O presente artigo – que foi editado em duas semanas consecutivas,
aqui, na Infohabitar – regista a Palestra realizada por António Baptista
Coelho, na Cidade da Praia, Cabo Verde, na Sede da Ordem dos Arquitectos de
Cabo Verde (OACV), no final da tarde do dia 7 de outubro de 2015, por convite
da OACV e do seu Bastonário Arq.º César Freitas.
Ainda como nota
preliminar regista-se que é, sempre, na primeira segunda-feira de outubro, que
se comemora o Dia Mundial do Habitat, data escolhida pela ONU para refletir
sobre a situação das cidades; sendo que o tema deste ano tem a ver com
a importância das ruas e dos espaços públicos das cidades para o
bem-estar e a qualidade de vida de seus moradores; e salienta-se que o evento
se desenvolve durante todo o mês de outubro e culmina em 31 de outubro (Dia
Mundial das Cidades) com o tema “Cidades: Desenhadas para Conviver”.
E salienta-se
aqui a relação intensa e direta que existe entre cidade e habitação, ou entre
espaço urbano e habitar, uma relação que abordei, há poucos anos, num último
livro que editei na Livraria do LNEC, intitulado “Habitação e Arquitetura.
Contributos para um habitar e um espaço urbano com mais qualidade” e cuja
capa se apresenta , em seguida.
A Habitação de Interesse Social e o verdadeiro direito à habitação
e à cidade - I
António Baptista Coelho (*)
Temas
abordados no artigo (a bold os editados no presente artigo)
. Da habitação de interesse social ao
direito à habitação
. O leque amplo e crítico das carências
habitacionais
. A habitação não é um espaço “maquinal”:
um abrigo não é uma habitação
. Acabar de vez com preocupações
habitacionais limitadas a espaços interiores e mínimos
. A história da HIS como fonte de boas
soluções habitacionais, arquitetónicas e urbanas
. O direito à boa habitação é também o direito à boa arquitetura
urbana
. O direito à habitação também se refere às matérias da gestão e da
participação
. Principais caminhos da mais recente HIS portuguesa
Fig. 08: 2007, 45 fogos na Portela – Residência
Madre Santa Clara – Carnaxide, Oeiras, projecto Cristina Veríssimo, Diogo
Burnay e Patrícia Ribeiro, arq. Pais. Inês Norton de Matos
O direito à boa habitação
é também o direito à boa arquitetura urbana
Pormenorizando-se, agora, um pouco
mais a questão da arquitetura residencial, salienta-se que o direito a uma habitação adequada não se cumpre em
espaços habitacionais interiores uniformizadamente organizados; há naturalmente
aspetos básicos de privacidade e de apropriação espacial a ter em conta, mas a
regra hoje em dia deve ser a diversificação de soluções gerais de habitação e,
complementarmente, a expressiva adaptabilidade dessas soluções a diferentes
formas de habitar e necessidades habitacionais.
E este caminho da diversificação tem
também justificação nas necessidades atuais críticas de habitações para
pequenos agregados familiares, para pessoas sós e para idosos, necessidades
estas que obrigam a novas e renovadas ofertas tipológicas e especificamente ao
seu desenvolvimento em termos de habitação de interesse social.
E esta exigência de diversidade
também marca uma integração urbana pormenorizada, servida por edifícios que
sejam amigáveis para os seus habitantes; quer nas suas soluções de acesso e de
agregação entre habitações, quer nas soluções de relação estre estas e o
exterior, onde pode haver, por exemplo, pequenos espaços privados;
Uma integração urbana também servida
por agrupamentos de edifícios que, entre eles, originem espaços exteriores
públicos capazes de estimularem algum convívio entre vizinhos, mas também uma
forte relação urbana com o espaço urbano específico onde aquela vizinhança se
integra; produzindo-se uma relação urbana em que a nova vizinhança possa
participar na fundamental continuidade e vitalidade urbana; por exemplo,
através de algum equipamento comercial, algum pequeno jardim e outros aspetos a
considerar caso a caso.
Fig. 09: Coop. O Nosso Piso, Conceição de Tavira, 70
f., Arq.º Pedro Serra Alves, GAT de Tavira.
O direito à habitação
também se refere às matérias da gestão e da participação
Outro aspeto que importa sublinhar
numa discussão cuidadosa e ampla de um direito à habitação, que se concretiza
em conjuntos residenciais bem qualificados, refere-se à necessidade de este ser
um direito participado pela população, seja na gestão corrente do conjunto
depois de ocupado, seja, sempre que possível, no pré-alojamento e considerando
aqui também, sempre que possível, a população que vive próximo do sítio de
intervenção; e aqui quero salientar que as cooperativas de hab económica
portuguesas, às quais pertenço, têm uma extraordinária experiência que será sem
dúvida útil conhecer e que passa pela manutenção e gestão integrada e ativa de
muitos bairros cooperativos; e devo
referir a minha qualidade de cooperativista habitacional há mais de 20 anos.
Rematando esta ideia, julgo que
todos sabemos que este aspeto da participação dos habitantes no seu processo
habitacional é tão sensível como importante, mas gostaria de ter também a vossa
opinião sobre esta matéria.
Concluí aqui os aspetos que
considero que serão mais interessantes na temática que hoje aqui vos trouxe
Fig. 10: Cooperativa Caselcoop, Lisboa, projeto do saudoso amigo Arquitecto Justino de Morais, presente na fotografia em conversa com o também amigo e Prof. do MIAUBI, Arq.º Hélder Oliveira.
Principais caminhos da
mais recente HIS portuguesa
Agora e apenas como complemento a
esta reflexão sobre o direito à habitação irei, em seguida, sintetizar, com
grande brevidade, os caminhos programáticos seguidos recentemente pela
habitação de interesse social portuguesa.
Em Portugal, no último quarto de
século, a designada habitação com custos controlados, foi marcada de foma
expressiva por conjuntos habitacionais caraterizados pelo racional e bem
equilibrado controlo de áreas interiores, pelo desenvolvimento de condições de
conforto ambiental e de durabilidade no interio dos edifícios e das habitações,
pela diversidade de imagens e tipologias das intervenções urbanas, pela sua
pequena dimensão geral (evitando-se conjuntos com mais de 50 habitações), pela
adequada integração local e pelo cuidadoso desenho de Arquitectura.
Estas qualidades referem-se a
situações mais frequentes, pois em temos
ainda muito trabalho a fazer em termos da conceção de HIS, designadamente: na
adequação aos modos de vida e na total erradicação dos velhos erros de
concentração social e de desintegração urbana.
Em Portugal, como sabem, a população
estabilizou, e temos muitas habitações vazias, tendo havido no último quarto de
século, um intenso esforço do Estado, das Cooperativas e dos Municípios na
erradicação de situações de carência de habitação condigna; mas as necessidades
habitacionais persistem e diversificaram-se, devido a novas carências
associadas ao envelhecimento da população,
ao fundamental apoio a formas
específicas de viver, e ao crescimento do número de pessoas que vivem sós.
Fig. 11: Câmara Municipal de Esposende, Forjães,
Arq.ª Ana Valente, 2003, 10 habitações
E assim, o caminho em Portugal em
termos do Direito à Habitação passa pela localização estratégica de uma oferta
habitacional económica diversificada, bem longe dos estereótipos da HS
negativamente identificada como habitação para pobres, em intervenções que
associem reabilitação e construção nova, interiores domésticos muito adaptáveis
e exteriores residenciais agradáveis e organizados em vizinhanças conviviais.
Defende-se, ainda, a resolução
integrada das carências habitacionais e das ausências de vitalidade urbana e de
qualidade habitacional, através da introdução estratégica de pequenos
conjuntos de habitação de interesse social e de realojamento que melhorem as
respectivas zonas, através da mistura social, de soluções de arquitetura com
uma boa imagem urbana e do desenvolvimento de equipamentos em falta nesses
locais.
O objectivo fundamental deve ser
aproximarmo-nos da composição habitual e diversificada dos bairros
tradicionais, sendo criticáveis todas as concentrações de “habitação de
interesse social”; concentrações
estas que são tornadas ainda mais críticas quando criadas em locais afastados
da vida urbana, segregados e longe dos principais percursos; sítios onde só
vai, quem lá vive.
Fig. 12: C.M. Vila do Conde,várias localizações,
Arq. Miguel Leal , 2004 (15 + 17 + 18 fogos); plantas apresentadas retiradas
do respetivo projeto.
E assim se sublinha que a integração, em
cada bairro, de uma máxima diversidade de oferta habitacional (por exemplo, de
realojamento, de cooperativas, de “mercado livre”, para idosos, para casais
jovens e para pessoas sós) é fundamental para uma cidade mais viva e com menos
problemas sociais. E termina-se com o reforço da ideia de que as operações de
introdução de habitação habitação de interesse social devem ser aliadas a
intervenções de vitalização e qualificação urbana pormenorizada, de pequena
escala, feitas para cada sítio e com uma clara qualidade arquitectónica.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja
ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar
uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as
opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as
posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários,
sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XI, n.º 556
A Habitação de Interesse Social e o verdadeiro direito à habitação
e à cidade - II
Editor:
António Baptista Coelho
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
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GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional e
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa,
Encarnação - Olivais Norte.
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