quinta-feira, novembro 23, 2006

114 - Ponte da Pedra 2ª Fase: o primeiro empreendimento cooperativo de construção sustentável em Portugal – artigo de José Coimbra - Infohabitar 114

 - Infohabitar 114

( sustentabilidade , cooperativas , habitação , ambiente , inovação , habitação social, Sustainable Housing in Europe , SHE , Matosinhos , Ponte da Pedra )





NORBICETA – União de Cooperativas de Habitação, UCRL

Ponte da Pedra 2ª Fase: o primeiro empreendimento cooperativo de construção sustentável em Portugal


O Projecto de Ponte da Pedra surgiu de um concurso de ideias, o que é, logo à partida, um bom indicador de qualidade arquitectónica e residencial das intervenções habitacionais de Ponte da Pedra. Entre o desenvolvimento da ideia urbana e residencial (Setembro de 1998) e a conclusão da Obra (Maio de 2004) contaram-se 6 anos, um período de cruzeiro.

A construção do Empreendimento substituiu uma indústria de curtumes deteriorada, valorizando o local de implantação, na medida em que, para além da operação habitacional, se procedeu a uma acção de regeneração ambiental e urbana.

A primeira fase do Empreendimento conta com 6 Blocos que contemplam 150 habitações, um equipamento educativo e cultural a norte do novo arruamento e um equipamento desportivo a meio da área habitacional.

A segunda fase do Empreendimento, constituída por 2 blocos (Bloco 7 e Bloco 8 – 101 habitações, tipologia T2 e T3), prevê ainda a criação de um equipamento infantil, parque público e espelho de água, com zonas ajardinadas e vias pedonais em todo o Empreendimento.

O conjunto residencial proporciona a criação de núcleos de vizinhança, espaços de lazer e convívio, estabelecendo simultaneamente uma adequada e valorativa ligação com o meio envolvente.

Desde o Presidente da União de Cooperativas, passando pelo arquitecto responsável pelo Projecto, Arq.º Carlos Coelho, e pelo Director Técnico da Obra, até à empresa construtora, todos estes agentes têm sido peças principais no desenvolvimento e sucesso desta iniciativa pioneira em Portugal que tem contado ainda com o apoio académico do Prof. Eduardo Maldonado, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e da Prof. Manuela Almeida, da Universidade do Minho.







Esta segunda fase representa a participação portuguesa no Projecto SHE - Sustainable Housing in Europe - e surge na sequência da candidatura da nossa 2ª fase a esse Projecto.
O Projecto SHE conta com a participação de várias instituições de 4 países europeus – Itália, Dinamarca, França e Portugal, e visa demonstrar a viabilidade real da habitação sustentável do ponto de vista económico, ambiental, social e cultural, utilizando, para tal, construções cooperativas europeias como projectos piloto de disseminação de um novo modelo construtivo que se quer ver adoptado em construções futuras.

A 2ª Fase, com início em Fevereiro de 2005, deverá estar concluída no 2º Semestre de 2006 e é um Empreendimento de 9.216.160,00 €, co-financiado pelo Projecto SHE e com apoio institucional da FENACHE (Federação das Cooperativas de Habitação Económica, F.C.R.L.) e da FEUP (Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto).



Esta 2ª Fase mantém as características construtivas da 1ª fase, com acompanhamento técnico da construção por entidade externa e consequente emissão de Apólice de Seguro Decenal (que protege a habitação contra eventuais defeitos de estrutura que surjam durante o período de 10 anos), controlo de higiene, segurança e saúde no estaleiro por entidade externa certificada, fiscalização da construção dirigida por um Engenheiro da NORBICETA no local e orientada pela Direcção Técnica da Cooperativa e cujo modelo de gestão do empreendimento obedece às normas NP EN ISO 9001:2000, uma vez que o Sistema de Gestão da Qualidade implementado numa das Cooperativas que constituem a União (CHE As Sete Bicas, C.R.L.) foi estendido à União.

À excepção destes indicadores temos um conjunto de características na 2ª fase do Empreendimento que marcam realmente a diferença e que lhe permitem atribuir o título de 1º Empreendimento Cooperativo de Construção Sustentável em Portugal, não deixando, contudo, de ser uma construção cooperativa a custos controlados aprovada e subsidiada pelo Instituto Nacional da Habitação (INH). Trata-se, obviamente, das normas de sustentabilidade na Habitação, de acordo com o Projecto SHE e que se organizam nos seguintes âmbitos de intervenção:
I – Envolvimento dos vários intervenientesO envolvimento dos vários intervenientes nas diversas fases de desenvolvimento do Empreendimento, nomeadamente as autoridades locais, a União de Cooperativas de Habitação, o Empreiteiro, o Projectista, Técnicos, Moradores e futuros utilizadores, cumprindo o objectivo de coesão social, através da participação activa desses intervenientes numa Estratégia Integrada de Desenvolvimento Sustentável:

(i) Reuniões semanais com representantes do Projecto, da empresa construtora e da Cooperativa de Habitação;

(ii) Sessões abertas de apresentação e discussão do Projecto do Empreendimento;

(iii) Dossiers de Apoio aos principais momentos de disseminação e acompanhamento do Empreendimento;

(iv) Manual do Cooperador Proprietário de Uso e Manutenção do Imóvel;

(v) Edição de um Boletim trimestral que actualiza os desenvolvimentos da actividade da Cooperativa promotora.

II – Integração do Empreendimento
A integração do Empreendimento no local de implantação de forma valorativa, respeitando as condicionantes de ordenamento do território e os ecossistemas existentes, promovendo a biodiversidade. O Conjunto Habitacional de Ponte da Pedra revela importantes indicadores a este nível, tendo em conta que substitui uma área degradada por uma importante iniciativa de construção e regeneração, que respeita a orientação solar, aproveita a linha de água existente no local e cuja proximidade a transportes públicos desincentiva a utilização de transporte próprio, diminuindo assim, potencialmente, o impacte da mobilidade dos moradores.



III – Selecção de materiais de construção do Edifício
A selecção de materiais de construção do Edifício que respeitam e protegem o meio ambiente, seja pela sua reduzida intensidade, proveniência de fontes locais e reduzida necessidade de manutenção, seja pelo facto de serem duráveis, reciclados, recicláveis ou reutilizáveis. O nosso Empreendimento apostou na escolha prioritária de materiais produzidos regional ou nacionalmente e com reduzido ou quase nula necessidade de manutenção (como é o caso do tijolo de fachada), dado o atraso claro do nosso país relativamente à utilização de materiais com rótulo ecológico ou com análise do ciclo de vida;


IV – Respeito pelo ciclo de água existente e redução/racionalização do consumo de água potável
O respeito pelo ciclo de água existente e a redução / racionalização do consumo de água potável, através da utilização de tecnologias e equipamentos que permitam poupar água e através da redução da perda de água infiltrada:






(i) Chuveiros com válvulas termostáticas para controlo de temperatura;

(ii) Rega de jardins mediante sensor de humidade;

(iii) Utilização da água nas sanitas dos fogos com fluxo normal (6 litros) e fluxo reduzido (3 litros);


(iv) Construção de uma cisterna subterrânea de recuperação e armazenamento de águas pluviais para abastecimento das sanitas dos fogos e para assegurar a rega da totalidade dos jardins da urbanização.
V - Gestão adequada de resíduos nas fases de construção e operaçãoA gestão adequada de resíduos nas fases de construção e operação, reduzindo, separando e reutilizando os resíduos:

(i) Contentores para separação e recolha de lixos durante a construção, com o apoio dos serviços urbanos;



(ii) Criação de eco pontos exteriores de separação de resíduos durante o período de operação para reciclagem posterior;





(iii) Colocação de baldes de lixo diferenciado no interior de cada habitação.
VI – Construção de um edifício energicamente eficienteA construção de um edifício energicamente eficiente, actuando, para tal, a vários níveis: a maximização do potencial solar passivo (orientação do edifício), a minimização dos consumos, o uso de tecnologias de energia renovável, a instalação de equipamentos energicamente eficientes, a selecção de materiais e equipamentos com reduzido nível de energia incorporada e a informação aos utilizadores sobre as melhores práticas de redução das necessidades energéticas (através do Manual do Cooperador Proprietário com informações de relevo sobre a utilização e manutenção do Imóvel). Serão implementadas soluções construtivas que assegurem a limitação das necessidades de aquecimento, das necessidades de arrefecimento e das necessidades de energia para aquecimento de águas sanitárias com vista à certificação energética do Edifício:

(i) Estudo de orientação solar do Edifício, aproveitando o potencial solar passivo e limitando as necessidades de aquecimento das habitações;

(ii) Desenvolvimento de sistemas de isolamento térmico da envolvente que elimine totalmente as pontes térmicas e que considere um k=0.35 para elementos da envolvente em contacto com o exterior;



(iii) Reforço dos isolamentos térmicos de acordo com o novo RCCTE;







(iv) Instalação de painéis solares na cobertura do Edifício, aproveitando uma fonte de energia renovável para aquecimento de águas sanitárias, utilizando aparelhos de queima individuais para completar o aquecimento das águas em caso de sobreutilização do sistema, minimizando assim o recurso a outras fontes de energia como o gás natural ou a electricidade;





(v) Utilização de lâmpadas e sistemas electrónicos de baixo consumo em todas as zonas comuns, sendo accionadas por células solares no exterior;


(vi) Instalação de detectores de movimento em compartimentos principais, escadas e corredores;

(vii) Adopção de técnicas de ventilação transversal nas habitações, sendo preferencialmente ventilação natural como importante factor de conforto ambiental com vista a limitar as necessidades de arrefecimento;

(viii) Produção de uma construção com eficiência energética classe A.

VII – Gestão da iluminação natural
A gestão da iluminação natural, respeitando as especificações legais quanto aos níveis de iluminação natural e artificial a assegurar, executando uma articulação eficiente entre ambas e garantindo uma percentagem elevada dos espaços com iluminação natural:

(i) O Empreendimento respeita as especificações legais quanto aos níveis de iluminação a assegurar dentro das habitações;

(ii) No caso da iluminação artificial, utilizam-se equipamentos e dispositivos que asseguram a poupança energética (tal como o exposto no capítulo de Gestão Energética).
VIII – O conforto acústico do EdifícioO conforto acústico do Edifício, controlando eficazmente o ruído no interior do edifício e do exterior para o interior do edifício:

(i) Plantação de uma cortina arbórea na envolvente do Edifício que funciona como barreira à propagação de ruído de fonte exterior – em estudo;

(ii) Introdução de isolamentos nos elementos construtivos horizontais e verticais do Edifício, entre fogos e entre estes e zonas comuns.







IX – Monitorização energética, ambiental, social e económica do EdifícioA monitorização energética, ambiental, social e económica do Edifício, que decorrerá durante um ano após a ocupação das habitações e que permitirá avaliar o desempenho do edifício de construção sustentável. Nesta fase será possível apurar o benefício social de uma Construção Sustentável, essencial para motivar o surgimento de incentivos financeiros provenientes de autoridades locais, regionais e/ou nacionais que estimulem as práticas de construção sustentável.

As vantagens deste tipo de construção são óbvias a vários níveis, de tal forma que os futuros empreendimentos cooperativos levados a cabo pela NORBICETA continuarão a respeitar e a considerar todos os princípios aprendidos com a nossa participação no Projecto SHE e os resultados do desempenho do Empreendimento da 2ª fase certamente que serão motivadores e encorajadores.

As principais dificuldades de concretização dos princípios do Projecto SHE prendem-se com dois factores principais: o défice cultural da sociedade relativamente à importância prioritária dos conceitos de sustentabilidade ambiental e o desafio de gestão que a construção sustentável exige para evitar custos excessivos.

Muitas têm sido as iniciativas de disseminação levadas a cabo para desmistificar o conceito de habitação sustentável, envolvendo e convencendo todos aqueles que têm tido contacto com esta nova realidade construtiva. As mais diversas entidades nacionais (Ordem dos Engenheiros, Instituto Nacional de Habitação, Municípios locais, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Euro Info Center Algarve) e internacionais (Centre for Renewable Energy Sources, International Society of Indoor Air Quality and Climate, República Popular de Angola, entre outros) têm solicitado apresentação do nosso exemplo pioneiro, ao que temos respondido com toda a prontidão.

E os resultados já estão aí. Apenas três exemplos: os regulamentos da Urbanização e Edificação do Concelho de Matosinhos de 2005 já revelam claramente preocupações com os vários conceitos e princípios introduzidos (importante factor de sucesso na promoção de empreendimentos sustentáveis); a FENACHE já procedeu também à adopção da Carta da Qualidade da Habitação Cooperativa que assume claramente os princípios da sustentabilidade da construção como itens que distinguem a Habitação de Qualidade; o presidente do Instituto Nacional de Habitação, José Teixeira Monteiro, reconheceu, numa recente entrevista dada à Imprensa, que as prioridades de actuação do momento são a reabilitação e a habitação sustentável, sendo que esta última resultará na criação de incentivos, devidamente legislados, que estimulem esta prática construtiva.

X - Ficha técnica

Ficha técnica da segunda fase do conjunto da Ponte da Pedra, em Matosinhos:
Intervenientes:
Promotor: NORBICETA – União de Cooperativas de Habitação, U.C.R.L. (Nortecoope, As Sete Bicas, Seta).
Projecto: Carlos Coelho – Consultores, Lda.
Controlo Técnico: CPV, Controle e Prevenção de Riscos, S.A.
Construção: J. GOMES Sociedade de Construções do Cávado, S.A.
Coordenação de Higiene, Segurança e Saúde: SOPSEC Sociedade de Prestação de Serviços de Engenharia Civil, Lda.
Financiamento da Construção: Instituto Nacional de Habitação – INH
Projecto – piloto comunitário, subsidiado e apoiado pelo Projecto SHE, Sustainable Housing in Europe
Dados gerais:Área de implantação: 3105 m2
Área bruta de construção: 14.852,40 m2 (101 fogos)
O Eng. José Coimbra, que hoje, pela segunda vez, aqui assina um excelente artigo tem, entre outras funções, importantes responsabilidades técnicas na Cooperativa de Habitação As Sete Bicas e na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e foi um dos elementos-chave no incentivo e no levar à prática de uma pioneira intervenção de habitação de interesse social ambientalmente sustentável, assegurada pela promoção cooperativa e apoiada pelo Instituto Nacional de Habitação; um exemplo que, sem dúvida, ajudará a marcar um novo e essencial caminho na promoção habitacional em Portugal.

José Coimbra é licenciado em Engenharia Civil pela FEU, pós-graduado em Gestão Imobiliária, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e docente contratado da Universidade Fernando Pessoa. É Director Técnico da Cooperativa de Habitação Económica As Sete Bicas, bem como das Uniões dirigidas por esta, é gestor e responsável nacional do projecto-piloto europeu SHE “Sustainable Housing in Europe” tendo sido o responsável técnico pela implementação deste projecto na 2ª Fase do empreendimento habitacional de Ponte da Pedra, foi ainda coordenador técnico da “Carta da Qualidade da Habitação Cooperativa”, conjunto de normas, voluntariamente adoptadas pela FENACHE, que pretendem incrementar a qualidade e a sustentabilidade da construção de habitação.


Nota-se, finalmente, que este artigo do Infohabitar sai nas vésperas da inauguração desta 2.ª Fase da Ponte da Pedra, e como não se devem dar os parabéns antecipadamente e se conta poder dá-los com alguns fortes abraços no próximo dia 28 de Novembro de 2006, em Matosinhos; manda-se daqui da edição do Infohabitar, desde já, uma mensagem de muito apreço e de muita amizade para os amigos Guilherme Vilaverde, Carlos Coelho e José Coimbra, para o trabalho da Câmara Municipal de Matosinhos e para a dinâmica do Instituto Nacional de Habitação, a propósito de mais esta pioneira e excelente realização habitacional e técnica; e deseja-se que ela seja a primeira de uma série de bem fundamentadas realizações habitacionais cooperativas, que para além de serem amigas dos habitantes, como sempre foram as iniciativas cooperativas ligadas à Fenache, sejam também assumidamente amigas da cidade e do ambiente.

António Baptista Coelho e edição do Infohabitar

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