domingo, julho 27, 2014

493 - Diversas opções para os espaços da habitação - Infohabitar 493

Artigo LV da Série habitar e viver melhor
Infohabitar, Ano X, n.º 493

Diversas opções para os espaços da habitação ou

Zonas domésticas: propostas organizativas – II

António Baptista Coelho

Em seguida e na sequência do artigo editado na passada semana desenvolvem-se, um pouco mais, as matérias associadas a um leque de propostas organizativas para as zonas domésticas, sob o ponto de vista de diversos autores especialistas nestas matérias, apontando-se, desde já, a importância deste tipo de reflexões, designadamente, quando aplicadas a soluções habitacionais espacialmente muito condicionadas, como é o caso das soluções de habitação de interesse social.

Espaços tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade e funcionalidade geral.

Harald Deilmann distingue cinco tipos de espaços domésticos e, sequencialmente define cinco zonas domésticas distintas (1):
·      espaços de socialização e comunicação;
·      espaços individuais;
·      espaços sanitários;
·      espaços de preparação de refeições;
·      espaços de circulação.
Fica, de certa forma, a fragmentação funcional totalmente consumada.

Habitações “divididas” pela barreira entre usos essencialmente noturnos ou diurnos.

Vamos agora à “última fronteira” funcional a da barreira entre noite e dia, a famosa definição de “zona de quartos” e zona de entrada e recepção.
E nesta matéria e na perspectiva de Claude Lamure, essa distinção “clássica” entre espaços "de noite" e "de dia" terá perdido boa parte da sua razão de ser, porque a falta de espaço obriga crianças e por vezes adultos a passarem parte do dia nos seus quartos "de dormir"; e Lamure propõe que talvez a distinção possa ter mais a ver com as diversas características de privacidade e de convencionalidade no uso e no arranjo dos espaços, que marcam zonas domésticas mais formais ou mais informais. (2)

Espaços mais formais e mais informais da habitação – ou domínios das crianças, domínios dos adultos e domínios comuns.

Ficamos, então, com formalidade e informalidade, matérias que pouco serão aplicáveis nas áreas limitadas da habitação de interesse social, onde, provavelmente, não haveria espaço para a formalidade, mas, como ela subsiste, então as pessoas acabam, por vezes, por se acumularem em partes da habitação para poderem continuar a ser formais noutros espaços da mesma habitação.
Alexander defende que numa habitação para uma família com filhos devem existir dois domínios próprios, especificamente, dos pais e dos filhos, relacionados entre si através de um terceiro domínio, o domínio comum. (3)
.  O domínio implica isolamento visual e acústico, e, como as crianças correm toda a casa, uma relação directa com uma casa de banho. (4)
.  O domínio das crianças deve considerá-las nos seus momentos de maior energia, evitando-se, que os espaços dos adultos estejam no meio da confusão, protegendo-se os quartos dos adultos e os locais de maior sossego ou com mais fortes exigências de formalidade. (5)
Teremos aqui os domínios das crianças, dos adultos e comum aos dois grupos; uma exigência que parece obrigar a condições especiais de espaciosidade.


Fig. 1

Habitação que se adapta à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos

Harald Deilmann (6), que estudou um muito amplo leque de casos práticos, desenvolveu, um pouco mais, esta perspectiva de uma organização doméstica associada a uma evolução da idade da família e chegou às seguintes conclusões: quando existam crianças pequenas, a habitação deve caracterizar-se por um forte relacionamento mútuo entre os seus diversos espaços.

Quando existam crianças e adolescentes, a habitação deve caracterizar-se por um equilíbrio entre o referido relacionamento mútuo entre os diversos espaços e outros espaços onde seja possível alguma privacidade e autonomia vivencial; quando existam adolescentes e jovens adultos, a habitação deve caracterizar-se por um equilíbrio entre os referidos aspectos de relacionamento mútuo entre os diversos espaços e de existência de outros espaços onde seja possível alguma privacidade e autonomia vivencial e, ainda, outros espaços domésticos com afirmada privacidade e autonomia; quando existam jovens adultos, a habitação deve caracterizar-se pela existência de espaços com forte privacidade e autonomia.
As notas relativas às conclusões de Deilmann acabaram, mas é possível juntar que, quando existam adultos talvez seja de favorecer para além dos espaços com forte privacidade e autonomia, outros espaços com um amplo e adaptável leque de aptidões funcionais e de forte caracterização formal; e quando existirem velhos adultos então, talvez seja a altura de “voltar” a uma certa adaptabilidade e indiferenciação.
Deste registo dos estudos de Deilmann fica uma perspectiva de uma sequência evolutiva da habitação acompanhando o envelhecimento da família.

Influência da ocupação habitacional no dimensionamento doméstico

Segundo M. Imbert, em habitações fortemente ocupadas e dimensionalmente limitadas não faz sentido incentivar as crianças a permanecerem nos seus quartos, e o resultado é que a sala-comum será por elas apropriada. (7)

As crianças precisam de mais espaço doméstico do que os adultos para as suas diversas actividades, devido à sua grande necessidade de movimento e à sua capacidade limitada de concentração. Por estas razões as famílias com crianças precisam de mais espaço, em geral e, nomeadamente, em vários espaços da casa (sala, quartos ou quarto e casa de banho, para banho assistido).
Desta reflexão de Imbert fica a noção que as maiores tipologias domésticas devem ter áreas funcionais substancialmente acrescidas e que as áreas sociais da habitação (cozinha e sala-comum) deverão oferecer alternativas para diversas actividades de lazer e convívio.

Importância da socialização na estruturação e na espaciosidade domésticas

Finalmente, regista-se a noção do Arq.º Prieur (8) no que se refere a considerar que a principal actividade da família, toda junta, é a conversa por ocasião das refeições, o que faria destacar a importância da localização e das características de conforto e agradabilidade da zona de refeições. Sem se negar a justeza do raciocínio importa comentar que, hoje em dia, talvez a par desta espaço de refeições, que há que defender como pólo convivial doméstico, não é possível deixar de referir a zona onde se vê televisão, igualmente, como pólo de convívio da habitação.

Destas notas retira-se que é fundamental que a organização e o espaço disponível na habitação proporcione a evidenciada instalação de uma mesa de refeições e de um espaço de estar, ambos com excelentes condições para estímulo do convívio e do lazer em casa; se tais espaços não forem possíveis as pessoas irão “fugir”, rapidamente, para os seus quartos ou para fora de casa.

Abordaram-se vários “temas” de organização doméstica, mas há que ter a noção de que nesta(s) matéria(s) cada bom projectista terá os seus “segredos”, no sentido de ir preferindo certas soluções e experimentando outras, e em todas estas matérias tudo se ganha com o estudo e a visita cuidadosa ao leque mais alargado possível de soluções.

Em próximos artigos desta série editorial iremos aprofundar um pouco dessa rica e importante/fundamentada diversidade que deve marcar uma renovada e adaptável estruturação doméstica.

Notas:

(1) Harald Deilmann; J. Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types, Building-types", p. 39.
(2) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 106.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 350.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 577 e 578.
(5) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 581 e 582.
(6) Harald Deilmann; J. Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types, Building-types", pp. 25 e 30.
(7) M. Imbert, "Mission d'Études de la Ville Nouvelle du Vaudreil", p. 13.
(8) P. H. Chombart de Lauwe, et al, "Famille et Habitation I, Sciences Humaines et Conceptions de l'Habitation", pp. 175, 176 e 177.

Notas editoriais:
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INFOHABITAR Ano X, nº 493
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional, 

Zonas domésticas: propostas organizativas – II

Artigo LV da Série habitar e viver melhor


Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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