Aos leitores do Infohabitar,
Editam-se, em seguida, notícias do 2.º CIHEL, seguidas do artigo da semana, que corresponde ao Artigo XII, da série habitar e viver melhor.
Notas sobre o 2.º CIHEL - 2.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono, que terá lugar no LNEC em março de 2013 sobre o tema "Habitação, Cidade, Território e Desenvolvimento":
(i) Estamos quase a um mês do final do prazo para recepção dos resumos das propostas de comunicações, que continuam a ser recebidas a bom ritmo.
(ii) O site do 2.º CIHEL está já em acertos e estará activo já antes do final de Maio.
(iii) As diversas Comissões de enquadramento e apoio ao 2.º CIHEL estão em conclusão.
(iv) Há perspectivas de novos importantes apoios institucionais.
(v) Há inciativas associadas ao 2.º CIHEL que serão oportunamente apresentadas.
(vi) A prevista actualização do logótipo do CIHEL foi já concluída e é em seguida apresentada. Esta iniciativa será objecto de um artigo específico onde serão apresentadas as diversas propostas, concretizadas no âmbito das actividades lectivas do Curso Profissional de Técnico de Design Gráfico da Escola Secundária de Sacavém.
O (novo) logótipo renovado do 2.º CIHEL
E remetem-se os leitores para o recente artigo nesta revista onde se faz a apresentação pormenorizada do Congresso e dos respectivos contactos:
http://infohabitar.blogspot.pt/2012/04/2-cihel-lisboa-lnec-marco-2013.html
A Direcção e o O Presidente da Comissão Científica do 2.º CIHEL: António Baptista Coelho, António Reis Cabrita, Jorge Grandão Lopes e Paulo Tormenta Pinto
ARTIGO DA SEMANA - ARTIGO DA SEMANA - ARTIGO DA SEMANA
VIZINHANÇAS CONVIVIAIS E FUNCIONAIS
Artigo XIV, da série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
VIZINHANÇAS CONVIVIAIS E FUNCIONAIS
INTRODUÇÃO
Antes de avançar mais nesta ideia de vizinhança há que esclarecer que o que aqui se propõe como ideia de vizinhança é, de certo modo, a constituição de soluções de agrupamento de edifícios e de espaços exteriores públicos que proporcionem a possibilidade de se constituírem relações de vizinhança naturais, não “impostas”, entre quem usa/habita aí e na respectiva envolvente; é isto que se tem em mente e não qualquer ideia de uma convivialidade obrigatória ou concentracionária, através de acessos obrigatórios por determinados “pontos”, e por espaços de circulação em que as pessoas se acotovelem – ou sejam "obrigadas" a constantes relações "olhos nos olhos" – e acredita-se mesmo que estas últimas condições terão, até, como consequência frequente a ausência de uma vizinhança positivamente efectiva e eventualmente afectiva, podendo mesmo resultar em conflitos frequentes entre utentes.
VIZINHANÇAS CONVIVIAIS
Só que, numa perspectiva positiva, também possível, há que constatar que muitos dos nossos espaços de habitar edifícios e partes de cidade são, objectivamente, avessos a qualquer possibilidade de convívio natural, muito provavelmente por ausência de uma tal preocupação, e o que se defende é que deve ser possível o convívio, por opção de quem convive, e que para tal possibilidade muito contribuirá uma solução urbana e habitacional humanizada e amiga de uma tal possibilidade natural e livremente assumida desse convívio; julga-se que uma tal possibilidade deveria ser, mesmo, um direito de quem habita, um direito que se concretizaria em cenários activos urbanos e residenciais propícios à eclosão de um tal convívio, e que deixariam, portanto, a cada um, a escolha entre conviver ou não conviver com os seus vizinhos.
Afinal vamos descobrindo que não somos máquinas e que os sentimentos têm uma importância fundamental no nosso bem-estar e na nossa saúde; e para o desenvolvimento de agrado, satisfação e sentimentos positivos no habitar, essa possibilidade de algum convívio vicinal será, sem dúvida, um aspecto importante.
Fig.01
Mas à possibilidade convivial importa juntar, no espaço público de uma cidade habitada, a qualidade “gémea” do espaço que estimula e agrada, a qualidade de um espaço convidativo. E nesta matéria, à qual voltaremos várias vezes, é fundamental reinventar um espaço urbano que nos cative através de um desenho sensível e de um constante e sequencial investimento num espaço público que seja cada vez mais intensa e densamente usado, como espaço de estar e não apenas como passagem, em si próprio, nas suas ruelas e pracetas, e na continuidade da sua vida urbana, nas suas lojas de esquina e passagens curiosas, pois, afinal, e tal como escreveu o Arq.º Adson Lima, “assim como uma família se torna no que ela é nos espaços de uma casa, uma comunidade inteira forja-se nos espaços comuns de uma cidade.” (1)
Afinal, cada vez mais, e mais urgentemente, o habitar tem de voltar a ser entendido e vivido, verdadeiramente, numa perspectiva ampla, como entidade viva, que contribua para a vida da vizinhança, do bairro e da cidade. E portanto, quando pensamos nas vizinhanças urbanas, que são as células de uma cidade, elas devem integrar, além das habitações, pequenos equipamentos adequados ao serviço das diversas necessidades dos habitantes, mas também ao estímulo do convívio natural e mesmo de uma verdadeira extensão do habitar para além das paredes da casa de cada um.
São, por exemplo, os pequenos cafés e restaurantes estrategicamente situados em esquinas e passagens, que se tornam verdadeiros prolongamentos das nossas casas, e também todo um leque de outros equipamentos de proximidade e de acessibilidade que tornam a cidade circunvizinha mais habitável e amigável, que podem prestar serviços específicos, mas onde seja também possível o estar e o convívio espontâneo, quando se leva a roupa a engomar, quando se acompanha o filho à escola, quando se vai ao ginásio, etc., etc.
Fig. 02
Uma cidade de vizinhanças caracterizadas por imagens enriquecidas por uma estimulante diversidade de soluções habitacionais, que correspondam a necessidades e gostos específicos, bem como a diversos objectivos urbanos.
E numa cidade assim habitada há que acolher uma grande diversidade de soluções habitacionais, desde a habitação corrente, num multifamiliar, à pequena habitação apoiada e integrada num conjunto de espaços comuns, soluções estas que além de corresponderem a necessidades específicas irão enriquecer a textura vital da cidade.
Para além desta oferta de diversos tipos de habitar tem de ser aprofundada, com urgência, a capacidade agregadora e dinamizadora do estar no exterior. E a este título salienta-se que quanto maiores e menos definidos os espaços públicos, mais complexos e difíceis se tornam para a sua desejável vitalização num quadro de adequado tratamento e manutenção. E seria grave, nesta matéria, esquecer o sentido lúdico, de verdadeiro jogo, que deve marcar habitações e espaços urbanos, sendo a sua pedonalização em espaços mais segmentados e diversificados a condição directa para uma sua maior amigabilidade e sentido lúdico, pois aí circula-se por exemplo a pé e mesmo em automóvel, mas muito devagar, e ao fazê-lo vamo-nos ligando funcional e afectivamente aos sítios que percorremos, enquanto ajudamos a criar aí boas condições de segurança; numa situação bem distinta da que acontece no dito urbanismo a 50 e a 90 km/hora.
Fig. 03
VIZINHANÇAS FUNCIONAIS
Depois de se ter apontado a importância da criação de espaços de vizinhança de proximidade que constituam verdadeiros prolongamentos, seja da habitação sobre a cidade, seja da cidade sobre a proximidade directa da habitação é naturalmente útil apontar quais os caminhos a privilegiar nestes espaços. Um apontamento que, aliás, foi já avançado quando se sublinhou o protagonismo das crianças e dos idosos no uso destas vizinhanças.
E assim o aqui se sublinha sobre este título referido á funcionalidade das vizinhanças é que o principal cuidado, a este nível, é a máxima adequação funcional e ambiental a um uso intenso e prolongado por crianças, jovens e idosos; considerando, naturalmente, que a previsão de condições adequadas aos habitantes funcionalmente mais sensíveis, que serão as crianças e os idosos, resolve as questões de funcionalidade dos restantes grupos etários.
Nesta matéria vamos ainda referir alguns aspectos que se consideram estratégicos.
O primeiro é que fazer vizinhanças funcionalmente adequadas e atraentes para crianças constitui, provavelmente, um desafio de elevadíssima exigência, cuja caracterização ultrapassa claramente o perfil deste trabalho. Apenas se aponta que, por um lado, é evidente que um objectivo deste tipo não se pode resumir à boa integração de um “parque infantil” adequadamente “normalizado”, pois o que aqui se sugere é uma Arquitectura da vizinhança residencial e urbana que possa ir cooperando na própria formação da criança, garantindo-lhe adequadas e evolutivas condições de recreio, mais enquadrado ou mais livre, de segurança e de estímulo ao uso do espaço público; e nesta perspectiva é oportuna a consideração das conclusões de um estudo de Robin Moore sobre um parque infantil de vizinhança, usado como "atalho" pelos residentes e bem protegido da circulação e do estacionamento de veículos, que se revelou como sendo usado como verdadeiro centro social e de informação para a vizinhança, com picos naturais de uso pela comunidade, em geral, aos fins de tarde e especialmente aos sábados (2).
Um segundo aspecto é que é sempre mais fácil dizer que não há espaço para instalar locais de recreio desportivo para os jovens, do que ter o trabalho real de os integrar de forma a que jovens e não jovens os possam usar intensamente e sem prejuízos para o sossego da vizinhança (3). Evidentemente que não é por terem zonas de prática desportiva que os jovens deixarão os “maus caminhos”, mas é, frequentemente, ridícula a ausência de previsão de equipamentos deste tipo, ainda que informais e adaptados, enquanto, logo ali ao lado, se desenvolvem relvados de enquadramento e tantas vezes votados ao fracasso como espaços “verdes”, por problemas de manutenção.
Fig. 04
E, finalmente, um terceiro aspecto, igualmente estruturante, é que, tal como já se sublinhou, as vizinhanças de proximidade residenciais e urbanas devem oferecer um máximo de condições de funcionalidade aos peões, privilegiando-se nestes as crianças e os idosos; e será útil considerar o desenho funcional do conjunto dos espaços prioritariamente pedonais, assim criados, tendo em vista o seu uso como grande espaço de recreio e de brincadeiras.
Alexander refere como intervalo óptimo para paragens de transportes públicos (do tipo "mini-autocarros") o valor de 200m, ao longo das vias principais e em todas as direcções (4). Alexander considera o "centro mínimo" como um conjunto constituído pela paragem, um quiosque jornaleiro, um "café" contíguo, árvores e bancos exteriores.
Os recintos exteriores constituem os objectivos da circulação, os pontos para onde o tráfego nos conduz. Sem eles, como diz Cullen (5) o tráfego tornar-se-ia absurdo). E o citado autor qualifica "o recinto, ou o compartimento exterior", como "o meio mais eficaz e mais imediato de provocar nas pessoas essa sensação de posição ou de identificação com aquilo que as rodeia." E, como refere Cullen, tendo-se definido "o aqui" tem de existir "a sensação de além e é precisamente na forma com se estabelece a relação entre esta duas qualidades que reside o dramatismo das relações espaciais". Podendo-se definir uma hierarquia de dramatismos espaciais dentro de cada nível de intimidade ou convivialidade e nas fronteiras entre esses níveis.
"Há linhas privilegiadas susceptíveis de ocupação" (6), nomeadamente, porque proporcionam excelentes vistas imediatas sobre aspectos únicos ou contrastantes da paisagem do local.
Falou-se de funcionalidade nas vizinhanças e, como se viu, não se falou de estacionamentos, dimensões de circulação de veículos, etc., etc., é que se considera que tais aspectos além de variarem muito com cada sítio de intervenção se caracterizam, essencialmente, pela referida subordinação ao uso pelos peões e à criação de um pequeno mundo de apoio ao recreio (chamem-lhes “zonas 30”, zonas de acalmia de trânsito, ou outra qualquer designação). São estes os elementos fundamentais para uma vizinhança agradável e geradora de satisfação, os restantes aspectos funcionais quantitativos estão suficientemente estudados, e sobre há suficientes dados e muitos especialistas com adequado conhecimento, que tem de ser prático além de teórico, e a este nível das vizinhanças residenciais e urbanas todos os aspectos funcionais associados directa ou indirectamente ao uso dos veículos e aqueles ligados aos necessários equipamentos colectivos, também já razoavelmente estabilizados em termos quantitativos (7), têm de ser harmonizados com as referidas condições de agradabilidade pedonal e, diria ainda, de criação de um ambiente global fortemente humanizado e atraente, aspectos estes a que se dedicam as próximas linhas deste livro.
Notas:
(1) Adson Cristiano Bozzi Ramatis LIMA, «Habitare e habitus — um ensaio sobre a dimensão ontológica do ato de habitar» in http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp450.asp, consultado em 30.09.2008.
(2) Entre as diversas características que foram consideradas responsáveis pelo êxito deste parque infantil destacam-se as seguintes (Robin Moore, "Patterns of Activity in Time and Space: The Ecology of a Neighbourhood Playground", pp. 128 e 129): localização próxima da habitação (afastamento de cerca de 61m a um máximo de 91m), permitindo uso informal e frequente ("idas e vindas"); para além disto o "jardim" será tanto mais usado quanto mais visível ele for e quanto mais livre a sua utilização (sem horários); grande diversidade das brincadeiras e dos equipamentos propostos, tornando o "parque" bem identificável entre os seus congéneres; perfeita ligação com o restante espaço pedonal, considerando-se este equipamento como parte integrante do espaço contínuo de brincadeiras que é o espaço pedonal da área residencial; promoção dos agrupamentos humanos, tanto com bancos e zonas protegidas para os grupos se juntarem recatadamente, como pela existência de certos equipamentos bem relacionados com grupos etários mais velhos (ex., recintos desportivos), fortemente demarcados das zonas para os mais jovens, mas permitindo interacções mútuas (ex., vistas, comunicação vocalizada, etc.); relacionamento com outras actividades, também participadas por adultos, como realização de passatempos, artesanato, etc; E, podemos acrescentar, a boa acessibilidade a quiosques de venda de revistas e jornais, bem como a "cafés/pastelarias" e respectivas esplanadas.
(3) Tal como refiro num estudo do LNEC (“Do bairro e da vizinhança à habitação”, Lisboa, LNEC, ITA 2, 1998), mesmo em condições espaciais muito exíguas haverá sempre sítio para a instalação de: campos "mini" (ex., minibasquetebol); "recantos" para prática de Basquetebol (ex., um cesto aplicado numa empena cega e uma zona de pavimento liso contígua); paredes para treinar Ténis; peladinhas para futebol com balizas simplificadas; percursos para corrida e exercícios de manutenção aproveitando as diversas zonas pedonais.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 121.
(5) Gordon Cullen, "Paisagem Urbana", p. 27, 31 e 36.
(6) Gordon Cullen, "Paisagem Urbana", p. 26.
(7) Há, no entanto, que comentar julgar-se que a previsão de equipamentos colectivos deveria ser revista tendo em conta a sua fundamental contribuição para a coesão e vitalidade urbanas e obstar-se a que a sua previsão possa resultar em situações negativas nesses aspectos; situações estas que podem ser observadas, quer em numerosos exemplos, realizados nas últimas dezenas de anos, em que a introdução de enormes equipamentos resultou na criação de verdadeiras barreiras e obstáculos à fundamental continuidade urbana, quer em situações, já apontadas, de excesso de previsão de equipamentos influenciando na desvitalização dos espaços públicos contíguos.
Notas editoriais:
(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Infohabitar, Ano VIII, n.º 395
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
Sem comentários :
Enviar um comentário