quinta-feira, março 08, 2007

129 - O conjunto de habitações sociais do Monte de São João – artigo de Duarte Nuno Simões - Infohabitar 129

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Introdução ao texto de Duarte Nuno Simões

Reedita-se, em seguida um texto de análise elaborado pelo Arq. Duarte Nuno Simões sobre o conjunto habitacional promovido pela Câmara Municipal do Porto no Monte de São João, Paranhos, Porto, projectado pelos Arquitectos Rui Almeida e Filipe Oliveira Dias, e que foi Prémio do Instituto Nacional de Habitação de Promoção Municipal em 2004. Este artigo foi um dos primeiros editados no Infohabitar, mas é agora acompanhado por uma sequência fotográfica que não pretende acompanhar o texto, mas sim desenvolver uma outra leitura, naturalmente “paralela”, mas feita por outros olhos e numa outra sequência de “passeio” relativamente ao conjunto em análise.

Sublinha-se que a verdadeira leitura desta análise só ficará completa com a visita a este conjunto de realojamento, visita esta que vivamente se recomenda, no entanto o texto incide seja sobre vários aspectos da desejável “fusão” entre a qualidade arquitectónica e a qualidade residencial, seja sobre os modos que podem e devem ser seguidos para um melhor conhecimento das obras arquitectónicas e residenciais, seja também sobre importantes aspectos elementares do próprio desenho da arquitectura urbana; e sobre todos estes aspectos é muito rico o texto que se segue, com o os qual todos ganharemos a partir de uma leitura e reflexão cuidadas.

Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 7 de Março de 2007
António Baptista Coelho





O conjunto de habitações sociais do Monte de São João, um texto de análise de Duarte Nuno Simões,
com fotografias de António Baptista Coelho




O conjunto de habitações sociais do Monte de São João, ultrapassadas as primeiras impressões de claro agrado, revela uma grande coerência quanto aos objectivos que parece terem norteado os seus autores.


Como todas as obras de qualidade o conjunto não revela de imediato os seus “segredos”, antes apela ao nosso interesse em descobri-los, ou seja, de aceitar o jogo de desvendar o que, estando patente, não podemos de imediato, conscientemente, ver…




Da arquitectura deste conjunto dir-se-á que recusa o auto-comprazimento pela forma como fim último e seu principal objectivo. Aqui a arquitectura assume a sua condição mais nobre de espaço da vida dos homens , onde o livre espraiar dos afectos e da solidariedade entre vizinhos será possível. Tal como foi concebido este conjunto não se fecha autisticamente sobre si próprio, antes estimula o encontro, a troca, a convivência dos moradores não podendo prescindir, também, do interesse pelos valores formais, aqui postos ao serviço de uma proposta que assume, deliberadamente, a construção do espaço dos homens, sua finalidade última e imprescindível.

Então a que valores formais me refiro?

Antes de mais à escala do conjunto, à clareza da imagem proposta, ao tratamento dado à praça interna, mas também à simplicidade dos elementos arquitecturais, independentemente da sua importância e à existência de funções complementares integradas no conjunto edificado.




A recusa do modelo do grande bloco em altura, parede intransponível, objecto-obstáculo no qual as pessoas, os moradores, tendem a isolar-se umas das outras, originou um conjunto cujos elementos se desmultiplicaram em vários volumes, articulados em “três blocos que parecem oito”, como dizem os seus autores. Estes ao desconstruirem o modelo do grande bloco, propõem-nos um conjunto à nossa escala, uma arquitectura surpreendentemente jovem e afável. “Três blocos que parecem oito” testemunha a consciência da importância e do empenhamento dos seus autores de resolverem o problema da escala do conjunto, tomado o homem como referência, assumindo também conscientemente a continuidade da memória da cidade feita de edifícios que, sucessivamente, se encostam a outros edifícios, dando origem a praças e ruas.




Refira-se também a clareza com que o conjunto se apresenta a quem desprevenidamente o veja: oito blocos que afinal não são senão três e que determinam e abraçam uma praça interna, organizada em dois níveis principais, tema originador de grande parte da riqueza espacial do conjunto, caracterizado por uma aparente e deliberada simplicidade dos elementos vários que o compõem.

Cada um dos três blocos é servido por uma escada e um elevador e tem, em cada piso, uma galeria coberta que dá acesso a quatro fogos. Ora, a opção pelo uso de galerias não é inocente: é que as galerias acrescentam à sua função imediata de acesso às habitações, aquela outra de se constituírem como elementos de animação, de sinal de vida do conjunto e também como espaços de transição entre os interiores das habitações, quadro da privacidade das famílias e a praça interna quadro possível das mais variadas formas de sociabilidade dos habitantes.




Por isso, pelo discreto e imprevisível espectáculo que as galerias podem suscitar, as suas guardas não se constituíram como defesas opacas, antes protecções que assumem a transparência garantida pelos painéis de rede metálica.

A praça interna, evolução dos antigos logradouros privados dos quarteirões urbanos tornada aqui espaço comum, é um dos elementos que melhor caracterizam, conceptual e formalmente, o conjunto do Monte de São João. De facto, a praça tem todas as condições para estimular e servir de suporte a modos de conviviabilidade entre os habitantes e até entre estes e os habitantes das proximidades. Pense-se como as crianças poderão usar a praça em segurança para os seus jogos e nos contactos que elas induzirão entre os adultos seus familiares!



Outra das características do conjunto corresponde à simplicidade do desenho dos seus elementos mais significantes como sejam as janelas, as guardas das galerias, os óculos que iluminam e assinalam as escadas, a elegância das entradas dos três blocos, a organização dos vários elementos que integram a praça interna e, ainda, o desenho das entradas de luz da garagem colectiva, sem esquecer o cuidado posto na pormenorização dos interiores dos 55 fogos e dos vários equipamentos que integram o conjunto: um ATL, a sede da associação de moradores e da administração do conjunto e três fracções comerciais.


Não gostaria, também, de deixar em claro dois aspectos que considero muito significativos da minúcia e cuidado com que este conjunto foi projectado e realizado. Um, as paredes de fundo das galerias, pintadas cada uma com sua cor pastel, criam uma referência facilmente apreensível sem prejuízo da unidade do conjunto. O outro, a ligeira inclinação, que as afasta de um aparente paralelismo, das paredes dos corpos avançados que rematam os dois blocos e que assinalam a articulação entre os níveis da praça interna: não sendo paralelas, como parecem, as referidas paredes reforçam a continuidade da praça, delimitada e definida pelas frentes que sobre ela abrem, sendo assim a unidade do conjunto salvaguardada e reforçada.




Tudo aqui transmite-nos uma sensação tão evidente de agrado que um esforço de análise mais apurado do que o que tentei pode parecer inútil ou mesmo fastidioso. No fundo ele não vai acrescentar grande coisa ao prazer sentido: tenho presente a reacção de pessoas tão diferentes de formação e, até, de geração como a dos elementos do Júri do Prémio INH 2004 que não se eximiram a espontaneamente manifestar o seu agrado pelas características observadas deste conjunto de habitações sociais.




Toda a verdadeira arquitectura – a verdadeira, aquela que não só parece, mas que é – é um labirinto, convite não só à curiosidade mas à necessidade da descoberta. E o visitante, qual novo Teseu a quem Ariana deu outra vez o prudente fio, poderá encontrar o caminho da saída, daquilo que, escondido, se encontra bem à vista: o caminho de um maior entendimento.




A arquitectura não pode prescindir da sensibilidade nem da inteligência de quem a imagina. Mas uma e outra têm que ser acrescentadas pelo talento. Só assim se garantirá a passagem de um nível honesto mas banal para o desejável grau superior da verdadeira arquitectura assumindo-se então a sua vocação de obra de arte, de contribuição cultural, de marca significante do tempo em que vivemos. Todas essas qualidades o conjunto do Monte de São João no-las revelou.




Lisboa, 06 de Setembro de 2004
Arq. Duarte Nuno Simões

Texto ilustrado e revisto para reedição em 2007-03-07

1 comentário :

António Baptista Coelho disse...

Falta acrescentar ao comentário a este conjunto arquitectónico "perfeito", o facto da ausência de barreiras arquitectónicas explicitadas pela existência de rampas para que habitantes e visitantes tenham total conforto no accesso, seja a pessoas com handicap, seja a pais com crianças que ainda se deslocam em carrinho de bébé, seja ainda para os velhos que têm dificuldade em subir e sobretudo descer escadas, facto de queveria estar sempre presente em empreendimentos de incentivo do INH (e não só), para evitar situações por vezes dramáticas sempre ignoradas por quem projecta, sendo que as rampas existentes são, como o existente equipamento de espaço esterior, partes arquiectónicas desenhadas com inteligência e sentido orgânico da própria arqitectura, para o melhor. agradável e confortável uso de todos, rampas que por sua vez servem de espaços de "recreio" de adolescentes que logo que as situaçõs esistam, lhes sabem dar "usos" imprevistos, com a vantagem de estream ao pé da porta e no espaço confinada e em segurança e vigilância familiar

Celeste Ramos