terça-feira, junho 18, 2019

691 - Notas suplementares sobre a inovação no espaço doméstico – Infohabitar 691

Infohabitar, Ano XV, n.º 691                      

Notas suplementares sobre a inovação no espaço doméstico – Infohabitar 691


Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagem)

Sequem-se algumas notas suplementares sobre a relação entre a inovação no interior doméstico e as respectivas pormenorização habitacional e qualidade arquitectónica interior

Introdução

Em seguida, serão brevemente abordados alguns aspectos de relação entre a satisfação habitacional e o desenvolvimento de soluções domésticas que podem ser consideradas inovadoras ou menos correntes e que, habitualmente, estão ligadas a uma perspectiva que favorece uma assinalável e dupla/dual condição de adaptação e de apropriação desses espaços e ambientes domésticos. 

Não se irá fazer, aqui, qualquer tipo de “revisão da matéria dada” ao longo dos numerosos textos já divulgados e “multilateralmente” associáveis a esta perspectiva muito interessante e dual de melhor adaptabilidade e apropriação doméstica, mas tão somente reflectir um pouco sobre alguns dos seus aspectos mais estimulantes e que, por isso, estarão, sem dúvida, ligados a posteriores e futuros desenvolvimentos desta temática.


Sobre (as) características de originalidade doméstica

Apontam-se, em seguida, e como base que fica para esta reflexão, algumas das características, ditas, “de originalidade” no habitar – um atributo aqui associado à inovação doméstica – estudadas e propostas num estudo de Jacqueline Palmade e Manuel Perianez, dirigido para um amplo leque de compartimentos habitacionais – a indicação, destes autores, refere-se a aspectos considerados como «duplamente» [ou reforçadamente] originais (1) ( e salienta-se que o pequeno desenvolvimento que segue e comenta cada “título”, apresentado a “itálico”, é da exclusiva responsabilidade do autor deste artigo, mas mantendo-se a sua ordenação original):

- Compartimento muito espaçoso (área superior ou igual a 25m²) – apenas quando esse espaço "a mais" corresponder a usos considerados como "a mais", portanto distintos daqueles funcionalmente ligados ao respectivo compartimento.
É interessante esta noção de uma espaciosidade a relevar, que pode estar associada, por exemplo,  à possibilidade de exercício de outras funções, associáveis ou mesmo bem distintas das consideradas como mais ligadas ao respectivo compartimento; e pode haver uma ligação bem aparente ou uma mais camuflada, por exemplo, através de mobiliário com usos versáteis/flexíveis.

- Cozinha do tipo "montra", integrada na sala.
Pode estar aqui a ser considerado o espaço de cozinha como elemento de atractividade e de identidade específica da sala onde se integra, para além dos respectivos conteúdos funcionais associáveis; e é interessante considerar que este sentido de “montra”não restringe a “linguagem”formal/funcional aplicada nesse espaço ou subespaço de cozinha.

- Cozinha aberta sobre a sala.
Esta condição pode associar-se, designadamente, a duas condições distintas: uma de relação franca entre os dois espaços de sala e de cozinha, mas mantendo-se a “identidade” e espaciosidade de cada um deles; e outra em que a zona de cozinha e designadamente a sua bancada abre francamente sobre a sala, numa perspectiva de grande integração entre os dois espaços – eventualmente, numa formalização de um grande espaço do tipo “sala de família”.

- Cozinha-bancada de preparação.
Trata-se de uma “simples” redução da cozinha a uma caracterização/presença mínima e minimizada de bancada de preparação de refeições, elas próprias “mínimas”, provavelmente, ao serviço de um uso da habitação em que raramente se preparam, realmente, refeições; reduzindo-se o “serviço de cozinha”, quase apenas a operações de aquecimento de pratos pré-cozinhados – e mesmo assim fica por “resolver” a questão da louça suja e da sua “presença” em termos de cheiros,por exemplo.

- Cozinha muito grande (>12m²).
A existência de uma grande cozinha, mais tradicional ou mais moderna, é uma opção que pode marcar uma habitação, até na respectiva estruturação de entradas e acessibilidades entre os diversos compartimentos; na prática é uma solução que se aproxima da “sala de família”, mas marcando-se expressivamente a presença e o protagonismo da cozinha e dos seus diversos subespaços, incluindo, deignadamente, o de refeições, que podem ser formais e informais e o de arrumação de alimentos.

- Compartimento com janela dando sobre a sala.
Trata-se de uma situação que pode assumir, designadamente, duas condições bastantes distintas: ou referindo-se a um “simples” e relativamente reduzido espaço de alcova, ou até a mais do que um espaço deste tipo; ou tratando-se de um “verdadeiro” compartimento com maior dimensão e funcionalmente mais flexível (do que uma alcova), constituindo-se, assim, uma situação do tipo compartimento em dois espaços (sendo um deles o principal).

- Pequena sala de estar ("saleta").
Trata-se de uma opção que foi relativamente frequente no espaço doméstico até que a “revolução funcionalista” erradicou a “saleta”, considerando-a, provavelmente, funcionalmente repetidora das funções da sala de estar, o que não é verdade e empobrece, expressivamente, as funções e actividades associáveis, globalmente, ao estar, ao lazer e à recepção domésticas; e neste caso da “saleta” a espaciosidade nem é o aspecto mais determinante, sendo essencial a sua boa localização e o seu potencial de apropriação e de identidade.

(Fig. 01) Uma saleta pode "resumir-se" a um cuidadoso e bem colocado alargamento de um corredor doméstico.

- Sala com dupla exposição - não será inovação, mas é sem dúvida condição de qualidade bem acrescida.
Uma qualidade bem acrescida em termos não apenas ambientais (conforto ambiental), mas de espaciosidade (ou sentido aparente de espaciosidade), de comunicabilidade, por relação com diversos ambientes e condições ambientais e, ainda, por melhor adequação a diversas “partições” funcionais do espaço da sala. 

- Sala com duplo pé-direito.
Uma situação com alguma semelhança da referida, atrás, para a sala com dupla exposição e uma condição que se liga, frequentemente, à marcação de um sentidop doméstico e de “fogo” expressivo: o “coração da casa”, que, simultaneamente se eleva e a unifica.

- Sala com duplo pé-direito e galerias evidenciadas.
Trata-se de uma quase especificação da condição anterior e que, naturalmente, exige que a habitação possua condições de espaciosidade significativas.

- Panos de parede envidraçados, frequentemente entre cozinha e sala.
A existência de “panos envidraçados”, por exemplo, através de planos em tijolo de vidro, “fenestração” interior e outras situações semelhantes nos seus resultados em termos de iluminação natural e comunicabilidade, relaciona-se com questões de conforto ambiental interior, designadamente, proporcionando-se a maior penetração da luz natural e, também, com questões de representatividade doméstica e de flexibilização funcional do interior da habitação.

- Bipartição da planta, com duas partes do fogo quase independentes.
Esta é uma solução bem interessante, designadamente, no que proporciona em termos de condições de intergeracionalidade na habitação, apoiando-se a vivência em comum, opcional, de pessoas da mesma família e d diversas gerações, mas respeitando-se e servindo-se, simultaneamente, a sua vivência doméstica autónoma.

- Casa (sala) de banho muito grande (>12m²) com destino multifuncional.
Esta é uma daquelas situações que foi mais anulada pela “revolução doméstica funcionalista”, que reduziu a casa/sala de banho ao mero exercício das funções sanitárias, designando-as, mesmo, de “instalações sanitárias”.

- Circulações indirectas e apertadas.
Esta interessante ideia liga-se, julgo, ao proporcionar alternativas de circulação domésticas entre as principais zonas da habitação, sendo umas mais directas, espaçosas e representativas e outras, eventualmente, menos directas, mais de serviço e, quem sabe, até mais “secretas”.

Caberá aqui o comentário de que poderíamos ampliar esta "colecção" de aspectos ditos inovadores, designadamente, numa sua dupla relação seja com a fundamental matéria de uma adaptabilidade doméstica activa, seja com os aspectos de apropriação, que, aliás, são, em seguida, abordados.


Sobre as características de apropriação inovação domésticas


Os mesmos autores, Jacqueline Palmade e Manuel Perianez, apontaram, ainda, alguns aspectos que se consideram muito interessantes numa dupla perspectiva de apropriação e inovação na habitação – e neste caso deixa-se ao leitor a opinião destes autores livre de comentários suplementares, embora qualquer questão de menor clareza nos textos que se seguem seja, apenas, da responsabilidade de quem fez a respectiva tradução com o máximo de cuidado, mas sempre  com alguma liberdade (portanto a responsabilidade é do autor deste artigo):

 - Acentuação do características estéticas e arquitectónicas, valorizando-se espaços, volumes e características de luminosidade mediante a definição de subespaços e de iluminações indirectas.

- Atenuação do carácter de modernidade e austeridade, nomeadamente, através de "forros" e revestimentos naturais, especialmente em madeira ou têxteis, e da aplicação de tons cromáticos "quentes", animando ambientes basicamente definidos a "preto e branco".

- Recuperação/criação de sítios específicos, pela divisão em duas partes dos compartimentos considerados inutilmente grandes, porque para muitos o espaço com uso concreto é mais importante do que o espaço do olhar; o aspecto positivo é a criação de espaços privados para cada criança, ou zonas para pernoita de visitas, ou zonas de serviço doméstico ou para prática de passatempos e para o trabalho não doméstico. Desenvolvem-se, assim, concreta ou imaginariamente, como referem os citados autores, espaços de reserva, reorientando-se e imprimindo-se a marca pessoal nos espaços da habitação.

- Transformação das cozinhas, tendo como objectivo último aproximá-las das características das cozinhas tradicionais, "com janelas, e onde se podem tomar refeições".

- Criação de espaços de arrumação, fundidos nos espaços arquitectónicos e, consequentemente, evitando um excesso de móveis e em ressonância positiva com os ambientes e elementos de base; esta estratégia parece também permitir uma certa neutralidade/simplicidade das arrumações, com vantagens financeiras e no campo da integração de diversos tipos de mobiliário.

- Criação de uma entrada interior e exterior; estar do lado de fora da porta da habitação sem possibilidade de abrigo e ser obrigado a penetrar no interior do fogo com os sapatos sujos, porque não há espaço para os limpar ou mudar, são situações muito pouco apreciadas. Por outro lado, é muito forte a vontade de ter uma zona tampão entre exterior e interior privado, marcando a entrada e servindo para o atendimento de pessoas estranhas ao fogo.

Lendo-se estes aspectos alguns anos depois de os mesmos terem sido adequadamente aproveitados num livro editado pelo LNEC, importa registar, aqui, que algumas destas últimas matérias são, com alguma naturalidade, susceptíveis de debate; e ainda bem! No entanto e usando, aqui, uma “costela” de projectista habitacional, não podemos deixar de sublinhar que, em boa parte ou quase globalmente, partilhamos e expressivamente estas ideias.


Notas:
(1) PALMADE, Jacqueline ; PERIANEZ, Manuel –  "Des HLM à la Conquete de l'Espace", Plan Urbanisme Construction et Architecture (PUCA), Programme Conception et Usage de l’Habitat (CUH), CSTB, Paris, 1986.
Os mesmos autores, Jacqueline Palmade e Manuel Perianez, tê outros trabalhos sobre este mesmo importante e interessante tema: por exemplo, « Des HLM à la conquête de l'espace : la REX de Saint-Ouen, de Jean Nouvel et Pierre Soria » , 1988.
Salienta-se que se procurou fazer, neste artigo, uma citação o mais possível rigorosa dos textos dos referidos autores, Jacqueline Palmade e Manuel Perianez, mas algumas deficiências no arquivo de referência podem ter prejudicado essas citações, designadamente, no que se refere à designação da fonte original; circunstância esta pela qual se apresentam, desde já, as devidas desculpas aos referidos autores e aos leitores. Caso algum leitor possa assegurar a melhoria da respectiva citação, solicita-se o e agradece-se o respectivo contacto (para abc.infohabitar@gmail.com).



Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XV, n.º 691

Notas suplementares sobre a inovação no espaço doméstico – Infohabitar 691


Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no LNEC –
Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa



Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).

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