Infohabitar,
Ano XII, n.º 580
O espaço doméstico do quarto: introdução - Infohabitar n.º 580
António Baptista Coelho
Artigo
XCVII da Série habitar e viver melhor
Os quartos domésticos
Tal
como se referiu, anteriormente, nas próximas semanas, aqui nesta série
editorial, viajaremos, mais um pouco, pelos espaços domésticos privativos e
pessoais, portanto aqueles mais amigos de um uso individual, ou ligado ao
casal, e onde, também não há que excluir os outros, mas sim acolhê-los
marcando, aqui, ainda mais fortemente, aspectos de identidade e de abrigo.
Neste sentido
iremos abordar em vários artigos, diversos aspetos de conceção ligados aos
espaços domésticos dos “quartos”, considerados como sítios não apenas para dormir, mas
também como importantes espaços de apropriação, intimidade, sossego
e manifestação da individualidade de cada um de nós.
Tal como aqui já se referiu, o quarto pode ser
o quarto de dormir clássico, praticamente estruturado pelo espaço/cama, sem
grandes ambientes/actividades complementares ou paralelas, ou pode constituir
um conjunto de zonas de actividade entre as quais as associadas ao espaço/cama
terão algumas preponderâncias, mas proporcionando pequenas áreas de lazer,
estar e trabalho; e neste sentido o quarto “dilata-se”, em termos formais e
funcionais, podendo assumir-se como verdadeira pequena habitação privada –
desde que complementado com alguns outros serviços/equipamentos.
Durante anos e ainda hoje, muita da promoção habitacional
"comercial", propôs uma “zona íntima” doméstica, onde se agregavam
muitas vezes com carácter quase segregado do resto da habitação, todos os
quartos da habitação, um sítio quase isolado, onde afinal acabava por se
desenvolver uma espécie de desprivatização ou proximidade excessiva, muitas
vezes associada a um exíguo corredor ou vestíbulo interior para o qual dão
todos os quartos e as principais casas de banho; no entanto, aqui se sublinha,
desde já, que uma tal opção é apenas uma das que são possíveis, não devendo ser
tomada/seguida de forma exclusiva, caso contrário o capital de adaptabilidade
da respetiva habitação ficará fortemente prejudicado.´Quartos multifuncionais
O quarto pode ser o quarto de dormir clássico,
praticamente estruturado pelo espaço/cama, sem grandes ambientes/actividades
complementares ou paralelas, ou pode constituir um conjunto de zonas de
actividade entre as quais as associadas ao espaço/cama terão alguma preponderância,
mas proporcionando pequenas áreas de lazer, estar e trabalho.
O espaço disponível no quarto é,
frequentemente, determinante nesses desenvolvimentos funcionais e a situação e
acessibilidade. do quarto, na habitação também o é.
Hoje em dia as actividades de lazer,
associadas à televisão, serão aquelas mais frequentemente consideradas, no
entanto, considerar o quarto, "privado", numa perspectiva que tenha
alguma identidade com uma solução do tipo “quarto de hotel” amplo adequadamente
estruturado em diversas pequenas zonas de actividade, será uma perspectiva
muito interessante, pois permitirá que cada pessoa ou cada casal possa garantir
um pequeno mundo doméstico muito especialmente privado e apropriado, dentro de
um mundo doméstico mais amplo e também privatizado.
Fig. 01: um pequeno quarto e zona de trabalho privativa, no qual fica evidente uma certa secundarização da zona de dormir relativamente à zona de trabalho (uma das múltiplas opções possíveis) – habitação integrada no conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Gert Wingardh, Monica Riton.
Várias zonas nos quartos
Nesta perspectiva, sendo possível a criação,
num dado quarto doméstico, de variadas sub-zonas de lazer/estar, trabalho
eventual e pontual, dormir/repousar, e vestir/arranjar-se, então o pequeno
mundo doméstico privado assumirá, realmente, uma força e uma identidade
estimulantes, as quais serão reforçadas pela aliança com uma casa de banho
privada ou com uso privatizável, e com a associação de um espaço exterior
privativo e/ou de um "lugar janela" onde seja possível fruir o exterior,
em termos de conforto ambiental (temperatura, radiação solar, vistas) em
agradáveis condições de privacidade.
É importante sublinhar que estes aspectos não
exigem espaços amplos, são facilitados e ganham uma riqueza especial com tais
espaços, mas é possível desenvolver pequenas "suites"
multifuncionais, através de um pormenorizado e bem qualificado projecto de
Arquitectura.
Neste sentido, importa considerar que, hoje em
dia, numa sociedade marcada pela pressa e em habitações tendencialmente muito viradas
para o desenvolvimento das suas áreas mais sociais e, frequentemente, demasiado
hierarquizadas ou funcionalmente unívocas, a cuidadosa disponibilização de
pequenas suites bem pormenorizadas e ambiental e funcionalmente cativantes pode
corresponder a uma fruição da habitação rica e multifacetada, até porque
teremos sempre mais vontade de conviver se tivermos naturais e adequadas
condições para gozar uma privacidade maximizada e uma forte expressão da nossa
identidade, através de variados aspectos de apropriação espacial - seja em
termos de variadas organizações e tipos de mobiliário, seja pelo rechear as
"nossas" paredes com panos, imagens e objectos.
A zona íntima doméstica
Durante anos e ainda hoje, muita da promoção
habitacional "comercial", propôs uma “zona íntima” doméstica, onde se
agregavam, muitas vezes com carácter quase segregado do resto da habitação,
todos os quartos da habitação, um sítio quase isolado, onde afinal acabava por
se desenvolver uma espécie de desprivatização ou proximidade excessiva, muitas
vezes associada a um exíguo corredor ou vestíbulo interior para o qual davam
todos os quartos e as principais casas de banho.
O que acontece nesta situação de excesso de
hierarquização/gradação de privacidade é que esta zona íntima poderá funcionar
bem desde que haja espaço suficiente para aumentar a sua privacidade própria,
aumentando-se as distâncias entre os seus quartos e casas de banho, mas quando
não há tal espaço, quando esses corredores e vestíbulos são exíguos e sem luz
natural - condição que agrava psicologicamente essa exiguidade -, então mais
vale abrir essa zona diversificadamente sobre o resto da habitação, havendo o
cuidado de se evitarem relações visuais directas e intrusivas das diversas
privacidades; condição/situação esta que terá de ser cumprida em promoções com
áreas controladas e que é atenuada com a utilização de dois pisos habitacionais
e de um vestíbulo íntimo razoavelmente espaçoso e, sempre que possível,
recebendo luz natural.
Um aspecto associado a essa matéria do fazer
ou não uma “zona íntima” é a existência de quartos, ou pelo menos um quarto,
fora da zona de quartos e com características de certa autonomia em relação à
entrada do fogo.
Se existir um quarto “autonomizado” deste tipo,
aceita-se melhor a “zona íntima”, mas ela será sempre discutível em habitações
com um ou dois quartos, pois aqui ela produz uma excessiva hierarquização e
compartimentação do interior doméstico, tornando-o rígido, pouco adaptável e
excessivamente marcado por separações.
Mas tudo isto terá outra leitura com espaços
domésticos amplos, os quais são eles próprios factores de descompressão e
adaptabilidade.
Habitação sem zona íntima
Naturalmente que uma situação oposta de total
abertura dos quartos, directamente, sobre as zonas mais sociais da habitação,
apenas será adequada quando objectivamente desejada pelos habitantes e/ou
ligada a tradições habitacionais específicas.
Estas tradições de franca relação entre
espaços encontram na cabana rústica uma base directa, pois nesta as alcovas
(camas/quartos) dispunham-se,
frequentemente, em torno de um espaço mais "social", também,
frequentemente, marcado por uma mesa central de refeições e reunião - as
disposições tradicionais de quartos em torno de uma zona de jantar/estar por
onde também se faz o principal acesso à casa encontrarão, provavelmente, nessa solução
a sua base original e estruturadora; mas cuidado com as más soluções deste tipo
(deprivatizadas e claramente conviviais) realizadas com “pouca Arquitetura”,
pois estamos aqui a abordar ideias muito mais difíceis de concretizar com
qualidade, do que a simples hierarquização de privacidades através das já
famosas “zonas íntimas”.
Optar, hoje em dia, por este tipo de cuidada
"desprivatização" ou "des-hierarquização" dos quartos na
habitação poderá ser uma opção dos habitantes, interessante, sem dúvida, mas
que terá de ser cuidadosamente tratada, tendo evidentes vantagens em termos de
ausência de espaços "apenas" de circulação, e que depende de a
relação dos quartos se fazer com uma zona usada com reduzida intensidade e, mais
especificamente, segundo um dado horário, como acontece com as zonas de
refeições.
Nota final: nas próximas semanas abordaremos outras
matérias associadas aos quartos domésticos.
· Nota importante sobre as
imagens que ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e que irão,
também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas
pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional
"Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.
Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta
exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de
exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho
Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca
das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades
Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio
financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo
bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das
principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja possível, as
imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos
projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de
imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos
respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os
respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de
arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas
desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as
frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação
aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências
aos respetivos projetistas de arquitetura.
· Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial,
no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo
em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na
edição.
Infohabitar, Ano XII, n.º 580
Artigo
XCVII da Série habitar e viver melhor
O espaço doméstico do quarto: introdução - Infohabitar n.º 580
Editor: António Baptista
Coelho
– abc@ubi.pt, abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
Sem comentários :
Enviar um comentário