quarta-feira, setembro 10, 2025

O Papel da Arquitectura na Inclusão Tecnológica e na Sustentabilidade da Indústria da Construção – infohabitar # 948

O Papel da Arquitectura na Inclusão Tecnológica e na Sustentabilidade da Indústria da Construção – infohabitar # 948

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing

Infohabitar, ano XXI, n.º 948

Edição: quarta-feira 10 de setembro de 2025 

 

 

Editorial

Tal como foi referido desde há algumas semanas, continuamos a divulgar uma série de artigos realizados por novos autores ainda não editados aqui na Infohabitar e ligados à recente revitalização do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – antigo Grupo Habitar, uma associação técnica e científica sem fins lucrativos que tem estado a redinamizar a sua ação com diversas atividades por todo o País e que irão sendo aqui divulgadas, salientando-se, desde já, a sessão sobre a importante temática da "Cooperação na Habitação" que terá lugar em Lisboa, no CIUL, pelas 17,00h do dia 25 de setembro com as participações apontadas na imagem que se segue.



 

Temos, portanto, o gosto muito especial de passar, em seguida, ao artigo que nos foi enviado pelo colega Bruno Baldaia, a quem saudamos de forma muito cordial, texto este intitulado “O Papel da Arquitectura na Inclusão Tecnológica e na Sustentabilidade da Indústria da Construção” e que constituiu a sua Comunicação apresentada no 16ª Congresso dos Arquitetos | Qualidade e Sustentabilidade: Construir o [nosso] futuro e na respetiva Sessão Setorial 2 - Repensar os recursos e adaptar para a casa comum. Materialidade Sustentável e Transição Digital, que foi realizada em 3 de março de 2023, no Auditório do Teatro Micaelense, Centro Cultural e de Congressos, Ponta Delgada, São Miguel, Açores.

O texto é editado na sua versão completa, apresentada no referido Congresso; aproveitando-se, finalmente, a oportunidade para dar as boas-vindas ao colega Bruno Baldaia ao grupo dos autores Infohabitar e, naturalmente, para lhe agradecer esta importante contribuição.

Aproveita-se para fazer uma nota prática importante, relativamente à RENOVADA disponibilização na margem direita da edição da Infohabitar de uma listagem ilustrada dos artigos mais lidos e respetivos links

Lisboa, 10 de setembro de 2025

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar



O Papel da Arquitectura na Inclusão Tecnológica e na Sustentabilidade da Indústria da Construção – infohabitar # 948

Bruno Baldaia

 

Introdução

A arquitectura que fazemos hoje em Portugal é, como todas as outras, o resultado do espaço de discussão, de confronto e de encontros, entre o desejo de uma coisa que se antecipa, de uma vontade necessariamente coletiva, e das condições para a sua concretização, sociais, económicas e técnicas. É assim desde que existe arquitetura e vontade de a construir. O nosso contexto específico é o de um esforço permanente de compatibilização entre uma universalidade de que sempre quisemos fazer parte e o de uma localidade que limita ou expande a nossa forma de estarmos no mundo em todas as suas escalas. Não é necessário entrar no mundo da arquitetura portuguesa para que alguém que não esteja familiarizado com a nossa cultura a possa compreender tanto como não é fácil integrá-la nos grandes movimentos que o universo cultural da arquitetura constrói sem o esforço de lhe reconhecer as suas especificidades. Este balanço construiu a identidade da arquitetura portuguesa e o seu reconhecimento internacional. Sem esse reconhecimento, de fora para dentro, tenho sérias dúvidas de que a profissão como um todo pudesse ganhar o espaço de afirmação cá dentro que hoje tem, e por isso, é fundamental reconhecer esse espaço e valorizá-lo em justa medida. Ao mesmo tempo devemos reconhecer que a arquitetura que por cá se faz é indissociável das condições técnicas para a sua execução – também existe uma identidade da construção portuguesa – e que isso a caracteriza ao longo da sua história. Por isso, olhar para o seu futuro implica também observar as suas condições locais e percebê-las como um filtro de tudo o que de universal vamos incorporando.

Os processos BIM, abertos ou fechados?

Os sistemas CAD promoveram uma alteração significativa no projeto de arquitetura, a sua avaliação precisa ainda está por fazer. Mas o que importa aqui abordar é o impacto que teve na relação entre a arquitetura e os processos construtivos. A primeira é uma ligação direta entre a mesa onde se projeta e a máquina onde se fabrica. Essa ligação tem dois sentidos, obviamente, o trabalho de investigação e desenvolvimento feito nas empresas é diretamente incorporado no projeto e, noutro sentido, o desenvolvimento de componentes no escritório entra de forma mais expedita nos processos de produção na fábrica. Simultaneamente a indústria da construção entrou num processo de alteração profunda, desde logo a reconfiguração das estruturas empresariais organizando-se em grandes conglomerados que começam a substituir a diversidade de soluções que encontrávamos antes. Existem grandes tendências e é importante perceber o que fazer com elas.

Os sistemas BIM prometem fazer aquilo que os sistemas CAD não completaram, e que é termos um levantamento do edificado, das suas características, disponível para que possamos intervir de forma mais precisa e efetiva na paisagem. Mas as características destes sistemas vão mais além. Não estamos a falar só da configuração, do desenho das intervenções, mas também da possibilidade de monitorizarmos todos os seus componentes desde que eles estejam inseridos numa rede de dados, num sistema que possa ser usado no projeto, na fábrica, e também nas instituições licenciadoras que passam a contar com uma ferramenta que nos dá acesso a tudo o que numa obra é quantificável. É por isso importante assegurar desde logo a participação da arquitetura e dos arquitetos neste processo.

Desde logo na forma como o sistema é montado, se ele segue as lógicas do projeto de arquitetura ou se segue outras. Se o léxico utilizado é o típico da arquitetura ou se ele vai ao encontro das engenharias, ou da indústria da construção. As ferramentas do programa serão no sentido do processo de conceção de arquitetura ou se vão noutros, se expandem as soluções ou se as afunilam. Se pertencem à nossa área ou se são um elemento exterior que teremos de incorporar na nossa prática.

Por outro lado, os dados que o Observatório da Arquitetura nos disponibilizam através do Inquérito aos Membros, recentemente realizado, mostram-nos uma organização dos arquitetos em organizações de pequena escala e com pouca capacidade de resiliência. E com poucas práticas colaborativas, em rede ou outras. Mesmo as equipas que trabalham em Câmaras Municipais ou outras instituições licenciadoras são, na sua grande maioria, de pequena dimensão e com uma grande variedade na capacidade de reter recursos técnicos. Por isso a questão da acessibilidade a estas novas ferramentas é essencial. A questão do software em núcleo aberto ou fechado ganha uma grande relevância. Como também ganha a importância em haver arquitetos a trabalhar nas empresas ou instituições que os estão a desenvolver. Como podemos ter a capacidade de caracterizar estes sistemas se não houver arquitetos envolvidos no seu desenvolvimento desde o início?

A fábrica é o estaleiro?

Temos observado recentemente um conjunto de grandes empresas do sector da construção a mobilizar recursos importantes na transição digital e na utilização dos novos sistemas que estão disponíveis ou em desenvolvimento. O PRR tem sido uma alavanca importante para tudo isto. Como sabemos tudo no PRR se constrói numa relação entre escala e tempo. Observamos uma tendência assinalável que tem a ver com a reconfiguração dos procedimentos na Obra. Cada vez mais a pré-fabricação ganha espaço e, a par dela, a modularidade. Tenho observado com alguma ironia as preocupações manifestadas pelo setor no que diz respeito à modularidade como um fator de limitação da criatividade na arquitetura. Na realidade só a construção em parede portante em betão dispensa a modularidade, no resto toda a história da arquitetura regista a presença da modularidade e da proporção na criação arquitetónica, por isso esta é uma questão que não se põe. Mas há outras alterações que são importantes. Uma delas é a deslocação do estaleiro da obra para a fábrica, e isto traz processos novos que é importante que todos consideremos. A Obra, tendencialmente, será quase totalmente parametrizável e operada por equipas especializadas e o tempo da obra reduzido. Tudo é mais antecipável e monitorizado e as soluções a utilizar são cada vez mais as certificadas, quer na resposta à legislação existente, quer às exigências que a sustentabilidade já está a impor e que o fará de forma cada vez mais intensa. Não nos podemos esquecer que a nossa indústria está entre as mais poluentes e com um impacto mais significativo no meio ambiente. Mas é igualmente importante preservar, até deste ponto de vista, a diversidade das soluções construtivas que devem ter como critério também a preocupação com a utilização de materiais, soluções e mão-de-obra local como forma de reduzir o impacto ambiental e também como forma de fixar recursos humanos, atividades produtivas e possibilidades de emprego em áreas em despovoamento.

Tendencialmente os arquitetos ocupam um lugar relativamente passivo na indústria da construção. Estão sobretudo a jusante em relação a ela: incorporam as soluções disponíveis, os materiais e os recursos. A prescrição é hoje um importante fator na indústria, os seus agentes procuram os arquitetos no sentido de lhes apresentar os seus produtos, talvez até mais do que ao cliente final. Existe o reconhecimento de que essa é uma decisão do projeto, o que é uma alteração em relação ao panorama anterior. Ainda assim, e pelo que atrás foi sendo descrito, é importante que os arquitetos ocupem um lugar a montante, participem de forma mais ativa nas soluções que a indústria pode apresentar e sejam capazes de trazer a todo este processo de transformação a sua formação, conhecimento e forma de operar, que é específico e diferenciado. A título de exemplo, simbólico, mais do que outra coisa, a OASRN tem levado a cabo uma iniciativa, o Prémio Arquétipo, que procura trazer ao encontro arquitetos e indústria, e com isso participar deste esforço de inversão de papéis, por assim dizer. As Universidades, as Empresas e demais instituições do Estado têm um papel seguramente mais decisivo e sobretudo mais robusto que é importante realçar, a arquitetura deve sair do seu reduto e alargar a sua atividade a todos os campos do setor que lhe diz respeito. Deve abraçar novas formas de exercício da profissão que são tão importantes como outras no desenho da paisagem que nos pertence a todos, sobretudo no grande processo de mudança que se antevê como próximo. Saibamos nós reivindicar e ocupar o nosso papel.

 

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

(iv) Oportunamente haverá novidades no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial enfoque na habitação de baixo custo.

 

O Papel da Arquitectura na Inclusão Tecnológica e na Sustentabilidade da Indústria da Construção – infohabitar # 948

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing

Infohabitar, ano XXI, n.º 948

Edição: quarta-feira 10 de setembro de 2025

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo pelo LNEC.

abc.infohabitar@gmail.com

 Os aspetos técnicos do lançamento da Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

 

sexta-feira, setembro 05, 2025

Orlando Vargas, um dos fundadores do Grupo Habitar/GHabitar, homenageado pela CM de Faro - Notícia Infohabitar

Caros amigos e colegas do GHabitar+, do GHabitar e do CIHEL é com grande satisfação que aqui divulgamos a notícia da atribuição, pela Câmara Municipal de Faro, da Medalha de Mérito – Grau Ouro, ao atual Secretário da Mesa da Assembleia Geral da GHabitar APPQH e um dos seus fundadores, Orlando Manuel Ezequiel Vargas dos Santos (Orlando Vargas) - Presidente da Cooperativa de Habitação Coobital - em cerimónia pública que irá decorrer na cidade de Faro, no próximo domingo 7 de setembro, no Jardim Manuel Bívar, pelas 10h 30, integrada numa Homenagem Pública realizada no âmbito da Sessão Solene do Dia do Município de Faro.

Lembramos que esta distinção honorífica do Município de Faro foi criada para “homenagear publicamente quem contribua para o engrandecimento e dignificação do Município de Faro” e quem “se notabilize pelo seu reconhecido mérito, prestígio, cargo, acção, serviços, ou contributos para a comunidade”.

Por este meio aqui deixamos um caloroso abraço de parabéns ao nosso Orlando Vargas, que bem merece mais este reconhecimento público.

António Baptista Coelho, em nome pessoal e das entidades acima apontadas, 

quarta-feira, setembro 03, 2025

O terceiro sector na Habitação – infohabitar # 947

 O terceiro sector na Habitação – infohabitar # 947

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing

Infohabitar, ano XXI, n.º 947

Edição: quarta-feira 3 de setembro de 2025

 

 

Editorial

Tal como foi referido, continuamos, na presente semana, a divulgar uma série de artigos realizados por novos autores ainda não editados na Infohabitar e ligados à recente revitalização do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional (GHabitar APPQH) – antigo Grupo Habitar, uma associação técnica e científica sem fins lucrativos que tem estado a redinamizar a sua ação com diversas atividades por todo o País e que continuarão a ser aqui divulgadas.

Deste modo temos o gosto muito especial de passar, em seguida, ao artigo que nos foi enviado pelo Arq. André Fernandes, que é, atualmente, o Presidente da Direção do GHabitar APPQH, a quem saudamos de forma muito especial, texto este intitulado “O terceiro sector na Habitação”, onde o autor se refere à importância e à caraterização da iniciativa cooperativa habitacional e que constituiu a sua Comunicação ao 16ª Congresso dos Arquitetos | Qualidade e Sustentabilidade: Construir o [nosso] futuro, que foi realizado em março de 2023, no Auditório do Teatro Micaelense, Centro Cultural e de Congressos, Ponta Delgada, São Miguel, Açores.

O texto é editado na sua versão completa, apresentada no referido Congresso; aproveitando-se, também, a oportunidade para dar as boas-vindas ao amigo e colega André Fernandes ao grupo dos autores Infohabitar e, naturalmente, para lhe agradecer esta sua importante contribuição.

Aproveita-se para continuar a fazer uma nota prática importante, relativamente à RENOVADA disponibilização na margem direita da edição da Infohabitar de uma listagem ilustrada dos artigos mais lidos e respetivos links

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


O terceiro sector na Habitação – infohabitar # 947

André Fernandes


Reflexões sobre a casa comum

O problema da habitação é hoje, novamente, reconhecido como central para a sustentabilidade da nossa casa comum. É-o de várias formas. A qualidade do ambiente construído, desde a habitação ao espaço público, é nuclear para garantir uma vida plena não só às nossas comunidades como também à vivência que temos em comum. É preciso, em primeiro lugar, reconhecê-las nas suas especificidades, evitando soluções genéricas e circunstanciais que são frequentemente origem de disfuncionalidades e desadequação. É por isso importante acompanhar as intenções que o Estado e o Governo manifestam ao atribuir à habitação um lugar central nas políticas sobre o território mas é igualmente importante integrar as políticas de habitação em processos mais alargados que incluam o espaço público, as infraestruturas, as acessibilidades, a sua distribuição no território e, sobretudo, uma capacidade de entender e incorporar a evolução das dinâmicas socio-económicas, cientificas e artisticas no país e no mundo. É igualmente importante pensar em politicas resilientes, dotadas de ferramentas e mecanismos capazes de aguentar o embate das sucessivas contingências que de forma sistematicamente imprevisível nos tem batido à porta.

A pandemia por que passámos impulsionou práticas para a sua própria resolução que reconheceram, na sua urgência, a necessidade de ações mais resolutas recorrendo a uma estrutura de missão. O reconhecimento generalizado da centralidade da habitação como problema urgente a resolver pode igualmente suscitar a procura de soluções semelhantes. Ainda assim e aceitando que uma estrutura de missão possa ser solução imediata para esta emergência, se nada for pensado na forma de uma estratégia de habitação que integre os vários domínios da vida e actividade humanas e seja traduzível em políticas novas, claras e equilibradas, estaremos condenados, em pouco tempo, a ter de considerar, de novo, mais uma estrutura de missão.

Seja como for, esta é uma tarefa à qual não se consegue dar resposta sem perceber que existe um mercado e que este, por mais desregulado que possa estar, tem actores que não podem nem devem ser ignorados. São eles o sector público ou Estado e os sectores da sociedade civil que se decompõe no sector privado, aqui entendido na sua matriz empresarial e individual, e no terceiro sector, de matriz associativa e sem fins lucrativos.

Neste quadro, torna-se, pois, fundamental uma primeira intervenção do Estado (é essa a sua obrigação), constituindo equipas multidisciplinares articuladas entre as suas estruturas e as da sociedade civil e que enfrentem o problema da habitação propondo as ações necessárias para a sua resolução, recorrendo às ferramentas e meios que tem à sua disposição – legislação, financiamento e parque habitacional.

A habitação pública é um garante da inclusão mas é justo reconhecer o papel do terceiro sector, de natureza estruturalmente associativa, na edificação de intervenções qualificadas um pouco por todo o país. A habitação cooperativa, a título de exemplo, foi quase erradicada deixando um espaço vazio entre a iniciativa privada e a habitação pública. Percebemos também que a legislação entretanto construída (ou desconstruída) conduziu a essa dicotomia e à eliminação das alternativas. Num momento em que se discute de novo a legislação aplicável ao terceiro sector faz sentido trazer de novo a sua experiência e a possibilidade que o movimento associativo representa.

Não é esta a primeira crise que a habitação atravessa neste país. Desde a erradicação das barracas às campanhas da qualidade na construção, passando pela crise das dividas soberanas, temos um longo historial de problemas que sistematicamente criamos, resolvemos e deixamos de novo cair até termos de os resolver outra vez.

Encontramo-nos agora numa nova crise em que a face visível do problema é a do altíssimo custo da habitação, seja ele na compra ou seja ele no arrendamento. No quadro actual, cresce diariamente o número de cidadãos que não consegue aceder a habitação condigna, tal como está definida na nossa maior e mais fundamental consensualização enquanto sociedade e a que damos o nome de Constituição. Está em causa o direito à habitação!

As recentes medidas propostas pelo governo para lhe fazer face representam, por um lado, uma valorização do problema e, por outro, a assunção velada e continuada da inexistência de uma política de habitação em Portugal. A uma política entregue aos ditames do mercado, o Estado obteve, em resposta, um mercado progressivamente menos resiliente, pendendo o seu desiquilíbrio para universo da especulação. Apanhado assim entre a falta de oferta de habitação pública resultante de tantos anos de negligencia e um mercado sobreaquecido pela procura externa, o Estado propõe medidas avulsas, desligadas de qualquer política consistente e perceptível. Reage-se quando não se agiu! Consciencializado este cenário, cabe à sociedade civil “chegar-se à frente” e mostrar, se isso lhe for permitido e se para tal tiver força, que há outros caminhos, não novos, mas antes experimentados e com sucesso. O terceiro sector será para a habitação, tal como o é em muitos outros países do espaço europeu, uma alternativa credível, viável e sustentável.

Mas o que distingue o terceiro sector nesta questão da habitação?

Dizem os compêndios de economia que as organizações do terceiro sector se definem por cinco princípios estruturais ou operacionais que as distinguem de outros tipos de organizações e instituições sociais. São eles:

1- Ter constituição formal: possuem alguma forma de institucionalização, legal ou não, com um nível de formalização de regras e procedimentos suficiente para assegurar a sua actividade por um período mínimo e útil de tempo.

2- Serem estruturas básicas não governamentais: são privadas, ou seja, não são ligadas institucionalmente a governos.

3- Possuírem gestão própria: realizam a sua própria gestão, não sendo controladas externamente.

4- Não terem fins lucrativos: a geração de lucros ou excedentes financeiros deve ser reinvestida integralmente na organização. Estas entidades não podem distribuir dividendos resultantes de lucros aos seus dirigentes.

5- Incorporar trabalho voluntário: possuir algum grau de mão de obra voluntária, ou seja, não remunerada.

Em Portugal, estes principios estruturais corporizaram-se, com sucesso, em múltiplas organizações de caracter associativo que se estenderam desde as Corporações e Caixas de Previdência (mais comuns no período do Estado Novo), às Associações de Moradores (activas no pós 25 de Abril e SAAL), culminando com a explosão das cooperativas nos anos 80 e 90 e em que se chegou ao extraordinário numero de quinhentas. Actualmente, temos cerca de 40!

O que verdadeiramente distingue o terceiro sector dos sectores público e privado é a sua vocação social e associativa, mais precisamente a que se dirige às classes médias solventes, capazes de se auto-organizar mas muitas vezes com capacidade económica mais limitada. É precisamente este estrato que mais sofre com a actual crise mas é também nele que poderá estar uma boa parte da solução!

O que fez, faz e o que pode fazer o terceiro sector pela questão da habitação?

São muitos os galões que o terceiro sector pode puxar para que de novo, e caso lhe sejam dadas condições para tal, possa ser uma força motriz do desenvolvimento de políticas consistentes e sustentáveis de habitação. É por isso mesmo, importante relembrar alguns factos e dados que certamente ajudarão a confirmar a energia, utilidade e justeza que o movimento associativo pode emprestar a esta causa:

- Construiu 160.000 casas nas décadas de 80 e 90, ou seja, em apenas 20 anos. Para que se perceba a magnitude deste feito, refira-se que o Estado tem actualmente, em números largos, cerca de 100.000 casas no total como parque habitacional público.

- Criou e desenvolveu um envolvimento das comunidades com a vida e com a política locais que potenciou, em muitos momentos da sua existência, um entendimento mais alargado do que é o habitar em propriedade colectiva, através da construção e gestão de equipamentos escolares, lares de idosos, zonas desportivas, comerciais e sociais entre outros.

- Foi capaz de conferir estabilidade ao mercado da habitação através da criação de oferta a preços balizados apenas pelos custos da construção, dos projectos e das taxas e impostos a que ninguém neste pais pode fugir.

Perante estes dados importa, para além de sobre eles reflectir, entender como todo este edifício se foi desfazendo. Importa perceber, para que os erros não se repitam, as responsabilidades do Estado e do sector financeiro nesta matéria, não esquecendo as responsabilidades que também cabem à sociedade civil e, diga-se, aos arquitectos. Mas importa sobretudo saber o que se pode fazer. Importa saber qual é o papel de cada sector na estruturação de uma nova resposta e quais os princípios a considerar:

Pela parte do Estado, a nível nacional, financiamento e legislação. Também pelo Estado mas a nível municipal, terrenos, infraestruturação e enquadramento nas ferramentas de gestão territorial. Pelo lado da sociedade civil, organização, gestão e nervo.

A esta estruturação clássica devemos juntar-lhe, pelo lado dos Arquitectos, a exigência de integração, nas novas politicas, das novas formas de habitar e construir, seguindo novos princípios como são os avançados pela “New European Bauhaus” e os definidos nos objetivos do “Green Deal”.

Em resumo, a responsabilidade pelo problema da habitação que atravessamos é de todos, ainda que em partes claramente desiguais, e a todos se deverá exigir que sejam parte da solução. Pela parte que nos toca, a nós, arquitectos, cabe-nos o dever de uma participação propositiva e a obrigação de debate, sempre fundadas na nossa formação, saber e ética.

 

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

(iv) Oportunamente haverá novidades no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial enfoque na habitação de baixo custo.


O terceiro sector na Habitação – infohabitar # 947

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing

Infohabitar, ano XXI, n.º 947

Edição: quarta-feira 3 de setembro de 2025

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo pelo LNEC.

abc.infohabitar@gmail.com

 Os aspetos técnicos do lançamento da Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

 

quarta-feira, agosto 27, 2025

Governança e Qualidade: O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing

Infohabitar, ano XXI, n.º 946

Edição: quarta-feira 27 de agosto de 2025

  

Editorial

Tal como foi referido há uma semana, começamos hoje a editar uma série de artigos realizados por novos autores ainda não editados aqui na Infohabitar e ligados à recente revitalização do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – antigo Grupo Habitar, uma associação técnica e científica sem fins lucrativos que tem estado a redinamizar a sua ação com diversas atividades por todo o País e que serão, brevemente, aqui divulgadas.

Deste modo temos o gosto muito especial de passar, em seguida, ao texto que nos foi enviado pelo colega Ivo Oliveira, a quem saudamos de forma muito cordial, texto este intitulado Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial e que constitui a sua Comunicação apresentada no 16ª Congresso dos Arquitetos | Qualidade e Sustentabilidade: Construir o [nosso] futuro e na respetiva Sessão Paralela 6 | Colaborar pelo compromisso com a qualidade da casa comum, que foi realizada em 4 de março de 2023, no Auditório do Teatro Micaelense, Centro Cultural e de Congressos, Ponta Delgada, São Miguel, Açores.

O texto é editado na sua versão completa, apresentada no referido Congresso; aproveitando-se, finalmente, a oportunidade para dar as boas-vindas ao colega Ivo Oliveira ao grupo dos autores Infohabitar e, naturalmente, para lhe agradecer esta importante contribuição.

Aproveita-se para fazer uma nota prática importante, relativamente à RENOVADA disponibilização na margem direita da edição da Infohabitar de uma listagem ilustrada dos artigos mais lidos e respetivos links


António Baptista Coelho

Editor da infohabitar


Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

Ivo Oliveira

A presente comunicação responde ao desafio lançado pela Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitectos, de aprofundamento de um dos temas discutidos na Assembleia Regional Norte Extraordinária, realizada a 2 de dezembro de 2023 em Vila Real, na qual foram apreciados os temas propostos para discussão no 16º Congresso dos Arquitetos.

Desenvolve-se um olhar orientado para os territórios vulneráveis do ponto de vista ambiental e social, caracterizam-se as frágeis condições de exercício da profissão em contexto de entidades empresariais privadas e municipal. Identificam-se contradições que são indissociáveis da crise demográfica, da forma como nos movemos e fixamos no território e do retardar de uma resposta clara aos desafios do presente. Tentar-se-á revisitar anteriores formas de organização e associação, defendendo a sua atualidade.

O exercício da profissão nos territórios mais frágeis enfrenta sérias dificuldades. As dinâmicas económicas e demográficas explicam volumes de encomenda reduzidos, e a possibilidade de, a partir destes territórios, se projetar para os grandes centros urbanos, na prática, não se tem verificado. A falta de recursos humanos, o afastamento de entidades centrais fundamentais à aprovação de projetos e planos, bem como das empresas que asseguram especialidades em trabalhos de maior complexidade técnica reduz a competitividade, mesmo quando se projeta para o seu território próximo.  Por agora, a diluição da distância proporcionada pelas infraestruturas físicas e digitais, na conceção, no licenciamento ou na obra, não anulou de forma significativa estes desequilíbrios.  É neste quadro que se movem as entidades privadas prestadoras de serviços de arquitetura implantadas nos territórios mais frágeis e é ele que explica a dificuldade que têm em se robustecer.

As fragilidades estendem-se aos gabinetes técnicos municipais, no insuficiente número de técnicos, na sua instabilidade e, talvez, na sua menor autonomia face aos eleitos. Proporcionalmente, o esforço exigido a um pequeno município para assegurar o quotidiano da gestão urbanística é superior ao que é exigido aos municípios das áreas mais populosas e dinâmicas. Perante os escassos recursos internos, ganha relevância e reforçado impacto a contratação externa de serviços de arquitetura e urbanismo.

No caso dos Planos Diretores Municipais, a dependência da contratação de serviços externos tem consequências claras. Ela impede uma gestão mais variável da encomenda e dificulta o estabelecimento de um vínculo forte entre a equipa projetista e o território. Em 1985 num artigo com o título “O PDM Vale a Pena”, Nuno Portas afirma que "o modelo de contratação externa do Plano tende a falhar porque confirma uma separação entre quem concebe e quem executa” (1).

Com a mais recente geração de instrumentos de ordenamento, a separação entre conceção e execução não abrandará. A realização dos PDM bem como dos Planos de Pormenor, dos Planos de Urbanização, das Unidades de Execução e dos Contratos de Execução que, de acordo com a Lei dos Solos de 2014, viabilizam a reclassificação de Solo Rústico em Solo Urbano (2), exige recursos que os municípios não têm. Adicionalmente, a curto prazo, poderá ser necessário rever os planos tendo em vista a sua adaptação a diretivas estabelecidas no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. Continuará crescente a necessidade de contratação externa, e com ela, inevitavelmente, a conceção continuará fragmentada e a execução dos planos difícil de acompanhar.

A contratação externa de serviços destinados aos territórios mais frágeis tem impacto nas políticas de reforço da coesão e resiliência territorial. Os dados da contratação pública confirmam que parte significativa do investimento nestes territórios, gera rendimento e capacidade técnica em entidades prestadoras de serviços de arquitetura e urbanismo localizadas nos grandes centros urbanos (3).  A complexidade do caderno de encargos e a relevância dos fatores prazo e preço são particularmente favoráveis às equipas projetistas localizadas nos grandes centros. Compromete-se assim uma prolongada e consistente aproximação de quem concebe ao lugar, confirma-se o afastamento entre o território para o qual se concebe e o local de conceção.

Em “Auto-sustentabilidade das políticas locais e de coesão territorial” Helena Curto e Álvaro Dias (4) confirmam que o endividamento líquido municipal per capita é maior nos municípios em crise demográfica. Endividamento que se acentua com o aumento da parcela de investimento municipal destinada às infraestruturas e equipamentos. Ao esforço de construir junta-se o esforço da reabilitação, da manutenção e do funcionamento destes equipamentos em contexto de crise energética, de imperativa descarbonização e de escassez de recursos humanos. Paradoxalmente, apesar do crescente endividamento municipal per capita, identificam-se em muitos dos mais frágeis municípios, valores positivos de crescimento económico. Conclui-se que a produção de riqueza está cada vez menos dependente dos recursos humanos locais. Na extração de lítio, na floresta intensiva, na agroindústria, na agropecuária ou nos parques de energia, sejam eles hídricos, eólicos ou fotovoltaicos ocupa-se o solo, mas não se ocupam os lugares. Ganham protagonismo investimentos extrativistas de elevado impacto ambiental, que exigem pouco capital humano local e que, de novo, alimentam circuitos tecnológicos, produtivos e económicos sediados nos grandes polos urbanos. As novas atividades alimentam dinâmicas económicas de geografias mais distantes, não alteram dinâmicas demográficas e não interferem num conjunto edificado que é frágil. 

Sobre a redução das assimetrias, sobre a relação entre o investimento e a redução das desigualdades Elsa Pacheco e António Costa afirmam que “a eficácia das sucessivas renovações da rede rodoviária em áreas de menor densidade de ocupação, baseadas na ideia da promoção do desenvolvimento e da redução das assimetrias, só se confirma quando se fazem acompanhar de imaginação e inovação dirigida para o aproveitamento das oportunidades criadas” (5). Exige-se, então, imaginação e inovação aos que nestes territórios são responsáveis pelo planeamento territorial. Esforço difícil, por acontecer num contexto de crise ambiental e demográfica e de aumento das competências atribuídas aos municípios. Como se pode, nos territórios mais frágeis, reforçar práticas de arquitetura e planeamento que considerem os objetivos de desenvolvimento sustentável fixados pelas Nações Unidas?

Qual o patamar e a organização capaz de contribuir para a consolidação de um pensamento territorial estratégico robusto e resiliente aos ciclos políticos, que resista aos impulsos reféns de práticas expansionistas e capaz de pensar prolongadamente e estrategicamente os territórios mais frágeis, sejam eles urbanos, rurais, metropolitanos, insulares, do litoral, dos grandes sistemas hidrográficos, da raia ou a mistura de muitos destes?

Perante atividades económicas e desafios ambientais que escapam aos limites dos municípios, importa olhar para níveis intermédios vinculados a sistemas territoriais claros. No patamar das NUTs III, correspondente às Comunidades Intermunicipais (CIM), por exemplo do Cávado, do Ave, do Tâmega e Sousa, da Lezíria do Tejo, do Douro, identificam-se sistemas paisagísticos e territoriais cuja leitura partilhada tem um potencial agregador. Nas CIM é possível encontrar uma plataforma comum aos municípios sem que se perca legitimidade política. A sua crescente exemplaridade na gestão de infraestruturas e equipamentos pode ser acompanhada por experiências de um planeamento, desejavelmente, estratégico e flexível.  Trata-se, portanto, de instalar capacidade técnica em espaços que associam municípios, “a concentração de serviços num centro de poder, seja ele eleito ou delegado, pode começar pela concentração de aspetos relativos ao planeamento estratégico, aspetos que se perdem de vista se tratados apenas nos limites de cada município” (6).

Em 1975 Nuno Portas considerava “prioritário montar serviços locais de planeamento e gestão urbanística (municipais nas principais cidades, intermunicipais nas áreas metropolitanos, provinciais ou regionais para conjuntos de municípios que não tenham a possibilidade de manter esses serviços), mas com a condição de se manterem estreitamente articulados com os responsáveis políticos e administrativos da área e, na base, com organizações ‘autónomas’ das populações”. Em 1980 a lei nº10 procedeu à criação de Gabinetes de Apoio Técnico (GAT) com dependência transitória do Ministro da Administração Interna, enquanto não fosse possível formalizar outro modo de integração de carácter descentralizado, nomeadamente a sua inserção em associações ou federações de municípios, competindo ao Ministério suportar custos de instalação e as despesas com o pessoal, devendo os municípios participar. Embora a extinção dos GAT se inicia com a publicação da portaria n.º 304/94, fundamentada no reconhecimento de que estava consolidado o corpo técnico municipal, só em 2007, na sequência do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado, se procede à extinção definitiva dos GAT.

Não se sabe se em 2007 o corpo técnico dos municípios estava efetivamente consolidado, mas sabe-se que hoje, em muitos municípios, ele está fragilizado.  É neste contexto que interessa olhar para possibilidades que reforcem a robustez técnica, que interessa recuperar a figura dos GAT. Contribuindo para a criação de espaços nos quais se poderá pensar estrategicamente o território, espaços que reforçam a fixação de um corpo técnico qualificado e que respondem ao problema já identificado por Nuno Portas em 1985 “a contratação fora é um incentivo à concentração de técnicos em Lisboa e no Porto, a encomenda concentrada em poucas entidades produz processos de tipificação e desadequação”. Referindo-se aos Planos de Ordenamento Nuno Portas afirmava que “um Plano deve ser um fato à medida do município, não têm de ser todos iguais”, à medida de cada lugar, do seu território, dos seus recursos técnicos ou materiais, das suas antigas e novas fileiras produtivas, do seu edificado, dos seus sistemas ecológicos e ambientais e claro, à medida da capacidade existente para o executar, de preferência, coletivamente.

Trata-se, portanto, de recuperar e reinventar um espaço no qual é possível iniciar uma resposta coletiva e intermunicipal à fixação de população, à capacitação dos técnicos, à reabilitação dos espaços urbanos e rurais. Trata-se de possibilitar um espaço que promova uma construção partilhada e uma negociação comum dos investimentos e das suas mais valias, que recorra ao conceito de perequação aplicado ao território, que aprofunde o conceito de serviços de ecossistema.

Tem 20 anos a lei que extinguiu definitivamente os GAT e tem também 20 anos a lei que criou as CIM, ambas são de 2003. Porque não está consolidada uma prática de planeamento agregadora e robusta, porque continuamos muito longe de experiências que noutros países transferiram para as comunidades intermunicipais o planeamento estratégico e orientaram para a comunidade local os gabinetes municipais, importa regressar e reinventar os GAT.

Importa retomar, com acrescida ambição, uma estrutura orientada para princípios de planeamento que emanam das especificidades de cada lugar, uma estrutura comprometida com a transição, que derrube limites municipais, ensaiando a presença dos GAT no interior das CIM.

Nuno Portas afirmou em 98 que com os Gabinetes de Apoio Técnico e com os Gabinetes Técnicos Locais se produziram equipas de projeto situadas à margem dos grandes polos de desenvolvimento, cito: “foi através deles que se contruiu uma rede nacional de prestação de serviços de arquitetura e engenharia nas regiões periféricas, com uma arquitetura experimentalista e de oportunidade” (7).

Acredita-se que, no curto prazo, em Gabinetes de Apoio Técnico robustos, a funcionar nas Comunidades Intermunicipais, poderemos acolher, enquadrar, agregar, dar visibilidade e robustez às experiências que ao longo dos últimos três dias nos foram apresentadas.

Caros colegas, relembre-se Nuno Portas.

 

Notas:

(1) PORTAS Nuno (1985) “O PDM vale a pena?”. Cadernos Municipais (34), 31-34.

(2) O Decreto Regulamentar nº15/2015 estabelece os critérios de classificação e reclassificação de solo de acordo com a Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo Lei n.º 31/2014

(3) Os dados estatísticos relativos à contratação pública, o Plano Estratégico para o Sector da Arquitetura no Norte de Portugal 2018-2038 e o Observatório da Profissão: conhecer o presente para desenhar o futuro, revelam a concentração das entidades prestadoras de serviços de arquitetura e da encomenda nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto.

(4) CURTO Helena; DIAS Álvaro (2011) “Auto sustentabilidade das políticas locais e de coesão territorial. Análise das principais alterações no sistema de perequação financeira”. RPER (28), 39–55.

(5) COSTA António; PACHECO Elsa (2016) A Ilusão da redução das assimetrias regionais a partir das alterações da rede rodoviária em Portugal. Revista Transporte y Território (15), 183-196.

(6) PORTAS Nuno (1987) “A instituição Metropolitana. Cadernos Municipais (40/41), 55-60.

(7) PORTAS Nuno (1998) “L’Emergenza del progetto urbano”. Urbanística (110).


 

Notas editoriais gerais:

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(iv) Oportunamente haverá novidades no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial enfoque na habitação de baixo custo.

 

Governança e Qualidade:  O papel da arquitetura e dos arquitetos na coesão territorial – infohabitar # 946

 

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

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Infohabitar, ano XXI, n.º 946

Edição: quarta-feira 27 de agosto de 2025

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo pelo LNEC.

abc.infohabitar@gmail.com

 Os aspetos técnicos do lançamento da Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).