terça-feira, outubro 22, 2019

Pensar um novo habitar intergeracional: alguns comentários iniciais - Infohabitar 706

Infohabitar, Ano XV, n.º 706                      

– Infohabitar 706

por António Baptista Coelho (texto e imagens)

Pensar um novo habitar intergeracional: alguns comentários iniciais e nota explicativa (sobre o PHAI3C)

Com este artigo continua-se, aqui na Infohabitar, uma nova série editorial dedicada aos problemas sociais, habitacionais e urbanos associados ao actual e bem crítico envelhecimento da população e a possíveis novas ou renovadas soluções de habitar que cooperem no atenuar de tais problemas, visando-se uma expressiva qualidade de vida da população sénior e considerando-se que para esta qualidade de vida importa avançar em soluções o mais possível integradas e intergeracionais.
E neste sentido o autor deste artigo lançou, há poucos meses, uma linha de investigação designada Programa de Habitação Adaptável Intergeracional - Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C), um estudo teórico-prático baseado no  Departamento de Edifícios (DED) do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e que conta, desde já, com o interesse expresso da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).
Esclarece-se, no entanto e desde já, que esta nova linha editorial da Infohabitar acolherá, com grande interesse, para além de artigos associados ao PHAI3C, todos os artigos e contributos qualificados, que traduzam reflexões, propostas de soluções e relatos de soluções já existentes, integrados nesta reflexão sobre os problemas sociais, habitacionais e urbanos associados ao actual e bem crítico envelhecimento da população, numa perspectiva de resolução social, física e etariamente bem integrada.
Lembra-se, ainda, a propósito, que já há alguns anos o então Grupo Habitar - APPQH, actualmnte o GHabitar-APPQH, associação ligada à Infohabitar, desenvolveu um conjunto de sessões técnicas em diversas cidades sobre a temática do crítico envelhecimento da população e de respostas adequadas a esta problemática.

Pequena introdução sobre pensar o habitar

Pensar a habitação sempre foi e, provavelmente, será um dos grandes temas de reflexão no âmbito da grande matéria da Arquitectura, encarada na sua plenitude, como arte, técnica e ciência bem humana e pensada não só por Arquitectos, mas também por eles e sempre numa perspectiva prático-teórica (referindo-se a prática antes da teoria apenas devido à ordem alfabética).
Nesta matéria da importância do pensar a habitação importa ainda considerar o interesse estratégico e urgente de se estabelecer, manter e aprofundar uma linha de estudo e investigação prático-teórica na matéria específica do “habitar” – considerado evidentemente na sua essencial perspectiva de arquitectura urbana pormenorizada, entre as vizinhanças e os espaços domésticos –, pois, por um lado, é evidentemente urgente este caminho – e apenas se lembra, aqui, para já, a bem conhecida explosão e concentração urbana dos séculos XX e XXI e, por exemplo, a necessidade associada de se reverem urgentemente variados aspectos de ordenamento de pormenor – e, por outro lado, é cada vez mais evidente que “o habitar” é um “sítio comum” onde se cruzam muitas e variadas especialidades prático-teóricas, entre as quais a Arquitectura assume natural protagonismo, mas tendo de ser um protagonismo esclarecido, razoavelmente partilhado e bem aberto ao objectivo central da satisfação plena e esclarecida de quem habita.
E, desde já, importa ter em conta que será sempre especialmente rico, mas complexo, pensar o habitar para grupos socioculturais e etários que incluam pessoas sensíveis e exigentes – porque com histórias de vida longas, sofrendo de eventuais problemas físicos e sensoriais e potencialmente pouco dinamizados para a mudança do seu quadro habitacional e urbano – e outros variados tipos de necessidades e de gostos de habitar (de pessoas sozinhas e em pequenos agregados), em soluções bem habitadas e localmente bem positivas e vitalizadoras das respectivas vizinhanças.


Fig. 01: a diferença, esboçada, entre vizinhanças sem coerência e escala humana (em cima) e outras com continuidade física e adequada integração de edifícios e espaços exteriores

Pensar o habitar com coerente inovação

Um caminho de reflexão que importa salientar quando se pensa no amplo leque de novas necessidades e de potenciais “novos gostos” de habitar,  é a quase doentia falta de inovação que marcou cerca de 100 anos de estudos e de propostas habitacionais, globalmente “uniformizados” pelas então inovadoras propostas domésticas e de tipologias edificadas “funcionalistas”: mas passaram já cerca de 100 anos e, portanto, importará, no mínimo, uma revisão profunda e sistemática dessas propostas e quem sabe, talvez mesmo o avançar de novas propostas de habitar radicalmente inovadoras em termos formais, funcionais (ex., misturas funcionais), de potencial de integração e de dinamização urbana vicinal e, naturalmente, de expressiva e essencial intergeracionalidade.
É claro que há estudos importantes que marcam novos caminhos no habitar, por exemplo, em termos de adaptabilidade no uso dos espaços – adequada aos gostos e necessidades de cada um e à respectiva evolução no tempo –, em termos de não hierarquização dos diversos tipos de espaços domésticos e, estudos desenvolvidos, desde há décadas, sobre a importância do que podemos referir como microzonamento dos espaços e potenciais funções exercidas na habitação; mas passar de tais estudos para a realidade da oferta habitacional é um passo que, até agora, tem sido quase ausente.
Trata-se, basicamente, de reinventar um habitar coerente e adequadamente inovador aos níveis: do espaço urbano de vizinhança e seus variados aspectos de imagem e funcionalidades; do edifício  e seus elementos estruturadores e constituintes em termos de uso “publico”, comum e privado; e dos espaços domésticos e sua essencial e muito cuidada pormenorização.
E, sendo assim, trata-se, afinal, de (re)inventar tipologias de habitar, actuais e de futuro, e visando-se, neste caso específico, respostas expressivamente adequadas para soluções claramente amigas dos seniores e do próprio processo de envelhecimento (em termos físicos, sensoriais, conviviais, de conforto ambiental, etc.), mas natural e afirmadamente intergeracionais e vitalizadoras do bem habitar “a casa e a cidade das proximidades”.
E dá aqui vontade de dizer, lembrando uma velha amiga quando ela sublinhava a importância de um bairro socialmente bem integrado e diversificado, que estamos aqui a abordar uma vizinhança desse tipo, prolongada, depois, por um edifício desse tipo e, finalmente, por habitações capazes de responderem, muito bem, a uma ampla diversidade de necessidades e de gostos.


Fig. 02: a diferença, esboçada, entre espaços comuns sem vida e sem “sentido” potencialmente convivial e caracterizador (à esquerda); e outros “inovadores” onde se pretende que se possa passar muito mais do que a simples circulação de pessoas (à direita).

Considerações gerais sobre uma renovada solução de habitação intergeracional

Antes de se avançar neste brevíssimo e claramente “provisório” e exploratório (para não dizer provocatório) elencar de aspectos que parecem dever marcar uma solução habitacional e urbana intergeracional, há que referir que os estudos do PHAI3C estão ainda numa fase de desenvolvimento “fundacional”, a partir da recolha de muitas ideias, experiências, casos e conclusões de estudos científicos referidos à temática, que, é preciso dizê-lo, tem já avanços, talvez “parciais”, em Portugal, assim como outros avanços mais numerosos, embora ainda também um pouco exploratórios, em Espanha, e experiências associáveis e razoavelmente numerosas no resto da Europa – essencialmente Norte da Europa – e nos EUA; e importa registar que o que procuramos são ideias e experiências similares e, muitas vezes, encontramos partes de experiências e reflexões parciais, mas que poderão ter grande utilidade para o desenvolvimento da proposta do PHAI3C. 
Em primeiro lugar deseja-se que o PHAI3C possa corresponder a uma nova “categoria” de habitação de interesse social, enquadrada por determinados aspectos (ex., espaciosidade máxima e qualidade global devidamente controlada), e, consequentemente, apta a poder receber apoios públicos; e isto porque ajudar a fazer habitação intergeracional sem limites de custos/qualidades não é o nosso objectivo, pois julgamos que teria uma utilidade social muito limitada.
Desde já, podemos e devemos referir que o PHAI3C não pode ser qualquer tipo de novo equipamento social dedicado aos idosos; mas pode haver algumas bem pensadas e parciais “pontes” de contacto entre as duas matérias. O PHAI3C quer ser “habitação” bem integrada na cidade e naturalmente integrada com alguns equipamentos com valia local; e quer ser edifícios atraentes e sóbrios, e que não tenham qualquer tipo de carácter institucional, ainda que mínimo.
Podemos ainda referir que o PHAI3C também não pode ser um “hotel”, embora possa ir buscar a esta tipologia de “habitar” nómada, variados aspectos, por exemplo, de estratégico anonimato, de conforto e de usufruto de um conjunto de serviços a escolher e pagar consoante necessidades, gostos e disponibilidades.
Salienta-se, ainda, que o PHAI3C não pode ser nem um conjunto de pequenas habitações e amplos quartos (“estúdios”) com grandes e diversificadas zonas comuns e eventualmente de uso público, nem uma agregação corrente de habitações razoavelmente correntes com uma grande sala de condomínio (multifuncional): a resposta, que se deseja equilibrada, é outra, que harmonize espaços privados, espaços comuns e até, eventualmente, espaços de uso público, e que importa identificar com base em estudos e exemplos práticos. 
E o PHAI3C não pode ser um “centro de convívio” ou um “clube”, mas pode ir buscar a essas instituições formas de funcionamento que proporcionem e disponibilizem adequadas condições de convívio entre os respectivos condóminos e no âmbito da respectiva vizinhança, podendo, ainda, assumir caracterizações razoavelmente específicas (em cada intervenção), que apoiem uma sua positiva identificação; isto porque uma das regras das intervenções no âmbito do PHAI3C deve ser que cada caso seja um caso com identidade própria bem evidenciada, mas sempre marcada pela sobriedade e adequada integração local.
E este último parágrafo leva-nos, para já, a duas “conclusões”, tematicamente bem distintas, sobre como fazer bem uma intervenção no âmbito do PHAI3C: o respectivo potencial de convivialidade tem de tão afirmado como clara e perfeitamente voluntário (e o próprio espaço interior comum tem de ajudar a que tal aconteça); e o leque de exigências espaciais, funcionais e de caracterização são tão amplas, extensas e imbricadas que o projectar de um conjunto integrado no âmbito do PHAI3C apenas estará ao alcance de uma concepção arquitectónica de elevada qualidade.

Brevíssimas notas conclusivas a propósito da intergeracionalidade

Este artigo “exploratório” fica por aqui, embora, como os leitores entenderão, o estudo preparatório do PHAI3C esteja já minimamente avançado.
Mas, por vezes, é nestas alturas que uma reflexão deste tipo, razoavelmente descomprometida e solta, acaba por poder trazer contributos relativamente “novos” e úteis.
E assim se deixa esta matéria à apreciação dos leitores, que naturalmente a poderão comentar, directamente (no blog), ou, querendo-o, enviando testemunhos escritos que desejem editar (com reflexões variadas, relatos de experiências concretas, questões que achem devam ser bem consideradas, etc.), e que poderão, sem dúvida, ser úteis ao desenvolvimento deste estudo.


Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XV, n.º 706

Pensar um novo habitar intergeracional: alguns comentários iniciais – Infohabitar 706


Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no LNEC –
Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa


Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).


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