domingo, novembro 23, 2014

510 - Circulações domésticas espaços de vida - I - Infohabitar 510

Infohabitar, Ano X, n.º 510

Artigo LXIV da Série habitar e viver melhor

   Circulações domésticas como espaços de vida - I

António Baptista Coelho

Continuando a Série editorial sobre "habitar e viver melhor", na qual temos acompanhado uma sequência espacial desde a vizinhança de proximidade urbana e habitacional até ao edifício multifamiliar, e neste os seus espaços comuns, vamos, agora, falar com algum detalhe sobre os espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas facetas que os qualificam.

Primeiro viajaremos pelos espaços domésticos comuns, isto é aqueles que são usados por todos os habitantes de uma dada casa ou apartamento numa base geral de uso partilhado e de alguma comunidade; depois iremos até aos espaços domésticos privativos, portanto aqueles mais amigos de um uso individual, ou muito ligado ao casal. São os seguintes os espaços domésticos comuns a abordar, sequencialmente, em artigos desta série: vestíbulo de entrada, lavabo, corredor e zonas de passagem, sala ou zona de estar, cozinha, áreas de serviço para arrumações, verdadeiras pequenas áreas de serviço - lavandaria e rouparia, zona de refeições ou sala de jantar, casa de banho, varanda e outras zonas exteriores privadas elevadas como pátios e pequenos quintais, virtualidades domésticas do estacionamento em garagem.

No presente artigo serão abordados diversos aspetos a ter em conta no projeto de espaços de circulação domésticos bem habitados; este artigo inicia uma temática que será concluída na próxima semana.

(Nota geral: porque boa parte dos textos que servem de base a esta série editorial estão elaborados desde há algum tempo, eles não cumprem as regras do Acordo  Ortográfico).

 

Índice dos dois artigos sobre Circulações domésticas como espaços de vida (I e II); a bold as matérias tratadas na presente semana.

·         Os espaços de circulação e as várias dimensões domésticas.

·         Associações interessantes dos espaços de circulação com outras áreas domésticas.

·         Hábitos interessantes nos espaços de circulação domésticos

·         Aspectos motivadores ligados aos espaços de circulação domésticos.

·         Problemas correntes nos espaços de circulação domésticos.
·         Questões e ideias levantadas (dimensionais e outras) nos espaços de circulação domésticos.


Fig. 1

Os espaços de circulação e as várias dimensões domésticas

Um dos aspectos que continua a ser estruturador de uma boa solução doméstica é que ela se caracteriza por uma economia ponderada de circulações, conseguida através da mínima extensão e do aproveitamento máximo das circulações por corredor (por exemplo por dupla utilidade para circulação e para arrumações em roupeiros) e também mediante a mínima extensão e posicionamento estratégico das eventuais zonas de circulação obrigatória através de compartimentos mais sociais (por exemplo, quartos com acessos através de salas e cozinhas).

Numa sociedade em que todos temos muito mais para fazer do que andar a perder tempo e energia a usar habitações mal organizadas e considerando que tais habitações se caracterizam, como é evidente, por um esforço acrescido na sua manutenção e limpeza, não faz realmente sentido, também a este nível de uma essencial e maximizada funcionalidade doméstica, que tenhamos casas mal distribuídas e perdulárias em circulações extensas e pouco úteis; e nestas matérias Claude Lamure (1) chegou à conclusão que, geralmente, se pode reduzir para cerca de metade a extensão dos percursos relativamente a soluções domésticas com organizações mal concebidas, poupando-se significativamente no esforço físico e, especificamente, nos cuidados de manutenção e limpeza, uma redução que está também associada à supressão dos desníveis interiores.

E há que sublinhar que estes aspectos têm muito interesse quando se visa uma habitação direccionada especificamente para habitantes mais idosos e com pouco tempo, ou mesmo com pouca vocação e disponibilidade, para a lide da casa, um grupo sociocultural cada vez mais importante na sociedade urbana.


Outra matéria apontada por Lamure é que habitações em dois pisos são muito negativas nestes aspectos de crescimento de áreas de circulação e de esforço no uso da habitação, mas julgo que esta escolha deverá ser destacada do juízo anterior, pois habitar em dois pisos também terá as suas vantagens noutros aspectos (por exemplo, na privacidade no interior doméstico) e é possível, naturalmente, organizar funcional e racionalmente habitações em dois pisos.

Mas voltando à ideia atrás expressa de uma clara negação a circulações mal organizadas, importa sublinhar que se está a negar essa má organização, essa má concepção e não o interesse de circulações com significativo desenvolvimento, desde que bem estruturadas e associadas a outras actividades domésticas, pois um razoável desenvolvimento destas circulações também pode ser factor de adaptabilidade no uso dos diversos compartimentos e de negação daquilo que por vezes se considera ser uma organização doméstica excessivamente hierarquizada e funcionalmente rígida.

Numa primeira conclusão sobre estas matérias da circulação doméstica há que sublinhar que ela tem de ser estritamente funcional e racionalizada, ainda que uma tal condição esteja associada a uma expressão afirmada de uma dada estrutura de organização da habitação, ou a uma expressiva importância que seja dada exactamente a essas áreas de circulação, um pouco como sendo uma habitação que vive toda ela de um grande coração de circulação, que será, por exemplo, também de estar e de outros usos nobres (por exemplo, uma grande biblioteca); e afinal Alexander defende que o fluxo através dos compartimentos é tão importante como os próprios compartimentos, influenciando tanto a convivialidade doméstica, como o uso de cada espaço da casa. (2)


Fig. 2

Associações interessantes dos espaços de circulação com outras áreas domésticas

Tal como apontei num estudo editado no LNEC (“Do bairro e da vizinhança à habitação”, ITA 2, 1998), apontei que entre as características mais desejáveis nos espaços para circulação, comunicação e separação se salientam as seguintes: permitir a circulação funcional das pessoas entre todos os espaços e compartimentos da casa, protegendo os espaços mais privados e recebendo algum mobiliário (funcional e de aparato); permitir diversos tipos de ocupação (por exemplo, corredor que para além de ser uma zona de passagem é, também, um agradável espaço mobilado e decorado e uma zona de utilização de roupeiros e arrumações); serem de fácil limpeza e terem ventilação e luz natural ainda que indirectas (através de envidraçados e aberturas em portas e "bandeiras" interiores).
A agregação da circulação, do receber e da sala de estar é, frequentemente, uma solução muito mal usada, porque não há uma protecção visual da sala, que fica devassada e "trespassada" por espaços de circulação, inúteis para qualquer outra função, e importa considerar que tanta circulação não será muito adequada a uma sala mais formal, embora seja, talvez, admissível numa sala de família.
E tal como apontei no referido estudo (ITA 2), há todo o interesse em atribuir a utilidade máxima às zonas de circulação do tipo corredor, desenvolvendo roupeiros ao longo delas e estimulando o seu uso como verdadeiras "antecâmaras" das zonas mais privadas (podem ser até pequenos "halls" de quartos).

Finalmente, não são de esquecer as potencialidades dos corredores como excelentes espaços informais de brincadeira para as crianças e, de uma forma mais elaborada e sujeita a cuidados específicos, de integração de recantos de trabalho individuais; sobre esta última possibilidade lembremos que, por exemplo, durante a noite e desde que havendo adequados cuidados de dimensionamento, isolamento acústico e visual e climatização, os corredores poderão proporcionar uma nova dimensão no uso da casa.


Hábitos interessantes nos espaços de circulação domésticos

Relativamente aos velhos hábitos no uso da casa importa lembrar que o corredor foi uma invenção não muito antiga, pois na casa popular, e no limite, havia um único grande compartimento, enquanto na casa nobre ou burguesa se passava, habitualmente, de compartimento para compartimento, na zona principal da casa, havendo, eventualmente, corredores nas respectivas zonas de serviço. E quem sabe talvez se possa recuperar parte desta estrutura organizativa em algumas renovadas organizações domésticas.

Notas:
(1) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 194.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 560 e 561.

Notas editoriais:
·       (i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
·       (ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.


INFOHABITAR Ano X, nº 510
Artigo LXIV da Série habitar e viver melhor

   Circulações domésticas: espaços de vida - I

Editor: António Baptista Coelho – abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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