Infohabitar, Ano XVI, n.º
753
Edição: terça-feira, 3 de novembro de 2020
Sobre os espaços domésticos privados, uma
introdução – Infohabitar # 753
Caros amigos e colegas,
Antes do nosso artigo
semanal
É com muito gosto que partilho a divulgação do webinar, que decorrerá hoje, e que, em seguida, se descreve,
Com amizade e
consideração,
António Baptista
Coelho
A editora Oficina de Textos convida a todos para o webinar gratuito:
Tema:
Morar em Apartamento: um olhar sobre a organização do espaço
doméstico, suas características tipológicas e sua evolução
Palestrante: Prof.ª
Drª. Simone Barbosa Villa
da FAUeD da Universidade Federal de
Uberlândia, MG, Brasil
Quando: 3 de
novembro de 2020 - terça-feira - às 15h
(Em Portugal
continental às 18h)
INSCRIÇÃO: http://bit.ly/Inscricao-Morar-em-Apartamento-Simone-Villa
Caros leitores da
Infohabitar,
Continuando
em um dos temas “centrais” da nossa revista: os espaços do habitar, vamos
aprofundando, semana a semana, esta matéria, neste caso específico no âmbito do,
julgado, bem oportuno tema de um adequado desenvolvimento e de uma fundamentada
inovação na temática dos espaços domésticos expressivamente privados, uma
matéria que, por motivos críticos ligados à pandemia que vivemos desde há
meses, ganhou grande importância, designadamente, no que se refere a muitas
habitações em sobreocupação e/ou minimamente dimensionadas e/ou mal projetadas
em termos arquitectónicos; e chama-se a atenção para estes três aspetos.
Esta viagem
pelos espaços do habitar continuará a ser feita nas próximas semanas editoriais
da Infohabitar, apenas com eventuais intervalos mais dedicados à divulgação de
iniciativas julgadas especialmente interessantes.
E lembra-se, julga-se a
propósito, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre
os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado),
Considerando
a atual e muito crítica evolução da pandemia, voltar a sublinhar-se a vital importância
que neste momento tem o distanciamento social, conseguido, designadamente,
através do teletrabalho e de todas as medidas de proteção própria e
dos outros, que são muito favorecidas com o uso sistemático, maximizado e
cuidadoso de máscara – seja no interior seja nos espaços públicos mais
usados – e por um reforço dos cuidados de higiene próprios e relativamente à
sistemática higienização dos ambientes e
dos objetos que usamos no dia-a-dia.
Não
tenhamos dúvida de que boa parte do combate à pandemia passa por estes nossos
esforços pessoais e familiares,
Despeço-me,
até à próxima semana, com saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde
para todos os caros leitores,
Lisboa,
Encarnação, em 2 de novembro de 2020
António
Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Sobre os espaços
domésticos privados, uma introdução - Infohabitar n.º 753
António Baptista Coelho
Pequena introdução aos espaços domésticos “mais privados”
A ideia-base desta abordagem específica
e relativamente destacada aos espaços domésticos aqui designados como “mais
privados”, sendo que estes integram e, de certa forma, qualificam, pela sua
natureza básica de espaços privados, o desenvolvimento, a caraterização e a
própria designação da habitação como “espaço privado”, tem a ver,
essencialmente, com dois aspetos, já de seguida, “apenas” apontados e que
contamos vir a individualizar e a desenvolver em próximos textos.
O primeiro aspeto refere-se ao
importante desenvolvimento de um mundo doméstico com três distintas,
enriquecedoras e mutuamente estimulantes facetas: (i) um sentido de global
privacidade, identidade, conforto e estratégica separação de outros mundos mais
comuns e públicos, sentido este bem natural num espaço doméstico, bem protegido
e caraterizado de acordo com tal natureza espacial/ambiental, física e
psicológica; (ii) um sentido de potencial de convívio familiar ou doméstico que
pode e deve trazer para esta esfera mais íntima atividades de partilha e de
interação social com expressiva diversidade e que poderão ela próprias
contrastar agradavelmente com esse sentido de privacidade global e com a
natureza de privacidade pessoal, em seguida apontada; e (iii) o referido
sentido de privacidade pessoal, de identidade pessoal e de caraterização
pessoal, que constitui talvez a base do sentido doméstico e que, no entanto, se
carateriza por alguma ambiguidade no que se julga deveria ser o adequado
serviço à individualidade de cada um dos membros de um casal – serviço este só
verdadeiramente possível quando existem especiais condições de espaciosidade e
de estruturação doméstica, mas que pode e deve ser sempre considerado,
designadamente, ao nível do detalhe e do desenvolvimento de subespaços
domésticos “superprivados”.
O segundo aspeto refere-se ao igualmente
importante desenvolvimento de um “pequeno” mundo doméstico expressivamente
privado, no sentido da criação de um ambiente físico e psicológico bem
caraterizado e caraterizador da individualidade de cada um de nós, que nos
sirva o melhor possível em termos do amplo leque das nossas necessidades,
gostos e desejos e que se constitua mesmo como uma nossa “segunda pele” até no
sentido de nos poder ajudar a caraterizar em termos da nossa própria
identidade e história de vida; tudo isto num sentido que também se pode e deve
prolongar por toda “nossa” habitação,
mas aqui talvez de uma forma mais consensualizada e partilhada com os membros
do nosso agregado familiar, quando existam evidentemente – o que evidencia a
importância da capacidade de apropriação e de identidade de toda a habitação,
tratando-se de habitações para pessoas sós.
Tendo-se abordado esta
matéria que, repete-se, se considera de grande interesse, designadamente, numa
inovadora abordagem atualmente tão necessária aos espaços domésticos mais
privados, saliente-se que nas
próximas semanas editoriais viajaremos, aqui na Infohabitar, mais um pouco,
pelos espaços domésticos privativos e pessoais, portanto aqueles mais amigos de
um uso individual, ou muito ligado ao casal, e onde, também não há que excluir
os outros, mas sim acolhê-los marcando, aqui, ainda mais fortemente, aspectos
de identidade e de abrigo.
O que pode
ajudar a caracterizar a nossa casa como um sítio diferente de um simples espaço
de estadia/abrigo é, exactamente, a associação entre as actividades correntes
da habitação e inúmeras outras actividades ligadas, quer ao trabalho
diversificado – tanto profissional como de passatempos, como de verdadeiras
“segunda atividades” –, quer ao lazer, quer, por exemplo, ao colecionismo (nas
sua mais variadas formas), quer a características e modos de habitar
específicos e bem distintos dessas actividades referidas como correntes e que
se associam, frequentemente, a tipos específicos de compartimentos (sala/estar,
quartos/dormir, casa de banho/higiene pessoal, vestíbulo/entrar, etc.).
Realmente, o
que poderá ajudar a identificar e a caraterizar positivamente uma dada
habitação será a capacidade por ela oferecida para que em cada um dos seus
espaços, mais correntes, possam ser realizadas muitas outras actividades
diferentes daquelas que, habitualmente, aí são realizáveis como “concha” de
simples alojamento funcional; e de certa forma até esse simples “alojamento
funcional” nos seus diversos aspetos(ex., refeições, dormir, descansar, etc.)
devem poder “rodear-se” e “transfigurar-se” de múltiplos modos consoante
variados desejos, necessidades e evolução de tais desejos e necessidades.
Cumulativamente,
uma tal diversidade de potenciais identificações numa dada habitação também
dependerá da capacidade, por ela oferecida, para se “transmutar” ou converter
no “reino” doméstico mais apropriado para as mais distintas e específicas
formas de habitar.
E o que
apetece comentar sobre isto é que esta perspectiva é sem dúvida muito mais
aliciante do que a que é pobremente oferecida por habitações “unifuncionais” e
mesmo “uniformais”, onde em cada um dos seus espaços dificilmente é possível
desenvolver outras actividades do que aquelas consideradas correntes pela
“família tipo” da “cultura dominante”, e com formas idênticas.
São,
designadamente, os seguintes os diversos tipos de espaços/elementos domésticos
pessoais de que aqui “falaremos”, caso a caso, nas próximas semanas:
- Quartos
privados
- Espaço de
lazer/trabalho
- Pequenos
escritórios e espaços de trabalho profissional em casa
- Outros
espaços privativos e diferenciados
- Recantos
vários
- Alcovas em
espaços domésticos comuns
- Detalhes
domésticos
Nestas
matérias é evidentemente essencial estudar e aprofundar a história dos espaços
domésticos e os seus usos e costumes.
Mas para
fazer avançar, desde já, um pouco uma matéria que se julga bem aliciante,
apontam-se em seguida, apenas exploratoriamente, alguns aspetos gerais sobre
alguns desses espaços, recantos e elementos domésticos.
Quartos não apenas para dormir, espaços
de apropriação, intimidade e sossego
O quarto pode
ser o quarto de dormir clássico, praticamente estruturado pelo espaço/cama, sem
grandes ambientes/actividades complementares ou paralelas, ou pode constituir
um conjunto de subzonas de actividades entre as quais as associadas ao
espaço/cama terão, eventualmente, algumas preponderâncias, mas proporcionando
pequenas áreas de lazer, estar e trabalho.
E até pode
acontecer que se deseje dormir, por exemplo, na sala ou numa biblioteca,
reduzindo-se, relativamente, a importância do espaço/cama.
Durante anos
e ainda hoje, muita da promoção habitacional "comercial", propôs uma
“zona íntima” doméstica, onde se agregavam muitas vezes com carácter quase
segregado do resto da habitação, todos os quartos da habitação, um sítio quase
isolado, onde afinal acabava por se desenvolver uma espécie de desprivatização
ou proximidade excessiva, muitas vezes associada a um exíguo corredor ou
vestíbulo interior para o qual dão todos os quartos e as principais casas de
banho.
Escritórios e espaços de trabalho profissional em casa e espaços domésticos
de lazer e trabalho não doméstico nem profissional
A temática do
trabalho profissional ou não-doméstico em casa – habitual e globalmente
designado por home-office – poderia inaugurar um outro grande tema desta série
editorial, o que não se pretende, pensando-se no tema numa perspectiva
suplementar às actividades mais directamente ligadas à habitação.
Os espaços
para trabalho profissional ou não-doméstico em casa devem ser razoavelmente “separados”
dos restantes espaços da casa e estarem próximos do vestíbulo de entrada, tanto
porque podem apoiar actividades que exigem algum sossego e isolamento (escrita,
estudo e leitura) ou porque podem ser pouco compatíveis com a habitação
(produzem ruídos e lixos), ou porque essas actividades podem incluir a recepção
de estranhos à família.
Este sentido
de separação entre espaço expressivamente mais doméstico e subespaços ou espaços
dedicados a uma prática profissional poderá ser, naturalmente atenuado, quando
existam condições assinaláveis de espaciosidade e/ou de acessibilidade
domestica alternativa, e/ou quando se desenvolvam grandes espaços
multifuncionais e bem projetados em termos de conforto ambiental; sendo que tal
sentido de multifuncionalidade e de integração de atividades mais domésticas e
mais profissionais está atualmente muito bem servido pelas novas tecnologias de
trabalho informatizado e de partilha de informação – e neste sentido é sempre
interessante lembrar o elevado número de pessoas que, hoje em dia, trabalham “à
distância” em múltiplas localizações também fora de casa (por exemplo à ,aesa
de um café).
O que se
referiu para os espaços de trabalho em casa aplica-se, em boa parte, aos
espaços de lazer domésticos, até porque frequentemente serão ténues as
fronteiras entre trabalho e lazer em casa, havendo, por exemplo, passatempos
que sendo acções de lazer exigem verdadeiros espaços especializados e,
frequentemente, oficinais.
Globalmente os espaços de lazer domésticos deve, ser atraentes e
estimulantes e, essencialmente, devem ser múltiplos, diversificados e
disseminados por toda a habitação; sendo que, por exemplo, uma banheira bem
localizada e ergonómica pode e deve ser também um excelente espaços de leitura,
e um recanto de sofá muito confortável pode tornar-se num local preferido de
repouso e reflexão.
Quando os
espaços globalmente designáveis como de lazer doméstico crescem em
especialização, por exemplo numa gradação que poderá ter as exigências do
colecionismo numa fase intermédia e, depois, as necessidades específicas de
conforto ambiental exigidas, por exemplo, por um estúdio de pintura, então,
poderemos chegar a uma situação em que todo o espaço doméstico se estruture e
desenvolva em função de tais necessidades e desejos.
E não
tenhamos quaisquer dúvidas de que o sentido da adaptabilidade espacial e
ambiental doméstica é sempre aquele que mais situações servirá em termos
diretos de adequação a múltiplas vontades e necessidades e de natural
evolução, no tempo, de tais vontades e necessidades.
Casas de banho e espaços de banho privativos
Globalmente,
importa sublinhar a possibilidade de desenvolvimento da “figura” do espaço de
banho com um sentido caraterizador e caracterizado por determinadas formas de
viver a habitação.
Situação que
poderá ligar-se ao desenvolvimento de associações entre espaços de banho e
outros espaços de estar, dormir e lazer com forte carácter identitário e
relativamente privativo, embora espacialmente pouco controlado em termos
dimensionais. Um exemplo expressivo de um tal espaço é o sítio de banho de uma
das grandes casas projetadas pelo Arq.º Charles Moore, que se integra num
espaço de estar e assume mesmo uma posição destacada neste espaço.
E
lembremo-nos que a história do banho fundamenta especificamente esta ideia, e
não só a vontade individual da mesma.
Outros espaços privativos e
diferenciados, recantos vários e alcovas em espaços domésticos comuns
A esta matéria dedicaremos uma próxima e
específica reflexão escrita, bastando apenas para já referir aqui que a
“revolução” funcionalista praticamente erradicou tais elementos da gramática da
construção dos mundos domésticos,
esquecendo tudo o que, afinal, tinha constituído a base da construção do
viver doméstico nómada e depois, por exemplo, medieval, numa perspetiva de
simplificação formal e funcional do mundo habitável, assim reduzido a espaços
maiores monofuncionais ocupados por elementos de mobiliário também
frequentemente monofuncionais.
Depois da bem justificada revolução
“higienista” sucedeu uma revolução pobremente funcionalizadora de um mundo
doméstico em que a função nunca foi a razão única e fundamental; e uma
revolução funcionalizadora que apenas se “libertou” pela criatividade de
grandes arquitectos.
Os
pequenos grandes mundos do pormenor doméstico
O que se irá
comentar sobre o detalhe doméstico serão, essencialmente, matérias
suplementares, ou melhor dito, paralelas, às já referidas sobre os espaços da
habitação, e praticamente não dedicadas aos aspectos funcionais, já
amplamente visados em diversos estudos, mas privilegiando determinadas notas
associadas às opções de Arquitectura interior e ao seu diálogo com os
habitantes ao serviço das opções gerais apontadas nas respectivas soluções
domésticas.
Sobre o pormenor e o detalhe doméstico vale a pena comentar, ainda, a título de introdução, que é matéria que abre todo um outro “novo” mundo de conceção e projeto, tantas vezes injustamente “menorizado” a título de “decoração” e que reganhou alguma importância com a designação de “arquitectura de interiores”.
O presente artigo corresponde a uma edição ampliada, modificada e
revista do artigo que foi editado na Infohabitar, em 25/04/2016, com o n.º 579.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XVI, n.º 753
Sobre os espaços domésticos privados, uma introdução –
Infohabitar # 753
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.
Revista do GHabitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar –
Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação
Económica (FENACHE).
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