Nota explicativa: após algumas breves palavras de introdução a esta nova série de publicações divulga-se a apresentação do recém-editado livro de Herbert Girardet, intitulado “Criar Cidades Sustentáveis”, das Edições Sempre-em-Pé. Desde já se salienta que a ideia, mais do que divulgar uma obra que se considera verdadeiramente interessante, é partilhar a opinião de Girardet sobre uma essencial perspectiva ampla e bem fundamentada da, recentemente, tão falada sustentabilidade.
Na segunda-feira, 25 de Junho, pelas 18:00, na sede da Associação Nacional de Direito ao Crédito, na Praça José Fontana, 4-4.º andar, às Picoas foram realizas as apresentações-debate dos dois primeiros livros da série Cadernos Schumacher para a Sustentabilidade, sob o tema geral:
“Pensar o nosso futuro comum: a sustentabilidade das nossas sociedades”.
São os seguintes os dois primeiros Cadernos Schumacher para a Sustentabilidade, que se encontram disponíveis nas livrarias:
- “Transformar a Economia - Desafio para o terceiro milénio”, de James Robertson – apresentação feita pelo professor Adelino Torres, do ISEG.
- “Criar Cidades Sustentáveis”, de Herbert Girardet – apresentação feita por António Baptista Coelho, investigador do LNEC e presidente do Grupo Habitar.
As Edições Sempre-em-Pé tiveram neste lançamento o apoio do projecto Cidades Sustentaveis http://www.cidadessustentaveis.info/ e do Grupo Habitar – Associação para a Promoção da Qualidade Habitacional.
Contactos das Edições Sempre-em-Pé:
http://www.sempreempe.pt/ , email: contacto@sempreempe.pt , fax 229 759 592
correio em papel: J. C. Costa Marques, Editor (Edições Sempre-em-Pé) Rua Camilo Castelo Branco, 70/52, 4425-037 – Águas Santas
Fig. 01
Capa do “caderno” : “Criar Cidades Sustentáveis”, de Herbert Girardet.
Sobre como “criar cidades sustentáveis” e a propósito do livro, com o mesmo título, de Herbert Girardet
Mais do que fazer uma apresentação pormenorizada do caderno Criar Cidades Sustentáveis, de Herbert Girardet, que naturalmente falará com cada um dos seus leitores, deixam-se aqui algumas palavras sobre esta matéria, hoje vital, da sustentabilidade ou da verdadeira durabilidade urbana, palavras estas que, julgo, em tudo se ligam com o conteúdo do trabalho de Girardet e dos objectivos definidos pela Sociedade Schumacher.
Nestas matérias há que salientar que a sustentabilidade de uma cidade viva não é apenas ambiental e económica, é igualmente social, urbana e cultural, pois também se joga no aprofundar dos aspectos ligados à humanização do habitar, na substituição de espaços degradados por partes de cidade revitalizadas, no privilegiar funcional do peão, numa bem evidenciada integração paisagística e numa afirmada integração do verde urbano, e, finalmente, também se joga no aplicar e no evidenciar de uma afirmada qualidade de um bom desenho de arquitectura urbana.
Apontam-se, em seguida, algumas linhas fundamentais para uma sustentabilidade urbana e habitacional o mais possível completa e sensível aos valores humanos, e devo sublinhar que, em muitos aspectos específicos, o livro que aqui apresento, aborda extensamente muitas destas linhas.
Sobre uma urgente faceta urbana da sustentabilidade
e tal como foi referido pelo Prof. Oliveira Fernandes num encontro no Laboratório Nacional de Engenharia Civil – o Encontro Nacional sobre Qualidade e Inovação na Construção, QIC 2006 –, as cidades não são, por natureza, sustentáveis, designadamente, em termos ambientais. Mas se quisermos avançar nesta matéria há que tentar tudo fazer para se reduzirem as influências ambientalmente negativas das cidades.Sobre algumas dúvidas e ideias práticas cruciais e oportunas sobre aspectos de sustentabilidade
há que sublinhar que muitos desses aspectos carecem de esclarecimento e de acção consequente. E importa nestas matérias esclarecer cabalmente sobre o custo-benefício de um amplo leque de soluções, para que se possa daí partir para uma sua aplicação bem fundamentada e ordenada.Sobre a grande importância da integração e do preenchimento urbano
associado ao privilegiar da pequena escala e ao “construir no construído”, há que sublinhar que estes objectivos são fundamentais para se anularem os espaços residuais e marginais, para se rentabilizarem as infraestruturas já instaladas, para se avançar na anulação de zonas social e por vezes ambientalmente problemáticas, e, para se favorecerem intervenções urbanas com dimensão reduzida –, expressivamente humanizadas, bem pormenorizadas e potencialmente conviviais, afinal aspectos todos eles associados à ideia lançada, na área económica, por Ernest Friedrich Schumacher, com a bem conhecida frase “Small Is Beautiful” (e o título continua com Economics As If People Mattered).E para a obtenção de tais objectivos Girardet, neste caderno, salienta a importância da criação de cidades compactas, seguindo o modelo do que ele designa como a maravilhosa herança das velhas cidades mediterrânicas; e nesta matéria dá vontade de comentar que nós, aqui no sul da Europa, acabamos por ter uma abundância de energia solar, que é excelente em termos do respectivo aproveitamento energético e especificamente do conforto no Inverno, e também a abundância de excelentes modelos urbanos tradicionais pormenorizados bem adequados a essa convivência solar, designadamente, durante o Verão.
Passando agora a uma ideia verdadeiramente mais completa de sustentabilidade
apetece dizer que a sustentabilidade na área ambiental tem sido aprofundada em termos de aspectos a desenvolver, enquanto a sustentabilidade económica da cidade e das suas diversas partes tem ainda muito a aprofundar, situação que se repete com a sustentabilidade social e funcional urbana . E não seria possível deixar de sublinhar a importância de uma verdadeira sustentabilidade cultural numa cidade viva e humanizada, afinal, até também porque o património cultural é já hoje e será, cada vez mais, um dos principais recursos da Europa.Sobre a fundamental estabilização de ideias fortes e integradoras
e considerando tantas das listagens, já existentes, de aspectos de sustentabilidade começa a ser urgente definir prioridades, objectivos e opções fundamentais numa linha que favoreça o desenvolvimento de projectos assim direccionados, e em tudo isto é crucial ter em conta que cada sítio é um sítio e que a sua respectiva e adequada capacidade de caracterização específica é um elemento muito importante da sua sustentabilidade económica, ambiental, social e cultural, numa perspectiva de identificação de cada sítio na sua cidade.Afinal, e tal como se diz no texto de apresentação deste caderno, nestas temáticas “necessitamos efectivamente de uma base de valores a partir da qual trabalhar, e de um conjunto de objectivos.”
Fig. 02
Contracapa do “caderno” : “Criar Cidades Sustentáveis”, de Herbert Girardet.
Sobre a vital importância dos exemplos
salienta-se que nada resulta melhor em termos de apoio à concepção e à promoção do que a visita a obras feitas e do que o diálogo com os seus responsáveis e com quem lá vive, para se poderem entender vantagens e desvantagens das soluções aí desenvolvidas, e sublinha-se que o trabalhar com exemplos é também uma forma sustentada de avançar no conhecimento das respectivas matérias. Como conclui Girardet talvez o mais importante seja a recolha e a disseminação das melhores práticas, dando às pessoas a informação acerca de novas opções e designadamente acerca de projectos reais que ajudem a fazer das cidades lugares mais agradáveis.Sobre a sabedoria de saber aprender com os especialistas e de procurar integrar os seus ensinamentos
apenas se sublinha que tal aprendizagem é fundamental, e tem de ser marcada por um essencial respeito para com as diversas especializações técnicas, mas desde que estas também se articulem e se integrem de forma positiva e sem fundamentalismos e autismos disciplinares.E, finalmente, neste apontamento, informalmente aleatório, de uma série de linhas fundamentais para uma sustentabilidade urbana e habitacional, sublinha-se
a enorme importância do conceito das cidades amigas, habitadas, humanizadas e vitalizadas
que são as únicas potencialmente redentoras deste nosso novo século das cidades; e neste novelo de ideias apenas se sublinha que em toda a batalha pela sustentabilidade tem de haver lugar cativo para uma verdadeira qualidade cultural que possa ir devolvendo a cidade a uma estima pública activa, amigável e convivial; pois, afinal, pouco ganharemos em ter novas partes da cidade, por exemplo, energeticamente eficientes se elas forem culturalmente empobrecedoras e socialmente desvitalizadas.E é importante ter em conta, tal como nos diz Girardet, que estas cidades amigáveis, e agradáveis, são, também, cidades naturalmente mais seguras e apropriáveis; mas para isso elas têm de ser cidades cuidadosamente adensadas, diversificadas, vicinais e conviviais; num caminho que Girardet aponta como sendo a única opção possível face ao insustentável crescimento urbano caótico em mancha de óleo. Mas atenção que em tudo isto é urgente e vital a opção por arquitecturas urbanas muito bem qualificadas.
Fig. 03
Índice do “caderno” : “Criar Cidades Sustentáveis”, de Herbert Girardet.
Desenvolve-se, agora, um pequeno conjunto de notas,um pouco mais específicas,sobre o trabalho de Girardet aqui apresentado.
O caderno “Criar Cidades Sustentáveis” trata, em 10 pequenos capítulos, de leitura muito estimulante, os aspectos que são desejavelmente associados ao desenvolvimento de cidades sustentáveis, ou, no mínimo, significativamente mais sustentáveis do que as actuais.O autor inicia ao seu estudo com considerações sobre a eventual contradição que existe na noção de sustentabilidade urbana, a tal questão que também aqui já apontei, logo de início, quando referi que as cidades não são, por natureza, sustentáveis, designadamente, em termos ambientais. Depois, o autor apresenta o tema da urbanização e dos seus impactos, e os super-organismos urbanos, considerando e sublinhando uma perspectiva ampla sobre um século das cidades, o nosso novo século, que será marcado pelo fortíssimo aumento dos consumos ligados à actual e próxima explosão urbana de todo o mundo e designadamente da Índia e da China.
Depois, e sequencialmente, Girardet aborda a pegada ecológica das cidades, algo que impressiona, quando aponta, por exemplo, que cada europeu tem actualmente uma pegada de cerca de três hectares, sendo este o espaço terrestre necessário para o abastecer dos mais variados produtos e para absorver os gases residuais como o CO2, que são por ele directa e indirectamente produzidos.
E nestas matérias o autor acaba por abordar os aspectos associados de caracterização da própria vida urbana ocidental, isto antes de se dedicar a algumas indicações sobre eventuais respostas para o novelo de problemas associado a todas estas realidades, que são, afinal, em boa parte novas, neste século das cidades, concluindo que para reduzir significativamente a pegada ecológica urbana e, simultaneamente tornar as cidades mais amigáveis, há que modificar o metabolismo urbano; e nesta mudança há que actuar ao nível das questões da água e dos esgotos, dos resíduos sólidos e da energia, assuntos estes especificamente tratados neste caderno.
Importa ter bem presente nesse novelo de questões que a referida mega-urbanização é um fenómeno que acabou de acontecer, praticamente há instantes, na história do homem, e que, por isso, ao lidarmos com os problemas da grande cidade, que é afinal talvez o principal agente da insustentabilidade ambiental, estamos a tratar de uma questão viva, e “em cima da hora”, um fenómeno arquitectónico e social que está em pleno desenvolvimento e que não é possível fazer parar para se corrigir, tem de se corrigir enquanto se desenvolve e tem de se corrigir urgentemente e procurando, acima de tudo, recuperar e reabilitar tantos dos valores humanos e cívicos que têm vindo a ser gradualmente postos em causa, quando não liminarmente negados, como o convívio e um certo sentido de cidade coesa, protectora e atraente.
E assim, hoje em dia, há que tentar ir encontrando os melhores caminhos para cidades que sejam ambiental, física e socialmente mais sustentáveis, isto numa primeira linha de se tentar reinventar e reabilitar cidades que sejam absolutamente satisfatórias e estimulantes em termos funcionais e culturais; pois não basta que a cidade se sustente é necessário que a cidade nos motive e que nós próprios vitalizemos a cidade, do seu centro aos seus bairros e às suas e nossas vizinhanças residenciais.
Nestas matérias de sustentabilidade urbana é importante considerar que a cidade apoia a habitação e a habitação apoia a cidade, que são, afinal, cidade e habitação mutuamente apoiadas, e que neste mútuo apoio se encontrará a forma mais adequada de sustentabilidade, pois cidade sem habitação que nos acolha e nos motive, não é verdadeira cidade, e habitação sem cidade cívica, convivial e verdadeiramente estimada, não é verdadeira habitação.
E nesses melhores caminhos para cidades que sejam ambiental, física e socioculturalmente sustentáveis, e , mais do que sustentáveis, estimulantes; não é possível encontrar e seguir soluções ”feitas”, mas podemos e devemos estar constantemente abertos ao diálogo técnico e social informado e à contínua aprendizagem com os exemplos de boas práticas, que felizmente já existem, e que nos irão apoiando num processo de actuação que passe por subdividir o grande problema em problemas mais pequenos e controláveis, como acontece, designadamente, nestas matérias ao nível de se privilegiar o desenvolvimento e a qualidade de pequenas vizinhanças residenciais de proximidade naturalmente conviviais e apropriáveis, mas atraente e intensamente integradas numa positiva continuidade urbana.
Ainda um outro aspecto a sublinhar é a concordância de pontos de vista pormenorizados sobre estas matérias do habitar e da sustentabilidade urbana que caracterizam especialistas oriundos de áreas técnicas tão distintas como são, por exemplo, a pediatria e a arquitectura residencial, entre tantas outras.
Uma preocupação verdadeiramente transversal e que tem de ser cada vez mais marcada pela cultura da sustentabilidade, a que Girardet se refere no seu último capítulo, uma cultura urbana e do habitar, que seja, cada vez mais, ponto de encontro disciplinar e quase obrigatório para muitas profissões e numa perspectiva que se tem de reger por verdadeiros objectivos multidisciplinares que, acima de tudo, têm de visar a múltipla qualidade do habitar urbano e a verdadeira, crescente e específica valia cultural de cada cidade e de cada bairro citadino.
Afinal aquilo que é sintetizado nos últimos capítulos destas Cidades Sustentáveis de Herbet Girardet, em que o autor se refere a conceitos tão importantes como os que estão associados, designadamente, a “cidades conviviais” e à harmonização e à utilidade da agricultura urbana no retomar da fundamental aliança entre campo e cidade, numa perspectiva que como tão bem, defende, entre nós, Gonçalo Ribeiro Telles, terá sem dúvida múltiplas utilidades sociais, económicas, recreativas, paisagísticas e ambientais; e nesta matéria Girardet aponta números impressionantes como por exemplo aquele de 30% do valor monetário dos produtos agrícolas dos EUA corresponder à produção em áreas urbanas metropolitanas.
Finalmente, o autor refere-se ao crucial desígnio da criação de “cidades agradáveis graças às melhores práticas urbanas”, citei; e aqui lembramos que Josep Muntañola, citando o filósofo Derrida, disse que “a arquitectura se faz para acolher, não para castigar” – e como bem sabemos este acolhimento habitacional e urbano tem de ser muito mais do que uma plataforma funcional, tem de proporcionar agradabilidade e motivação.
Termino salientando que quem pretenda encontrar neste livro de Girardet uma perspectiva parcial, e tenho de o dizer basicamente falsa, da hoje tão divulgada sustentabilidade não o deverá ler. Mas se quiser dispor de uma entrada ampla e fundamentada para a verdadeira importância e para a verdadeira natureza da sustentabilidade urbana e humana, então deve ler este pequeno livro, que se lê com muito gosto e que considera os fundamentais objectivos de sustentabilidade ambiental, não “avulso”, ou de maneira desintegrada e pouco coerente, mas sim num quadro de uma verdadeira sustentabilidade urbana geral, que tem de ser ampla e culturalmente baseada. Uma amplitude cultural que é essencial para a vital humanização, vitalização, caracterização e, diria mesmo, para a redenção das cidades do século XXI.
Pois, como refere Girardet, “as cidades são locais humanos únicos”, “celebradas como modelos de desenvolvimento cultural” e que, por isso, têm de ser urgentemente muito bem desenhadas; construídas, como refere o autor, “com uma escala de tempo longa” e no respeito de uma escala de desenho adequada, de uma natureza íntegra e numa perspectiva de relacionamento social e de verdadeira vizinhança. Um processo que tem de ser informado tal como defende Girardet, citando Lewis Mumford, pela compreensão da natureza da cidade histórica, isto se o objectivo for o desenvolvimento “de um novo (verdadeiro) alicerce para a vida urbana.”
Defende ainda o autor, de forma evidenciada, que o objectivo básico da reconciliação da urbanização e do desenvolvimento sustentável, tema central deste caderno, pode ser muito favorecido pela cuidadosa e intensa discussão e disseminação de exemplos de boas práticas locais, ao serviço, e cito, de “uma visão mais calma e serena das cidades para as ajudarmos a cumprir o seu potencial como lugares não apenas do corpo mas também do espírito.”
Lisboa, Encarnação/Olivais-norte
Editado por José Baptista Coelho em 5 de Julho de 2007
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