domingo, junho 26, 2011

352 - QUARTEIRÕES DE VIZINHANÇA I - Infohabitar 352

Infohabitar, Ano VII, n.º 352

QUARTEIRÕES DE VIZINHANÇA I:
Sobre diferentes formas de ocupação do
interior de quarteirões urbanos

António Baptista Coelho


Introdução

Um dos aspectos funcionais e de imagem/conteúdo urbano que mais intensa e criticamente marca o desenvolvimento de soluções de intervenção nova e de reabilitação em partes de cidades refere-se ao tipo de soluções urbanas de pormenor que se julga podem ser aplicadas no interior de quarteirões, com vantagens “triplas”: para os seus respectivos habitantes e utentes mais directos; para o público em geral, considerando-se o respectivo uso público; e para a cidade ou parte de cidade/povoação que integra esses quarteirões – neste caso uma vantagem no sentido de se poder contar com um novo espaço urbano com as suas valias e imagens específicas, que assim possam cooperar e participar na diversificação e no enriquecimento dos conteúdos funcionais e imagéticos desses espaços urbanos.

Há que referir aqui e desde já que pretendemos voltar a esta temática, seja numa perspectiva mais directamente ligada à prática e eventualmente a exemplos específico comentados, seja numa outra perspectiva mais teórica e especialmente dedicada a aspectos, considerados pertinentes, ligados, designadamente, a aspectos de segurança urbana, dinamização e controlo da apropriação pelos moradores e equilíbrio das matérias associadas ao convívio e privacidade nas respectivas vizinhanças. Esta abordagem é, assim, uma primeira reflexão geral, escrita e ilustrada sobre uma temática que se pretende desenvolver aqui no Infohabitar.


Fig. 01: interior de pequeno quarteirão com projecto coordenado por Charles Moore em Malmö (2001)


Velhos problemas, velhas e novas potencialidades

Não seria aceitável avançar, desde logo, numa proposta de caminhos de solução no que se refere ao preenchimento urbano e habitacional do interior de quarteirões, sem se sublinhar que é conhecida, no meio da promoção habitacional, a sistemática associação que se faz entre ambientes urbanos tendencialmente negativos, em termos de usos favorecidos e imagens produzidas, e o desenvolvimento de interiores de quarteirão muito encerrados e pouco ligados à cidade envolvente.

Mas também é igualmente conhecida a frequente associação entre espaços urbanos escassamente definidos e envolvidos por edifícios e idênticas situações negativas em termos de actividades e de aspecto; trata-se aqui da tristemente famosa “mancha de óleo” de espaços exteriores sem carácter, pouco ligados a usos efectivos e frequentemente malbaratada pelo veículo motorizado.

E naturalmente que não estamos aqui a defender uma causa-efeito simples entre determinados tipos de espaços urbanos e habitacionais e determinados tipos de comportamentos; apenas acreditamos que determinados tipos de espaços urbanos e habitacionais facilitam e incentivam determinados tipos de comportamentos cívicos e urbanos que podemos considerar positivos, enquanto outros tipos de espaços urbanos e habitacionais facilitam e incentivam determinados tipos de comportamentos cívicos e urbanos que podemos considerar negativos, que, por vezes, afectam a nossa segurança física, que, muitas vezes, afectam a nossa percepção de segurança física e que, quase sempre, reduzem, activamente, o sentimento de bem-estar que deveríamos ter ao usar esses espaços públicos, levando-nos a uma retirada estratégica nas nossas habitações, num crescendo de um círculo vicioso de cada vez menos uso do exterior e cada vez pior uso do mesmo exterior.

E não tenhamos quaisquer dúvidas de que se tudo isto é verdade ao longo de ruas e pracetas, quando estas existem, então tudo isto acontece de forma ainda mais perceptível no interior dos quarteirões ou dos espaços urbanos secundários e de “traseiras” que sempre existirão na cidade, pois são sempre espaços potencialmente mais protegidos da mais intensa vista pública e sempre muito próximos da percepção de quem habita cada vizinhança.

Há, no entanto, também que referir que, evidentemente, nem só de problemas está marcada a pequena história – a fazer – do aproveitamento para a cidade e para as vizinhanças dos quarteirões urbanos; pois os quarteirões, os seus interiores, as suas zonas de relação com a continuidade urbana e os seus pontos de ligação ao interior dos edifícios, constituem das mais ricas matérias de concepção da arquitectura urbana pormenorizada, sendo possível identificar ao logo da história extraordinários exemplos de grande êxito funcional/formal em soluções de quarteirões tão protagonistas para um adequado e muito humano habitar das vizinhanças, como para uma cumulativa montagem de uma continuidade urbana vitalizada e diversificada; e complementarmente encontramos também nestas boas soluções importantes aspectos de harmonização entre natureza e cidade, entre privado e público e entre escalas muito humanizadas e apropriadas/apropriáveis e outras atraentemente “de cidade” e representativas.


Fig. 02: um outro pequeno quarteirão integrado na BO01 em Malmö (2001)


Objectivos gerais a aplicar no interior dos quarteirões urbanos

Globalmente, o que se julga ser importante estimular nas soluções de pormenor a criar e aplicar no interior de quarteirões urbanos e habitacionais é o uso intenso, específico e estrategicamente diversificado pelos habitantes dos diversos quarteirões dos respectivos espaços de miolo de quarteirão, harmonizando esse uso:

(a) essencialmente privativo e/ou comum, ligado às habitações contíguas (por exemplo, através de uma significativa parcela de terreno destinada a quintais e pátios privativos dos fogos menos elevados e de eventuais espaços comuns para estacionamento privativo dos respectivos residentes);

(b) com o papel urbano dos mesmos quarteirões, nas suas diversas relações com os espaços urbanos contíguos e próximos, na sua função potencial como espaço exterior:

(b1) directamente associado a equipamentos colectivos térreos e por eles directamente geridos;

(b2) indirectamente associado a um uso público, mediado por associações específicas (dos moradores/cooperativistas) que garantam a utilização adequada e a manutenção/gestão dos respectivos espaços (ex., campo desportivo, parque infanfil e mesmo um jardim "formal", devidamente equipados e regrados nas sua utilização);

(b3) e, sempre que possível, caracterizado por uma elevada permeabilidade pluvial e por uma significativa componente de verde urbano, em soluções que têm de ser devidamente adequadas a cada solução/situação específica – no limite aceitar-se-á, até, a “quase-ausência” de verde urbano, desde que justificada por aspectos de contraste e de vizinhança particularizados.

A ideia geral e “primeira” é, assim, não favorecer, em cada quarteirão, a definição de um amplo espaço de condomínio privativo dos respectivos moradores, de certa forma indiferenciado, eventualmente ajardinado e equipado, mas com um sentido de uso exclusivo de um dado grupo muito marcado e em forte oposição aos espaços públicos contíguos.

A ideia geral e “primeira” é a proposta de um uso diferenciado e intenso desse interior de quarteirão, ocupando todos os espaços aí disponíveis para actividades concretas e adequadas a cada situação específica, considerando-se e valorizando-se a situação e a configuração únicas dos respectivos espaços, mas procurando-se desenvolver soluções que tenham, à partida, um máximo de perspectivas de viabilidade num sentido de uso privado e comum, mas aceitando, claramente, a frequência pública, embora sempre submetida a uma certa vigilância natural por parte da respectiva vizinhança, realizada seja a partir das habitações, seja a partir dos equipamentos térreos e exteriores.

Fig.03: interior de quarteirão numa periferia de Madrid


O acesso ao interior dos quarteirões: situações-tipo a favorecer

Antes de se iniciar uma apresentação sintética do que se designa como situações-tipo a favorecer no acesso ao interior dos quarteirões, salienta-se que não se optou assim, numa primeira linha, pelo favorecimento de utilizações/ocupações uniformizadas e dedicadas, por exemplo e especificamente a um amplo espaço ajardinado e/ou de estadia ou recreio livre, muito dedicado à respectiva vizinhança, mas de natureza pública, porque se considera que esta opção, que será sinteticamente abordada num dos últimos itens deste texto, tem uma viabilidade muito condicionada a condições muito específicas de promoção e de gestão desta solução, sendo difícil de aplicar em situações mais correntes, em que dificilmente seja garantida a eficácia da gestão diária posterior, e sendo muito problemática de aplicar sempre que o sítio de implantação esteja associado a problemas sociais e à recente concentração de habitação de interesse social.

Pretende-se, assim, desenvolver soluções que tenham, à partida, um máximo de perspectivas de viabilidade num sentido de uso privado e comum, mas aceitando, claramente, a frequência pública, embora de forma bem acompanhada, enquadrada e circunscrita a determinados espaços bem definidos.



Fig. 04: interior de quarteirão em Telheiras, Lisboa, coord. Arq.ºs Rodrigo Rau e Eugénia Cruz

Visa-se, deste modo, favorecer um uso diferenciado e intenso do interior de cada quarteirão urbano e habitacional, ocupando-se e dinamizando-se todos os espaços aí disponíveis para actividades concretas e adequadas a cada situação específica; situação global relativa a cada quarteirão específico (configuração, dimensionamento, contiguidades, proximidades, etc.) e “micro-situação” urbana de cada parte do interior de cada quarteirão (tipo de espaço, extensão, contiguidades, usos, etc.), produzindo-se uma situação final em que o acesso ao interior do quarteirão se fará, quase exclusivamente, nas seguintes situações-tipo:

(i) Ter acesso a "veredas" comuns que dão acesso a bandas de pequenos quintais e pátios privativos e contíguos a habitações térreas ou pouco elevadas (e este acesso poderá ser condicionado e negociado em pontos de acesso públicos devidamente equipados, como se se tratasse do acesso a espaços comuns de circulação "em edifícios"), sendo que estes quintais/pátios privativos devem ser devidamente regulamentados no seu uso, serem em parte ou totalmente permeáveis, terem uma forte componente de elementos de vegetação e proporcionarem uma estratégica permeabilidade visual de modo a que o seu verde contribua activamente para o verde urbano do interior do quarteirão.

(ii) Ligar, eventualmente, a solução-tipo que acabou de ser referida a uma solução de arquitectura que aposte, nos pisos superiores, num escalonamento de pequenos terraços, varandas e sacadas integrando elementos verdes e eventualmente permitindo ainda acesso do 1.º andar a alguns pequenos jardins privativos.

(iii) Aceder a bolsas de estacionamento comuns ou mesmo privativas (ex., lugares marcados), devidamente naturalizadas por pavimentos permeáveis e estrategicamente arborizadas, numa situação que também aceita bem a marcação por elementos de contrlo de acesso, visualmente bem integrados.

(iv) Ter acesso a amplos espaços comuns ajardinados e de recreio que pertencem exclusivamente a determinados equipamentos de apoio à infância e/ou aos idosos, mas cujo aspecto e elementos de verde urbano influenciam positiva e directamente a imagem global do miolo do quarteirão.

(v) Ter acesso condicionado a espaços de desporto e de recreio infantil bem equipados (piso, rede, iluminação artificial, bancos para assistir, etc.) e enquadrados por vegetação, geridos por associações específicas (ex., através do respectivo pelouro cultural das cooperativas).

(vi) Aceder à esplanada de café/restaurante, gerida e controlada por esse mesmo equipamento e possuindo vistas estratégicas sobre o interior do quarteirão e sobre zonas de acesso ao mesmo interior.

(vii) Ter acesso a pequenas continuidades estratégicas de equipamentos comerciais essencialmente viradas para o exterior público, mas com pontos de vista estratégicos sobre o interior do quarteirão e sobre zonas de acesso ao mesmo interior; considerando, no entanto, que este(s) pólo(s) de equipamento devem ser localizados concentrada e estrategicamente, caso contrário não terão viabilidade.

(viii) Considerar a marcação de pontos de acesso às referidas veredas pedonais no interior do quarteirão (acesso a quintais e equipamentos exteriores), bem como às bolsas privativas de estacionamento devidamente concentrados, bem delimitados, bem visíveis e contíguos a entradas comuns de edifícios e a equipamentos muito usados, de modo a fomentar e facilitar a sua vigilância natural, ponderando-se, ainda, a instalação nesses "pontos" de cancelas visualmente agradáveis e preferencialmente sem fechaduras - a ideia seria condicionar/marcar a entrada com diferenças de nível e marcações estratégicas, mas também, eventualmente, com cancelas que estejam sistematicamente fechadas/encostadas, mas não fechadas com fechaduras, sendo também estes pontos estratégicos para a clara e bem visível indicação de regras/instruções de uso dos respectivos espaços.

(ix) Considerando-se a situação e a espaciosidade específica de cada quarteirão eles poderão incluir ainda outro tipo de instalações que facilitam a gestão do seu interior, tais como espaços específicos para instalação de condomínios/associação de moradores em espaços com diversas valências e onde se procure vitalizar o uso desses espaços e dos espaços contíguos, mas sempre numa lógica de adequada definição de responsabilidades de uso/manutenção e de gestão.



Fig. 05: interior da cooperativa Irmanadora, Costa da Caparica,coord. Arq.º Justino Morais


Considerar, especificamente, determinados aspectos de segurança urbana e de gestão

Importa ainda considerar que na identificação das melhores soluções urbanas de pormenor que se julga podem ser aplicadas no interior de quarteirões é fundamental ter em conta certos aspectos específicos de segurança urbana e de gestão local, designadamente:

 As acessibilidades em termos de intervenção por parte de forças de segurança, que são favorecidas, seja pela existência de vários acessos bem definidos, que proporcionem acessos em diferentes "pontos", não obrigando a um acesso único e facilmente vigiado, mas também não proporcionando uma infinidade de percursos de acesso e eventual fuga; portanto favorecendo uma estratégica definição de acessos , assim como a continuidade de vistas sobre o interior do quarteirão a partir das habitações e equipamentos contíguos.

 A acessibilidade em termos de segurança contra risco de incêndio e de acessibilidade de emergência no interior do quarteirão - podendo ser necessário prever mecanismos que permitam acessos ocasionais dessse tipo em zonas/veredas pedonais.

 A adequada iluminação artificial na envolvente e no miolo do quarteirão, tendo em conta características anti-vandalismo.

 Uma cuidadosa concepção que favoreça condições de visibilidade maximizadas no interior do quarteirão, entre os seus diversos espaços e a partir das habitações, dos quintais privativos e dos equipamentos envolventes; sendo que tais condições deverão ser, ainda, maximizadas nos "pontos" de acesso ao interior do quarteirão.

 Um processo de gestão do quarteirão que englobe a manutenção e o acompanhamento corrente e em continuidade não só dos edifícios como do respectivo interior do quarteirão, sugerindo-se que a respectiva gestão e custos associados sejam da responsabilidade dos respectivos condóminos dos diversos edifícios que constituem o quarteirão.

 A questão de se poder incluir vídeo-vigilância em pontos estratégicos e designadamente nos pontos de acesso ao interior do quarteirão, com a devida divulgação pública, é matéria que apenas se aponta no sentido de poder vir a ser equacionada em termos de viabilidade e adequação.


Notas complementares sobre as potencialidades da solução de Arquitectura

Acrescenta-se, ainda, que no desenvolvimento das mais adequadas soluções urbanas de pormenor que se julga podem ser aplicadas no interior de quarteirões a solução de Arquitectura, poderá, eventualmente e de forma harmonizada com cada situação, investir nos seguintes aspectos (muito sintetizados):

 Optar por uma solução caracterizada pela sobreposição de habitações com um sentido de unifamiliares em banda, evidenciando-se, no interior do quarteirão uma imagem de uma pequena praceta de "moradias" que poderiam ter até o acesso principal e até eventualmente espaços de estacionamento privativo no interior do quarteirão; sendo que sobre esta "camada" habitacional surgiria uma outra camada eventualmente com acesso por galerias a partir de espaços verticais de acesso que também facultariam acesso comum ao interior de quarteirão.

 Optar, no interior do quarteirão, por uma pequena cascata habitacional sequencial (subindo): (i) de pequenos quintais privativos e permeáveis, (ii) pequenos terraços/varandas fundas (eventualmente em alguns casos com acessos privativos a pequenos pátios térreos); (iii) e sacadas com floreiras.

 Optar por alguns "jogos" de níveis no interior do quarteirão, proporcionando uma harmonizada integração de estacionamentos cobertos, comuns e/ou privativos e de estacionamentos pivativos, exteriores, arborizados e multifuncionais.

 Na aplicação de pátios/jardins privativos, proporcionar desde logo pequenos espaços de arrumação tipificados e bem integrados, para apoio à jardinagem, permanência no exterior e arrumação de bicicletas, e privilegiar vedações "verdes" e já pré-desenvolvidas, designadamente numa boa relação com muros e muretes e boa visibilidade relativamente às veredas pedonais de acesso.

Naturalmente, há que sublinhar que o "partido" arquitectónico e o tipo de solução escolhida no interior do quarteirão deve ter o seu reflexo no respectivo exterior envolvente do próprio quarteirão, ou, alternativamente, pode haver um equilibrado jogo de contrastes e de surpresa, mas que nunca esqueça a finalidade básica habitacional do quarteirão, num sentido que provavelmente favorecerá, sempre, uma opção por alguma sobriedade e por uma ssumida integração na envolvente urbana e paisagística.

E há que registar que, naturalmente, a opção por se fazer um espaço urbano em "quarteirão" não é, naturalmente, única nem "obrigatória", mesmo em meios urbanos com afirmada e agradável continuidade, podendo haver outro tipo de opções que, designadamente, favoreçam a maior abertura do conjunto habitacional à sua envolvente, ou que tendam a transformar o respectivo interior de quarteirão num espaço urbano com características de praceta urbana convivial, e portanto estrategicamente mais permeável aos percursos urbanos envolventes. Mas estamos aqui a abordar especificamente a opção pelo quarteirão e as formas de desenvolver o respectivo conteúdo urbanístico e residencial.


Fig. 06: interior de quarteirão em Telheiras, coord. Arq.º Duarte Nuno Simões


Situações específicas a considerar

Pela sua especificidade e importância na programação e na concepção de pormenor dos interiores de quarteirão urbanos e habitacionais referem-se, em seguida, alguns aspectos associados ao dimensionamento de habitações de interesse social e à responsabilidade na gestão dos equipamentos previstos:

 Salienta-se que, em todas estas matérias e designadamente no desenvolvimento de soluções térreas e/ou com acesso térreo individualizado e directo ao espaço de uso público, assim como na criação de varandas/terraços, há que ter em conta as limitações de Área Bruta (Ab) referidas nas Recomendações Técnicas para Habitação Social, nas quais qualquer área pavimentada e mesmo a área de implantação de muros contam para a Ab e acabam, assim, por ter de ser, de certa forma “descontadas” à área interior do fogo, uma situação que poderá ter de contar com a compreensão técnica das entidades responsáveis pela apreciação destas soluções para uma situação especial como esta – na qual este tipo de solução poderá ser um elemento fundamental de boa apropriação e integração social do conjunto; e naturalmente a própria solução arquitectónica deve basear-se, ao máximo, na ausência de pavimentos e grandes muros nos quintais/pátios térreos, ou então apenas muros pouco espessos entre áreas privativas e exteriores térreas, complementados por vedações verdes/naturais e/ou de outro tipo, por exemplo no contacto com áreas comuns – mas devendo garantir-se condições de segurança contra intrusão maximizadas nos espaços exteriores privativos (ou de uso privativo) e nos próprios fogos térreos, sendo tais condições bem previstas logo no projecto.

 Quanto a eventuais estacionamentos comuns privativos no exterior terá de ser bem considerada a situação em termos do seu suporte legal e tendo em conta que esta situação não deve encarecer a intervenção, designadamente, no seu desenvolvimento pelas cooperativas. Quanto a espaços de jogos/desporto e recreio infantil vedados e com acesso condicionado e gerido pelas cooperativas julga-se ser esta uma situação muito adequada e que também não deverá encarecer o desenvolvimento da operação pelas cooperativas (para além do seu desenvolvimento específico), considerando-se que será perfeitamente possível que o uso das instalações seja aberto ao público em geral embora de acordo com o cumprimento de regras de uso/manutenção bem definidas e centradas nos pelouros culturais das respectivas cooperativas.



Outras soluções de preenchimento de quarteirões

Tal como se apontou atrás, em condições urbanas, vicinais e sociais específicas e positivas é possível optar por interiores de quarteirão com utilizações/ocupações uniformizadas e dedicadas, por exemplo, e especificamente, a um amplo espaço ajardinado e/ou de estadia ou recreio livre, muito dedicado à respectiva vizinhança, mas de natureza pública. Sobre esta matéria há que referir, desde início, que a ocupação provavelmente mais adequada nestes casos será por um jardim urbano agradável e intensamente utilizável numa perspectiva quase de expansão natural do habitar sobre o exterior contíguo, mas que reforce a presença da natureza e dos seus elementos distintivos, mediante um sensível e qualificado projecto de paisagismo que introduza, designadamente, uma ampla variedade de espécies vegetais, a dinamização do povoamento por pássaros e um tema “central” de composição bem integrado ao tema arquitectónico fundamental desse quarteirão.

Será, assim, possível ganhar mais um jardim para a cidade, sem custos suplementares para esta cidade e enquanto se desenvolve um jardim de proximidade e que serve essa mesma vizinhança/proximidade; mas reforça-se a ideia de que este objectivo óptimo só será possível em condições especiais físicas, sociais e de gestão, caso contrário nem o jardim se conseguirá estabilizar, nem o ambiente será favorável para a própria vizinhança e para a cidade.


Fig. 07: pequeno quarteirão, no Monte Espinho, coord. Arq.ª Paula Petiz.


Aspectos de gestão

Chegados aqui há que salientar a importância da gestão no desenvolvimento de interiores de quarteirão urbanos e habitacionais, que sejam funcionais e agradáveis, sublinhando-se ser a garantia de uma gestão local e de continuidade eficaz condição necessária e fundamental para a viabilidade desses espaços e das suas respectivas vizinhanças e para a sua essencial boa influência na cidade envolvente.

Não valerá a pena prever equipamentos comuns e espaços térreos privatizados sem se prever e embeber na promoção um sistema de gestão e de controlo dos usos que tenha um máximo de viabilidade. Situação que se tentou facilitar e apontar, nas páginas anteriores, através do favorecimento de soluções que definam, delimitem e responsabilizem os usos de cada espaço em presença no interior do quarteirão, anulando-se espaços sem usos, bem como espaços residuais e associando-se, estrategicamente, acessos a edifícios e a equipamentos em "pontos" estratégicos e menos visíveis, evitando-se, assim, que estes locais se tornem sítios de usos negativos, e pelo contrário transformando-os em pequenos pólos vitalizadores e securizadores de zonas exteriores contíguos, ainda, eventualmente, mais recônditas e menos visíveis a partir das habitações e dos equipamentos e principais acessos exteriores.

Mas para além de todas estas medidas há que pôr de pé uma entidade local responsável pela gestão do conjunto destes espaços, ou, pelo menos, pelas suas principais zonas de equipamento, e há que garantir a articulação desta entidade com os condomínios que integram o quarteirão e com os processos usados para apelar a intervenções de emergência, designadamente, da polícia e dos bombeiros, sendo também de grande importância a eventual integração do interior do quarteirão num processo de “policiamento de proximidade” - modalidade que está a ser favorecida pela PSP - e, naturalmente, que a própria polícia e os bombeiros sejam convidados a pronunciar-se sobre a solução urbana de pormenor a tempo de se poderem integrar as suas eventuais sugestões.


Breves reflexões finais

Como breves reflexões finais salienta-se o interesse humano e urbano de se aprofundar a criação de uma cidade de quarteirões, que possa ser uma cidade cujas vizinhanças caracterizadas e agradáveis contribuam para um adequado efeito de conjunto e para estimulantes sequências citadinas em que se possa, assim, experimentar uma série de pequenos mundos residenciais.

Volta a referir-se que há outras soluções para se fazer cidade, mas considera-se que aquela que recorre a quarteirões tenta proporcionar boas e diversificadas condições habitacionais e urbanas aos novos habitantes de zonas eventualmente sensíveis em termos sociais, através de soluções que definem uma terceira via entre uma “não-solução” de privatização condominial do exterior que vai fazendo morrer o espaço urbano e uma outra “não-solução” de espaço condominial "aberto", que provavelmente também não terá grandes perspectivas de sustentabilidade.


Notas editoriais:


(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.


(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.


(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.






Infohabitar a Revista do Grupo Habitar


Editor: António Baptista Coelho


Edição de José Baptista Coelho


Lisboa, Encarnação - Olivais Norte


Infohabitar, Ano VII, n.º 352, 26 de Junho de 2011

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