deles com severas repercussões. Esta
degradação ambiental está
alertando a atenção
dos líderes mundiais para os problemas ambientais nos países do Sul que
interferem nos países
do Norte e vice-versa.
Estes problemas são da Terra
como um todo,
pelo que todos
os países têm
de se unir em prol da
sua atenuação, o que parece
ser fácil de afirmar e difícil de concretizar. Por fim, o terceiro
problema decorre
do facto da globalização da economia ter provocado o aumento, de maneira
significativa, das desigualdades, mas não apenas
entre o Norte e o Sul do planeta, mas também
num contexto
intra-urbano. E é precisamente na avaliação desta
dimensão de análise,
a manifestação das desigualdades e fragmentações sócio-económicas em contexto intraurbano, que este trabalho se procura
centrar.
Esta dimensão de análise e reflexão reveste-se de grande relevância na actualidade, por exemplo
quando se torna progressivamente mais
visível que o mundo globalizado tem forçado e reproduzido
o carácter exclusivo e selectivo sobre determinados territórios da cidade. Quer
bairros mais problemáticos onde
se assiste à exclusão de grupos sociais de menor poder aquisitivo, alguns desses bairros de génese ilegal,
com problemas múltiplos de infraestruturação, habitabilidade, segurança, higiene, conforto, entre muito
outros, e onde
se tendem a aglomerar os indivíduos que mais dificuldades revelam em se integrar
nas novas lógicas
de produção do mundo global.
Quer, em oposição, o estímulo que se tem evidenciado na construção de condomínios de alto valor imobiliário e de produtos habitacionais só acessíveis aos grupos mais
privilegiados, uma vez que
a sua seletividade está centrada
no fato de ter ou não poder
aquisitivo para comprar
esses imóveis mais caros,
localizados nos bairros
nobres das cidades, pelo que são também estas
manifestações de segregação social urbana.
“Estes impõem-se como demarcação social
de territórios exclusivistas de bem-estar e segurança, a exemplo dos condomínios
fechados e edifícios-fortaleza. Revelam-se os registros de reiteração da segregação social
urbana, alimentada por radicais contradições sociais que, na atualidade, a expressão suprema
da gentryfication da cidade diante do
crescente empobrecimento económico de imensas parcelas
da população urbana (Barbosa, 2007, p.131).
Todos estes
processos preocupantes vêm ocorrendo também
tanto em Aracaju
como em Braga, sendo que os inúmeros
planos de desenvolvimento realizados não impediram
que os seus processos de urbanização, hoje alarmantes, minimizassem ou atenuassem a segregação social- espacial bem visível em alguns dos
territórios destas cidades. Isto porque, dentro
do contexto da globalização, todas as cidades, com níveis diferentes de intensidade em seus processos de urbanização, estão sobre
os reflexos das
transformações técnico-científicas da pós-modernidade e das suas consequências. Assim, o que estamos vivenciando, no contexto do “tecido urbano” contemporâneo, é a existência de múltiplas e novas maneiras
de estruturação dos espaços
construídos e de uma cultura urbana pós-moderna, em que existe de facto uma multiterritorialidade e não uma desterritorialização como defende (Haesbaert, 2005, p.17):
“Desterritorialização
como ‘fim das distâncias’, por exemplo, nada
mais seria do que um enfoque muito parcial que,
além de confundir territorialidade e espacialidade, vê o espaço tão somente a partir
dos processos de compressão tempo-espaço, ou seja, da sua ‘forma’ ligada à presença-ausência. Ela nada traduz acerca
da intensificação dos processos de diferenciação (‘desigualização’) e de exclusão
socioespacial em curso”.
A existência de uma multiterritorialidade é uma das características das sociedades atuais,
onde existem inúmeras novíssimas paisagens de tamanhos
e influências variadas, sujeitas a relações de poder diversificadas, e onde em muitas delas
se aprofunda a segregação sócio-espacial como produto de toda uma rede de fluxos
de capitais e técnicas pós-modernas, que se integram
para acelerarem o motor do sistema
de produção capitalista e urbanização desenfreada. Neste contexto, os países hegemónicos articulam a reprodução do
sistema e o aprofundamento da segregação social, fazendo
por exemplo com
que os povos
que habitam os territórios periféricos, com menor tecnologia e cultura diferente, perpetuem a sua dependência (Corrêa,
1993; Silva, 2005).
“No final dos anos oitenta, as políticas neoliberais foram apresentadas como
única alternativa aos países
em desenvolvimento, a fim de que pudessem
inserir-se na modernidade, mas
isso não ocorreu. Ao contrário, os governos nacionais foram submetidos a exigências políticas e económicas que os tornariam ainda mais
frágeis, dependentes e vulneráveis às decisões internacionais.” (Silva, 2005, p.256).
Neste processo
de ampliação da dependência económica e política, dos países pobres
em relação aos países
industrializados, foram também
participando, com a legitimação do Estado capitalista, os agentes produtores do espaço urbano
que Corrêa (1993),
descreve como os agentes que estão
continuamente articulados entre si, para
reproduzir as estratificações sociais e económicas existentes nas cidades. Por exemplo os bancos financiam e colaboram com as construtoras na remodelação da morfologia urbana, de modo
a perpetuar a estratificação social
no solo urbano,
e os incorporadores imobiliários juntamente com os industriais e os
proprietários imobiliários, constroem os condomínios verticais e horizontais, aprofundando processos de segregação sócio- espacial. Assim ações dos agentes
produtores do espaço urbano são estrategicamente combinadas.
“O processo de reprodução espacial
na cidade se realiza na articulação de três níveis:
o político (que se revela na gestão política
do espaço), o económico (que produz o espaço como condição e produto da acumulação) e o social
(que nos coloca
diante das contradições geradas na prática socioespacial como
plano da reprodução da vida). A articulação
desses níveis se efetiva pela mediação do Estado, que organiza as relações
sociais (e de produção) por meio da reprodução do espaço”. (Bortolo, 2010, p.09)
Assim os grupos hegemónicos que detêm o poder sobre
o território, passam
a comandar em todas
escalas, quer seja a nível mundial, nacional, regional e local, sendo que
comandar o território significa ordená-lo conforme
os interesses dos grupos que detém o poder económico
político e cultural.
“Se territorializar-se é, sobretudo, exercer
controle sobre os movimentos – de pessoas, objetos ou informações – que se dão no e pelo espaço (Sack,
1986) e, a partir daí, dominar e apropriar-se deste espaço,
podemos dizer que formar territórios é, automaticamente, ‘ordená-los’” (Haesbaert, 2006, p.120).
No âmbito
deste processo de domínio e controlo, com os inúmeros
avanços decorrentes da globalização e do desenvolvimento tecnológico, as cidades
e seus cidadãos
passaram a evidenciar e reproduzir problemas decorrentes da falta de organização da estrutura urbana.
Nesse devir o crescimento urbano foi gerando conflitos
territoriais intra-urbanos que têm aumentado consideravelmente nas últimas décadas.
Em grande parte
este fenómeno é fruto de modos de governação que vêm historicamente favorecendo a dimensão
física das cidades
e não a sua dimensão social,
valorizando a expansão do espaço construído em detrimento de uma organização mais funcional da
cidade baseada numa distribuição mais democrática e equitativa das oportunidades associadas ao contexto urbano.
De entre esses
conflitos territoriais intra-urbanos deve referir-se que da maneira
como está sendo
efetivada a gestão
urbana, tem-se estimulado (ou pelo menos não se tem procurado inverter)
processos de segregação sócio-espacial e tornando mais complexa a gestão
urbana. Segregação sócio-espacial é entendida neste
trabalho, na linha de pensamento de muitos
autores (Harvey, 1976;
Castellls, 1983; Villaça,
2001; Caldeira, 2003; Marcuse, 2004; Negri, 2008,
entre outros), como
um processo decorrente da estratificação social e económica que ocorre
na área urbana,
a qual se expressa pela concentração territorial de um
grupo sócio-económico
de grande homogeneidade interna e que se distingue das condições económicas e características sócio-culturais da população urbana
que reside na sua envolvente.
O
fenómeno da segregação sócio-espacial urbana vem ocorrendo um pouco por todas regiões mundiais. Dependendo da região,
do nível de desenvolvimento económico, social e tecnológico de cada país, o fenômeno tem características e intensidades diferentes. Existem assim várias manifestações de segregação sócio
espacial urbana, pelo
que é relevante fazer uma breve síntese do contributo de vários
autores que têm evidenciado essas diferenciações, sobretudo a partir da pesquisa de artigos publicados em revistas conceituadas nacionais e internacionais, procurando demonstrar as especificidades do fenômeno ao nível da Europa e da América
do Sul (os contextos
territoriais em que se enquadram os estudos de caso que suportam a análise comparativa deste estudo) e posteriormente, também uma análise
de como tem ocorrido a segregação sócio
espacial urbana no contexto
dos dois países
estudados, Portugal e Brasil.
Segundo alguns
autores o fenômeno
da segregação sócio
espacial urbana surge hoje com maior
aprofundamento
e abrangência, quanto menor for o desenvolvimento técnico científico informacional (Santos,
1998) existente nas cidades e em seus países. Todavia
este é um processo
com raízes históricas mais profundas, pois são conhecidos muitos exemplos de
separação dos grupos humanos,
consoante o seu
perfil social e económico, em espaços geográficos distintos no seio das cidades, os quais vão eles próprios
produzindo e reproduzindo os vários tipos de
estratificações da população urbana.
A este respeito Negri (2008)
descreve que há muitos séculos a segregação sócio espacial
existe e de várias formas.
Pois o desenvolvimento e crescimento das cidades, desde a antiguidade, faz-se
no seu interior de forma
desigual, do ponto
de vista económico e
social.
“A questão da segregação urbana
tem uma longa
tradição na história
da sociedade, pois, desde a antiguidade, a sociedade já conhecia formas
urbanas de segregação sócio- espacial. Cidades gregas, romanas, chinesas possuíam divisões
definidas social, política ou economicamente.” (Negri, 2008.p.130).
Pode-se
pensar nos modos em que esta já se manifestava nos tempos mais longínquos, onde
os direitos eram algo exclusivo para os grupos que pertenciam aos estratos
sociais, políticos e económicos superiores, enquanto que alguns só tinham o
necessário para sobreviver e para poderem exercer suas obrigações. Todavia, Rolink
(1995) em seu livro ‘O que é cidade’, descreve o momento em que a segregação sócio
espacial passa a ser mais evidente na Europa, sobretudo a partir da Idade Moderna.
Examinando a história destas cidades a autora percebe que a segregação
sócio-espacial começa a ficar mais evidente à medida que avança a mercantilização
da sociedade e se organiza o Estado Moderno. Na Europa, este quadro emerge no século
XVII, e torna-se bem evidente no projeto barroco das cidades-capitais (Rolink,
1995, p. 47).
Com a estruturação dos Estados Modernos o mercantilismo se amplia e as cidades
europeias passam por um intenso crescimento urbano e populacional, favorecido pelo comércio além-mar. A chegada de novos produtos ao comércio das
cidades europeias fez
surgir novas classes
sociais. Os processos de desenvolvimento urbano,
administrativo e económico multiplicaram as diferenças sociais, que
se traduziram no modo como
diferenciadamente se organizava o espaço urbano.
Mais tarde com o avanço do modo de produção capitalista, nos séculos XVIII e XIX, intensifica-se a produção
em quantidade que exige uma força de trabalho numerosa
em contexto urbano, alimentada por um expressivo êxodo rural. Nesse
sentido as populações das cidades multiplicam- se e as camadas
menos favorecidas mais ainda, principalmente nas maiores cidades
europeias da época (Londres e Paris).
No Século
XIX, a industrialização favoreceu processos de urbanização generalizada, a população
camponesa, que vivia em condição
miserável na área rural, migra para as grandes cidades
em busca de emprego
e melhoria na sua qualidade
de vida. Posteriormente com a energia elétrica a industrialização intensifica-se ainda mais, atraindo
multidões para as áreas mais urbanizadas, que não estavam
preparadas para acolher
esses fluxos populacionais tão intensos. Esse grande
contingente populacional, principalmente nas grandes cidades
europeias, fez surgir uma densa população urbana,
em que grande
parte da mão-de-obra operária se aglomerava em habitações deploráveis e com péssimas
ou nenhumas condições
de habitabilidade (Hall,
2016). Toda esta dinâmica ampliou
o processo de estratificação social
em contexto urbano,
com reflexo na organização das cidades.
Com o aumento dos
problemas decorrentes da grande estratificação social e urbana,
começaram a surgir alertas
específicos sobre o fenômeno da segregação sócio espacial urbana.
A partir da segunda metade do século XIX a desordem urbana
de Paris foi um reflexo
de vários problemas sociais, decorrentes da péssima
infraestrutura existente e do aumento populacional. Nesse período, várias
alterações foram realizadas nas cidades industrializadas, como a reforma
urbana liderada por Haussmann, entre os anos de 1853
a 1882. Segundo
Benévolo (2001, p.98),
a reforma de Paris começou pelo desenho das ruas e traçados das avenidas, sistema
de esgoto e iluminação. Posteriormente foi realizada a melhoria no sistema de transporte e posteriormente a construção de grandes boulevards.
Nesse período
os problemas urbanos
tinham-se multiplicado muito,
decorrentes da instalação de inúmeras fábricas e novas indústrias, que passaram a necessitar de mão-de-obra barata
e desqualificada. A partir
da primeira metade do século
XIX, milhares de pessoas
migram em busca
de emprego e de uma
sobrevivência que o espaço rural
já não era capaz de lhes assegurar.
“Assim, a primeira metade do século XIX europeu foi
marcada pelas principais conseqüências destes acontecimentos.
Grande quantidade de imigrantes foram para diversas partes
do mundo à procura de uma vida
melhor, muitos seguiram
para as Américas, para países
como Brasil, Estados
Unidos e outros
se aventuraram em direção
à Austrália, Alemanha, Itália, etc. Eram pessoas que, tendo sido expropriadas
de seu ofício pelo capitalismo industrial, perceberam na emigração a melhor saída.
A partir de 1850, porém,
o capitalismo europeu
consegue dar emprego
a essas pessoas, entre outros motivos, devido ao crescimento da indústria com a tecnologia. Somado a isso,
era preciso pessoas sem qualificação e sem nada além da vontade de trabalhar” (Oliveira, 2004, p.93).
Esses acontecimentos reforçaram a necessidade de se realizar
uma maior e mais efetiva estruturação urbana,
visto que com a migração
em massa, as grandes cidades
recebiam populações de todos
os tipos, raças
e religiões, em busca de trabalho. Com a instalação de várias indústrias a população urbana
foi se multiplicando. Decorrente desse fato, o fenômeno da segregação sócio-espacial urbana passou a ser ampliado
e com maior complexidade, visto que
nesse período novos problemas decorrentes da péssima infraestrutura urbana foram sobretudo vivenciados pela multidão de pessoas que afluíam aos principais centros
urbanos para procurar trabalho nas novas indústrias.
Assim, segundo
Negri (2008), somente
após a Revolução Industrial, é que foram sendo
realizados estudos efetivos e mais complexos, dos tipos de segregação sócio-espacial urbana. A este
respeito Negri destaca a importância que os escritos
de Friedrich Engels passaram a ter em determinado
período
no século XIX:
“Mas é importante lembrar que uma das mais valiosas contribuições do século XIX foi
dada por Friedrich Engels em seus textos imprescindíveis A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845) e Contribuição ao Problema da Habitação (1886), nos quais
o autor descreve
e denuncia as condições de vida e de moradia
do proletariado inglês na cidade de Manchester, logo após a Revolução Industrial.” (Negri, 2008, p.132).
Na segunda
metade do Século XIX as precárias condições de habitabilidade da população pobre de Londres e Paris era generalizada, apesar
dos processos de reforma urbana
em curso e das
inúmeras descobertas e inovações que por essa altura ocorreram. Mas, mesmo assim,
as condições de vida dos proletários eram calamitosas. Ou seja, quem detinha o poder, na época,
não se preocupavam com as condições de vida da grande maioria
dos excluídos. Os impostos só aumentavam e a miséria
crescia fora dos palácios e burgos e nos arredores das cidades. A concentração de renda e de poder
político se restringia a uma minoria
que vivia no “luxo” enquanto a
grande maioria viviam
no “lixo”, passavam
fome e muitos
morriam pela falta
de higiene e saneamento básico, por acção
de várias doenças,
decorrentes do acúmulo
de todo tipo
de lixo nas ruas. Exemplificando a situação, Sposito (2001, p. 49) refere
que “os índices
de mortalidade eram altíssimos na Europa. Milton
Santos, em ‘A urbanização desigual’, apresenta alguns dados ilustrativos deste processo. As taxas de mortalidade na Europa Ocidental eram da ordem
de 30% no começo do século
XIX, e ainda de 18% em 1900”.
Continuando o mesmo raciocínio, a autora
Sposito (2001),
complementa descrevendo que:
“Os índices acentuam-se à medida que tomamos dados
para as grandes
cidades: a taxa de mortalidade em Paris era de 29,8%
entre 1851 e 1855 e de 24,4%
entre 1881 e 85.
Ainda há que se considerar que a mortalidade infantil era alta, e que na Inglaterra, por exemplo, na metade
do século XIX,
a mortalidade no meio urbano
era 25% maior
que no meio rural”. (Sposito,
2001, pp. 49 e 50).
Mesmo no final do século XIX, em Londres
e Paris, muitas
habitações careciam de infraestrutura
adequada, saneamento, drenagem e sistema de esgoto. Também
nas menores cidades
europeias essas condições precárias, de infraestrutura, eram
generalizadas. Esses serviços essenciais deveriam
acompanhar o ritmo
de criação de riqueza mas de fato
não ocorria a evolução da infraestrutura nas cidades no mesmo ritmo.
Mesmo com tantos avanços
tecnológicos a estrutura urbana era decadente. Em Paris as condições
de infraestrutura urbana
eram precárias e o ar respirado era horrível e poluído. Por outro lado, também na cidade de Londres, a situação não era diferente, no contexto das condições de higiene,
esgotos e drenagem. A miséria
reinava nas ruas,
com multidões famintas
e esfarrapadas. De um
lado as revoluções industriais trouxeram
prosperidade para as cidades, no sentido de existirem
novas e inúmeras fábricas, novas
descobertas na medicina, na engenharia, na área da química e física. Mas por outro
lado, estimulou a miséria urbana
sobretudo nos contextos de residência dos operários pobres e explorados, incentivando assim manifestações de segregação socio-espacial. Neste sentido,
a miséria que enfrentava grande
parte da população europeia produzia milhões de doentes e milhares
de mortes, devido às condições insalubres dos bairros
em que residiam.
Isso ocorreu
mais fortemente, nas cidades europeias e nas maiores
cidades da América
do Norte, a partir
do final do Século XIX e nas primeiras décadas
do século XX. As cidades
foram se tornando mais “desenvolvidas”,
consideradas mais “civilizadas”, mas ao mesmo tempo, mais desiguais, com a concentração de renda e poder a aumentar sem que fosse discutida a ética do desenvolvimento, que era comandado pelos interesses e determinações dos donos do capital:
“O século XIX não trouxe
nenhuma melhoria na ética do capitalismo. A Revolução
Industrial que varreu
a Europa enriqueceu os banqueiros e os donos
do capital, mas condenou milhões de trabalhadores a uma vida de
pobreza objeta”. (Harari, 2017, p. 342).
Para Corrêa (1999) apud Negri (2008,
p.131) o primeiro
modelo de segregação “foi formulado por J. G. Kohl
em 1841, geógrafo Alemão”, ao descrever a cidade como
um divisão em anéis,
onde a classe alta
habitava o centro
enquanto que na periferia viviam
os mais pobres.
Segundo o mesmo autor
esse tipo de modelo vigorou
por quase um século, até que na década de 1920,
surge o modelo de E. W. Burgess, que segue uma proposta inversa
à de Kohl, descrevendo que com o avançar
do processo de industrialização, as classes mais
ricas passaram a viver mais afastadas
do centro das cidades, buscando
casas maiores em locais com maior qualidade de vida e segurança, enquanto as classes
mais pobres residiam
nas áreas centrais
da cidade, com uma
localização que facilitava o acesso diário
ao trabalho, devido
às dificuldades existente em relação ao sistema de transporte.
O mesmo
autor, Negri (2008,
p.131), descreve que as diferenças dos dois modelos
citados fizeram com que surgisse um novo modelo
do economista norte-americano Hoyt. “Segundo este,
o padrão de segregação não seguia um tipo concêntrico, mas em setores
a partir do centro, onde a região de maiores amenidades era
ocupada pela classe
de mais alta
renda, sendo circundada pela classe média e estando a classe pobre
localizada diametralmente oposta”.
Ainda seguindo Negri
(2008), a colocação em prática desse modelo, condicionou os processos de transformação urbana.
Em que a classe
mais favorecida podia
usufruir mais ainda
do espaço urbano
com a abertura de mais avenidas e ruas, o que facilitou a circulação de pessoas, dos automóveis e dos bens de consumo. Nesse ponto pode ser frisado que com estas
novas avenidas a pavimentação das
cidades passou por grandes
inovações, visto que avenidas mais largas e com novas
pavimentações asfálticas se tornou
necessária para o escoamento dos produtos e pessoas pelos
bairros onde residia
a população mais favorecida. Posteriormente com o século XX o processo de urbanização foi ampliado
mais ainda, sobretudo nos vários países
europeus e nos Estados Unidos
da América. As cidades se tornavam continuamente mais habitadas e o adensamento urbano foi se tornando um problema severo em algumas parcelas
urbanas, decorrente da carência e da má qualidade da infraestrutura básica existente e dos serviços
urbanos prestados à população residente nesses bairros.
Importa ainda
referir que nas primeiras décadas
do Século XX, entre os principais estudos desenvolvidos sobre os modelos
de segregações sócios espaciais, teve grande importância o da Escola de Ecologia Humana
de Chicago (EUA).
“Os estudiosos dessa
escola basearam suas análises
urbanas em modelos
metodológicos fornecidos pelo Darwinismo Social”
(Negri, 2008, p.132). Para
esses representantes a cidade seria
como um “organismo vivo” em que pelas histórias de vida dos seus habitantes se vai defender que os que mais prosperaram são os que mais conseguiam “se adaptar ao estilo de
vida urbano conseguindo habitar as melhores
áreas deste espaço” (Negri,
2008, p.132). Nesse sentido, podemos
perceber que os defensores dessa escola tinham uma visão
“naturalista” e positivista da sociedade. Pensavam que a distribuição das pessoas em diferentes espaços da cidade
ocorria de maneira
natural, em que a localização e moradia de determinadas pessoas ou grupos
de pessoas em locais melhores
da cidade, apenas representava uma organização social
“natural”, que era decorrente dos que melhor
se conseguiam adaptar ao funcionamento da sociedade. Isso
é uma visão errónea e que só ajudou a aprofundar
as desigualdades e privilégios para determinados grupos
sociais, em detrimento da grande maioria despossuída da época.
Apesar das críticas desta
visão naturalista da organização do espaço urbano,
para Marafon (1996, p.154), os estudiosos da Escola de Chicago estabeleceram vários conceitos relevantes, entre eles o de segregação, que era analisada como decorrente da distribuição ‘natural’ (ecológica) da população na
cidade. Não analisavam assim a segregação como um problema decorrente das
contradições sociais e económicas dos
diferentes grupos humanos
existentes na cidade.
Segundo a sua perspectiva de análise os “agentes produtores do espaço urbano”
(Corrêa, 1989) (1) , agem conjuntamente para que o processo de segregação sócioespacial urbano, seja considerado algo natural, que ocorre
à medida que a cidade
cresce. Divulga-se assim
a ideia de que esse
processo de segregação é decorrente do ritmo “normal”
da organização da sociedade urbana.
De um lado os privilegiados e do outro
lado, os destituídos de quase tudo.
Mas Negri (2008,
p.133), que discorda dessa teoria, esclarece
que:
“Fica evidente que, em certas ocasiões, o imigrante prefere morar próximo aos
seus semelhantes, parentes ou amigos, por diversas razões de ordem cultural, moral,
étnica, entre outras. Mas essa falsa noção de auto-segregação de alguns grupos sociais,
na realidade encobrem as diferenças sociais entre os vários grupos que habitam a
cidade.”
Mais tarde
a segregação sócio-espacial passa a ser analisada como decorrente das relações de poder
entre os diferentes grupos sociais e da necessidade de reprodução das lógicas de controlo
e domínio dos territórios. Neste
sentido, autores, tais como Castells
apud Negri (2008,
p. 136), durante a década de 1970 “analisam
o processo de segregação sócio-espacial como reflexo da distribuição espacial das diversas
classes sociais, de acordo com o nível social dos indivíduos, sendo que esta tem determinações políticas, económicas e ideológicas”. Outro autor que contribuiu muito para este
modo de ler
a segregação sócio
espacial, na década
de 1980, foi Harvey, com a publicação do livro “A Justiça Social
e a Cidade”, em que utilizando a geografia
económica faz uma análise crítica
de como o capitalismo contribuiu para uma nova
teoria do espaço com fortes implicações no desenvolvimento das cidades. Mais recentemente, em 2012,
Harvey publicou
“as cidades rebeldes”, reflectindo como ao longo do tempo os processos de transformação urbana têm muitas
vezes introduzido factores de descriminação das
classes menos favorecidas, algo que se assiste desde as reformas
urbanas de Paris do século XIX ao boom
imobiliário do início do século XXI em alguns
países, sendo que todos esses eventos ocorridos, a nível mundial, promovem cidades ‘rebeldes’, decorrente do
aprofundamento do fenômeno da segregação sócio espacial
urbana, que tem sido aprofundado mediante as decisões
económicas e políticas que os grupos
hegemónicos têm tomado
para a perpetuação da sociedade estratificada socialmente (Oliveira, 2014).
Ainda no âmbito desta
visão sobre segregação sócio espacial, nos
estudos mais atuais,
pós década de 1990, vale destacar
a importância dos estudos de Lefebvre, que fez uma grande contribuição para os estudos sobre
as sociedades urbanizadas, quando escreveu o livro “O Direito à Cidade”,
onde
reflecte sobre a sua preocupação com a exclusão social existente nas cidades
contemporâneas. Essas cidades
estão crescendo e se tornando
cada vez mais modernas e cosmopolitas, mas será que estão de fato se desenvolvendo? Em relação a esta questão
o autor demonstra nos seus trabalhos que “a experiência prática mostra que pode haver
crescimento sem desenvolvimento
social -crescimento quantitativo, sem desenvolvimento qualitativo-” (Lefebvre, 2001, p.137). Pois não existe
desenvolvimento urbano se não houver
o direito efetivo
à cidade, onde os cidadãos
possam usufruir da cidade e das suas oportunidades. Mas segundo Lefebvre (2001) não se pode alcançar essa plenitude de viver no urbano com equidade e felicidade, sem uma
reforma revolucionária, essencial para tornar possível
a efetivação de uma sociedade urbana mais justa.
Ainda no âmbito desta
visão sobre o processo de urbanização e o fenómeno da segregação sócio espacial urbana, nos estudos
mais atuais, vale
destacar a importância de Préteceille (2003)
com a publicação “A evolução da
segregação social e das desigualdades urbanas”, onde realça a necessidade de investimentos contínuos em estruturação urbana,
melhoria da saúde das
populações mais pobres,
e decisões políticas mais democráticas com o intuito
de maiores investimentos em obras públicas
nas cidades, para minimizar desigualdades urbanas. Uma das preocupações nos estudos desse autor, foi revelar que as classes
sem renda e de baixa renda,
estão em áreas (sobretudo habitação
social periférica) onde são acumuladas várias dificuldades
(Préteceille, 2003) que vão desde
a falta de uma ação de assistência social que vise
integrar essas comunidades, a falta de manutenção dos imóveis que
estão muito degradados, além da alta densidade
desses conjuntos habitacionais, muito próximos e com crescente insegurança para os moradores. Nesse estudo Préteceille (2003) evidencia a ocupação dos mais ricos nas melhores áreas da cidade e à medida
que nos afastamos dos melhores bairros
os grupos de menor poder aquisitivo vão se instalando. Estes padrões territoriais resultam de um princípio de “hierarquização
dos preços
fundiários e imobiliários que produz, em primeira instância, a hierarquização das posições sociais dos espaços residenciais,
conduzindo, ao final da cadeia, à concentração dos mais pobres
nos espaços mais
desvalorizados”. (Préteceille, 2003,
p.37/38).
Outro autor,
que estudou esta problemática foi Marcuse (2004),
que veio a considerar três tipos
de
segregação sócio-espacial.
“Segundo Marcuse (2004), historicamente existe um padrão geral de
segregação das classes sociais, que podemos dividir
da seguinte maneira:
1. Divisão Cultural – realiza-se através
da língua, da religião, das características étnicas, estilo arquitetônico, por país ou nacionalidade;
2. Divisão Funcional – é resultado da lógica económica, resultando na divisão
entre bairros residenciais e comerciais, áreas rurais e indústrias. Ela pressupõe a divisão do espaço pela função exercida
para cada atividade.
3.
Divisão por Diferença no Status Hierárquico – reflete e reproduz as relações de poder
na cidade. Pode ser representada, por exemplo, por
um enclave (condomínio fechado) ou pela distribuição dos serviços públicos
pelo Estado.” (Negri, 2008, p.131).
Nesses três
tipos de segregação constata-se que o poder económico estratifica a sociedade dentro da cidade, formando Status Hierárquicos ao separar os
grupos humanos em partes (bairros) separados
na cidade. Quer
seja por nível
cultural, pela função
exercida ou por nível de renda, tem- se
como resultado, em vários períodos
históricos, a cidade
estratificada que cresce
reproduzindo territorialmente esses tipos
de segregação.
Continuando na reflexão sobre
a segregação sócio-espacial urbana, foi realizado uma pesquisa em alguns
periódicos nacionais e internacionais, destacando o modo como
está a ocorrer
esse fenômeno no contexto
territorial de enquadramento do estudo empírico
desta tese, na Europa e mais
precisamente em Portugal, e em alguns
países da América
Latina, mais concretamente no Brasil.
Sendo o fenômeno da segregação sócio-espacial urbana um problema
mundial, na Europa
têm sido realizadas várias
tentativas de minimizar essa questão. Um dos exemplos
é a formulação da
política urbana europeia, descrita por Medina (2013) em seu artigo La europeización urbana através de la política
de cohesión, descrevendo como a política
urbana europeia tem encarado
esta problemática com a análise das opções privilegiadas na agenda urbana
europeia, desde 1990. Uma agenda
comandada por ações
que propuseram o desenvolvimento urbano
a partir de uma política de coesão, de modo a estruturar um processo de europeização urbana
mais equilibrado, integrado e mais equitativo para todos os cidadãos europeus.
Essas ações fazem assim parte de uma estratégia de envolvimento das cidades no projecto de desenvolvimento da União
Europeia, segundo uma visão que
busca o reconhecimento das cidades como protagonistas
da
governança europeia.
Essa política urbana tem evoluído
muito na última
década, mas o problema da segregação sócio- espacial urbana no contexto europeu tende a persistir, por
vezes na sequência de novas dinâmicas urbanas. Sendo
que muitos dos
problemas que decorrem
da separação física
de diferentes grupos sociais, que tendem a existir em espaços próximos
entre si, podem,
segundo alguns autores, ser minimizados pelo aumento
da tributação junto dos grupos
mais favorecidos. Essa tese foi defendida por Carvalho (2016) no seu
artigo ‘Gentrificação: a tributação como atenuante da segregação social
e urbana’. O autor ressalta
que, nestes casos,
o Estado deve tomar medidas efetivas para uma verdadeira justiça social. Essas
medidas têm maior consistência, quando são
aplicadas em casos onde exista
a gentrificação de determinados bairros
das cidades. Pois essa
valorização de determinadas áreas da cidade,
cria outro problema
a partir do momento em que
um determinado contingente populacional foi expulso do local que passou pelo
processo de enobrecimento urbano.
Esse enobrecimento urbano
sempre é promovido pelo capital privado
em consonância com o poder público.
Isso com certeza
gera conflitos e deixa claro
que a cidade ainda hoje evolui
no sentido de se tornar
cada vez mais segregada.
Quanto a estes processos de gentrificação, pode ser afirmado
que esse fenómeno
está presente também em
Portugal. Para exemplificar este caso Malheiros et al. (2013) em seu artigo ‘Gentrification, residential ethnicization and the social
production of fragmented space in two multi-
ethn ic neighbourhoods of Lisbon
and Bilbao’, analisou
como as tendências, simultâneas de
etnicização e gentrificação, estão contribuindo para a fragmentação dos espaços urbanos contemporâneos. O autor também
salienta neste seu artigo que a quebra
da homogeneidade da cidade
moderna, decorrente da existência de novas unidades sociais urbanas, provocam
o surgimento de novas
redes com descontinuidade territorial que estão
menos centradas no bairro.
Esse estudo foi realizado no bairro Mouraria (Lisboa, Portugal) e São Francisco (Bilbao, Espanha),
bairros esses que são constituídos por grupos multiétnicos. Nesses bairros as ações de grupos
privados promovendo o enobrecimento dessas
áreas têm contribuído para a fragmentação sócio- urbana. Essas ações geram a fragmentação dos dois bairros
estudados, provocada pela gentrificação e provocando um tipo de etnicização marginal.
No caso da América
Latina Thibert e Osorio (2014)
analisaram os padrões
sócio económicos das cidades desse sub-continente, que estão sendo alterados rapidamente no decurso de processos
acelerados de metropolização e suburbanização. Estes autores destacam
que as consequências políticas decorrentes desse
processo não são bem compreendidas ainda, no entanto
torna-se claro que o processo de segregação sócio-espacial urbano tem interferido negativamente na evolução dos padrões sociais e económicos das
populações urbanas e mais fortemente, das residentes nas grandes áreas metropolitanas. Outros
autores como Girola
et al. (2015) analisaram experiências de segregação com base numa pesquisa sócio-antropológicas de corte etnográfico, constatando que a contínua persistência de condições de
desigualdade socioeconómica é um traço comum que caracteriza as cidades
contemporâneas da América
latina. Visão partilhada por outra autora que estudou a segregação residencial latino-americana, a partir de um estudo
realizado em Bogotá (Arcila, 2015), com o qual mostrou
como os agentes
sociais dão valorização diferenciada para
determinados grupos, dependendo de sua localização no espaço urbano
da cidade de Bogotá. O texto
destaca ainda que as regiões
são segregadas por razões económicas e as desigualdades são expressas na falta de organização urbana.
No caso
do Brasil a segregação sócio-espacial urbana tem merecido a reflexão de vários autores, abordando especialmente a sua
dimensão residencial. Para
Villaça (2001), um estudioso do fenômeno da segregação sócio
espacial urbana existente no Brasil, conclui
através das suas análises
que “a segregação é um processo necessário à dominação social,
económica e política por meio do espaço”
(Villaça, 2001, p.150).
Essa dominação que
ocorre em todas
as esferas é expressa
constantemente na sociedade, para ratificar a dominação geral
de um grupo dominante
sobre os demais grupos. Por via do favorecimento da segregação socio-espacial os grupos de alto
poder económico, político
e jurídico, legitimam
a dominação. Sendo que o mais alarmante é que essa “legitimação” é considerada, pela maioria da população (dos dominados) como se fosse a
única forma
de existir na sociedade, num
contexto de desigualdade evidente.
Segundo este
autor a diferenciação intra-urbana em termos
sociais, económicos, infraestruturais e residências, é um
fenómeno que foi sendo permitido e estimulado pelos grupos dominantes como forma
de promover uma sociedade assente
na diferenciação de grupos sociais,
ao separar fisicamente os de menor
poder aquisitivo em áreas com pouca ou quase nenhuma
infraestrutura básica urbana. Sendo
que no Brasil a segregação sócio-espacial residencial é assim inerente
ao contexto global de uma sociedade de classes antagónicas. Historicamente os grupos
sociais mais privilegiados sempre procuraram criar a diferença de valor do solo urbano,
para justificar a alocação dos diferentes grupos sociais. Essa diferença do valor por bairro força a distribuição da população de baixa renda ou/e sem renda para os bairros mais afastados do centro e das áreas mais estruturadas. Ao marginalizar o cidadão de baixa renda este quase não tem condições de ascender socialmente, porque não pode
beneficiar das mesmas oportunidades a nível social, económico, cultural ou
educacional. A segregação socio-espacial vai assim garantir que estas oportunidades desiguais se reproduzam
intergeracionalmente, conseguindo-se assim a manutenção de uma sociedade
de classes antagónicas.
“Morar num bairro
periférico de baixa
renda hoje significa muito mais do que apenas
ser segregado, significa ter oportunidades desiguais em nível social,
económico, educacional, renda, cultural. Isto quer dizer
que um morador de um bairro periférico pobre tem condições mínimas de melhorar socialmente ou economicamente. Implica,
na maioria dos casos,
em apenas reproduzir a força de trabalho disponível para o capital.” (Negri, 2008,
p.136).
Metodologicamente este fenómeno da segregação sócio
espacial urbana tem sido estudado
com recurso sobretudo aos índices de segregação. Por exemplo no estudo
feito por Carvalho et al. (2013), no qual os autores procuraram calcular os índices
por faixas de renda em quatro períodos distintos na região metropolitana
de São Paulo. O período estudado foi de 1994 a
2009, procurando revelar-se o comportamento da segregação das faixas de renda, com a avaliação da concentração ou dispersão de certo grupo
em determinado espaço
urbano. Outro estudo
realizado sobre a segregação em São Paulo
foi o de Marques (2014)
com o seu artigo ‘Estrutura social e segregação em São Paulo:
Transformações na década
de 2000’ em que foram
utilizadas as hipóteses mais
importantes da literatura internacional a respeito dos impactos sociais da reestruturação
produtiva recente e sobre as mudanças na segregação residencial em grandes
cidades, utilizando dados dos Censos
de 1991 e 2010. Esse trabalho mostrou
que a metrópole paulistana continua intensamente segregada com um
alto padrão de evitação entre os grupos
sociais localizados nos extremos níveis económicos. Entre as suas conclusões,
por um lado foi constatado que
existe uma maior homogeneidade nos bairros habitados pelos mais ricos. Por
outro lado, as áreas habitadas pela população de baixa renda
tendem a ser mais heterogéneas, o que tem contribuído para maior mistura
social em bairros
intermediários e nas periferias.
Outro estudo
também feito no Brasil, agora
na cidade de Recife, foi realizado por Oliveira e Silveira
Neto (2015), revelando a segregação sócio-espacial nesta cidade
utilizando dados censitários do IBGE de 2000 e 2010 pela variável
de rendimentos. As evidências indicam
um padrão de concentração espacial dos grupos de mais altos rendimentos em alguns bairros
de Recife como: Rio
Capibaribe, Praia de Boa Viagem
e parque da cidade. Essas
áreas são localizadas próximo ao centro da cidade com grande oferta
de serviços públicos
e bom saneamento básico. Esta análise
evidenciou a presença de auto segregação urbana
desses grupos com renda superior a 10 salários mínimos. Ainda a respeito desta segregação da classe de maior nível
sócio-económico nas cidades metropolitanas no Brasil, Cerqueira (2015) estudou a existência das novas lógicas
da fortificação residencial nas periferias de Belo Horizonte, afirmando que a fortificação residencial tem produzido “homogeneidade social
intramuros”, mas por outro lado,
reforça a heterogeneidade extramuros. Essas práticas de crescente proteção
com seguranças, muros,
grades, câmaras de segurança e outras ações de proteção e fortificação
residencial, têm sido característicos nas diversas
metrópoles latino-americanas. Decorrente dessas ações de isolamento/proteção, a fortificação
provoca uma homogeneidade social dentro
dos muros dos condomínios e por outro
lado, aumenta a segregação sócio espacial urbana.
Esses condomínios exclusivos, controlados por tecnologias e barreiras físicas, têm sido disseminados pelo Brasil
reforçando a estratificação residencial das suas cidades.
Ainda sobre
este contexto específico de segregação sócio
espacial urbana, Silva et al. (2015), estudaram os condomínios horizontais e
loteamentos fechados, analisando a situação da capital do Piauí (Teresina), no nordeste brasileiro, onde a presença desse tipo de habitação tem
alterado a morfologia urbana
do tecido urbano.
Para comprovar esse processo de segregação sócio
espacial, foi realizado um levantamento em jornais e classificados de imóveis no Arquivo Público
do Piauí e em sites de imobiliárias até novembro de 2014. Foi destacado neste
estudo que a expansão dos condomínios horizontais e loteamentos fechados provocam vários
impactos nas cidades,
alertando para o facto
de provocar o abandono do uso do espaço urbano
público, por medo
e receio de agressões e roubos,
sobretudo enquanto espaço
de cruzamento, encontro
e diversidade. Pois
cada vez mais esses espaços públicos
têm sido subutilizados pelos grupos de maior poder aquisitivo.
Por
outro lado, o fato do acesso a esses espaços
condóminas ser restrito, reforça o tipo
de auto segregação. Dentro desse mesmo tipo de análise,
Milani e Góes (2015), publicaram um estudo sobre os espaços
residenciais fechados nas cidades não metropolitanas, concluindo que os mesmo constituem “barreira material e quanto um limite
simbólico” visto que os muros criam uma imagem clara
da separação dos grupos sociais
existentes nas cidades.
Outra pesquisa importante, foi o estudo feito
por Caldeira (2003)
em seu livro ‘Cidade de Muros’,
lembrando que antes existiu no Brasil um determinado padrão
de segregação socio-espacial, do tipo centro-periferia. Mas
as alterações ocorridas no processo de desenvolvimento e crescimento
urbano, nas últimas décadas, têm gerado um tipo de segregação distinto, em que grupos
opostos (de níveis sócio económicos diferentes) estão agora muitas vezes
próximos fisicamente, mas continuam separados entre
si, pela acção
desses condomínios fechados.
“O principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial é o que chamo de
"enclaves fortificados". Trata-se
de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime
violento. Esses novos espaços atraem
aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para
os pobres, os "marginalizados" e os sem-teto”. (Caldeira, 2003, p.211).
Esses enclaves
fortificados de reclusão
residencial são o mais recente
tipo de segregação sócio
espacial urbana na cidade contemporânea. Decorrente desse processo
de isolamento social
pelos condomínios fechados, a especulação mobiliária tem sido ampliada
no espaço urbano.
Os autores Pagani et al.
(2015), estudaram como essas atuais
formas de uso e ocupação do solo urbano aprofundam práticas de valorização
imobiliária. Chegando à conclusão que essas práticas de especulação imobiliária têm acentuado as contradições sociais
e económicas no seio das cidades,
favorecendo
a segregação sócio espacial.
A opção
das classes sociais
de maior poder
aquisitivo por residir
em condomínios fechados
de moradias ou prédios,
ou seja, tanto
horizontais quanto verticais, só tem reforçado e aprofundado o processo
da segregação, uma vez que separa mais ainda, um determinado estrato
social, dos demais cidadãos
de menor poder
aquisitivo. Além de se protegerem em seus condomínios, passam a usufruir de muitos serviços
que o condomínio lhes providencia, sentindo-se com eles mais protegidos. Mas o que está ocorrendo de fato, é que estão sendo enclausurados nos seus condomínios, em relação ao contexto urbano
mais vasto de que fazem
parte.
Concluindo este enquadramento e breve problematização do objecto de estudo desta
tese, pode ser afirmado que o
processo de segregação sócio-espacial urbana é uma tendência mundial, embora
com mais expressão em alguns contextos territoriais, onde este fenómeno tem raízes históricas profundas e onde se tem
tornado progressivamente mais relevante na contemporaneidade. Pelos estudos já elaborados conclui-se que embora existam
várias tentativas de
compreensão do fenómeno para procurar minimizá-lo, percebe-se que a
complexidade e dimensão do processo de segregação sócio
espacial urbana tem sido reforçada pelos grupos privilegiados, com o objetivo claro de manter
a dominação, económica, social, política na cidade,
em prol
da reprodução da força de trabalho e da manutenção do status quo.
De fato, as políticas
públicas não têm resolvido a questão da segregação sócio espacial urbana. Em certos casos específicos tem
apenas minimizado o problema. Na generalidade as políticas públicas urbanas
existentes servem para melhorar a infraestrutura em áreas específicas, mas nos bairros dos grupos sócio-económicos menos privilegiados os investimentos públicos
são reduzidos e escassos. As regiões mais valorizadas recebem
mais investimentos que as menos
valorizadas, assim a segregação sócio-espacial vai se aprofundando. Os problemas sociais,
que estão associados à segregação, são assim muito
maiores entre os pobres, devido
à má distribuição das
ações do poder público e dos baixos
recursos utilizados nas áreas em que residem,
facilitando ou mesmo estimulando ações ilícitas de toda ordem.
Esta realidade é bem presente
nos países latinos americanos e nas cidades
brasileiras, quer sejam
metrópoles ou cidades
médias, onde o fenômeno
da segregação socio-espacial tem aumentado à medida que
as cidades crescem, rumo à sua periferia.
Por este breve estado
da arte apresentado percebe-se que os estudos desenvolvidos até o momento têm sobretudo procurado compreender a segregação sócio-espacial, as suas causas e consequências, e, por outro
lado, têm procurado identificar metodologias para identificar/detectar
a
segregação sócio-espacial e a sua incidência. Estas têm sido as duas vias de
análise privilegiadas. Nesta tese procura-se contribuir para o aprofundamento da
compreensão desta problemática explorando uma
via de análise
distinta das que têm sido
perseguidas, que consiste na interpretação deste fenómeno na perspectiva do indivíduo que por ele
é afectado, quer através
da análise
da percepção deste fenómeno por parte de quem reside nas parcelas
urbanas segregadas, quer através
da análise da imagem mental
que sobre estes
territórios urbanos se vai
estruturando por parte
de quem vive
fora deles. É assim um trabalho de investigação que
opta por analisar o fenómeno na perspectiva do indivíduo, embora
também o faça na óptica
das estratégias de desenvolvimento urbano e das políticas de cidade.
Esta tese utiliza como modelo de análise para a abordagem do seu estudo
comparativo, dois tipos específicos de segregação sócio-espacial urbana: a auto-segregação e a segregação imposta. A auto segregação refere-se à segregação urbana da classe
de alta renda por opção
própria, em espaços com alto grau de homogeneidade social, muitas vezes condomínios fechados,
mas não só. A segregação imposta
refere-se à segregação urbana referente à classe de baixa renda
ou sem renda por
imposição do funcionamento do mercado imobiliário ou das políticas de habitação social, em
espaços onde existe
também um alto
grau de homogeneidade social.
A auto segregação é uma escolha
dos grupos de alta renda,
que residem nos bairros bem mais
estruturados das cidades, a que só eles têm acesso, e onde se concentra a melhor infraestrutura da cidade e os
imóveis mais luxuosos. Neste caso a segregação é uma opção não uma inevitabilidade, uma vez que a classe
de alto poder aquisitivo se auto segrega.
Indivíduos de um mesmo
grupo social optam por partilhar um contexto de residência que lhes é exclusivo, pelas vantagens que consideram-lhe estar
associadas. Em oposição, a segregação imposta
é conotada com os bairros de baixo poder
aquisitivo, uma vez que os residentes destes
bairros não escolheram residir em áreas sem estrutura básica
(sem pavimentação adequada, esgoto, drenagem, energia elétrica, etc.), a segregação de que são
alvo é-lhes imposta.
Neste caso, a falta de condições
económica determina a localização residencial, dos habitantes citadinos
de baixa renda ou sem renda, em contextos de forte segregação que são ‘forçados’ a partilhar com outros indivíduos do mesmo grupo social.
Em ambos os casos, as classes de alto poder aquisitivo e, opostamente, as classes sociais de baixo
poder aquisitivo, habitam
num contexto social
de grande homegeneidade social e distinto da sua envolvência.
Notas
(1) “1) Os proprietários dos meios de produção...2) Os proprietários
fundiários...3) Os promotores imobiliários...4) O Estado... e 5) Os grupos sociais excluídos”. Corrêa (1989), Apud Sposito (2008,
pp. 24 a 27).
Nota final ao artigo:
Em próximas semanas será dada
continuidade à presente série editorial.
Bibliografia geral (D a L)
Nota: a base bibliográfica deste
conjunto de artigos, por ser muito extensa, é repartida em quatro partes,
sequencialmente editadas, ao longo dos diversos artigos que integram a série editorial .
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Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural
responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos
de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos,
gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos
autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias
autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Breves
considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial
urbana – Infohabitar # 862
Artigo I da série
editorial da Infohabitar – “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo entre
Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série editorial integra
uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo Belém Machado intitulada
“Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através de um estudo comparativo
entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada, pelo respetivo autor, especificamente,
para esta iniciativa editorial na Infohabitar.
Infohabitar, Ano XIX,
n.º 862
Edição:
quarta-feira, 07 de junho de 2023
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho, Investigador
Principal do LNEC
abc.infohabitar@gmail.com, abc@lnec.pt
A
Infohabitar é uma Revista do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da
Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação atualmente com sede na
Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e
anteriormente com sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC.
Apoio à
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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