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Infohabitar,
Ano XV, n.º 710
DEGRADAÇÃO E MODOS DE HABITAR EM EDIFÍCIOS
RESIDENCIAIS ANTIGOS DO PORTO: avaliação da satisfação e perceção dos
residentes – Infohabitar 710
Por: Cilísia Ornelas, Isabel
Breda-Vázquez e João Miranda Guedes
Notas prévias
A Infohabitar retoma com este artigo de uma sua
“velha” e essencial tradição de edição
de artigos de diversos autores, que nos enviam os seus trabalhos, no sentido da
referida publicação, lembrando-se que são já mais de 100 os autores que
editaram na Infohabitar.
Naturalmente que a temática deverá referir-se, sempre,
ao habitat humano e que a qualidade do artigo deve ser adequada a uma sua ampla
divulgação, condição esta bem cumprida, pelo artigo que aqui se edita e que foi
positivamente avaliado para apresentação e edição nas Actas do 4.º Congresso
Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (4.º CIHEL).
O editor da Infohabitar
António Baptista Coelho
DEGRADAÇÃO E MODOS DE HABITAR EM EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS ANTIGOS DO
PORTO: avaliação da satisfação e perceção dos residentes
Cilísia Ornelas (a); Isabel Breda-Vázquez; (b);
João Miranda Guedes (c)
a
Doutora
em Engenharia Civil, CITTA/CONSTRUCT-FEUP, cilisia@fe.up.pt
b
Professora
Doutora em Engenharia Civil, CITTA-FEUP, ivazquez@fe.up.pt
c
Professor
Doutor em Engenharia Civil, CONSTRUCT-FEUP, jguedes@fe.up.pt
Resumo:
Este
artigo debruça-se sobre a avaliação da satisfação e perceção residencial dos
residentes de edifícios antigos de matriz unifamiliar burguesa (séculos
XVII-XX) degradados, localizados no centro histórico do Porto e áreas
envolventes e habitados por uma população socioeconomicamente desfavorecida.
Nesse sentido, recorre-se à aplicação da Metodologia de Avaliação do Património
Edificado Habitacional (MAPEH) [1] que compreende a análise do edificado nas
dimensões patrimonial, técnica e social. A aplicação desta metodologia é feita
através de uma Ficha de Avaliação (FA) que, suportada por recolha de informação
detalhada e atualizada [2], especifica os critérios gerais da MAPEH,
direcionando-os para o contexto particular do edificado a avaliar.
No
contexto da MAPEH, a avaliação da satisfação e perceção residencial dos
habitantes tem por base um questionário específico dirigido aos residentes dos
edifícios a analisar. Esse questionário permite identificar os diferentes
perfis socioeconómicos dos residentes e aferir a sua perceção em relação às
características da unidade habitacional (compartimentos mais usados, tamanho e
tipo de uso, privacidade e facilidade de acesso à e na habitação e conforto
térmico e acústico…) e da área de residência (segurança, relação com os vizinhos,
equipamentos, serviços, instalações existentes...). Em particular, identifica
as características que os residentes mais apreciam nos edifícios/ área de
residência e as suas expetativas relativamente a eventuais melhorias a efetuar
na habitação que contribuam para a melhoria percecionada da sua qualidade de
vida, assim como critérios que distinguem diferentes perfis de residentes
relacionados com necessidades básicas e expetativas em relação à sua habitação
e área envolvente.
Na
aplicação ao caso de estudo, esta análise aferiu lacunas na intervenção e
conservação do património edificado em análise, bem como na colmatação das
necessidades básicas percecionadas pelos residentes em diferentes contextos,
permitindo concluir sobre a importância de se promoverem condições
diferenciadas de intervenção no património edificado capazes de integrar (e de
combinar), não só exigências patrimoniais, de segurança e de habitabilidade,
mas também as necessidades básicas percecionadas pelos residentes.
Palavras-chave:
património edificado, reabilitação, degradação, satisfação residencial, modos de habitar
1. Introdução
A degradação do património edificado em centros
históricos e áreas urbanas centrais é um tema de relevo nos contextos
diversificados nacionais e internacionais. A falta de condições de segurança e
de habitabilidade dos edifícios está associada à degradação material dos
edifícios, resultado da falta de incentivos e estratégias por parte das
entidades públicas e privadas locais, regionais e nacionais que promovam a
reabilitação do parque edificado.
É de notar que o património edificado antigo, a sua
preservação e a forma como é ocupado por residentes, tem sido tema de discussão
por inúmeros investigadores e especialistas que apontam a necessidade de
estudar a adaptação dos edifícios antigos aos estilos de vida atuais [3-7]. No
entanto, a literatura aponta a necessidade de rever o conceito de
habitabilidade, devendo a normativa encarar os compartimentos da habitação como
áreas de descanso, higiene e alimentação ligados às necessidades básicas da
habitação, distanciando-se da conceção de espaços, como dormitórios,
instalações sanitárias e cozinhas que remetem para uma conceção técnica e
materialista dos códigos de construção atuais em que está associada à construção
nova [4-8].
Também associado a este debate, surgem estudos que
analisam o perfil dos residentes e a sua satisfação residencial na habitação e
área de residência [9-11], aspetos relacionados com as expectativas e
necessidades básicas dos residentes [8, 12]. Neste âmbito, vários estudos
sublinham soluções que apontam para uma maior flexibilidade no uso dos
edifícios habitacionais existentes, visando a melhoria da qualidade de vida dos
diferentes perfis de residentes [13-17].
Simultaneamente assiste-se à necessidade de avaliar a
situação do edificado existente. A discussão em torno desta temática aponta
metodologias que se dirigem para a avaliação do estado de conservação [18-20] e
do valor patrimonial dos edifícios [21], descurando os aspetos sociais, nomeadamente
a avaliação das condições e perceção dos seus residentes. Esta lacuna resultou
na criação da Metodologia de Avaliação do Património Edificado Habitado (MAPEH)
[1] que engloba a análise das dimensões patrimoniais, técnicas e sociais do
património edificado habitado. Esta metodologia implementa critérios gerais de
avaliação que, quando dirigida para um determinado contexto de património
edificado, permitem recolher informação detalhada e realizar o diagnóstico
integrado e atualizado desse património [2].
No desenvolvimento deste artigo mostra-se os
resultados da aplicação da MAPEH aos edifícios antigos de matriz unifamiliar
burguesa (séculos XVII-XX) degradados, localizados no centro histórico do Porto
e áreas envolventes e habitados por uma população socioeconomicamente
desfavorecida. O artigo focaliza-se na avaliação da dimensão social deste
património edificado, analisando os resultados dos dados recolhidos sobre o
perfil socioeconómico dos residentes e da sua perceção sobre as características
da habitação e área de residência, bem como evidencia as suas necessidades
básicas percecionadas e expetativas. Esta análise mostra que a ocupação e modos
de habitar os edifícios pelos diferentes perfis de residentes fazem emergir
diferentes expetativas e necessidades em relação à habitação e área de
residência, que por sua vez exigem ações de intervenção diferenciadas no
património edificado.
Assim, nos seguintes pontos descreve-se de forma
sucinta a MAPEH e salienta-se a importância da dimensão social na avaliação do
património edificado. Mostram-se resultados dos dados recolhidos e faz-se uma
reflexão sobre os contributos destes resultados para uma maior eficácia nos
procedimentos e medidas de intervenção a efetuar no edificado, justificando-se
a necessidade de introdução de critérios de flexibilidade e proporcionalidade
na normativa vigente [4, 3, 8].
2. Metodologia Integrada de Avaliação do Património Edificado
2.1 MAPEH
O estudo comparativo do referencial normativo de
Itália e Espanha, e a posterior contextualização da normativa portuguesa,
sublinham a necessidade de se criarem procedimentos de inventariação e
catalogação do património edificado que permitam melhor sustentar medidas de
intervenção adequadas [22]. Esse estudo resultou na criação da Metodologia de
Avaliação do Património Edificado Habitado (MAPEH) cujas linhas conceptuais se
sustentam nos critérios gerais do referencial normativo dos três países
referidos e nas contribuições resultantes dos diferentes debates e estudos
internacionais que interessam ao património edificado, e que justificam a
integração das dimensões patrimoniais, técnicas e sociais na avaliação do
edificado, nomeadamente do valor patrimonial, das condições de segurança e
habitabilidade dos edifícios, bem como da satisfação residencial dos
habitantes.
A MAPEH constitui, por isso, um procedimento de
avaliação holística, integrada e multidisciplinar do património edificado [23].
Incorpora critérios adaptáveis a diferentes contextos de análise e
especificidades do edificado habitacional existente, permitindo construir bases
de dados a integrar em procedimentos de inventariação e catalogação do
edificado que permitam, nomeadamente, apoiar níveis de intervenção
diferenciados em património edificado.
2.2 Dimensões de Avaliação
A MAPEH é composta por três partes (ver figura 1) que
podem ser aplicadas de forma conjunta ou separada. A parte I afere o interesse
patrimonial dos edifícios através de critérios que avaliam o edificado nas
vertentes físicas, técnico-construtiva e cultural. A parte II dirige-se à
dimensão técnica do edificado e inclui critérios que advêm do referencial
normativo e do debate teórico, orientados para avaliar as condições de segurança
e de habitabilidade dos edifícios. A parte III avalia a dimensão social,
baseando-se em critérios e parâmetros recolhidos a partir do debate teórico em
torno da satisfação residencial, nomeadamente: no reconhecimento da importância
do perfil e do contexto socioeconómico dos residentes e da sua perceção sobre
as características físicas da habitação/edifício e área residencial [24].
Fig. 1: Proposta da Metodologia de Avaliação do
Património Edificado Habitado (MAPEH)
É de referir que o estabelecimento de critérios
gerais de avaliação no âmbito da MAPEH torna-se essencial para garantir a
eficácia desta estratégia na persecução dos seus objetivos. A
multidimensionalidade da MAPEH visa potenciar dinâmicas diferenciadas de
salvaguarda do património edificado, melhor adaptadas às características
físicas, de utilização e dos utilizadores do património edificado.
2.3 Ficha de Avaliação
A operacionalização da MAPEH conduz à construção de
um instrumento de avaliação - Ficha de Avaliação (FA). Este instrumento
apoia-se nos critérios gerais da MAPEH e particulariza-os, orientando a
avaliação dos aspetos patrimoniais, de segurança, habitabilidade e satisfação
residencial dos residentes (ver figura 2).
Fig. 2: FA como instrumento de operacionalização da
MAPEH
Tendo em conta que este artigo analisa e discute os
resultados da aplicação da MAPEH a um caso de estudo, apenas nos aspetos
relativos à parte III, no ponto 2.3.1 detalha-se a construção da FA
relativamente a essa parte.
2.3.1 Satisfação residencial
A dimensão social da MAPEH refere diretrizes que
conduzem à identificação do perfil dos residentes e sua satisfação residencial,
bem como permitam averiguar as necessidades básicas, expetativas e problemas
percecionados pelos residentes, aferindo também o seu nível de satisfação
global na habitação e área de residência (ver figura 3).
Fig. 3: Parâmetros da MAPEH para a avaliação da
dimensão social
A dimensão social da MAPEH é desenvolvida na FA,
parte III, através de critérios específicos agrupados em duas subpartes que se
materializam num inquérito aos residentes, entendidos neste contexto como os responsáveis
pelos agregados familiares.
A primeira subparte é dirigida à avaliação
socioeconómica do perfil dos residentes e sua perceção sobre as características
da habitação, a segunda parte orientada para a avaliação da perceção dos
residentes em relação à área de residência. Assim, na avaliação do perfil
socioeconómico dos residentes são incluídos os seguintes indicadores: perfil do
agregado familiar (profissão, escolaridade, rendimento mensal, valor da renda,
duração de vivência na habitação, estado civil, composição do agregado
familiar, limitações e doenças); ocupação no edifício (tipo de utilizadores,
tipo de permanência, sobrelotação nas zonas de dormir); utilização que os
residentes fazem da unidade de habitação (tamanho da habitação, compartimentos
mais usados, tipo de uso, privacidade nos quartos de dormir e instalações
sanitárias, acessibilidade no edifício e nas caixas-de-escadas); perceção do
conforto térmico (tipo de aquecimento usado na habitação, temperatura ambiente
da habitação nas estações de Verão e de Inverno); perceção do conforto acústico
através da perceção dos ruídos aos sons de percussão na habitação, e dos sons
de condução aérea tanto na habitação como vindos do exterior (comércio e
tráfego rodoviário); perceção da necessidade da realização de obras de
manutenção na habitação/ edifício; identificação dos problemas dos residentes
(qual o tipo de melhorias que os residentes gostariam de ter nas suas
habitações; qual o tipo de apoio a que recorrem para satisfazer as suas
necessidades básicas); perceção dos residentes sobre o valor patrimonial dos
edifícios; perceção da vontade e ou possibilidade dos residentes mudarem de
habitação.
Na segunda subparte, o inquérito engloba a avaliação
da satisfação residencial na área de residência/ vizinhança, e incide na
aferição da perceção dos residentes sobre: a segurança na área de residência;
contacto e empatia com outros residentes da área de vizinhança e residência;
equipamentos, instalações e serviços mais usados; tipo de acessibilidade na área
de residência; fatores mais apreciados pelos residentes na área de residência e
vizinhança (e.g. centralidade, segurança, transportes e serviços, vizinhos,
atividades sociais e culturais, proximidade de emprego, escola dos filhos, familiares
e vizinhos). No fim do inquérito são colocadas duas questões que sintetizam as
questões anteriores, e que incidem sobre a satisfação residencial dos
residentes em relação à habitação e área de residência. Ambas assentam em
respostas de escolha múltipla com as opções: insatisfeito, pouco satisfeito,
satisfeito e muito satisfeito.
Realça-se que este inquérito, de cariz social,
constitui um contributo importante para a tomada de decisão na intervenção nos
edifícios, nomeadamente contribui para justificar ações de intervenção
diferenciadas, ou seja, melhor adaptadas aos diferentes perfis de residentes
encontrados.
3. Avaliação da Satisfação Residencial
3.1 Perfil dos residentes
Neste artigo apresentam-se e analisam-se os
resultados obtidos na aplicação da avaliação da Parte III da FA - Satisfação
Residencial - ao caso de estudo: 42 edifícios residenciais históricos de matriz
unifamiliar burguesa (séculos XVII-XX) degradados, localizados no centro
histórico do Porto e áreas envolventes e habitados por uma população socioeconomicamente
desfavorecida.
O inquérito social é aplicado a 61 residentes dos 42
edifícios inspecionados, dos quais 20 residentes são adultos (idades entre os
25 e 64 anos) e 41 idosos (idade igual ou superior a 65 anos).
Na avaliação socioeconómica dos residentes
apresenta-se os resultados mais significativos para esta discussão (ver figura
4), traçando o perfil da amostra. Desta análise verifica-se que a maioria dos
residentes apresenta baixo nível de escolaridade, ou seja, escolaridade
inferior ou igual ao 4.º ano (77%), tem rendimentos baixos (56%) e recebem
menos do que 500 euros mensais. Os agregados familiares identificados são
compostos por residentes isolados (41%), na sua maioria idosos que vivem
sozinhos e ocupam os últimos pisos dos edifícios, e por casais: famílias
clássicas, famílias monoparentais, famílias alargadas e grupo coabitante (59%)
[01]. É de acrescentar que a quase totalidade dos residentes são inquilinos
(95%), pagando rendas baixas (51%) entre 0 a 50 euros. Para além disso, a maior
parte dos moradores habitam há mais de 30 anos nestes edifícios (67%).
Desta avaliação constata-se que estamos perante uma
população residente maioritariamente idosa, que aluga parcelas destes
edifícios, designadas por “unidades habitacionais” [02]. Verifica-se que os
residentes inquilinos, devido aos seus fracos rendimentos não realizam obras de
manutenção regulares, nem os proprietários realizam obras de intervenção para
melhorar as condições de segurança e de habitabilidade nos edifícios,
constatando-se que a maioria dos residentes vive há mais de 30 anos nestes
edifícios (67%). Neste sentido, torna-se importante avaliar a perceção dos diferentes
residentes em relação às características e condições de habitabilidade e segurança
da sua unidade de habitação e edifício.
Fig. 4: Identificação do perfil dos residentes
inquiridos do caso de estudo
3.2 Perceção dos residentes em relação às características da unidade de habitação e edifícios
Como já referido, os edifícios escolhidos para
análise são edifícios com valor patrimonial, degradados e ocupados por
diferentes agregados que habitam e coabitam em diferentes pisos, apesar da
matriz dos edifícios ser unifamiliar. Tendo em conta este tipo de ocupação,
pretende-se identificar a perceção dos diferentes residentes em relação às
características da sua unidade de habitação, nomeadamente sobre o seu tamanho,
tipo de ocupação e uso, grau de privacidade e acessibilidade, e perceção de
conforto térmico e acústico. Também se afere as expetativas dos residentes
sobre o seu desejo de melhoria das condições de habitabilidade e/ou de outros
apoios para melhorar a sua qualidade de vida e colmatar as suas necessidades
básicas. Pretende-se ainda neste ponto estudar a relação entre a escolaridade
dos residentes e o valor que dão ao seu edifício.
3.2.1 Tamanho
da unidade de habitação
É de referir que os edifícios residenciais do Porto
analisados, apesar da sua matriz base ser unifamiliar, sofreram adaptações e
alterações ao longo do tempo, albergando atualmente mais do que um agregado
familiar.
Na análise da perceção dos residentes em relação ao
tamanho da sua unidade de habitação, constata-se que as famílias alargadas,
grupos coabitantes e famílias monoparentais são os agregados familiares que
mais percecionam que a sua unidade de habitação é pequena, apresentando,
respetivamente, 80%, 67% e 57% das respostas. Os casais têm uma perceção
diversa sobre o tamanho da sua unidade de habitação, referindo que é média ou
grande. Já a maioria das famílias clássicas (63%) considera que a sua unidade
de habitação é média (ver figura 5).
Fig. 5: Perceção do tipo de agregado familiar com o
tamanho da habitação
3.2.2 Ocupação
e uso da habitação
Na inspeção aos edifícios e no inquérito aos
residentes verifica-se que a ocupação e uso que os residentes fazem das suas
unidades de habitação é tradicional, procurando adaptar os compartimentos
existentes nos pisos (antigos quartos, salas e arrecadações) em casas de banho,
salas de estar e jantar, cozinhas, espaços de trabalho, entre outros.
No que se refere à ocupação e uso da habitação,
conclui-se que as unidades de habitação são ocupadas pelos residentes de forma
convencional, ou seja, cada agregado familiar transforma os compartimentos
existentes (e.g. quartos de dormir e salas, arrumos) em compartimentos da
habitação tradicional em falta (e.g. instalações sanitárias, cozinha, sala
jantar, lavandaria…) ver tabela 1.
Desta análise verifica-se que a maioria dos
residentes usa a unidade de habitação para satisfazer as necessidades básicas
como dormir, tomar banho, cozinhar, descansar, sendo estas funções as que mais
influenciam as respostas dos inquiridos, tal como se apresenta na tabela 2. Os
inquiridos também respondem que fazem o tratamento da roupa na sua própria
unidade de habitação, mesmo não estando preparadas com lavandarias
convencionais, ou apresentando as condições básicas desejáveis ou necessárias.
Embora com menor incidência, a unidade de habitação também é referida por
alguns residentes como espaço para trabalhar, ou realizar outras atividades.
Tabela 1: Tipo de ocupação
Tabela 2: Tipo de uso
Na avaliação dos dados do inquérito verifica-se ainda
que as famílias clássicas e as famílias monoparentais, isto é, os agregados
constituídos por residentes adultos, jovens e crianças, são as que expressam
maior necessidade de dar usos diferentes à unidade de habitação, como criar
locais de trabalho para tarefas domésticas e prestação de serviços a terceiros
(lavar a roupa e passar a ferro, costurar, espaços de cabeleireiro, etc.). No
item outro inclui-se as atividades estudar e brincar. Estes resultados apontam
para que diferentes agregados familiares demonstrem diferentes necessidades, ou
atribuam diferentes usos ao seu espaço habitacional (ver figura 6).
Fig. 6: Relação entre o agregado
familiar e o uso da habitação para trabalho e outras atividades que não as
necessárias para satisfazer as necessidades básicas
3.2.3 Privacidade
e acessibilidade
Na avaliação da privacidade na unidade habitacional
analisa-se a perceção dos residentes nos quartos de dormir e instalações
sanitárias por serem espaços, muitas vezes, improvisados e posicionados em
locais inadequados para as suas funções, não cumprindo também as normas mínimas
de habitabilidade requeridas pelo RGEU [25]. Desta análise afere-se que 60% dos
residentes idosos dizem sentir pouca privacidade nos quartos de dormir e
instalações sanitárias (ver figura 7). Este resultado advém do facto dos
quartos de dormir se encontrarem ligados a outros quartos de dormir, ou de se
localizarem em locais de passagem; das instalações sanitárias se localizaram em
locais de passagem dentro da unidade habitacional, em frente às salas de jantar
e/ou de estar, ou no exterior das habitações.
A figura 7 apresenta também a relação da
acessibilidade ao e no edifício com a faixa etária (adultos e idosos),
verificando-se que os idosos são aqueles que mais sentem dificuldades em aceder
à habitação através das caixas-de-escadas (76%). Isto acontece como resultado
das suas limitações físicas, agravadas pelo facto destes idosos morarem,
frequentemente, nos últimos pisos e em unidades habitacionais com corredores
estreitos e instalações sanitárias afastadas dos quartos de dormir.
Fig. 7 - Perceção de idosos e adultos
em relação à privacidade na unidade de habitação e acessibilidade nos edifícios
e caixas-de-escadas
A figura 8 mostra algumas imagens que ilustram e
justificam esta realidade nos edifícios analisados.
Fig. 8: Fotografias que revelam: (a)
falta de privacidade nas instalações sanitárias e (b) quartos de dormir, e (c,
d) difícil acessibilidade nos edifícios e caixas-de-escadas
3.2.4. Conforto térmico e acústico
A análise da perceção dos residentes sobre o conforto
térmico na habitação mostra que os residentes sentem menos desconforto térmico
na habitação de Verão do que de Inverno. Os residentes idosos percecionam em
maior percentagem a habitação fria de inferno (37%), enquanto os residentes
adultos percecionam em maior percentagem que a sua habitação é muito fria de
Inverno (45%), figura 9.
Na avaliação do conforto acústico, a maioria dos
residentes não perceciona desconforto acústico na habitação, sendo os
residentes idosos os que demonstram sentir menor desconforto acústico (ver
figura 9). Esta situação acontece como resultado dos idosos habitarem
preferencialmente os últimos pisos dos edifícios e de potencialmente apresentarem
uma menor capacidade auditiva.
Fig. 9: Perceção do conforto térmico e acústico dos
residentes
3.2.5. As necessidades básicas dos residentes e o
valor da habitação
Em relação às condições da unidade habitacional, de
um modo geral os inquilinos manifestam interesse em melhora-las, intervindo
espontaneamente com pequenas obras que consideram prioritárias, sem esperar
pela decisão do proprietário. Os residentes idosos manifestam maior vontade de
efetuar pequenas obras de manutenção na habitação. Apresentam-se algumas
opiniões (adaptadas) de residentes (ver quadro 1) relativamente às necessidades
básicas sentidas na sua unidade de habitação e edifício.
Quadro 1: Perceção dos residentes sobre as suas
necessidades básicas na habitação
Os resultados do inquérito permitiram também
constatar que os residentes com maior grau de escolaridade são aqueles que
expressam de forma mais clara as suas necessidades básicas, tendo maior
perceção sobre as diversas necessidades de intervenção nas suas unidades de
habitação. No entanto, o gráfico da figura 10 mostra que, independentemente da
escolaridade dos residentes, a larga maioria dos residentes reconhece que os
edifícios têm valor, gosta de morar no edifício, mas gostaria de melhorar as
condições da sua unidade habitacional.
Fig. 10: Relação entre a escolaridade dos residentes inquiridos e a perceção sobre o valor dos edifícios e desejo de melhorar as condições da unidade de habitação
Fig. 10: Relação entre a escolaridade dos residentes inquiridos e a perceção sobre o valor dos edifícios e desejo de melhorar as condições da unidade de habitação
3.3 Perceção dos residentes em relação à área de residência
O inquérito da FA questiona os residentes sobre a sua
perceção em relação à área de residência, nomeadamente à segurança, aos
vizinhos, aos equipamentos existentes e à acessibilidade. No que respeita aos
equipamentos, instalações e serviços mais usados na área de residência (ver
figura 11), conclui-se que o hospital (89%), o posto médico (87%), a mercearia
(77%), o supermercado (67%), a recolha de lixo (56%) e a junta de freguesia
(33%) são os mais usados.
Fig. 11: Equipamentos, instalações e serviços mais
usados pelos moradores
Os residentes questionados sobre a qualidade da
acessibilidade na área de residência (ver figura 12) percecionam a existência
de transportes públicos (78%), passeios em boas condições (69%) e ruas pedonais
(30%) como os fatores mais importantes.
Para além disso, os residentes são também inquiridos
sobre características/fatores que os mais satisfazem na área de residência
(e.g. centralidade, segurança, transportes e serviços, vizinhos, atividades
sociais e culturais…). Desta análise verifica-se que a centralidade (90%), a
segurança (85%), os transportes e serviços (82%), bem como os vizinhos (80%) são
os fatores que os residentes apresentaram como sendo os que mais apreciam na
sua área de residência e que contribuem para a sua vontade de permanecer na sua
unidade de habitação (ver figura 13).
No fim do inquérito são colocadas duas questões que
sintetizam as questões anteriores, e que incidem sobre a satisfação residencial
dos inquilinos em relação à habitação e área de residência. Ambas assentam em
respostas de escolha múltipla com as opções: insatisfeito, pouco satisfeito,
satisfeito e muito satisfeito (ver figura 14).
Desta análise verifica-se que os residentes estão na
sua maioria satisfeitos (61%) em viver na sua habitação. Por outro lado, a
satisfação na área de residência é maior, mostrando-se 54% dos residentes
satisfeitos em habitar na área de residência e 41% muito satisfeitos.
4. Conclusões
Desta análise conclui-se que os residentes que ocupam
os edifícios analisados são na sua maioria idosos, com rendimentos e rendas
baixas e que vivem há muito tempo na sua unidade habitacional, querendo aí
permanecer, ou seja que demonstram ter criado um sentido de pertença com o
local. A baixa escolaridade, muitas vezes associada a rendimentos baixos,
contribuem para expressarem algum sentimento de acomodação [10, 11]; embora
reconheçam as condições precárias em que vivem, identificam valor patrimonial
nos seus edifícios. Por outro lado, percecionam desconforto térmico no Inverno,
situação que resulta em parte da ausência de equipamentos e instalações de
aquecimento, fator que se atribui, de um modo geral, aos baixos recursos
económicos dos residentes inquiridos. Os residentes idosos também confirmam a
falta de privacidade nas instalações sanitárias e quartos de dormir, bem como
dificuldades em se movimentarem na habitação, nomeadamente em subir escadas
devido às suas dimensões reduzidas. Neste sentido, as más condições de
habitabilidade e falta de segurança relatadas justificam, em parte, as
necessidades básicas expressas pelos mesmos.
O inquérito mostra ainda que, em geral, os residentes
fazem um uso convencional da habitação, embora os agregados correspondentes às
famílias clássicas e alargadas mostrarem necessidade de incluir outros usos
(e.g. trabalhar, estudar e brincar) na satisfação das suas necessidades. Isto
é, o tamanho da habitação e sua usabilidade é um fator determinante na
satisfação dos residentes. Este estudo revela que a ocupação, uso e
necessidades básicas dos residentes na habitação estão relacionados com os seus
diferentes perfis.
No que respeita ao estudo sobre a perceção dos
residentes na área de residência, verifica-se que os moradores idosos têm
tendência a demonstrar maior insegurança, embora sejam os que criam maior
empatia e laços com a vizinhança.
Deste modo, a análise da dimensão social é uma
importante ferramenta de apoio aos técnicos, porque possibilita aferir lacunas
na conservação do património edificado, ou seja, necessidades básicas e expetativas
a colmatar. Para além disso, sublinha a necessidade de definir ações de
intervenção bem sustentadas que proporcionem uma real melhoria da qualidade de
vida aos seus residentes. Por outro lado, permite promover condições
diferenciadas de intervenção no património edificado capazes de integrar (e de
combinar) exigências patrimoniais, de segurança e de habitabilidade, tendo por
base as necessidades básicas dos residentes que, como demonstrado, variam de
acordo com o seu perfil e modo de vida na habitação e área de residência.
O debate em torno da satisfação residencial mostra
ainda que nem sempre as necessidades básicas conseguem ser satisfeitas na sua
totalidade dentro da unidade habitacional; muitos edifícios não possuem
compartimentos para satisfazer algumas dessas necessidades (lavar a roupa,
cozinhar) que, no entanto, podem ser satisfeitas fora da habitação [4,8].
Constata-se, por isso, ser necessário uma visão mais alargada da habitação,
podendo a área de residência colmatar as necessidades básicas que eventualmente
não possam ser colmatadas no interior da habitação. Em particular, estes
estudos mostram que os requisitos normativos em torno das condições de
habitabilidade são restritivos, não contemplando novas formas de habitar.
Por último, é de sublinhar que o estudo da satisfação
residencial dos residentes, quando conjugado com a avaliação patrimonial e
técnica dos edifícios, constitui um contributo importante na criação de manuais
de manutenção e reabilitação dos edifícios existentes que suportem intervenções
diferenciadas, adaptadas a diferentes e mais flexíveis modos de habitar/ ocupar
estes edifícios, e garantam, para além das condições de valorização patrimonial
e de segurança e uso adequadas, a satisfação das necessidades dos residentes.
5. Agradecimentos
Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) por
todo o apoio prestado como entidade financiadora da Bolsa de Doutoramento com
referência SFRH/BD/43755/2008, bem como aos revisores anônimos pelas suas
sugestões.
Notas de
Rodapé
[01] Entende-se por casal um conjunto de duas
pessoas, dentro de uma família clássica, com uma relação marital, sem filhos,
ocupando a totalidade ou parte do alojamento; família clássica um conjunto de
mais do que uma pessoa que reside no mesmo alojamento e que tem relações de
parentesco (de direito ou de facto) entre si, constituída exclusivamente por
duas gerações, país e filhos, ocupando a totalidade ou parte do alojamento;
família alargada por um conjunto de pessoas aparentadas através de laços de
família ou pelo casamento, ou de outros relacionamentos reconhecidos pela
cultura como parentes, não incluídos em família clássica ou família
monoparental, tais como tios, sobrinhos e avós, podendo ocupar a totalidade ou
parte do alojamento; por família monoparental um conjunto de pessoas dentro de
uma família clássica, que tem a presença de apenas um dos progenitores, pai ou
mãe com filho(s), ou avó ou avô com neto(s) não casado(s), podendo ocupar a
totalidade ou parte do alojamento; por último, os grupos coabitantes são um
conjunto de pessoas sem ligação de parentesco que coabitam, ocupando a
totalidade ou parte do alojamento.
[02] Nesta investigação “unidade habitacional”
designa o conjunto de compartimentos do edifício que é utilizada por um agregado
familiar, e que pode corresponder, no caso específico do Porto, à ocupação de
parte de um piso, um piso, dois piso, etc., dependendo da área que é ocupada
por cada inquilino. Esta definição advém do termo “unidade” usada nos métodos
do MAEC e MANR quando se refere a parte dos edifícios a avaliar [26].
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da Habitação". Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações,
Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
Notas biográficas
Cilísia Ornelasa: Licenciada (2003) e Mestre (2007) em Arquitetura pela
Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto; Doutora em Engenharia Civil
(2016) pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) na área da
Reabilitação do Património Edificado; Investigadora dos centros de investigação
CONSTRUCT e CITTA, desenvolvendo investigação sobre reabilitação urbana e
património construído; Autora e Co-autora de publicações em revistas, capítulos
de livros e trabalhos de conferências nacionais e internacionais.
Isabel Breda-Vázquezb: Doutora em Engenharia Civil pela FEUP; Professora
associada da FEUP; Diretora do Programa Doutoral em Planeamento do Território
(PDPT) e presidente da comissão científica e de acompanhamento do PDPT; Membro
da comissão científica do Mestrado em Planeamento e Projeto Urbano (MPPU), e
Membro integrado do CITTA; possui um vasto curriculum no ensino e na
investigação científica desde longa data o que considero ser uma mais-valia no
suporte deste trabalho de investigação.
João Miranda Guedesc: Doutor em Engenharia Civil pela FEUP; Professor auxiliar da
FEUP; Membro da comissão científica do Mestrado em Estudos Avançados em Reabilitação
do Património Edificado (MEARPE); Membro integrado do CONSTRUCT; possui um
vasto curriculum no ensino e na investigação, possui uma extensa prática profissional
na reabilitação do edificado através do Instituto da Construção (IC) da FEUP e
no Núcleo de Conservação e Reabilitação do Património Edificado, Lda (NCREP) do
qual é sócio-gerente. É ainda Vice-presidente da direção da Associação
Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património (APRUPP) e
possui um vasto curriculum no ensino e na investigação científica.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão
referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 710
DEGRADAÇÃO E MODOS DE HABITAR EM EDIFÍCIOS
RESIDENCIAIS ANTIGOS DO PORTO: avaliação da satisfação e perceção dos
residentes – Infohabitar 710
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor
em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no
Laboratório Nacional de
Engenharia Civil (LNEC) –, em Lisboa
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE)
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