50 Anos de Engenharia – Reflexões sobre Ética e Qualidade
Notas sobre a “aula” de José Teixeira Trigo
Engenheiro Civil, Investigador Coordenador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, na Sala 1 do LNEC, em 29 de Maio de 2007.
Os apontamentos que se seguem, são apenas isso: “apontamentos” pessoais relativos à palestra de Teixeira Trigo, acima devidamente registada.
Naturalmente que estes apontamentos foram “passados a limpo” e corrigidos no sentido de não conterem, em princípio, grandes desvios do discurso proferido, uma correcção feita com base em notas do próprio Teixeira Trigo, que gentilmente as disponibilizou. No entanto, sublinha-se que se procurou realizar uma “leitura” pessoal do que foi ouvido na “aula”, esperando-se que o próprio Teixeita Trigo possa vir a rever as suas notas para então dispormos da versão integral da sua última “lição” no LNEC, como funcionário desta casa, mas também da primeira “lição” das muitas que dará neste seu início de uma nova etapa do seu logo e rico percurso de vida e de ensino.
Fig. 01
Logo de início Teixeira Trigo referiu que não pretendia fazer uma ligação entre as principais experiências da sua vida e os aspectos de ética de qualidade, escolhidos como tema-base desta palestra, um tema que sublinhou ter também abordado em outras suas intervenções no LNEC e na Universidade Lusófona.
Destacou que considera que a actividade humana se pode desenvolver no quadro de três tipos de conceitos e objectivos: a lógica, que referiu ser muito cara à engenharia, a estética, e a ética.
Mas por se tratar da actividade humana e devido à natureza específica de cada uma desta matérias, desde sempre houve “zonas cinzentas”, por exemplo na ética e Trigo destacou que é fundamental desenvolver uma preocupação crescente com o que está bem ou mal, sendo cada vez mais necessária a introdução de princípios éticos na engenharia; pois, como referiu, “ a actividade de engenharia é de confiança pública.”
Referiu haver princípios e valores estáveis, que servem e deverão sempre servir de referência e que se devem associar, naturalmente, aos códigos de conduta profissionais. Valores que o marcaram, na sua formação, desde pequeno e até à Faculdade de Engenharia, no Porto. E Trigo salientou entre tais valores imutáveis, em primeiro lugar, a protecção da vida humana, e, depois, a protecção da saúde e, finalmente, a protecção dos bens.
Fig. 02
Mas, de forma distinta destes valores de referência, noutros aspectos Trigo considera que tem havido significativas mudanças, tendo salientado os seguintes:
- Relativamente ao conforto e ao bem-estar, cuja interpretação tem variado com o tempo, havendo um crescendo de matérias associadas.
- No que se refere à preocupação para com o património edificado, que Trigo sublinha ser recente, tendo exemplificado com o que foi a destruição da Alta de Coimbra, feita à luz de princípios urbanísticos da época e com a frequente demolição de construções que valem pelo seu conjunto.
- Nas matérias relativas à protecção e à defesa do património ambiental, uma matéria também recente, com cerca de 20 anos; o que fica evidenciado pelo estudo dos códigos de conduta da engenharia e do número de referências a esta a e outras matérias que constam das diversas versões, por exemplo, do Estatuto da OE (entre 1982 e 1998 as referências ao ambiente passaram de uma para sete).
- No que se refere à temática/problemática da qualidade de vida, que tem sido objecto de recentes e significativas evoluções, embora Trigo também sublinhe que já da “Utopia” de Thomas More (Século XVI) constem preocupações com a vida terrena; e portanto não foi este um tema “descoberto” no século XIX.
- No que se refere a aspectos que estão muito ligados a especificidades culturais e regionais, e nesta matéria e a título de exemplo, Trigo lembrou a oconceito de corrupção, que considera ainda muito integrado e assumido de forma menos correcta em algumas sociedades, que a terão de ultrapassar para conseguirem um adequado desenvolvimento.
Fig. 03
Finalmente, e ainda nesta sequência de reflexões sobre conceitos que têm sofrido alguma mutação e que são estruturalmente dinâmicos, embora, também, em boa parte sempre marcados por essenciais preocupações de boa-prática, e desejavelmente dos referidos aspectos de lógica, estética e ética (perdoe-se esta pequena consideração do autor destas linhas), Teixeira Trigo avançou no conceito de qualidade, um dos temas centrais da “aula”, e relativamente ao qual Trigo sublinhou dever ser assumido, considerando-se diversos aspectos e designadamente:
- que a definição de necessidades é algo distinta da satisfação das expectativas de clientes e utilizadores;
- que são também bem distintos os conceitos de cliente e de utilizador;
- que se tende a considerar que são os técnicos que têm a sabedoria para discernirem sobre o que as pessoas realmente precisam, uma situação relativamente à qual Trigo sugere que haja o máximo de cuidado;
- e, finalmente, que há que atender a grandes diferenças nos contornos e conteúdos da procura e da definição da qualidade na sua aplicação aos diferentes sectores da produção, destacando aqui, a título de exemplo, que nestas matérias e no sector da produção automóvel tudo está perfeitamente claro e rigorosamente especificado, situação esta que julga não ser directa (ou mesmo desejavelmente) aplicável noutros sectores – o autor destas linhas julga ter sido este o sentido da intervenção de Teixeira Trigo nesta matéria específica.
Fig. 04
Ainda sobre o conceito de qualidade Teixeira Trigo referiu que a garantia da mesma é actualmente um dos grandes objectivos da sociedade, condição esta que, importa salientar, ultrapassa, claramente, o “simples” cumprimento de determinados aspectos de qualidade.
Depois o conferencista desenvolveu uma súmula da sua vida nas suas fases de formação e nas suas diversas facetas profissionais e formativas.
Não se irá fazer aqui qualquer síntese desta parte da intervenção mas não se resiste a referir um episódio, ainda liceal, sublinhado por Trigo relativamente a uma sua participação, com os colegas da turma, na discussão de fichas/verbetes correspondentes à elaboração, por alguns dos seus professores de então, da primeira edição do dicionário de português da Porto Editora; e refere-se este episódio pois julga-se que ele testemunha muito do espírito colaborativo e basicamente aberto que caracteriza Teixeira Trigo, sempre disponível para um forum em que, a partir da releitura e da eventual reinterpretação de matérias mais ou menos conhecidas, se possam gerar novas pistas e perspecticas de interpretação das respectivas situações.
Fig. 05
Depois de uma breve resenha biográfica, falou das obras que mais o marcaram e a propósito delas referiu os arquitectos com quem trabalhou; numa paixão pela arquitectura que nele bem conhecemos.
Falou da sua longa e fértil carreira no LNEC e, sequencialmente, no IST, nos mestrados em que participou, e, por fim, na coordenação da Engenharia da Universidade Lusófona.
Destacou na sua vida no LNEC, o trabalho na Marca de Qualidade LNEC e o seu mandato de três anos como Presidente do Conselho Científico do LNEC, sublinhando ter, nesta qualidade, tentado estruturar a respectiva funcionalidade ao serviço, entre outros aspectos, do enquadramento e do apoio aos mais jovens investigadores e de uma perspectiva de renovação e de futuro.
Antes de iniciar a fase conclusiva da sua “aula” Teixeita Trigo referiu, a propósito da preparação que fez para esta sessão, uma “meia-hora” de um bem recente sábado, em que, em pouco tempo, se confrontou: com um autocarro em claro excesso de velocidade e que ostentava a conformidade com dterminadas regras de qualidade; com um marco de correio em grande parte vandalizado e que não proporcionava qualquer indicação de horário de recolha da correspondência (e sugeriu serem os CTT uma instituição daquelas que mais deviam/podiam garantir uma certa e crucial permanência de valores cívicos); com um condutor a estacionar o carro no passeio, obrigando-o a ir pela estrada e tendo lugar de estacionamento logo ali; e, finalmente, ao abrir o jornal ter-se deparado com uma afirmação em que se referia que mais do que o bom senso o que importava era cumprir a lei.
Fig. 06
São pistas que Trigo associa, directa e indirectamente, aos problemas que hoje em dia se colocam na sociedade, que a irão marcar, fortemente, nos tempos mais próximos e que têm de merecer respostas positivas e eficazes; e a propósito desses exemplos Teixeira Trigo reflectiu, mais um pouco, com a plateia sobre temas aos quais irá, sem dúvida, voltar em próximas intervenções.
Depois, e a propósito de algumas citações (a propósito), o palestrante, bem à sua maneira prática e natural, foi deixando mais algumas ideias que considera de ter em conta seja no LNEC, seja no quadro social em que, tal como acredita Trigo, o LNEC deverá continuar a ter um lugar de primeira linha.
Em seguida, o autor desta síntese das ideias expressas pelo palestrante, limita-se, praticamente, a uma transcrição das citações por ele feitas, na ordem em que foram feitas, embora quase sempre uma transcrição parcial, mas que se quer sempre significativa em termos das ideias assim lançadas.
Fig. 07
De Armando Lencastre referiu que “a Engenharia é a Ciência-Arte, que apoiada na Matemática e na Física, mas também no bom-senso, resolve problemas relacionados com o bem-estar em favor da dignidade das pessoas.”
De João Lobo Antunes a ideia de que “quando as pessoas não confiam umas nas outras só cooperam sob sistemas de regras e regulamentos formais ...”
De Marçal Grilo, e do Encontro Nacional sobre Qualidade e Inovação na Construção, no LNEC em 2006, a ideia de que os sistemas de qualidade se destinam a suprir a falta de cultura de qualidade, substituindo-se a boa prática por bons procedimentos.
De José Manuel Moreira e do Congresso Nacional de Estruturas de 2002, a noção de que “a qualidade das obras só é sustentável se apoiada na qualidade humana de pessoas capazes de sonhar e projectar obras úteis e belas; mas também de acompanhar a sua realização, com competência, técnica e ética ...”
De Ferry Borges o entendimento de que “os princípios da moral e da justiça, expresos sob a forma de ética, devem sobrepor-se e condicionar as formulações utilitaristas.”
E novamente de Armando Lencastre e das suas “Memórias Profissionais – Meio Século ao Serviço da Engenharia”, a seguinte escala de classificação ética:
- “no baixo nível ético estariam os que se orientam por razões egocêntricas;
- menos baixo seria o nível dos que já reconhecem os interesses das empresas em que trabalham;
- mais elevado seria o daqueles que juntam aos valores anteriores os interesses da sociedade em que se inserem;
- o mérito máximo seria dos que subordinasse toda a sua actividade ao aumento da dignidade da pessoa humana.”
E, finalmente, de Einstein, e no que se refere ao conteúdo do ensino, a noção de que não chega ensinar a alguém uma especialidade, pois são igualmente necessários valores essenciais, designadamente, de beleza e de moral.
Fig. 08
Os vários Prémios obtidos por Teixeira Trigo ao longo da sua longa prática profissional, que pretende agora retomar, foram apontados, sumariamente, e numa pespectiva que sublinhou a importância que, para ele, teve e tem o trabalho em equipas multidisciplinares e muito qualificadas, em que muito se discute, da construção aos acabamentos, e até ao próprio desenho da arquitectura; pois através da discussão pode-se aprender a ver melhor determinadas realidades e consegue-se, sempre, aprender, um pouco mais, de outras disciplinas que confluem em objectivos comuns de construção da cidade (reflexão desenvolvida pelo autor a partir deste ponto da intervenção de Trigo).
E a satisfação com que Trigo se refere a muitas das suas obras liga-se, objectivamente, aos seguintes aspectos de projecto e obra: qualidade das equipas; dimensão dos problemas; resultado no que se refere a qualidade estética; e reconhecimento pela sociedade.
Um outro tema apontado foi a importância da análise das construções sob forma exigencial. Da habitação á cidade, a partir da definição de critérios de análise – ex., durabilidade , estética, economia, durabilidade – e considerando que cada tipologia de edifícios tem exigências específicas - ex., habitação, escolas, universidades, hotéis, equipamentos sociais, centros comerciais, templos, rodovias, ferrovias, captação de águas, etc.. E importa sublinhar que este leque tipológico, com terminologias próprias, foi também caminho de Teixeira Trigo nas suas diversas facetas profissionais, colaborando na tradução em regras dos ensinamentos que a experiência vai permitindo acumular; mas, como sugeriu o palestrante, nem tudo pode/deve ser passado de uma forma directa entre a prática e a forma legal, forma esta que, depois, tem tendência a ficar “congelada em Diário da República”.
Fig. 09
Teixeira Trigo apontou ainda, sumariamente, as múltiplas ferramentas utilizadas no processo de aplicação da Marca de Qualidade LNEC, reflectindo um pouco sobre a imprtância deste processo e sobre as suas complexidades, que decorrem, em boa parte, considera ele, de se visar, ma Marca e em outros processos de controlo da qualidade, um mecanismo de controlo de todas as intervenções na obra, situação que se revela, habitualmente, pouco agradável para todos os intervenientes; e apontou que se aceita razoavelmente bem a revisão de um qualquer trabalho desde que não se apontem erros específicos. E estes erros, sublinha Trigo, são quase sempre decorrentes de deficiências quanto a definições de prazos, ausência de acompanhamento e deficiente definição de responsabilidades.
Trigo terminou com um pequeno apontamento de problemas actuais em que destaca o aumento do peso do estado e o excesso de normas, que considera constituir factor propício para mais ocasiões de corrupção.
As preocupações que aponta visam os centros das nosssas cidades e os espaços exteriores públicos, que considera em “estado de decrepitude”, exceptuando-se de tal estado as pessoas que os habitam.
Fig. 10
E deixa o desafio da racionalidade e da capacidade de actuar com lógica e com rapidez, considerando que em alguns casos há que avançar para demolições parciais ou totais. Uma racionalidade que Trigo defende dever ser marcada pela clareza, pela capacidade de discernimento e pelo reforçado desenvolvimento da formação, pois Teixeira Trigo diz não estar nada preocupado com o excesso de formação no sector da construção, seja no respectivo aprofundamento seja em número de pessoas formadas. Trigo diz que “não há formação excessiva, pode haver é formação enviezada e inadequada às necessidades da sociedade.”
Como se referiu no início deste texto ele não é um relato fiel da “aula” de Teixeira Trigo no LNEC a 29 de Maio de 2007, e sublinho que o termo “aula” pedi-o de empréstimo ao seu velho amigo e parceiro de trabalhos Teotónio Pereira, que assim a designou. Este texto contém, apenas, aquilo que ouvi da sua “aula” e não há melhor receita para fixar o que se ouve do que a escrita; e também por isso o fiz.
Mas para conhecer o verdadeiro “texto” de mais esta excelente “aula” de Teixeira Trigo teremos de esperar que ele passe a limpo as suas notas, cuja consulta, que se agradece, foi essencial para o enquadramento destes apontamentos pessoais.
Lisboa, Encarnação/Olivais Norte, 14 de Junho de 2007-06-04
Notas e imagens de ABC
Edição de José Romana Baptista Coelho
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