O presente artigo – que será editado em duas semanas
consecutivas, aqui, na Infohabitar – regista a Palestra realizada por António
Baptista Coelho, na Cidade da Praia, Cabo Verde, no âmbito do Workshop que
assinalou o Dia Mundial do Habitat em, em 5 de outubro de 2015. O Workshop
visou a temática “Reabilitar com Inovação e Sustentabilidade”, e foi promovida
pelo Ministério
do Ambiente Habitação e Ordenamento do Território (MAHOT) e pelo Instituto
Nacional de Gestão do Território (INGT) da República de Cabo Verde,
destacando-se, aqui, a iniciativa e o trabalho dos altos responsáveis do INGT
Arq.º João Vieira (Presidente do INGT), da Dr.ª Jeiza Tavares e do Arq.º
Francisco Livramento na respetiva preparação.
Ainda como nota preliminar regista-se que é, sempre, na primeira
segunda-feira de outubro, que se comemora o Dia Mundial do Habitat, data escolhida
pela ONU para refletir sobre a situação das cidades; sendo que o tema deste ano
tem a ver com a importância das
ruas e dos espaços públicos das cidades para o bem-estar e a qualidade de vida
de seus moradores; e salienta-se que o evento se desenvolve durante todo o
mês de outubro e culmina em 31 de outubro (Dia Mundial das
Cidades) com o tema “Cidades: Desenhadas para Conviver”.
E, julga-se que bem a propósito, lembra-se o amplo conjunto de estudos
teórico-práticos sobre “Espaços exteriores em novas áreas residenciais”,
desenvolvidos e editados pelo Núcleo de Arquitectura (NA) do Laboratório
Nacional de Engenharia Civil (LNEC), há cerca de 30 anos, e cujas matérias se
encontram totalmente atuais, estando alguns deles ainda disponíveis ne Livraria
do LNEC; e em breve aqui na Infohabitar
nos dedicaremos a estes estudos.
A importância dos espaços públicos em
áreas habitacionais para a criação de partes de cidade mais amigáveis – I
António Baptista Coelho (*)
Resumo
Regista-se a importância e a necessidade de uma adequada
caraterização dos espaços urbanos de uso público, integrados e integradores de
áreas residenciais, como elementos protagonistas do desenvolvimento de partes
de cidade mais amigáveis e humanizadas.
Neste sentido, defende-se a necessidade do desenvolvimento de
projetos urbanos com qualidade arquitetónica e bem pormenorizados, que visem a
criação e a recriação (requalificação urbana) de vizinhanças habitacionais e
urbanas viáveis e estimulantes, servidas por uma adequada conceção do exterior
residencial.
Sequencialmente, aprofunda-se esta temática, e aborda-se a
importância do exterior residencial como meio privilegiado de diversificação
das tipologias habitacionais e urbanas, num processo de revisitação,
reinterpretação e invenção tipológica, que é urgente assegurar e que se deseja
possa proporcionar a devolução do sentido de urbanidade ao exterior
residencial.
Índice (a negrito/bold e sublinhado marcam-se os temas
que integram o presente artigo, os restantes temas integram o artigo a editar
na Infohabitar na próxima semana):
- Importância e caraterização geral do espaço de uso público
- Projeto urbano
- Sobre as vizinhanças habitacionais
- Desenvolver uma adequada conceção do exterior residencial
- Exterior residencial, como meio de diversificação das tipologias habitacionais e urbanas
- Exterior residencial e urbanidade
- Síntese conclusiva
Fig. 01: (1991) Faro, coop. Coobital, arq José Lopes da Costa e
arq. José Brito.
Importância e caraterização geral do espaço de uso público
Como nota prévia sublinha-se que o espaço
urbano tem de ser um espaço envolvido por habitação, portanto naturalmente
vitalizado, e, simultaneamente, que o espaço urbano tem de acompanhar e
envolver a habitação com
espaços de uso público que sejam agradáveis, seguros, variados e com alguma
animação.
Na envolvente da habitação procuramos
condições bem diferentes das que são possíveis no interior das nossas casas,
tais como ruas animadas, jardins tranquilos e espaços de recreio, organizados
em sequências que apoiem a orientação dos habitantes.
Poder habitar e usar com prazer e em
segurança a vizinhança, à porta de casa, é uma condição fundamental para a
satisfação e para o exercício de uma vida urbana em plenitude e para se evitar
que as pessoas se isolem, negativamente, nos seus mundos privados.
Em primeiro lugar importa salientar que o
espaço exterior urbano deve proporcionar adequadas condições de habitabilidade
e de conforto:
- protegendo relativamente às diversas fontes de poluição, incluindo
as fontes de ruído, e aos perigos e incómodos associados à circulação de
veículos motorizados;
- e convidando a uma intensa estadia no exterior em actividades
circulação, lazer e convívio, num
contacto estimulante com a natureza e num meio que seja especialmente amigável
para crianças e idosos.
Importa, assim, ter em conta se há
obstáculos à velocidade excessiva dos veículos motorizados, se há percursos
pedonais com continuidade e protegidos, por exemplo nos acessos mais usados por
crianças, se há boas condições de acessibilidade para veículos em acções de
emergência e se os estacionamentos são funcionais, mas não saturam com
revestimentos betuminosos os espaços em torno dos edifícios, que têm de ter dignidade
e calma residencial.
Projeto urbano
Importa também sublinhar que o projeto
urbano deve ter exigências específicas, designadamente, de escala geral de
tratamento, de funcionalidades, de durabilidade e de capacitação efetiva para o
uso humano que são
bem distintas da do projeto de edifícios e que é essencial considerar.
Nesta perspetiva é importante, embora
seja naturalmente sensível, comentar que um bom projetista de edifícios pode
não o ser ao nível dos espaços urbanos, sendo aqui vital integrar a
contribuição de uma arquitetura paisagista bem qualificada e totalmente
integrada no projeto global, e em tudo
isto e como é habitual, é essencial ter em conta casos de referência concretos,
que podem constituir-se em marcos de identificação de objetivos de projeto e de
obra.
Sobre as vizinhanças habitacionais
Em termos gerais, uma vizinhança
habitacional bem integrada na cidade, agradável e sossegada terá sempre uma positiva influência no
bem-estar social dos respectivos habitantes, enquanto um espaço residencial
massificado, cheio de automóveis, sem identidade, confuso e separado da vida da
cidade terá, sempre, uma negativa influência na vida social das famílias que aí
habitam.
E bons espaços para peões, agradáveis e
seguros, envolvendo a habitação, são fundamentais para a saúde das pessoas mais
sensíveis, para o
crescimento das crianças e para o lazer dos idosos, motivando o uso intendo do
exterior, com vantagens: directas para a saúde física e psíquica dos
habitantes; e indirectas por aumento da animação, do convívio e,
consequentemente, da segurança.
Fig. 03: Funchal, Imopro, 2006, Arq.ª
Carla Baptista e Arq. Freddy Ferreira César.
E importa ainda salientar ser possível
estimular uma convivialidade natural na envolvente da habitação, seja por
conjuntos habitacionais pequenos, seja pela oferta de espaços públicos
agradáveis.
Em todo este processo de dinamização do
uso do exterior na envolvente da habitação é essencial sublinhar que os jardins
e os espaços ajardinados são elementos protagonistas dessa dinamização pois proporcionam satisfação, bem-estar
e muitas vantagens para a saúde física e psíquica, sendo, até, a introdução do
verde a única solução, ou talvez a solução mais efetiva, no sentido de se
recuperarem e humanizarem muitos dos nossos espaços urbanos e residenciais;
afinal, os jardins urbanos proporcionam emoções únicas e a relação com a
natureza é essencial para o bem-estar humano.
Mas tal apontamento não quer dizer que a
aplicação e o adequado desenvolvimento e manutenção de bons espaços e elementos
de verde urbano constituam medidas fáceis e baratas; a boa naturalização do
ambiente urbano exige adequadas medidas de paisagismo, bem integradas na
continuidade urbana, e que têm, naturalmente, os seus custos de projeto,
“construção” e manutenção.
E sobre esta temática ainda se sublinha
que por vezes se aplica boa parte desta sequência de medidas com os seus
respetivos custos, mas depois se esquece incrivelmente a respetiva manutenção,
ou então no ano subsequente ao desenvolvimento de um dado jardim tem-se cuidado
com o jardim e nos anos seguintes ele é quase abandonado; e o resultado não é
apenas um negativo ambiente urbano, mas também o verdadeiro desperdício de todo
o respetivo investimento, para além de se dar um péssimo sinal aos habitantes
no que se refere à necessidade de se manter e estimar a natureza urbana.
Desenvolver uma adequada conceção do exterior residencial
Desenvolvendo, um pouco mais, a
caraterização dos espaços exteriores de conjuntos habitacionais, salienta-se
que estes devem ajudar a fazer a transição entre os espaços privados das
habitações e o vasto espaço público, registando-se que nas causas de
insatisfação residencial, a má vizinhança vem logo a seguir à falta de espaço
na habitação, havendo menor incidência de problemas sociais em agrupamentos e
vizinhanças de edifícios habitacionais
pouco altos, com reduzidos números de habitações, e que rodeiam espaços
exteriores bem definidos, bem vitalizados por actividades próprias e pela
ligação á cidade, bem arranjados e com uma manutenção simples e bem definida em
termos de responsabilidades.
Tais vizinhanças residenciais devem ser
constituídas por soluções de microurbanismo integradas por tipologias
habitacionais diversificadas, bem ligadas ao espaço público e marcadas por uma
agradável diversidade de imagens urbanas, que evidenciem as relações de escala
humana, as sequências de atividade ao longo de variados percursos locais, e as
sequências de ambientes urbanos e naturais que devem caraterizar a identidade
específica de cada intervenção.
Fig. 04: (1990) Madalena, Funchal, Coop.
Coohafal, arq. Guilherme Barreiros Salvador.
Tudo isto também se refere, afinal, a um
renovado urbanismo habitacional que garanta um agradável ambiente lúdico aos
seus habitantes, um ambiente que não pode ser monótono, sem escala humana,
marcado pela repetição doentia de projetos tipo caraterizado por espaço públicos
sobrantes e residuais.
Devemos, então, trabalhar e aproveitar
todo o potencial de de atração e de uso intenso do exterior habitacional,
havendo, no entanto, que cuidar, com toda a atenção alguns quadros físicos
específicos, entre os quais se destacam:
- as situações “físicas” associáveis a matérias de segurança pública no uso dos espaços de uso público; assunto este que tem sido tratado no âmbito das matérias associadas à CPTED – Crime Prevention Through Environmental Design (em português: “prevenção criminal através do espaço construído”); e apenas para as lembrar referem-se os aspetos de redução de zonas pouco visíveis e o controlo visual de percursos e acessos;
- as situações “físicas” que comprovadamente podem estimular a intensidade e a frequência no uso dos espaços públicos, condição esta essencial, quer para o desenvolvimento do convívio natural no exterior, quer para aí proporcionar melhores condições de segurança natural, por intensidade e diversidade de usos e por reforço da visibilidade mútua e próxima;
- e as situações mais favoráveis para os grupos socioculturais e etários mais sensíveis, como é o caso das crianças e jovens, dos idosos e dos condicionados na mobilidade e na perceção, pois sendo os utentes do exterior mais vulneráveis, são, frequentemente, aqueles que tendem a usar, ou deveriam usar, mais intensamente o espaço público e ainda, e no caso específico das crianças, são aqueles para os quais o espaço público assume um vital papel formativo; e não tenhamos dúvidas que apoiar o uso do exterior residencial por crianças e idosos é dinamizar o seu uso por toda a população.
E atenção que tal como avisou Jane Jacobs há muitos anos: é o uso mais intendo que torna o espaço público mais seguro, somos nós próprios com a nossa presença frequente e prolongada no exterior residencial, que o habitamos e tornamos mais seguro.
E para além de tudo isto há técnicas de
avaliação pós-ocupação que permitem identificar e melhorar as condições de
vivência local do espaço de uso público; e há procedimentos de segurança
pública que podem e devem ser associados a estes processos, como é o caso do
policiamento de proximidade.
(o artigo será concluído com a edição,
aqui na Infohabitar, da respetiva 2.ª parte, na próxima semana)
Notas:
(1) Gordon Cullen,
“El Paisaje Urbano – Tratado de estética urbanística”, Barcelona, 1977 (1971).
(2) Malén AZNÁREZ,
«Reportaje: Entrevista - Manuel de Solá-Morales “Me interesa la piel de las
ciudades”», in EL PAÍS.com, editado em 12.10.2008, consultado em 30.10.2008.
(3) Herman Hertzberger, “Lições de Arquitetura”, 1996 (1991).
(4) G. Bachelard,
"La Poétique de l'Espace", p. 30.
(*) António Baptista Coelho
Professor catedrático convidado e coordenador da Área de
Arquitetura (UBI), investigador principal com habilitação (LNEC), doutor em
Arquitetura (FAUP), arquiteto (ESBAL), editor da Infohabitar
(http://infohabitar.blogspot.pt/), coordenador do Secretariado Permanente do
Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (CIHEL)
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja
ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar
uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as
opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as
posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários,
sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais
críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XI, n.º 553
A importância dos espaços públicos em
áreas habitacionais para a criação de partes de cidade mais amigáveis – I
Editor:
António Baptista Coelho
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
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GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional e
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa,
Encarnação - Olivais Norte.
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