Garagens
comuns habitacionais - Infohabitar n.º 578
– Infohabitar n.º 578
António Baptista Coelho
Artigo
XCV da Série habitar e viver melhor
Inovação em garagens comuns habitacionais
As associações interessantes
em garagens comuns podem ser feitas com a luz natural, rasante e valorizadora
de paredes com texturas estimulantes – por exemplo de betão descofrado aparente
ou bem liso, de tijolo aparente ou mesmo de pedra –, com lanternins superiores
que inundem a garagem de luz, com amplos vãos paisagísticos pontualmente
abertos no negrume da garagem e mesmo com pequenos pátios eventualmente
rusticamente ajardinados que além da luz natural tragam a natureza para o
espaço-caverna da garagem.
Todas estas ideias, mais
adequadas ou menos adequadas às mais diversas soluções de edifícios, ajudam
muito a transformar o espaço soturno, triste e tendencialmente “claustrofóbico”
de uma garagem num ambiente vivo, ou mais vivo, que as pessoas usam para entrar
e sair do edifício, onde a funcionalidade naturalmente tem de imperar em termos
da manobra e estacionamento de veículos privados, onde é essencial a garantia
da segurança das pessoas e dos próprios veículos, mas onde é possível, tal como
já se apontou, garantir tudo isto, disponibilizando também um ambiente
agradável em termos de alguma luz natural e adequada ventilação.
No que se refere à própria
arquitectura de interiores que tem de ser cuidada – não é por se tratar de uma
garagem que não se desenha o respectivo espaço, globalmente e em pormenor,
afinal, não estamos a tratar de um armazém, mas sim da principal zona de
entrada e saída diária dos habitantes – e, ainda nesta matéria de uma cuidada,
ainda que simplificada e “rústica”/durável escolha de soluções espaciais e de
acabamento, podemos libertar a nossa imaginação criadora e transformar o espaço
garagem num trunfo suplementar do espaço habitacional global, através de
soluções curiosas, engenhosas e estimulantes, por exemplo reforçando um certo
sentido de “caverna” protectora ou, pelo contrário, desenvolvendo o espaço de
garagem como um volume complementar da parte principal do edifício, que o
prolonga e que lhe confere uma mais marcante expressão, propiciando-se, num e
noutro casos interessantes sequências de relação entre a garagem e os acessos
às habitações, sequências estas que podem acontecer, por exemplo, como
percursos quase-secretos e muito marcados pela escala e pela apropriação
humanas.
O contrário de tudo isto,
infelizmente, faz parte do dia-a-dia de muitos de nós, e poucas palavras merece
e já não é mau quando o acabamento das “garagens-armazéns” é cuidado, as suas
dimensões são regulares e desafogadas e a relação com os acessos ao interior do
edifício estão bem acabados e sinalizados.
E há que comentar que, mais
uma vez, a questão fundamental não é haver mais dinheiro para se fazer melhor,
mas sim haver mais “Arquitectura”.
Fig. 01: Uma solução também
extremamente interessante para garagens comuns residenciais, que podem e devem
também servir como estacionamento público, é a fusão de um conjunto de garagens
de vários edifícios num único grande estacionamento, que é funcionalmente muito
eficaz (e até mais económica em termos de custos) e que pode ter uma gestão
igualmente muito eficaz, e que poderá funcionar praticamente como uma “rua
subterrânea” proporcionando além da funcionalidade própria, uma grande eficácia,
amplitude, caraterização e agradabilidade a amplas zonas pedonais que caraterizem
o respetivo quarteirão urbano onde tal situação é aplicada - habitações do
conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito
da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: vários
arquitetos, o edifício mais próximo, do lado direito da imagem, é de Ralph Erskine.
Fig. 02: veja-se, na imagem,
de pormenor, a espaciosidade do acesso ao estacionamento (com vias de entrada e saída específicas), que deixa de ser um “buraco
negro” para se tornar uma verdadeira rua subterrânea, muito mais acolhedora (visualmente vem evidenciada em termos de imagem urbana) e
funcional do que a corrente disseminação de estacionamentos privativos de
edifícios específicos.
Hábitos e problemas correntes em garagens comuns habitacionais
Para além dos correntes
problemas associados a garagens comuns residenciais que são, apenas, depósitos
de veículos, e por vezes depósitos muito pouco funcionais, não contendo nenhuma
qualidade associável a um ambiente residencial suavizado, envolvente e atraentemente
caracterizado, os problemas correntes em garagens comuns ligam-se a negativas
condições de manobra e estacionamento, de conforto ambiental – ausência de luz
natural, más condições de ventilação – e de segurança no uso, considerando
especificamente, riscos de incêndio e de intrusão e roubo.
Para além deste novelo de
problemas frequentes outro há, igualmente importante, e que tem a ver com a
arrumação desordenada ou mesmo caótica dos mais diversos tipos de objectos e
produtos, aproveitando para arrumações, no interior de cada recinto de
parqueamento, todos os recantos não ocupados pelo respectivo veículo. Uma
situação que só pode ter uma resposta dupla e eficaz, quer pela oferta de
adequadas condições de arrumação privativas fora da habitação e preferencialmente
destacadas da zona de estacionamento de veículos, quer pela proibição rigorosa
de qualquer tipo de arrumação nesta zona, com eventuais e naturais excepções
apenas para outros veículos que aí possam ser arrumados, como será o caso de
motos e bicicletas.
E é fundamental imprimir a
esta disciplina de uso uma execução rigorosa, caso contrário estaremos a
contribuir para um gravíssimo risco de eclosão e propagação de incêndios.
Considerando estes aspectos
não se considera aceitável em termos de segurança contra incêndio e também em
termos de segurança no uso, a existência das chamadas boxes individuais de
estacionamento com acesso pelo próprio estacionamento; e lembremos que quando
usamos uma garagem é fundamental para nos sentirmos em segurança que aí
possamos ter um máximo de visibilidade a toda a nossa volta, o que não é
possível com grandes portas fechadas encerrando boxes.
E para se ter um aspecto geral
digno e atraente não é possível contemporizar com pilhas caóticas de arrumações
informais e bem visíveis.
Questões levantadas em garagens comuns habitacionais
Não se fazem edifícios para se
alojarem veículos, mas sim para as pessoas habitarem, mas quando usamos,
diariamente, o espaço de garagem comum para entramos e sairmos, como
frequentemente acontece, então este espaço de garagem passa a constituir espaço
de habitar e como tal deve caracterizar-se, pelo menos, por níveis mínimos de
conforto, funcionalidade e atractividade.
E, naturalmente, e como se tentou
apontar atrás é possível ultrapassar claramente um tal nível de habitabilidade
mínimo, transformando-se a garagem comum num espaço habitacional que pode
contribuir activamente para uma verdadeira satisfação com o nosso sítio de
residência; e tal como se tem vindo a apontar, para um tal desígnio, muito mais
do que dinheiro, conta a pertinácia e a qualidade arquitectónica da solução,
aproveitando virtualidades locais, cuidando de escolhas de acabamentos e cores
e assegurando que a obra seja acabada com um máximo de qualidade.
Tendências em garagens comuns habitacionais
Em termos de eventuais
tendências no desenvolvimento de estacionamentos e garagens residenciais comuns
apetece reafirmar alguns aspectos e apontar uma “nova” ideia.
Começando pela nova ideia ela
resume-se à noção de que pode haver muitas soluções de estacionamento comum no
interior do lote, que, eventualmente, até nem passem pelo corrente
estacionamento em garagem e em cave, desde o simples estacionamento à
superfície descoberto e reservado aos moradores, a sítios de estacionamento em
pisos térreos vazados (apenas cobertos), a alpendres ou edifícios específicos
de estacionamento que constituam interessantes volumetrias conjuntas com o
edifício principal, ou até garagens em pisos térreos ou mesmo elevados.
Referem-se todas estas
soluções porque às vezes parece que, tal como com a solução quase “única” do
edifício com habitações esquerdo/direito, também a garagem em cave é a panaceia
única para o estacionamento privativo, e por vezes ela ficará tão cara que até
nem é economicamente viável.
Numa linha natural de
abordagem destas ideias há também que sublinhar que de forma igualmente absurda
não se aproveitam, por vezes, simples possibilidades de iluminação e ventilação
naturais de garagens comuns e isto não faz qualquer sentido, assim como não faz
qualquer sentido que não sejam usadas simples e eficazes soluções de portas e
vedações em rede metálica, que proporcionam ventilação e vista e que têm uma
presença visual sóbria e bem integrada.
E num sentido de consideração
da possível contribuição de uma solução de garagem privativa para a própria
solução global de habitar e de imagem urbana local, é perfeitamente possível
imaginar soluções em que edifícios e espaços cobertos ou apenas murados que
definam e delimitem as soluções de estacionamento privativo, possam contribuir
com uma imagem forte, caracterizada e estimulante para uma imagem local e
urbana bem identificável, de certo modo substituindo-se o frequente peso
negativo da presença do automóvel por “acrescentos” edificado “intermediários”,
mais abertos ou mais encerrados, que ajudem a criar relações formal e
funcionalmente interessantes e diversificadas entre espaços públicos e
edifícios habitacionais, podendo ser muito agradáveis em termos da definição de
espaços de recepção semi-públicos ou de transição entre o mundo público, o
mundo comum e mesmo alguns “traços” ou antecipações dos próprios mundos
privados.
E conclui-se reforçando a
ideia de que o estacionamento em garagem comum deve ser tratado como espaço habitacional,
sendo portanto agradável e estimulante no seu próprio uso e que tal
agradabilidade e estímulo, associada a aspectos de segurança reforçada, terão
evidente aplicabilidade numa população cada vez mais idosa.
·
Nota importante sobre as
imagens que ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e que irão,
também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas
pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional
"Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.
Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta
exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de
exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho
Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca
das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais
e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro
da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de
soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios
técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto
de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo
bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das
principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja possível, as
imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos
projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de
imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos
respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os
respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de
arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas
desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as
frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação
aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências
aos respetivos projetistas de arquitetura.
·
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XII, n.º 578
Artigo
XCV da Série habitar e viver melhor
Garagens comuns habitacionais - Infohabitar n.º 578
Editor: António Baptista
Coelho
– abc@ubi.pt, abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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