Infohabitar,
Ano XII, n.º 583
Quartos bem habitáveis - Infohabitar n.º 583
António Baptista Coelho
Artigo
C da Série habitar e viver melhor
Atualidade:
O 4.º
Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono - 4.º CIHEL,
desta vez associado a uma série de atividades, e a diversas cidades e visitas, decorrerá novamente
em Portugal, entre 5 e 10 de março de 2017; muito em breve, aqui na Infohabitar e nas entidades organizadoras,
terá início o lançamento do 4.º CIHEL.
Neste artigo n.º 100 (C) da “Série habitar e viver
melhor”, continuamos a abordar a temática do projeto arquitetónico dos quartos
domésticos.
Problemas correntes nos quartos domésticos
Quando tratamos dos quartos o problema mais
frequente e grave é o da sobreocupação, um problema que terá resultados muito
negativos em termos de saúde física e psíquica, considerando, designadamente,
aspectos de eventual falta de ventilação e de reduzida volumetria de ar
interior, muito possíveis em compartimentos dimensionalmente reduzidos
(exemplo, com reduzida altura) e, naturalmente, graves problemas de ausência de
privacidade e de possibilidade de apropriação de um espaço mais individualizado.
Nesta matéria há interessantes bases de
dimensionamento dos quartos para diversas pessoas e salienta-se, aqui, uma
simples "fórmula": devem ter uma área mínima por pessoa de 6.00, 5.50
e 5.00m², consoante se destinem a 2, 3 e 4 ocupantes; sendo a área total,
respectivamente, 12.00, 16.50 e 20.00m² (1). E é interessante aqui perceber a
criação de compartimentos entre 12 e 20 m2, portanto desafogados espacialmente,
numa opção que deverá ser cruzada, por exemplo, com as tendências sociais
vigentes em termos de composição de família.
E há aspectos críticos no uso dos quartos,
entre os quais se destacam e apontam, em
seguida, alguns.
Nas zonas sociais dos fogos
dúplex deve existir, pelo menos, um quarto; só assim a respectiva habitação não
ficará hierárquica e funcionalmente diminuída, com uma natural tendência para
aspessoas se acumularem na zona social, nem que seja devido a uma tendência
natural para poderem ir optando entre pequenos períodos de convívio e de
"privacidade em companhia", sem terem de ultarapassar o desnível
sempre que façam tal opção.
O uso multifuncional dos
quartos, ou o seu uso específico por idosos e doentes, obriga a que em todas as
habitações deve haver a possibilidade de posicionar uma cama,
perpendicularmente à respectiva parede de encosto; esta é a regra
"básica", que, no entanto considero claramente insuficiente, e que
deveria ser substituída por uma contrária que referisse que, apenas, a partir de uma dada tipologia com vários quartos
se aceita que em um deles não seja possível optar por essa posição da cama.
A actividade de fazer e
desfazer as camas e as tarefas de limpeza e arrumação que lhes estão directa e
indirectamente associadas constituem e constituirão boa parte e a parte mais
“pesada” da lide da casa, situação esta que deve obrigar a cuidados especiais e
exigentes de dimensionamento e acabamento dos quartos. No caso das camas
encostadas às paredes deve ser possível desencostá-las, cerca de 0.60m, de modo
a facilitar o "fazer a cama" e a permitir boas condições para tratar
pessoas doentes e acamadas (condição importante nas camas em nichos, onde se
deve prever uma distância mínima de 0.40m entre um dos topos da cama e a parede
do nicho).
Equilíbrio de espaciosidade entre zonas domésticas
Um aspecto importante é o
desenvolvimento de um equilíbrio entre o espaço dedicado aos quartos e às zonas
de convívio doméstico, equilíbrio este que deverá prolongar-se na zona de
quartos por uma harmonização entre soluções com mais quartos pequenos ou com
menos quartos maiores; tais condições poderão ser objecto de opções iniciais de
projecto, podendo prolongar-se, posteriormente, por diversas acções de reconversão
(exemplo, ligação e separação de compartimentos).
De certa forma um tal
equilíbrio refere-se a uma escolha importante e básica sobre como organizar uma
habitação, designadamente, no aspecto fundamental da opção por uma maior zona
privada ou, inversamente, por uma zona mais socializadora predominante; ou
ainda por um espaço amplo e convertível em ambientes dedicados a diversas
ocupações e actividades, que poderão ir evoluindo no tempo e consoante evolução das necessidades e dos desejos dos
habitantes. Uma coisa é certa: muitos quartos regulamentarmente mínimos não
configuram uma solução com adequado valor de uso.
Fig.
01: entrada de quarto (ver figura a seguir) – habitação integrada no conjunto urbano "Bo01 City of
Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em
2001 (ver nota final) - Arquitetura: Moore, Ruble, Yudell, Bertil Öhrström.
Fig. 02: pequenas zonas específicas no mesmo quarto; o espaço não é tudo, pois é essencial definir zonas e atribui-lhes funções potenciais e distintas (como é visível na figura); mas tais cuidados exigem um excelente projeto de arquitetura e bem pormenorizado – habitação integrada no conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Moore, Ruble, Yudell, Bertil Öhrström.Várias zonas nos quartos
Os quartos devem proporcionar
virtualidades de ocupação e de mudanças de usos e não serem obstáculos a tais
mutações, proporcionando, no conjunto
dos quartos da casa, diversos tipos de ocupação – por exemplo através de um ou
dois quartos para dormir e/ou estar, mais perto da entrada da casa e fora da
“tradicional” zona de quartos/zona íntima – e de número de ocupantes, seja numa
versatilidade adequada à eventual recepção de muitas pessoas, seja numa adequação
simples à vivência por poucas pessoas ou mesmo uma pessoa sozinha, reduzindo-se
os associados aspectos de solidão.
Estas matérias são muito
práticas pois nem é difícil propiciar um espaço amplo e multifuncional (por
exemplo, ligando cozinha, sala, quarto(s) e entrada) que receba bem uma festa
familiar, e, num sentido oposto um grande quarto ou uma sala em dois espaços e
com uma zona mais recatada podem constituir excelentes sítios de vivência
multifuncional, por exemplo, para uma pessoa só e idosa.
Várias zonas de quartos
A disposição dos quartos
quando feita não exclusivamente na “tradicional” zona íntima é também um
aspecto importante na abertura da habitação a mudanças nos tipos de uso e nas
respectivas disposições de mobiliário (por exemplo, quarto que se transforma em
saleta, quarto que evolui para biblioteca, quarto que se liga a uma sala
contígua).
Um aspecto fundamental é que
os quartos sejam dispostos, preferencialmente, nas zonas da habitação mais
sossegadas e recatadas relativamente à vida urbana e nesta matéria os aspectos
de privacidade acústica são estratégicos, mas, frequentemente, esquecidos.
Quartos multifuncionais
Quando se abordaram os
aspectos de expressiva multifuncionalidade nos quartos de casal e de crianças e
jovens, atribuindo-lhes outras actividades e outros ambientes que não os
exclusivamente ligados ao “dormir” está a seguir-se a ideia do desenvolvimento
de um rico e diversificado nível pessoal na habitação, um nível onde se pode
estar sozinho, mas ao qual se pode trazer algum convívio e um leque bastante
amplo de actividades e de gostos de como viver e de como decorar os espaços
mais pessoais.
E naturalmente a habitação
ganhará em actividades, ambientes e diversidade com uma tal opção, assim como
ganhará, também nesta perspectiva de enriquecimento funcional e ambiental (em
termos de arquitectura de interiores) com a eventual disseminação nos espaços
de estar e mais sociais de sub espaços e de recantos onde seja possível
repousar e até, eventualmente, dormir.
Quartos muito completos – “suites”
Uma das actuais tendências no
desenvolvimento dos espaços domésticos refere-se à criação de “suites”, cuja
caracterização funcional e ambiental pode ser sintetizada pela solução do
quarto de hotel com pequena entrada privada, casa de banho privativa, espaço de
vestir, zona de cama, zona de toucador e/ou de pequeno escritório, e pequeno
espaço de estar; isto considerando a solução maia corrente que, naturalmente,
se concretiza em opções mais e menos espaçosas e equipadas. (2)
Considera-se que esta é e será
uma tendência interessante no que se refere ao desenvolvimento do já apontado
enriquecimento dos diversos níveis de leitura e de vivência do espaço
doméstico, em camadas sobrepostas e mutuamente vitalizáveis. Mas apenas e só se
um tal desenvolvimento de “pequenos mundos privados” não afectar,
negativamente, o restante desenvolvimento doméstico, o que por vezes e
infelizmente acontece no caso da promoção de habitação de interesse social; e,
por exemplo, nesta perspectiva faz sentido a solução, apresentada por Neufert
(3), de conjugação de dois quartos, servidos por um pequeno corredor privativo
que dá acesso a uma casa de banho comum a esses dois quartos. Por outro lado
importa considerar se tais desenvolvimentos privados não afectam o potencial de
adaptabilidade e de convertibilidade da habitação no seu todo.
Notas:
(1)
MHOP; LNEC, Instruções para Projectos Promovidos pelo Estado (IPHPE), FFH
(Documento 5, p. 22)
(2) Neufert considera que
as suites se integram melhor nos ângulos dos edifícios, permitindo uma
diversificação das fontes de luz natural e, consequentemente, uma mais fácil e
favorável criação de zonas diferenciadas; e ainda segundo o autor os
quartos/suites podem dispor-se dois a dois, simetricamente, deixando-se um
espaço central para varandas ou balcões – Ernest Neufert, "Arte de
Projetar em Arquitetura", p. 334.
(3)
Ernest Neufert, "Arte de Projetar em Arquitetura", p. 334.
·
Nota importante sobre as
imagens que ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e que irão,
também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas
pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional
"Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.
Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta
exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de
exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho
Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca
das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades
Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio
financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo
bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das
principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja possível, as
imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos
projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de
imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos
respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os
respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de
arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas
desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as
frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação
aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências
aos respetivos projetistas de arquitetura.
·
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XII, n.º 583
Artigo
C da Série habitar e viver melhor
Quartos
bem habitáveis - Infohabitar n.º 583
Editor: António Baptista
Coelho – abc@ubi.pt, abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional, Mestrado Integrado em Arquitectura da Universidade da Beira Interior - MIAUBI
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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