segunda-feira, novembro 03, 2008

220 - Sobre as fundamentais vizinhanças amigáveis I - Infohabitar 220

Artigo de António Baptista Coelho

Infohabitar 220

Sobre as fundamentais vizinhanças amigáveis I 


Continua a notar-se nos espaços públicos uma crítica dificuldade ao nível da sua essencial qualificação, desde o projecto urbano e paisagístico a uma adequada execução e equipamento, visando a sua durabilidade e o estímulo a uma ampla diversidade de actividades exteriores. O que importa salientar é que, hoje em dia, não há um conhecimento verdadeiramente adequado e muito menos sedimentado sobre como fazer, por exemplo, uma praceta ou rua residencial, verdadeiramente amigável e apropriável.

E aqui se sublinha que os conhecimentos continuam a estar, a este nível, mais dirigidos e mal dirigidos, designadamente, para os aspectos funcionais do tráfego de veículos. Estamos agora apenas a começar a ultrapassar a medo uma tal estrita e fictícia funcionalidade numa perspectiva de simples defesa da segurança pedonal, falta-nos todo um caminho de humanização de conteúdos funcionais e de imagens; e é neste caminho que se encontrarão muitas das virtualidades em termos de novas ou renovadas soluções tipológicas aqui numa perspectiva urbana.

Em todas estas matérias é fundamental tornar o exterior residencial útil, portanto equipado, apelativo, portanto adequadamente projectado e executado e, também, naturalmente convivial, porque afinal o convívio na vizinhança é motivo e consequência de muitas actividades exteriores, desde o recreio infantil, ao desporto e ao simples, mas fundamental, lazer.



Fig. 01


Um último aspecto, a este nível, refere-se à exigência de uma perfeita e contínua manutenção do espaço público, condição extremamente favorecida pelas referidas condições de uso intenso e de sentido efectivo de vizinhança, num afirmado espaço público de lazer, recreio e convívio que tem de ligar os edifícios e que deve corresponder a grupos favoráveis no incentivo de um agradável e seguro conhecimento mútuo, servidos por uma cuidadosa pormenorização das vizinhanças de proximidade (espaços comuns e espaços públicos), porque os espaços exteriores de vizinhança são espaços muito próximos do nosso olhar directo e do olhar a partir das habitações e estamos a abordar escalas comuns e públicas com exigências fortíssimas, entre as quais se destaca o privilegiar da global funcionalidade e da convivialidade natural, a introdução do “verde urbano” e a clara definição de zonas de influência/gestão.

Apenas a título de exemplo do muito que é possível fazer nesta perspectiva de criação de vizinhanças residenciais amigáveis referem-se edifícios geradores de ruas equipadas enquanto no interior dos quarteirões permitem humanizados espaços públicos de convívio e recreio, numa eficaz aliança com os sempre estimulantes pátios privados (servindo os pisos mais baixos, e não apenas o R/C), proporcionando ainda extensões térreas privativas bem enquadradas (ex. para espaços conviviais dos condomínios como salas de jogos), e proporcionando, ainda, eventualmente, o aproveitamento inferior como garagem comum. Este tipo de espaços é também ideal para se desenvolver um arranjo "natural" dos espaços exteriores: com menos asfalto e zonas impermeáveis, com grande variedade de plantas povoando fachadas varandas e terraços e criando um microclima muito favorável em zonas urbanas.

É interessante ponderar aqui que mais do que prever uns tantos metros quadrados por habitante, ou uns tanto equipamentos padronizados e frequentemente muito exigentes em área e especificações técnicas, o que talvez interessa, pelo menos logo numa “primeira linha”, num entorno residencial é a criação de um espaço exterior verdadeiramente incentivador do seu uso diversificado e visual, ambiental e caracterizadamente agradável e atraente para um amplo leque de gostos e de modos de uso e/ou a previsão de um pequeno espaço destinado a um equipamento expressivamente convivial, como por exemplo um pequeno “café”, estrategicamente colocado num local onde apeteça estar e/ou onde até por vezes “dê jeito” estar.

Embora haja aspectos fundamentais a considerar na previsão dos equipamentos – ex., distâncias desejáveis para crianças até 9 anos: 100/200m, vigilância natural a partir das habitações só é eficiente em grupos de 20/30 alojamentos e na contiguidade de zonas pedonais muito usadas e relativamente centrais; nesta matéria é interessante considerar que mesmo numa perspectiva de previsão de acessibilidades e de raios de influência há diferenças “abissais” entre soluções que respeitam os mesmos aspectos regulamentares e recomendativos, a não ser que as recomendações avancem numa muito cuidadosa proposta de soluções globais, provavelmente um caminho da “regulamentação” fortemente qualitativo.

Afinal áreas de jogos atraentes evitam que as crianças usem espaços viários para brincar; as crianças estão sentadas com frequência e são atraídas pelas escadas; há que servir os gostos das crianças e não um objectivo de decoração espacial e as zonas de circulação pedonal devem considerar o recreio livre das crianças usando variados tipos de elementos. Todas estas constatações fortemente qualitativa.

E tudo isto até levanta a questão objectiva de para quem se fazem conjuntos residenciais e com que objectivos fundamentais? E nestas matérias não devia haver quaisquer dúvidas, pois há que proteger ao máximo e incentivar ao máximo o uso do exterior público por crianças e por idosos, seja porque isso é fundamental para esses usos e designadamente para a formação da criança e para o lazer diário do idoso, mas também porque são eles os habitantes que mais vitalizam o exterior público; são, afinal, as fundamentais vizinhanças urbanas amigas. Mas há muitas dúvidas quando funcional e objectivamente se multiplicam metros quadrados e se “despacha” a desejável vitalização do espaço público apenas através de soluções de catálogo, que por vezes são implantadas verdadeiramente “à martelada”.


Fig. 02: o constante retorno ao exemplar Alvalade, em Lisboa


Ainda outro aspecto eminentemente qualitativo e crucial nesta escala da vizinhança é a questão da fundamental presença do verde urbano, e aqui não devemos ter quaisquer tipos de dúvidas nem resvalar para qualquer tipo de desculpa, até, porventura, formal: a cidade e a vida na cidade e o habitar na cidade precisa de um verde urbano efectivo e afectivo, portanto intenso e apropriável, pois tratamos aqui de uma matéria cuja importância dita funcional, em termos de amenização e de conforto ambiental e cuja importância para a saúde física e psíquica do habitante não merecem discussão (até as empresas privadas o reconhecem e os hospitais psiquiátricos o reconhecem); e atente-se que nem se referiu a importância em termos visuais e estéticos, aliás uma importância que está na própria razão de ser do jardim urbano. E que não haja desculpas por eventual incompatibilidade formal com determinada solução de desenho, pois a diversidade do verde urbano é riquíssima nos mais diversificados aspectos formais, espaciais e de exigências vitais.

Há ainda que considerar que tipos de equipamentos são os mais desejados e os mais eficazes nas vizinhanças? equipamentos conviviais, como pequenos cafés, equipamentos funcionais como lojas de comércio diário, pequenos e íntimos jardiins de vizinhança, eventualmente, na contiguidade de escolas básicas (como acontece na Fig. 03). Esta é, novamente, um matéria expressivamente qualitativa, pois uma opção é programar metros quadrados de equipamentos de apoio diário ou ocasional, e outra será privilegiar equipamentos que, pelas suas condições de localização, configuração, imagem e funcionamento, possam constituir verdadeiros pólos de convívio natural e, simultaneamente, de dinamização do uso do exterior público; não se indica aqui que não são necessários esses tais equipamentos de apoio “diário e ocasional”, de que nos lembramos dos velhos “planeamentos” dos anos setenta do Século. XX, só que não deve ser possível fazer mais frentes de equipamentos vazias e tendencialmente deterioradas e é, de facto, especialmente importante prever os “terceiros espaços” entre a casa e a rua pública, são eles que fazem muita da vivência da cidade.


Fig. 03: e novamente um “recanto” de Alvalade, neste caso um jardim de vizinhança.


Um último aspecto, a este nível, refere-se à exigência de uma perfeita e contínua manutenção do espaço público, condição extremamente favorecida pelas referidas condições de uso intenso e de sentido efectivo de vizinhança, num afirmado espaço público de lazer, recreio e convívio que tem de ligar os edifícios e que deve corresponder a grupos favoráveis no incentivo de um agradável e seguro conhecimento mútuo, servidos por uma cuidadosa pormenorização das vizinhanças de proximidade (espaços comuns e espaços públicos), porque os espaços exteriores de vizinhança são espaços muito próximos do nosso olhar directo e do olhar a partir das habitações e estamos a abordar escalas comuns e públicas com exigências fortíssimas, entre as quais se destaca o privilegiar da global funcionalidade e da convivialidade natural, a introdução do “verde urbano” e a clara definição de zonas de influência/gestão.

Apenas a título de exemplo do muito que é possível fazer nesta perspectiva de criação de vizinhanças residenciais amigáveis referem-se edifícios geradores de ruas equipadas enquanto no interior dos quarteirões permitem humanizados espaços públicos de convívio e recreio, numa eficaz aliança com os sempre estimulantes pátios privados (servindo os pisos mais baixos, e não apenas o R/C), proporcionando ainda extensões térreas privativas bem enquadradas (ex. para espaços conviviais dos condomínios como salas de jogos), e proporcionando, ainda, eventualmente, o aproveitamento inferior como garagem comum. Este tipo de espaços é também ideal para se desenvolver um arranjo "natural" dos espaços exteriores: com menos asfalto e zonas impermeáveis, com grande variedade de plantas povoando fachadas varandas e terraços e criando um microclima muito favorável em zonas urbanas.


Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 2 de Novembro de 2008

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